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Proc. nº 674/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 15 de Março de 2012
Descritores:
-Nulidade da sentença
-Oposição entre fundamentação e decisão
-Facturas: seu valor

SUMÁRIO:
I- A nulidade a que se refere o art. 571º, nº1, al. c) do CPC, manifesta-se quando os fundamentos invocados pelo julgador deveriam ter conduzido logicamente a um resultado decisor oposto àquele que foi alcançado, ou seja quando se detecta um vício lógico de raciocínio que deveria ter levado a produzir uma decisão diversa daquela para a qual o raciocínio conduziu efectivamente o seu autor.
II- A factura é um documento comercial ou contabilístico, de valor dispositivo, que incorpora uma declaração de vontade pelo vendedor que, completada com a aceitação expressa pelo comprador, titula, em regra, e mesmo que informalmente, um contrato de compra e venda de bens ou produtos. Mas, sem a prova da entrega pelo vendedor e aceitação pelo comprador, não é possível dizer que a mercadoria foi vendida e entregue a este.
III- Não pode ser conhecida no saneador-sentença a questão de fundo com base em documentos particulares a que o contestante é alheio (cópias de facturas e de fotografias), que alegadamente traduzem uma realidade de facto, mas que foi impugnada pelo contestante.







Proc. Nº 674/2011


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM


I. Relatório

A, com os demais sinais dos autos, recorreu do despacho da Ex.ma Chefe do Departamento de Propriedade Industrial da Direcção dos Serviços de Economia de 6/04/2010, que declarou a caducidade do registo da marca com o nº N/XXXXX que havia sido pedida por “B, Limitada”.
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Por sentença do TJB de 29/04/2011 foi o recurso julgado procedente e, em consequência, revogado o referido despacho.
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Dessa sentença veio recorrer a sociedade “B, Limitada”, em cujas alegações concluiu o seguinte:
I. Não se conforma a RECORRENTE com o despacho saneador-sentença do tribunal a quo que decidiu proceder à revogação do despacho de 6 de Abril de 2010, da DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE ECONOMIA (DSE), o qual declarava a caducidade, por falta de utilização séria, do registo a favor do Recorrido da marca C, com o n.º N/XXXX, nos termos dos artigos 231.º/1 b) e 232.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI).
 Porquanto,
II. Os documentos de fls. 51 e 52. do apenso constituído pelo processo administrativo não são suficientes para concluir que o RECORRIDO procede, no estabelecimento chamado “D”, à venda de cigarros da marca “C”.
III. Carece de fundamentação o raciocínio lógico-judicativo que levou o tribunal a quo a concluir, com base nos documentos de fls. 51 e 52. do apenso, que o RECORRIDO procede, no estabelecimento chamado “D”, à venda de cigarros da marca “C”.
IV. Em consequência, deve ter-se por não provado o facto n.º 7 da douta sentença recorrida (O recorrente explora nessa fracção uma loja à qual deu o nome “D” onde vende cigarros de várias marcas, incluindo os da marca C).
V. As facturas constantes de documentos 31 a 50 enquadram-se naquilo que o art.º 374.º CC define como sendo “registos onde habitualmente alguém tome nota dos pagamentos que lhe são efectuados” - os quais, nos termos do mesmo dispositivo, “fazem prova contra o seu autor” - e só contra este.
VI. Mesmo que se entenda que tais documentos não quadram na previsão do art.º 374.º CC, sempre teriam que ser reconduzidos ao conceito de documento particular do art.º 356.º in fine, firmando-se o seu valor probatório no regime dos artigos 367.º ss. do CC.
VII. Ainda que tais documentos não tivessem sido impugnados, eles só fariam prova plena quanto ao seu autor-declarante (art.º 370.º/1 CC), e somente na medida do que for contrário aos seus próprios interesses (art.º 370.º/2 CC).
VIII. Tendo a Mma, Juíza do tribunal a quo dado como provadas as declarações constantes desses documentos, desprezando a circunstância de os mesmos terem sido impugnados pela RECORRENTE, tratou-os, no fundo, como se os mesmos tivessem a natureza de documentos (art.º 366.º CC).
IX. Impugnada prova documental, sujeita a livre apreciação, o apuramento dos factos que se destine a atestar depende, em princípio, de uma indiciação que apoie a respectiva credibilidade.
X. Não pode o tribunal dar como provados factos constantes de documentos particulares, quando impugnados pela parte contrária e não corroborados por outros meios de prova.
XI. Em consequência, deve ter-se por não provado o facto n.º 9 da douta sentença recorrida (A “Agência E” emitiu as facturas constantes do processo administrativo em apenso (fotocópia autenticada do mesmo), a fls. 31 a 50, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, delas constando a venda de cigarros da marca C entre os anos de 2005 e 2009).
XII. Ao ter decidido em contrário, a Mma, Juíza do tribunal a quo violou, entre outras, as normas constantes dos artigos 374.º, 356.º, 366.º, 367.º e 370.º do CC.
XIII. Na fase de condensação, os factos provados por documentos são apenas aqueles cobertos por prova plena. Em consequência, deve ser elaborado despacho saneador-sentença quando todos os factos estão assentes ou os factos não assentes são irrelevantes para a decisão. Como tal, não deveriam os factos constantes de tais elementos probatórios (facturas) ter sido dados como provados pelo tribunal a quo, mas, em lugar, disso, ter sido levados à base instrutória.
XIV. A análise ao teor dos documentos constituídos pelas facturas emitidas pelo RECORRIDO permite concluir que os mesmos não apresentarem um nexo de sequencialidade cronológica que acompanhe pari passu a sequencialidade da sua numeração mecanográfica, o que não pode deixar de constituir um factor de inconsistência do elemento probatório junto, o qual não resiste à análise crítica imposta pelo art.º 556.º/2 do CPC.
XV. A factura consiste num um documento comercial, contabilístico, correspondente a actos comerciais de venda e entrega de produtos, documento esse que é passado pelo vendedor. Não prova, só por si, a venda e entrega dos produtos ao adquirente.
XVI. A factura somente assinada pelo vendedor da mercadoria não pode fazer prova senão contra si próprio, e na medida em que o seja, pelo que, para que o processo carece de meios de prova suficientes para que sejam dadas como provadas as vendas efectuadas que constam das facturas.
XVII. Tratando-se de matéria controvertida - porque não confessada, nem provada por documento com força probatória plena -, as vendas que essas facturas exibem não poderiam ser consideradas provadas, potenciando, assim, o leque de soluções jurídicas plausíveis para a questão de direito suscitada pelas partes.
XVIII. Tais factos deveriam ter sido levados à base instrutória e os autos prosseguido para a fase de audiência de discussão e julgamento.
XIX. Ao contrário da lei portuguesa, o RJPI de Macau não determina que, à resposta da PARTE CONTRÁRIA, haja de seguir-se a decisão. Como tal, deveriam ter sido prosseguidos os termos previstos para o processo comum ordinário do CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (artigos 430.º e seguintes).
XX. Consequentemente, a decisão em apreciação deve ser substituída por outra que determine a revogação da douta sentença e a sua substituição por outra que ordene a elaboração do despacho saneador stricto sensu.
XXI. Ao ter decidido em contrário, o tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 430.º, 431.º e 433.º ss. do CPC.
XXII. O uso efectivo da marca tem que quadrar com o seu carácter funcional, i.e., de garante da genuinidade e da conformidade dos produtos vendidos sob os seus sinais distintivos com os seus caracteres produtivos reconhecidos. Porém, esse uso efectivo não pode deixar de ter por objecto os produtos para os quais a marca foi registada, que se caracteriza por ser funcionalmente orientado a criar ou conservar um mercado para estes produtos e serviços.
XXIII. Não possuem valia para a concretização do conceito de uso sério os usos de carácter simbólico que tenham como único objectivo a manutenção dos direitos conferidos pela marca.
XXIV. O uso sério pressupõe, necessariamente, dois requisitos essenciais: a utilização efectiva da marca no mercado de produtos e serviços a que se destina e a capacidade de identificar e distinguir uma origem. O uso meramente publicitário também dificilmente os preencherá.
XXV. O mercado visado pela marca “C”, e aquele para o qual se encontra licenciada, não é o de relógios, mas sim o de tabaco, incluindo cigarros, conforme resulta do registo requerido pelo RECORRIDO.
XXVI. Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida enferma, assim, de nulidade fundada em contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos, nulidade essa que, por ferir decisão que admite recurso ordinário, deve ser suscitada no presente recurso (art.º 571º/1. c) e 3).
XXVII. Mostram-se, assim, violados, entre outros, os artigos art.º 571.º/1. c) do CPC, e 231.º e 232.º do RJPI.
XXVIII. Consequentemente, deve a douta sentença ser revogada, com fundamento na sua nulidade, e anulados todos os actos a ela subsequentes.
Nestes termos, e nos mais de direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogado o despacho saneador-sentença, bem como anulado todo o processado subsequente.
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Em resposta, o então recorrente, aqui recorrido, apresentou as suas alegações, que concluiu como segue:
I. Vem o Recurso a que ora se responde interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente o recurso judicial interposto pelo ora Recorrido, então Recorrente, e, consequentemente, revogou o Despacho proferido pela Direcção dos Serviços de Economia (DSE) em 06 de Abril de 2010 que declarou a caducidade, por falta de utilização séria, do registo da marca C, com o n.º N/XXXXX; mantendo assim em pleno vigor o registo da mesma a favor do ora Recorrido.
II. A Recorrente impugna o julgamento da matéria de facto efectuado pelo douto Tribunal a quo, nomeadamente no que respeita aos factos provados nos pontos 7,9, por entender que o Tribunal a quo não dispunha de prova suficiente para os dar como provados, e 11 da douta Sentença recorrida, por considerar que através de tal facto deveria o Tribunal a quo ter concluído que não existe uso sério da marca sub judice por parte da ora Recorrida.
III. Os documentos de fls. 51 e 52 dos autos, com base nos quais o douto Tribunal a quo julgou provado o facto n.º 7 da douta sentença, não foram impugnados pela Recorrente em sede da sua Resposta, assim como não foi impugnado o facto alegado pelo Recorrido no artigo 10.º, ponto iii) do seu requerimento inicial de recurso, onde remete para os aludidos documentos,
IV. Os documentos de fls. 51 e 52 tratam-se fotografias da fachada e da montra da loja explorada pelo Recorrido, onde se encontram expostos maços de cigarros da marca C, e como tal nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 361.º do Código Civil, “ (...) fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exatidão.”
V. Não tendo o Recorrido impugnado os referidos documentos, não pode agora vir fazê-lo e muito menos pode vir apontar qualquer vício à decisão do Tribunal de Primeira Instância que se limitou retirar de tais documentos a força probatória plena que lhe atribuída por lei, julgando provados os factos alegados pelo ora Recorrido com recurso a tais documentos.
VI. A Recorrente também não impugnou as facturas com base nas quais o douto Tribunal a quo deu como provado o facto n.º 9 da decisão em crise, e também não impugnou os factos que tais facturas se destinavam a provar, tendo-se limitado nos artigos 14.º e 15.º da sua Resposta a tecer meras considerações pessoais quanto à força probatória das mesmas facturas-
VII. A impugnação das facturas de fls. 31 a 50 deveria ter sido feita pela Recorrente nos termos prescritos nos artigos 368.º do Código Civil e 469.º do Código de Processo Civil, o que in casu não sucedeu.
VIII. As aludidas facturas, quer se tratem do tipo de documentos previstos no artigo 374.º do Código Civil, conforme defende a Recorrente, quer se tratem de documentos particulares na acepção do artigo 365.º do mesmo diploma legal, no que respeita aos factos que nelas se encontram atestados - a venda de cigarros da marca C - têm exactamente a mesma força probatória. Ora,
IX. Não tendo sido devidamente impugnados pela parte contra quem foram apresentados, eles são livremente apreciados pelo Tribunal, conforme aconteceu nos presentes autos.
X. Nos termos dos artigos 368º, nº 1, 370.º e também do artigo 374.Q, todos do C.Civil, os documentos de fls. 31 e 50 não fazem prova plena dos factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor, uma vez que a sua força ou eficácia probatória plena se limita à existência das declarações nelas contidas, não abrangendo a exatidão das mesmas, relativamente às quais, não tendo o documento donde constem sido devidamente impugnado, ficam sujeitas à livre apreciação e convicção do Tribunal, nos termos do artigo 558.º n.º 2 do C.P.C.
XI. Se a prova que foi produzida sobre os factos que os documentos se destinavam a provar - a venda de cigarros da marca C entre 2005 e 2006 - através das aludidas facturas criou no Tribunal a quo uma convicção conforme à materialidade das declarações neles contidas, a decisão do douto Tribunal a quo no que a este ponto da matéria de facto respeita, não merece as críticas que lhe são apontadas pela Recorrente.
Ademais,
XII. A quebra de sequência cronológica das referidas facturas, que só agora foi alegada pela Recorrente, não representa qualquer factor de inconsistência do elemento probatório, mas tão só que as mesmas não foram emitidas na data em que a operação que titulam teve lugar, uma situação que ocorre sistematicamente no dia-a-dia da vida de qualquer comerciante.
XIII. As facturas relativamente às quais existe a denominada quebra de sequência cronológica reportam-se a vendas efectuadas em 10/12/2005 e 20/04/2007, sendo que posteriormente a estas e especificamente nos três anos anteriores ao pedido de declaração de caducidade da marca ora em apreço, foram comercializados muitos mais cigarros da marca C.
XIV. No que ao ponto 9 da matéria de facto da decisão recorrida respeita, o Recurso interposto pela Recorrente é uma verdadeira impugnação ex nouvo de documentos desde inicio juntos aos presentes autos, a que acrescentou a invocação de mui douta Jurisprudência totalmente desenquadrada das circunstâncias materiais dos presentes autos, numa inglória, mas mui esforçada, tentativa de colmatar a falta de impugnação devida e atempada de documentos que, não tendo sido impugnados, foram livre e prudentemente apreciados pelo douto Tribunal a quo que, com base nos mesmos, considerou provada a comercialização de cigarros da marca C pelo ora Recorrido entre 2005 e 2008.
XV. A decisão do douto Tribunal de Primeira Instância não padece de contradição entre os fundamentos e a decisão, tendo neste ponto a Recorrente desvirtuado o raciocínio lógico na mesma seguida pela Meritíssima Juíza.
XVI. Na análise do direito aplicável ao caso, a decisão ora em crise, enuncia o conceito geral de uso sério da marca, sendo que, regressando ao caso dos autos conclui que o Recorrido, tal como lhe permite o artigo 219.º, n.º2 do RJPI, continua a promover a comercialização da marca C através de relógios com o respectivo logótipo.
XVII. O douto Tribunal a quo em parte algum da sua decisão refere que o Recorrido passou a usar a marca ora em crise em produtos diferentes - relógios daqueles para os quais a marca foi registada - cigarros -, tendo antes referido que, através da aposição do logótipo da marca C em relógios, o ora Recorrido promove a comercialização dos cigarros da marca C, de que é titular, conforme lhe permite o artigo 219.º, n.º 2 do RJPI.
XVIII. Não se verifica a apontada contradição entre a decisão e os fundamentos na sentença objecto do presente Recurso não padecendo a mesma do vício de nulidade que lhe aponta a Recorrente.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas, doutamente suprirão, deve o Recurso interposto pela Recorrente ser julgado improcedente e, consequentemente, deverá ser confirmada na integra a douta sentença proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância que revogou o despacho recorrido datado de 06 de Abril de 2010 e manteve o registo da marca n/XXXXX em vigor.
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Cumpre decidir.
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II- Os factos
A decisão impugnada deu por assente a seguinte factualidade:
1. Em 06/01/2006, a Recorrente requereu o registo da marca N/XXXXX para assinalar serviços incluídos na classe 34.
2. Este registo foi concedido por despacho de 8/05/2006, publicado no Boletim Oficial n.º23, II Série de 07.06.2006, não tendo merecido qualquer reclamação.
3. Em 27.01.2009, a B, Limitada requereu a declaração de caducidade da marca N/XXXXX.
4. O pedido de caducidade foi publicado no Boletim Oficial n.º 7, II Série de 18.02.2010, tendo o recorrente respondido a tal pedido.
5. Por despacho datado de 06 de Abril de 2010, publicado no Boletim Oficial n.º 18, II Série de 05.05.2010 foi deferido o pedido de declaração de caducidade da marca, tendo o mesmo sido notificado ao recorrente e parte contrária através de oficio expedido na mesma data.
6. O recorrente é proprietário da fracção autónoma para comércio sita em 澳門XX路X號XX地下 “X”鋪, em português, Rua XX, nºX, Edifício XX, R/C, “X”, sendo esta igualmente a sede da “Agência E”, empresa comercial registada em nome do recorrente sob a AP.7/05022002, que tem como objecto empresarial a importação e exportação.
7. O recorrente explora nessa fracção uma loja à qual deu o nome “D” onde vende cigarros de várias marcas, incluindo os da marca C (cfr. documento de fls. 51 e 52 do apenso).
8. Em Outubro e Dezembro de 2005, a agência do recorrente importou da Holanda um total de 144 caixas, contendo tabaco da marca C (cfr. documentos de fls. 37 e 38).
9. A “Agência E” emitiu as facturas constantes do processo administrativo em apenso (fotocópia autenticada do mesmo), a fls. 31 a 50, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, delas constando a venda de cigarros de marca C entre os anos de 2005 e 2009.
10. O recorrente obteve registos da mesma marca, em Abril de 2009 e em Março de 2009, nas Filipinas e na Bélgica.
11. O recorrente promove a comercialização da marca C através de relógios com o respectivo logótipo (cfr. documentos de fls. 20 a 23).
12. Segundo o parecer do F, SA, junto a fls. 71 dos autos, o período máximo de segurança para o armazenamento de cigarros é de 18 meses, em condições ambientais adequadas.
Acrescenta-se ainda, ao abrigo do art. 629º, nº1, al. b), do CPC que:
A marca registada com o nº N/XXXXX, representada por C foi publicada no BO, nº9, II série, de 01/03/2006,tendo sido deferido o seu registo por despacho da Chefe do DPI de 8/05/2006.
A B, Limitada requereu o registo da marca C em seu nome (N/49174) em 10/05/2010 (fls. 39 dos autos).
A, recorrente nos autos, dirigiu, por seu turno, em 16/04/2010, à DSE um pedido de registo da mesma marca C (N/48713) em seu nome (fls. 40 dos autos).
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III- O Direito
1- Da nulidade da sentença
O recurso vem focado em dois pontos essenciais: nulidade da sentença e erro no julgamento da matéria de facto.
Comecemos pelo primeiro.
Considera a recorrente que a sentença incorreu em nulidade por contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos (art. 571º, nº1, al. c) e 3 do CPC).
Como é sabido, a nulidade invocada manifesta-se quando os fundamentos invocados pelo julgador deveriam ter conduzido logicamente a um resultado decisor oposto daquele que foi alcançado (Acs. STJ 1/06/1993, Proc. nº 003146; STJ 31/03/1998, Proc. nº 98ª265), ou seja quando se detecta um vício lógico de raciocínio que deveria ter levado a produzir uma decisão diversa daquela para a qual o raciocínio conduziu efectivamente o seu autor (TSI, de 16/02/2006, Proc. nº 156/2005).
No caso concreto, não detectamos esse vício, porque a coerência entre fundamentos e decisão é totalmente lógica. Na verdade, o que o M.mo julgador fez foi relacionar a actividade do recorrido, para cuja marca dispunha de registo, com a agência registada em seu nome (Agência E) e com a titularidade do seu direito de propriedade sobre o local onde esse estabelecimento estava instalado. E se a tudo isto o tribunal “a quo” fez acrescer a prova de que o aqui recorrido (recorrente judicial), através da referida agência, fez importação e venda de tabaco da marca C, durante o período de três anos a que se refere o art. 231º, nº1, al. b), do RJPI, então não podemos vislumbrar nenhuma oposição entre fundamentação e decisão. Por outras palavras, o percurso mental e raciocínio expostos na sentença podia levar, como levou, à prolação da sentença nos termos em que o tribunal o fez.
Questão diferente é saber se algum pressuposto falhou na lucubração. Isto é, se a premissa menor de que partiu o digno julgador não terá assentado em matéria factual inexistente ou com diferentes contornos substantivos ou não totalmente adquirida processualmente. Isso, porém, é já tema para outra discussão, precisamente aquela que a recorrente também invoca no presente recurso e a que urge dar resposta na secção imediata deste aresto: o erro no julgamento da matéria de facto.
No máximo, o que pode existir é, em vez de nulidade, erro de julgamento se os pressupostos com base nos quais o julgador laborou estiverem errados. Mas, aí, a questão é já de mérito (Ac. STJ de 3/08/2001, Proc. nº 00A3277).
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2- Do erro de julgamento da matéria de facto
Estão em causa os factos constantes dos pontos 7, 9 e 11 dos factos assentes no saneador-sentença.
No primeiro deles, o tribunal deu por assente que “O recorrente explora nessa fracção uma loja à qual deu o nome “D” onde vende cigarros de várias marcas, incluindo os da marca C (cfr. documento de fls. 51 e 52 do p.a.)”.
Os referidos documentos são fotografias alegadamente do estabelecimento em causa, que dão conta do nome da loja e da exposição para venda de cigarros daquela marca. São documentos que não foram juntos com a petição inicial, mas que integram o procedimento administrativo apenso e que o recorrente pretende constituam elementos de prova nos autos, tal como decorre da petição inicial.
São fotografias que a própria entidade recorrida, na fundamentação da sua decisão, considerou não ajudarem a provar o uso sério da marca pelo respectivo titular.
É certo que a contestante B, Limitada , aqui recorrente jurisdicional, não os atacou especificamente na sua peça contestatória. Todavia, a maneira como se defendeu, no seu conjunto, é manifestamente contrária à aceitação da versão dos factos trazida pelo recorrente judicial. Na verdade, toda a sua contestação foi articulada no sentido de impugnar que o recorrente tivesse tais cigarros à venda. Basta ler, por exemplo, o que dizem os arts. 12º, 17º e sgs. para se comprovar que a defesa apresentada se apressa a negar o uso sério da marca C pelo recorrente.
É verdade que a contestação da entidade recorrida acaba por aceitar, a partir das fotografias – agora, mas não na fundamentação da sua decisão impugnada – que naquela loja “D” estão a ser postos à venda cigarros da marca C e “G”. Simplesmente não lhes dá o valor probatório que o recorrente sempre pretendeu extrair de tais fotografias em virtude de continuar a entender que cabia ao recorrente fazer a prova que a loja pertence ao recorrente, assim como a Agência E.
Quer dizer, à primeira vista, parece que a posição da entidade recorrida seria contrária aos interesses da defesa do “B”, desde que estivesse provada – como está documentalmente nos autos - a ligação da loja à propriedade do recorrente judicial. Todavia, a forma como a entidade recorrida contestou não se reflecte necessariamente na esfera do “B”, uma vez que este contestante manifestou, por si mesmo, uma oposição contestatória dotada de suficiente força impugnativa a respeito do uso da marca pelo recorrente. Mas, além disso, e referindo-se então às fotografias, no próprio art. 16º da contestação da entidade recorrida, foi claramente dito que elas também não eram suficientes para provar que o interessado tem vindo a usar efectivamente a marca C em Macau. Portanto, afinal de contas, só aparentemente, a posição processual da DSE é contrária aos interesses do “B”, porque descendo à minúcia dos conteúdos contestatórios, logo será possível divisar que, entre eles, há similitude de posicionamento.
E, neste aspecto, se mergulharmos agora na análise das disposições invocadas pelo recorrente jurisdicional mais lhe reconheceremos alguma razão. Com efeito, se é verdade que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (art. 450º, do CPC) – nisso tem razão - também não deixa de ser certo que o princípio da aquisição processual obriga a que o tribunal tome em consideração todas as provas realizadas no processo, independentemente de quem as tenha apresentado (art. 436º do CPC). Princípio que, associado ao do inquisitivo, e se for de entender que a esta espécie processual se podem aplicar disposições do contencioso administrativo (o art. 281º do RJPI parece apontar nesse sentido), ainda colhe dos arts. 54º e 55º do CPAC uma utilização concreta, ao possibilitarem o uso dos elementos do processo administrativo instrutor (cfr. tb. art. 278º do RJPI). Portanto, o tribunal podia servir-se de elementos constantes do processo instrutor apenso, nomeadamente dos documentos de fls. 51 e 52.
Só que aqueles documentos – que mais parece serem ampliações a preto e branco de fotos digitalizadas –, naquilo que mais pacificamente possa ser adquirido processualmente, apenas é aceite pelas partes quanto à designação da loja “D”.
Quanto ao resto, uma vez que nenhum dos contestantes aceitou o invocado facto, não parece ser possível tomar como verdadeiro que aqueles maços de tabaco da marca C estejam expostos no interior daquela loja em concreto. Ou seja, a fotografia em apreço não podia ter levado a consignar o facto pelo modo como foi feito no referido ponto 7 da factualidade assente, não só, por não ser certo que ela respeite a esta loja, como principalmente não ser líquido que corresponda ao tempo presente (pode representar uma situação já passada). Ou seja, o tribunal, quanto a este aspecto deixou-se trair pelo lado objectivo do conteúdo da foto, sem considerar o momento em que ele possa ter sido captado pela câmara (aspecto temporal), nem equacionar o aspecto da conexão material entre o conteúdo da foto e a realidade invocada (isto é, sem ponderar se a exposição dos maços de tabaco realmente pertence a alguma vitrina desta loja ou de outra).
Quer isto dizer que não podia o tribunal dar por assente o facto constante do ponto 7 da matéria de facto, na parte em que nele, com base em tais documentos, dá por provado que o recorrente “vende cigarros …da marca C” na referida loja. Será precisa, pois, mais alguma prova para tal ser concluído.
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Agora, quanto ao facto nº9.
Nele, a sentença consignou que “A “Agência E” emitiu as facturas constantes do processo administrativo em apenso, a fls. 31 a 50, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, delas constando a venda de cigarros de marca C entre os anos de 2005 e 2009”.
Os documentos em causa são “Invoice” (Facturas) que alegadamente mencionam a venda de cigarros da marca C entre 2005 e 2009. No entanto, tais documentos foram impugnados pelo aqui recorrente jurisdicional ao dizer que tais facturas nem sequer identificam o adquirente da mercadoria e que não chegam para fazer prova das alegadas transacções (art. 15º da resposta).
E na verdade, se as facturas são documentos identificação do vendedor ou prestador de serviços, devem identificar o nome, firma ou denominação social, morada da sede ou domicílio do vendedor, o nome do comprador, adquirente ou consumidor, a quantidade e denominação usual dos bens ou serviços e o preço. A factura, portanto, é um documento comercial ou contabilístico, de valor dispositivo, que incorpora uma declaração de vontade pelo vendedor que, completada com a aceitação expressa pelo comprador, titula, em regra, e mesmo que informalmente, um contrato de compra e venda de bens ou produtos (Ac. do STJ de 27/01/1999, Proc. nº 98P350). Mas, sem a prova da entrega pelo vendedor e aceitação pelo comprador, não é possível dizer que a mercadoria foi vendida e entregue ao comprador.
Como se diz em outro aresto, depois de citar H, in Direito Bancário”, 2º vol., pag. 130, “…o documento idóneo para comprovar a entrega dos produtos e a sua aceitação pelo R. não é a junção aos autos do duplicado da factura emitida pelo próprio vendedor, mas sim o extracto do qual resulta que a encomenda foi conferida e aceite pelo comprador, ou que a mercadoria foi recebida” (Ac. da R.P. de 24/05/2005, Proc. nº0522175; no mesmo sentido, Ac. RP, de 2/06/2009, proc. nº 193591/08.9YIPRT.P1).
Continuou o referido aresto da Relação do Porto “…o direito comercial não tem qualquer regra específica que liberte o vendedor do ónus probatório dos factos constitutivos do seu direito, donde, estar aquele submetido ao regime geral do art. 342.º-1 do CC. Ora, para provar o seu direito de crédito, teria a A. de o comprovar. Poderia fazê-lo, é certo, por qualquer meio de prova, designadamente através de prova testemunhal, por forma a validar e confirmar o documento impugnado, ou então, fazendo juntar duplicado da factura, mas devidamente assinada pelo comprador ou juntando qualquer outro documento assinado por este, onde ele, directa ou indirectamente confirmasse o fornecimento ou reconhecesse a dívida, ou obtendo a respectiva confissão através de depoimento de parte, que a A teria de provocar”.
E para finalizar “ …o documento junto pelo A. não prova, só por si, a venda e entrega dos produtos ao R., e dado que, para além dele, nenhum outro elemento de prova se dispõe nos autos onde porventura pudesse assentar, a conclusão a que chegamos é precisamente a inversa da adoptada na Sentença. A M.ª Juíza, com aquele único elemento disponível, não poderia considerar provado a compra e a recepção dos produtos aí enunciados por parte do R., nem muito menos que lhe correspondesse a dívida aí indicada”.
A transcrição serve perfeitamente para o caso que nos ocupa. Assim, se os documentos em causa não indicam a quem foram feitas as vendas, o seu valor enquanto factura propriamente dita, enquanto título que descreve um acto de comércio de venda, fica seriamente abalado. Não passam de meros documentos particulares (art. 356º, nº1 do Cod. Civil) cuja prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, só se poderia extrair quando a sua autoria estivesse reconhecida nos termos dos arts. 368º a 369º do mesmo Código. Mas, por outro lado, e ao contrário do que defende o recorrente, também não nos parece que se não pode tratar as facturas como registos e escritos onde são registados pagamentos ao abrigo do art. 374º do C.C., já que a factura apenas pode titular um negócio, mas não prova o pagamento, que geralmente nunca é feito na data dela, mas posteriormente.
Portanto, sendo documento particular, a sua força probatória só funciona quanto ao seu autor-declarante (art. 370º, nº1, do CC) e apenas na medida em que forem contrários aos interesses desse declarante (art. 370º, nº2, do CC).
No caso dos autos, o valor probatório de tais “invoices”, sem confirmação e reforço por prova adicional de outro tipo, é pouco mais do que indiciário; isoladamente não basta para provar o conteúdo declarado se, como aqui aconteceu, ele tiver sido alvo de impugnação.
E neste aspecto tem até razão o recorrente ao afirmar uma quebra de cronologia que colide com a sequência da numeração de tais documentos. Com efeito, enquanto o “Invoice” 0401171 data de 10/01/2006, o “invoice”0401172 (posterior) tem uma data anterior (10/12/2005). E por outro lado, enquanto o “invoice” 0401241 data de 20/04/2007, o “invoice” posterior, com o nº 0401247, tem a data anterior de 10/06/2006. Ou seja, há neste desfasamento algo incompreensível e que não foi tornado claro, como devia.
Isto quer dizer que, estando tais elementos de facto impugnados, eles não podiam ser tomados por factos assentes e, em vez disso, deveriam ter sido levados à base instrutória. Na verdade, para que a decisão pudesse ser tomada no despacho saneador haveria o tribunal que estar na posse de um grau de certeza e liquidez acerca dos factos, de modo a poder avançar imediatamente e sem mais demoras para o conhecimento do pedido segundo as várias soluções plausíveis de direito1.
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O que acaba de dizer-se resolveria suficientemente o recurso sem acréscimo de fundamentação. Mas, como foi ainda invocado um outro argumento impugnativo, não deixaremos de lhe fazer referência.
Tem ele que ver com o facto nº11 do saneador sentença, onde ficou exarado que “O recorrente promove a comercialização da marca C através de relógios com o respectivo logótipo (cfr. documentos de fls. 20 a 23)”.
Ora esta matéria foi extraída do art. 29º da petição inicial, mas à qual o ora recorrente na sua contestação desferiu golpes de inconformismo, ao esvaziar de significado jurídico a circunstância de o recorrente judicial porventura estar a vender relógios da marca C. Para si, essa circunstância não pode significar uso sério da marca cujo registo lhe havia sido concedido para a comercialização de produtos de tabaco. E no presente recurso, volta o “B” a rebelar-se contra isso, considerando não estar provado o facto além introduzido.
Ora, relativamente a esta matéria, viu-se a recorrente “B” quase obrigada a introduzir nas suas alegações um argumentário que excede o seu próprio esforço de confinar a resistência ao julgado à impugnação da matéria de facto como à partida se dispôs expressamente a fazer. Basta olhar para os arts. 35º a 44º para se perceber que esta recorrente o que visa é demonstrar que aquele ponto 11 não podia ser plasmado na forma em que está redigido. Mas, para o fazer, teve que servir-se do precioso auxílio doutrinal na mira de convencer que a promoção de uma marca não pode ser feita senão através de produtos para cuja comercialização foi concedido o registo.
Nós percebemos muito bem a dificuldade da recorrente em se confinar à objectividade do referido ponto 11. É que ele, afinal de contas, mais do que apenas matéria de facto, também inclui no seu âmago algo que deveria ser relegado para o plano da discussão do direito. Quer dizer, deveria o tribunal limitar-se a dizer que o recorrente A (e mesmo assim, se achasse estar absolutamente convencido por prova feita nesse sentido) vendia relógios da marca C. Mas não deveria ter ido mais longe e dizer que ele promove a comercialização da marca C através de relógios com o respectivo logótipo.
Na verdade, dizer que, dessa maneira, está a “comercializar a marca C” é fazer um exercício jurídico e conclusivo. Isso é matéria de direito. É o mesmo que levar para a matéria de facto aquilo que deveria constituir o cerne do trabalho de subsunção na parte da decisão dedicada à fundamentação. Ou seja, saber se com aquela atitude do recorrente ele esteve a fazer uso da Marca C – aquela que em seu favor está registada – é, precisamente, parte do todo que constitui o diferendo litigioso que desune as partes nos presentes autos. Deve, por isso, o tribunal “a quo” reduzir a factualidade à objectividade da matéria sem a subjectividade da apreciação jurídica, cuja sede é a fundamentação no âmbito da definição do direito.
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Em suma, não pode ser conhecida no saneador-sentença a questão de fundo com base em documentos particulares a que o contestante é alheio (cópias de facturas e de fotografias), os quais alegadamente traduzem uma realidade de facto, mas que por aquele foi impugnada.
Posto isto, deve proceder o recurso, de forma a que o processo prossiga com reformulação da matéria de facto e obtenção de prova quanto aos factos referidos e de que ainda não foi feito apuramento cabal.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho saneador-sentença e determinar o prosseguimento dos autos nos moldes acima descritos.
Custas pelo recorrido.
TSI, 15 / 03 / 2012
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan

1 Neste sentido, na jurisprudência comparada, ver Ac. da RL, de 14/12/2006, Proc. nº 9662/2006-6
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