Processo nº 34/2012 Data: 15.03.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Acidente de viação.
Indemnização.
Danos não patrimoniais.
SUMÁRIO
1. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.
Na matéria em questão não se devem arbitrar montantes simbólicos ou miserabilistas, devendo-se porém, evitar, igualmente, “enriquecimentos ilegítimos”.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 34/2012
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar o arguido A, com os sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência” p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 do C.P.M., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por um período de 1 ano e 6 meses, e uma contravenção p. e p. pelo art. 37°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007, na pena de multa de MOP$1.500,00.
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Em relação ao pedido de indemnização civil enxertado nos autos, decidiu o Colectivo a quo condenar a demandada “COMPANHIA DE SEGUROS DE MACAU, S.A.” a pagar à demandante B a quantia de MOP$666.873.00 e juros; (cfr., fls. 206-v a 207 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformada com o assim decidido, veio a mencionada seguradora recorrer.
Conclui a sua motivação de recurso, afirmando o que segue:
“1a Ao arbitrar a quantia de MOP$600.000,00 a título de danos não patrimoniais, o distinto Colectivo a quo não associou à sua decisão a prática de um “prudente arbítrio”.
2a A indemnização arbitrada pelo Tribunal a título de danos não patrimoniais deve pautar-se por critérios de equidade (vd. arts. 487° e 489°, n° 3 do Código Civil).
3a Para a fixação do montante compensatório exige-se a consideração de todas as categorias do dano tal como se expôs na motivação de recurso.
4a Atendendo ao dano e em razão do grau de culpa apontada, na forma de negligência, o montante compensatório fixado é elevado, não correspondendo à jurisprudência uniforme para casos idênticos.
5a Na decisão recorrida não pontificaram outras circunstâncias, como a idade da vítima, a sua função social, e os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência.
6a O critério que determinou o montante de compensação fixado a favor da demandante não está suficientemente fundamentado, cria um benefício injusto, constituindo um caso de verdadeira desproporção atendendo às situações económicas do arguido e da demandante.
7a A demandante tem 91 anos de idade, e há data do acidente tinha 87 anos.
8a O tribunal deve proferir um julgamento ex aequo et bonno associado a um “prudente arbítrio”, sem enriquecer ilegitimamente o beneficiário da indemnização apenas porque a demandada – presume-se – possa ter certo poder económico.
9a Deve ser mantido uma uniformidade de padrões compensatórios.
10a Releva ainda o facto probatório, documentalmente assente, que após o acidente a demandante foi internada no Hospital Kiang Wu, tendo recebido alta hospitalar sem quaisquer contra-indicações médicas ou limitações físicas.
11a Após O primeiro internamento, três meses depois do acidente, a demandante, em virtude de sintomas anormais, foi operada no Hospital Conde de São Januário, esta intervenção cirúrgica consentida e aceite livremente, tendo, infelizmente, causado na demandante uma hemiplegia do lado esquerdo do seu corpo.
12a A intervenção cirúrgica a que a demandante se submeteu teve por finalidade drenar um hematoma craniano, mas o facto de ter vindo a sofrer de hemiplegia do lado esquerdo do corpo não tem relação directa com o acidente, inexistindo, deste modo, um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
13a Trata-se de uma verdadeira causa virtual do dano, este é o facto que produziu o dano - a intervenção cirúrgica que causou a limitação física da demandante -, mas esta consequência física não teve causa no facto do acidente.
14a A consequência da intervenção cirúrgica (não a intervenção cirúrgica em si), originando a limitação física à demandante, é um facto acidental que justifica um tratamento excepcional que a lei concede, neste caso a lei atribui relevância negativa, excluindo a responsabilidade do responsável pelo acidente que não causou dano físico relevante.
15a Não resultou provado que o acidente fosse a causa da limitação física que a demandante ficou a padecer, evidenciando o próprio documento médico do Kiang Wu que após o acidente não houve qualquer consequência física limitativa, tendo esta surgido após a intervenção cirúrgica.
16a Em face de tal prova, revelador de um facto notório, o texto do acórdão não justifica ou fundamenta como chegou à conclusão de que a limitação da condição física da demandante é causa directa do acidente.
17a Mesmo que se entenda haver nexo de causalidade entre o acidente e a limitação física da demandante, o que não se concede, sempre se dirá que foram precisos 362 dias para recuperação, conforme se motivou nunca equivaleria a uma compensação de MOP$600,000.00.
18a O douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 487° e no n° 3 do artigo 489° do Código Civil, e incorreu em vício de erro na apreciação da prova ao considerar o dano de limitação física do lado esquerdo do corpo da demandante como causa directa do acidente”; (cfr., fls. 212 a 230).
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Respondendo, pede a demandante a improcedência do recurso; (cfr., fls. 239 a 239-v).
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Nada obstando, cumpre decidir.
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Fundamentação
2. Vem a demandada civil recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B..
Limita o seu recurso ao segmento decisório que apreciou o pedido de indemnização civil enxertado nos autos, e que fixou em MOP$600.000,00 a indemnização pelos “danos não patrimoniais” da demandante, ofendida do acidente de viação matéria dos presentes autos.
Vejamos se lhe assiste razão.
Em matéria de indemnização por danos não patrimoniais tem este T.S.I. entendido que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”; (cfr., v.g., o Ac. de 21.04.2005, Proc. n° 318/2004 e de 07.12.2011, Proc. n° 724/2011).
Nota-se igualmente que na matéria em questão não se devem arbitrar montantes simbólicos ou miserabilistas, devendo-se porém, evitar, igualmente, “enriquecimentos ilegítimos”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.03.2011, Proc. n° 535/2010).
Prescreve também o art. 487° do C.C.M., que:
“Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
In casu, face ao que se deixou consignado, e atentas as lesões pela demandante ofendida sofridas, cremos que excessivo não é o montante de MOP$600.000,00 arbitrado a título de indemnização pelos seus danos não patrimoniais.
Vejamos.
Na fixação de tal montante, ponderou o Tribunal a quo na culpa (exclusiva) do arguido na eclosão do acidente, nas lesões que sofreu a ofendida e no sofrimento que teve (e ainda tem) de suportar.
No que toca às lesões, retira-se da matéria de facto que, com o acidente, a ofendida ficou com feridas e sofreu fracturas ósseas na cara, tendo também ficado com um hematoma cerebral, e que, padece de paralisia do lado esquerdo do seu corpo.
Ora, diz, (essencialmente), a recorrente que a “paralisia” que sofre a ofendida nada tem a ver com o acidente de que foi vítima, já que tal paralisia apenas surgiu após uma intervenção cirúrgica efectuada, pedindo assim a redução do quantum de MOP$600.000,00 fixado.
Pois bem, sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido distinto, não nos parece adequado o assim considerado.
Na verdade, dúvidas não parece haver que o hematoma cerebral que teve a ofendida foi consequência (directa) do acidente que sofreu.
E, por sua vez, para além de se saber que tipos de lesões podem causar tais “hematomas cerebrais”, no caso, face à factualidade dada como provada, lógico e adequado nos parece de concluir também que a situação em que hoje se encontra a ofendida é resultado adequado do mencionado hematoma, sendo também de notar que nada da dita matéria de facto provada inculca outra conclusão.
Nesta conformidade, motivos não havendo para se acolher o entendimento assumido pela recorrente, e sendo de se concluir que a paralisia que hoje sofre a ofendida é consequência adequada das lesões causadas com o acidente, pouco mais há a dizer.
Com efeito, ponderadas as lesões que sofreu a ofendida, as dores e sofrimento de que padeceu, e tendo presente a paralisia que ainda sofre, motivos não há para se reduzir o montante de MOP$600,000,00 arbitrado a título de indemnização pelos seus danos não patrimoniais.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Honorários ao Exmo. Patrono no montante de MOP$1.000,00.
Macau, aos 15 de Março de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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