Processo nº 375/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 15 de Março de 2012
ASSUNTO:
- Legitimidade
- Autoridade do caso julgado
SUMÁRIO:
- Possuem legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor, a não ser que a lei prevê de forma contrária – artº 58º do CPC.
- As exigências da coerência lógico-jurídica ou prática, bem como as da segurança e certeza jurídica, não permitem a coexistência de duas ou mais decisões judiciais contraditórias sobre a mesma questão jurídica.
- Ou seja, o caso julgado quando funciona na sua vertente positiva, isto é, com autoridade do caso julgado, vincula terceiros juridicamente interessados, de forma directa ou meramente reflexa.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 375/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 15 de Março de 2012
Recorrentes: Autores:
1. Companhia de Construção e Investimento Imobiliário A, Lda
2. B
3. C
Rés (recurso subordinado):
4. Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, SA
5. Empresa de Fomento Predial e Investimento D, Lda
Recorridos: Os mesmos
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por despacho-sentença de 09/12/2010, foi decidido julgar os Autores parte ilegítima na acção, bem como na reconvenção enquanto Reconvindos e em consequência absolver as Rés da instância principal e os Autores da instância Reconvenção.
Dessa decisão vêm recorrer os Autores, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Os recorrentes AA pediram na acção que em execução específica seja proferida sentença que, substituindo a declaração de vontade dos promitentes vendedores em escritura pública, declare transferidos para eles AA aqui recorrentes a propriedade de vários imóveis constantes de contratos-promessa de compra e venda com tradição da coisa, que identifica e reproduz, celebrados entre as Rés, como promitentesvendedoras, e COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO PREDIAL E, LDA, (que não é aqui parte) como promitente-compradora, alegando, juntando e dando por reproduzidos, para tanto, como título, os referidos contratos e as decisões judiciais de 1ª e 2ª instância que em execução de sentença para entrega de coisa certa que correu contra aquela E Lda e outros, e aplicando mutatis mutandis as disposições aplicáveis à penhora (art. 823° nº 1 do CPC conjugados com arts. 742° e segs nomeadamente 747° nºs 1 e 2) ordenaram e mediante essas decisões e as notificações e Termo aplicáveis à penhora de direitos de aquisição (cit. art. 747° n° 1 e 2, ex vi art. 823 n° 1) procederam à apreensão de tais direitos de aquisição àquela promitente compradora e investiram e declaram investidos na sua titularidade os aqui recorrentes-Autores;
2. Os recorrentes AA invocaram expressamente a investidura judicial operada pelas referidas decisões judiciais e termos "como título legal, legítimo e pleno que confere aos AA desde a data da investidura a titulsridade de promitente compradores dos referidos imóveis" - ( art. 61° da p.i. e arts. 22°-23, 26°, 34°-36° e 61 ° da p.i., entre outros);
3. A decisão recorrida ignorou tal título investidura judicial na causa de pedir na relação controvertida que os AA configuraram com base em tal título que expressamente invocaram, e não também não se tendo que a referida E Lda lhes tenha cedido a posição contratual, a decisão recorrida conclui não se perceber "a que título aqueles aqui vêm pedir a execução específica do contrato em que aquela. a E - é parte" e, nessa conformidade, julgou os AA parte ilegítima;
4. Ao ter ignorado o título invocado, a decisão recorrida violou o art. 58° do CPC pois não atendeu a essa configuração expressamente reclamada no art. 61° da p.i. como assente e titulada pela transmissão operada pela referida investidura;
5. Bem como enferma da nulidade prevista no art. 571° n° 1 al. d) do CPC por ter omitido a invocada transmissão na causa de pedir sem ao menos ter conhecido dessa matéria essencial alegada nos arts. 22°-23, 34°-36° e 61° da p.i. e ínsita em todos os restantes, tanto mais que se trata de questão essencial da legitimidade e causa de pedir.
6. e viola o art. 216° do CPC pois dos articulados resulta que ambas as partes captaram e estão de acordo quanto à causa de pedir fundada na transmissão contratual expressamente alegada pelos AA, embora divirjam controvertidamente quanto aos seus efeitos ou repercussões quanto a cada uma das partes e datas a partir das quais se produziram os efeitos.
7. daquele título nomeadamente dos despachos, notificações e termo indicados na p.i. e trazidos ao art 10° desta peça consta expressamente que aquela investidura foi feita com expressa "menção de que o nome constante desses contratos na posição de promitente-comprador e na posição de senhorio, deve ler-se e dar-se por ali escrito como sendo o nome dos exequentes ... " e menção de que são "direitos de aquisição emergentes de contratos promessa de compra e venda de compra e venda com posse e fruição ou tradição da coisa que a Ré E titulava mas que foram transferidos para a titularidade dos exequentes pelos referidos despachos e notificação de entrega ... ";
8. apesar disso, a decisão recorrida pretere tal título, actos e decisões judiciais transitadas que o consubstanciam e, recorrendo a matéria estranha ao alegado, conclui que nada permite concluir que a investidura dos exequentes na titularidade dos direitos "tivesse sido feita na pessoa destes enquanto talou como legal representantes da E, pois as quotas da E também lhes foram devolvidas";
9. a decisão recorrida contraria assim as decisões e termos do referido título, há muito transitadas em julgado e, por isso, é ilegal por violação de caso julgado - art. 574° nºs 1 e 2, conjugado com arts. 576 n° 1 e art. 580° n° 1 do C. Proc. Civil;
10. e além disso, a decisão recorrida contraria aquele título pois em lado nenhum consta que os AA também tenham sido investidos nas quotas, nem o poderiam ser porque isso seria executar contra o que consta da sentença "sem qualquer passivo, tudo livre de quaisquer ónus, dívidas, hipotecas ou encargos" e sucede que consta dos autos e da certidão da Conservatória do Registo Comercial em 06.10.2010 junta fls. 806 destes autos que há muito foi decretada a sua falência com muitas centenas de milhões de dívidas;
11. e que os seus sócios e legais representantes não são os AA mas sim os Sr F, G e Companhia de Investimento Predial Huabang Internacional (Macau) Lda (sócios) e os mesmos F, G e H, como seus gerentes e legais representantes, e todos eles exco- Réus ex-co-executados devidamente nos documentos que nos autos reproduzem o título dos AA;
12. para a transmissão mediante investidura judicial efectuada pelas referidas decisões, termos e notificações legais nos termos mutatis mutandis aplicáveis em matéria de penhora e adjudicações daí resultantes à penhora, não há lugar a consentimento da devedora da escritura (as aqui Rés), mas tão só às notificações que lhe foram feitas às Rés e interessados nos termos dos arts. 747° nºs. 1 e 2 e 742º e segs do CPC, com as devidas adaptações "ex vi" dos arts. 821º n° 2 e 823 n° 1, todos do CPC, e amplamente alegadas e documentadas nestes autos;
13. tanto mais que (arts. 742º e 744º do CPC) as Rés não impugnaram a existência do crédito (direitos de quisição) que foram apreendidos à executada E e transferidos para os Autores na referida execução mediante a citada e notificada investidura;
14. porque se o tivessem sido, esse crédito (direitos de aquisição com tradição da coisa) passava a considerar-se litigioso e como tal adjudicado ou transmitido pela referida investidura (arts. 742 e 744° do CPC, aplicáveis com as necessárias ex vi do o n° 1 do art. 823° do CPC invocado pelo cit despacho de investidura de 29.4.2005 e mantido e alargado pelo Ac. TSI de 22.01.2009);
15. a decisão recorrida viola assim aqueles preceitos bem como o arte 8° nº 2 da Lei n° 9/1999 ao ter pressuposto necessidade de cessão voluntária da ex-titular e consentimento para a transmissão de titularidade em causa, tendo consequentemente, em frontal violação daquele preceito, considerado como não prevalentes e não obrigatórias sobre esses entes privados tais decisões judiciais que transferiram a titularidade do direito de aquisição, daquela E para a titularidade dos AA;
16. O conflito em causa nos autos não é com aquela ex-titular nem é parte nestes autos nem a existência de titulo de transmissão, tal como se vê das respostas às cit notificações e à excepção e pedido reconvencional das Rés.
17. o conflito está, em resumo, em que as Rés se alegam sub-rogadas em créditos da empresa que administra o condomínio relativos às quotizações ou rendas de despesa de administração e recusam outorgar enquanto não forem pagas e os AA só aceitam pagar a quantia gerada a partir da data em que foram investidos na titularidade e recusando pagar a restante dívida proveniente do tempo em que a titular foi a E;
18. a decisão recorrida padece pois da nulidade prevista no art. 571º n° 1 al. d) do CPC por se ter desviado e pronunciado sobre processo e matéria que não devia e não ter conhecido da matéria que lhe cabia conhecer.
19. Razões pelas quais deve ser revogada e substituída por outra que prossiga com os termos dos arts. 428º e segs do CPC até final apreciação do mérito da causa.
Pedindo no final que seja revogada a sentença e substituída por outra que determine a prossecução dos autos nos termos normais.
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A Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, SA e Empresa de Fomento Predial e Investimento D, Lda responderam à motivação do recurso dos Autores, nos termos constantes a fls. 979 a 996 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso ora interposto.
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As Rés, também recorreram a título subordinado, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O presente recurso tem por objecto a douta sentença de fls. 867 e seguintes que por ter julgado os Autores parte ilegítima na acção, considerou-os também como parte ilegítima na reconvenção enquanto reconvindos.
2. A sentença recorrida funda a decisão de ilegitimidade dos Autores na acção (ou seja no pedido de execução específica dos contratos-promessa em apreço nos autos) na circunstância de a E, promitente-compradora que celebrou com as Rés os referidos contratos, não ter transmitido, nem cedido a favor dos Autores a sua posição nestes contratos, pelo que não sendo parte nos mesmos, nem tendo "havido alguma cedência de posição da E para os Autores, não se percebe a que título aqueles aqui vêm pedir a execução especifica do contrato em que aquela - a E é parte".
3. Por outro lado, uma vez que o pedido reconvencional formulado contra os Autores pelas ora Recorrentes tem também por base os contratos-promessa de compra e venda em relação aos quais aqueles pedem a execução específica e "nada resultando que a posição contratual da E nesse contrato de promessa de compra e venda se transferiu para os autores" a sentença conclui que "tal como a reconvenção é configurada" não são os Autores ''parte legítima no pedido reconvencional".
4. Com o presente recurso pretendem as Recorrentes acautelar um possível, embora improvável, provimento do recurso principal interposto pelos Autores no sentido de que, caso tal venha a suceder, estes sejam também considerados parte legítima no pedido reconvencional.
5. É inquestionável que a legitimidade dos Autores enquanto reconvindos depende da sua legitimidade enquanto autores. Concluindo-se por esta há que concluir também por aquela uma vez que ambas derivam dos mesmos factos: serem (ou não) nos contratos-promessa em causa os Autores os titulares da posição contratual de promitentes-compradores das fracções autónomas em relação às quais requerem a execução específica e cujas despesas de conservação e administração se encontram por saldar.
6. Com efeito, a aceitar-se a tese dos Autores de que por força da decisão judicial proferida na acção que moveram, entre outros, contra a E, passaram a partir de 8 de Fevereiro de 1999 a ser os exclusivos titulares dos direitos de aquisição relativamente aos imóveis em apreço nos autos (doravante identificados por as FRACÇÕES), direitos esses titulados pelos contratos-promessa a que se vem fazendo menção e que anteriormente pertenciam à E.
7. A aceitar-se a tese dos Autores ter-se-á de considerar que, por força da decisão judicial proferida na acção que moveram, entre outros, contra a E, aqueles passaram a partir de 8 de Fevereiro de 1999 a ser os exclusivos titulares dos direitos de aquisição relativamente aos imóveis em apreço nos autos (doravante identificados por as FRACÇÕES), direitos esses titulados pelos contratos-promessa a que se vem fazendo menção e que anteriormente pertenciam à E.
8. Significa isto que, a sufragar-se o entendimento em que os Autores fundam, nos termos da petição inicial, a sua legitimidade para requerer a execução específica dos contratos-promessa será irremediável aceitar que, ao sentenciar que os direitos de aquisição relativos às FRACÇÕES titulados pelos mencionados contratos passariam a ser detidos pelos Autores a aludida decisão judicial operou uma substituição na posição de promitente-comprador, no sentido de que em vez da E passariam a ser os Autores os promitentes-compradores das FRACÇÕES, mantendo-se o objecto (direitos e obrigações) dos contratos-promessa inalterado.
9. Assumindo assim, a partir de 8 de Fevereiro 1999, a qualidade de promitentescompradores das FRACÇÕES nos termos que resultam dos contratos-promessa sub judice, há que concluir que os Autores/Reconvindos assumiram também a partir da referida data a titularidade de todos os direitos e encargos inerentes a essa posição, uma vez que a aquisição de tais direitos só pode resultar de uma investidura na posição contratual de promitente-compradora e consequentemente implica a assunção da responsabilidade de proceder ao pagamento das despesas de condomínio devidas por virtude dos imóveis objecto dos contratos-promessa.
10. Com efeito, ainda que se pudesse dizer que em relação à E apenas estarão em causa os direitos emergentes dos contratos-promessa a que se vem fazendo alusão, dúvidas não restam de que em relação às Rés ora Recorrentes - que não foram partes na mencionada acção a qual, portanto, não faz caso julgado nem produz efeitos contra si -, os Autores assumiram os direitos e as obrigações emergentes dos aludidos contratos.
11. Logo, caso se conclua que os Autores têm direito e, portanto, legitimidade, a requerer, a seu favor, a execução específica dos contratos-promessa, têm também a obrigação de proceder ao pagamento das despesas de condomínio das FRACÇÕES e, como tal, legitimidade para serem Reconvindos, tendo tal obrigação a mesma fonte contratual.
12. Por outras palavras, a dar-se provimento à tese dos Autores é forçoso concluir que essa substituição (ou restituição como lhe chama a sentença em aqueles fundam a sua legitimidade para requerer a execução específica dos contratos-promessa contra as Rés) operou uma modificação subjectiva nos contratos-promessa originariamente celebrados com a E, mantendo-se o respectivo objecto, onde se compreendem todo o leque de direitos e deveres contratuais, completamente inalterado.
13. Ora, aceitando-se que os direitos e obrigações inerentes à posição de promitente-comprador nos contratos-promessa em apreço foram transferidos para os Autores por força da decisão judicial de 8 de Fevereiro de 1999, estes passaram a partir dessa data a ter a obrigação de proceder ao pagamento das despesas referentes à administração das partes comuns do Edificio Macau Finance Centre onde as FRACÇÕES se situam.
14. Na realidade, a confirmar-se que os Autores são, em virtude da mencionada decisão judicial, os titulares da referida posição contratual em substituição da promitente-compradora originária E e tendo-se estipulado nos contratospromessa relativos às FRACÇÕES que o promitente-comprador seria o responsável pelo pagamento das despesas de condomínio (resultando tal obrigação além do mais do facto de ter havido tradição do imóvel) os Autores passaram também a estar obrigados a proceder ao pagamento das despesas de administração e manutenção das partes comuns do Edificio Macau Finance Centre na parte respeitante às FRACÇÕES.
15. Doutro passo, caso se venha a concluir que os Autores são efectivamente os titulares da posição contratual de promitentes-compradores das FRACÇÕES a sua obrigação em procederem ao pagamento das despesas peticionadas pelas ora Recorrentes não pode, como é obvio, ser afastada pelo facto de alegadamente aqueles só mais tarde terem entrado na posse das mesmas pois o que releva é que tal obrigação resulta de um contrato cujos efeitos passaram a produzir-se na sua plenitude (isto é todos os direitos e obrigações aí previstos) em relação aos Autores desde 8/02/1999 (data em que assumiram a posição de promitentes-compradores das FRACÇÕES nos termos previstos nos respectivos contratos-promessa) e mantém-se até aos dias de hoje.
16. Assim, concluindo-se pela legitimidade dos Autores em requererem a execução específica dos contratos-promessa, direito que apenas aos promitentescompradores assiste, há também que concluir pela sua obrigação em pagar as ditas despesas e, logo, pela sua legitimidade enquanto reconvindos.
Pedindo no final que se julgue procedente o seu recurso, com a consequência de serem os Autores julgados parte legítima enquanto reconvindos na reconvenção contra eles deduzida.
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Os Autores responderam à motivação do recurso subordinado das Rés, nos termos constantes a fls. 999 a 1009 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso ora interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Face aos documentos juntos aos autos e ao acordo das partes, considera-se assente a seguinte factualidade com interesse para a boa decisão da causa:
1. Por sentença de 08/02/1999, proferida no Proc. CV1-97-0003-CAO, foi determinada, entre outras, a restituição aos aí e aqui Autores os seguintes direitos de aquisição:
a) os direitos de aquisição de 90 lugares de estacionamento, titulados por contratos-promessa de compra e venda com preços integralmente pagos, situados nas 1ª, 2ª e 3ª caves do prédio Macau Finance Center, sito na Rua de Pequim, n°s. 202-A a 246, constitutivos de 90/231 avos da fracção ACV desse edifício, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n° 22058, a fls. 10 do Livro B108A, e com a seguinte descrição:
- na 1ª cave ou ACV1, os 33 lugares: nº 21 a 31 e nº 50 a nº 71;
- na 2ª cave ou ACV2, os 56 lugares: nº 1 a 17 e nº 41 a nº 79;
- na 3ª cave ou ACV3, o lugar nº 81.
b) os direitos de aquisição das 85 fracções autónomas, para comércio, do mesmo edifício, titulados por contratos-promessa de compra e venda com preços integralmente pagos, a saber:
- as 11 (onze) fracções do rés-do-chao designadas por fracções Ar/c, Br/c, Cr/c, Dr/c, Er/c, Fr/c, Gr/c, Hr/c, Ir/c, Jr/c, Kr/c;
- as 11 (onze) fracções do 1° andar, designadas por fracções A1, B1, Cl, Dl, E1, G1, H1, I1, J1, K1 e Ll;
- as 21 (vinte e uma) fracções do 2° andar, designadas por fracções A2, B2, C2, D2, E2, F2, G2, H2, 12, J2, K2, L2, M2, N2, O2, P2, Q2, R2, S2, T2 e U2;
- as 21 (vinte e uma) fracções do 3° andar, designadas por fracções A3,B3, C3, D3, E3, F3, G3, H3, 13, J3, K3, L3, M3, N3, O3, P3, Q3, R3, S3, T3 e U3; e
- as 21 (vinte e uma) fracções do 4° andar, designadas por fracções A4, B4, C4, D4, E4, F4, G4, H4, 14, J4, K4, L4, M4, N4, O4, P4, Q4, R4, S4, T4 e U4,
2. Interposto recurso para o TSI, este, mediante o Ac. de 22/07/2004 in Recurso nº 71/2004, transitado em julgado em 16/12/2004, absolveu da instância um dos Réus de nome H, mantendo inalterada a sentença recorrida nos seus precisos termos quanto aos restantes Réus.
3. Os Autores propuseram a acção executiva da sentença, que correu por apenso ao identificado processo, sob o nº CAO-97-0003-CAO-C.
4. No âmbito deste processo de execução, o Mmº juíz, em 29/04/2005, proferiu o seguinte despacho (fls. 336 dos autos):
“Invista-se o exequente na titularidade dos direitos de aquisição referentes às fracções autónomas discriminadas na sentença, nos termos do artº 823º do Cód. de Proc. Civil de Macau.
Notifique o promitente-vendedor S.T.D.M., na pessoa da sua representante (identificada a fls. 92), nos termos do artº 742º do Cód. Proc. Civil de Macau.”
5. Dessa decisão recorreu uma das executadas I.
6. Em 16/07/2006, o Mmº Juíz proferiu despacho de reparação, indeferindo o pedido dos exequentes no sentido de proceder à respectiva entrega efectiva, e, bem assim, à investidura na sua titularidade, dos respectivos direitos de aquisição.
7. Com este despacho de reparação não se conformaram, os exequentes, Autores dos presentes autos, requereram nos termos do artº 618º, nº 3 do CPC a subida do recurso e a passando no mesmo recurso a ocupar a posição de recorrente, com o pedido de revogação do despacho de reparação, mantendo-se, assim, o despacho inicialmente recorrido.
8. Por Ac. de 22/01/2009, o TSI deu razão aos exequentes, Autores dos presentes Autos, afirmando de forma expressa que “Está correctamente decidido, ao ordenar no despacho de fl. 101 a investidura dos exequentes na titularidade dos direitos de aquisição referentes às fracções autónomas discriminadas na sentença, nos termos do art. 823º do Cód. de Processo Civil de Macau e a notificação do promitente-vendedor STDM, na pessoa da sua representante (identificada a fls. 92) nos termos do art. 742º, ex vi, o artigo 823º nº 1 do Cód. Proc. Civil” (fls. 506v e 507 dos autos).
9. A 2ª Ré dos presentes autos, notificada da decisão da investidura dos exequentes na titularidade dos direitos de aquisição referentes às fracções autónomas em causa, confirmou a existência dos direitos, informando no entanto que os direitos de aquisição das fracções autónomas Jr/c, Kr/c, Cr/c, Dr/c, Er/c, Fr/c, Ir/c, Hr/c, Gr/c, A1, B1, C1, D1, E1 e J1 já foram objecto da penhora no processo executivo nº CV1-98-0001-CAO-A, em que era executada a Companhia de Desenvolvimento Predial E, Lda. (promitente compradora originária).
10. Em consequência, os Autores dos presentes autos, com fundamento de serem já os titulares do direito de aquisição das fracções autónomas em causa por transmissão da titularidade mediante decisão judicial, deduziram embargos de terceiro contra a penhora feita.
11. Por Acórdão de 30/09/2008, o T.U.I., in Recurso Civel nº 26/2008 interposto contra as decisões que nas 1ª e 2ª instâncias os haviam julgado improcedentes, foi decidido julgar os embargos finalmente procedentes, ordenando o cancelamento da penhora com o fundamento de que os titulares dos direitos de aquisição eram efectivamente os embargantes, Autores dos presentes autos, pelo que a penhora incidira sobre direitos de terceiros estranhos à dívida exequenda.
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III – Fundamentos
O tribunal a quo julgou os Autores como parte ilegítima tanto na acção como na reconvenção por considerar que os mesmos não são titulares dos direitos de aquisição das fracções autónomas em causa.
Salvo o devido respeito, não nos parece ser uma solução correcta.
No caso em apreço, os Autores alegaram factos (investidura judicial) com vista a comprovar que são titulares dos direitos de aquisição das fracções autónomas em referência e pediram consequentemente a execução específica dos contratos de promessa de compra e venda em face do incumprimento das Rés na qualidade de promitentes vendedores.
Dispõe o artº 58º do CPC que “na falta de indicação da lei em contrário, possuem legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Assim sendo, os Autores nunca podem ser considerados como parte ilegítima na acção, pois, se não são considerados como titulares dos direitos de aquisição das fracções autónomas em referência, a solução correcta deveria ser a absolvição das Rés do pedido e não da instância, em virtude de que já não está em causa um pressuposto processual de legitimidade, mais sim questão do mérito da causa.
Feita a observação preliminar, cumpre agora analisar se o tribunal a quo bem decidiu no sentido de que os Autores não eram titulares dos direitos de aquisição em causa.
A nosso ver, por força da autoridade do caso julgado das diversas decisões judiciais que reconheceram os Autores como titulares do direito de aquisição em causa, o tribunal a quo não pode questionar, em sede dos presentes autos, se os mesmos têm ou não aquela qualidade.
Como é sabido, as exigências da coerência lógico-jurídica ou prática1, bem como as da segurança e certeza jurídica, não permitem a coexistência de duas ou mais decisões judiciais contraditórias sobre a mesma questão jurídica.
Ou seja, o caso julgado quando funciona na sua vertente positiva, isto é, com autoridade do caso julgado, vincula terceiros juridicamente interessados, de forma directa ou meramente reflexa, que é o caso.
Veja-se:
Por sentença de 08/02/1999, proferida no Proc. CV1-97-0003-CAO, foi determinada, entre outras, a restituição aos aí e aqui Autores dos direitos de aquisição das fracções autónomas em referência.
No âmbito do processo de execução da referida sentença (CAO-97-0003-CAO-C), o Mmº juíz, em 29/04/2005, determinou a investidura dos exequentes, Autores dos presentes Autos, na titularidade dos direitos de aquisição referentes às fracções autónomas discriminadas na sentença, nos termos do artº 823º do CPC e mandou notificar a promitente-vendedora S.T.D.M., na pessoa da sua representante (2ª Ré dos presentes autos), nos termos do artº 742º do mesmo Código.
Dessa decisão recorreu uma das executadas de nome I.
Em consequência, o Mmº Juíz proferiu, em 16/07/2006, despacho de reparação, indeferindo o pedido dos exequentes no sentido de proceder à respectiva entrega efectiva, e, bem assim, à investidura na sua titularidade, dos respectivos direitos de aquisição.
Inconformados, os exequentes, Autores dos presentes autos, requereram nos termos do artº 618º, nº 3 do CPC a subida do recurso, passando os mesmos a ocupar a posição de recorrentes, com o pedido da revogação do despacho de reparação e da consequente manutenção do despacho recorrido.
Por Ac. de 22/01/2009, o TSI deu razão aos exequentes, Autores dos presentes autos, afirmando de forma expressa que “Está correctamente decidido, ao ordenar no despacho de fl. 101 a investidura dos exequentes na titularidade dos direitos de aquisição referentes às fracções autónomas discriminadas na sentença, nos termos do art. 823º do Cód. de Processo Civil de Macau e a notificação do promitente-vendedor STDM, na pessoa da sua representante (identificada a fls. 92) nos termos do art. 742º, ex vi, o artigo 823º nº 1 do Cód. Proc. Civil” (fls. 506v e 507 dos autos).
Além disso, a 2ª Ré dos presentes autos, notificada da decisão da investidura dos exequentes, Autores dos presentes autos, na titularidade dos direitos de aquisição referentes às fracções autónomas em causa, confirmou a existência dos direitos, com excepção dos das fracções autónomas Jr/c, Kr/c, Cr/c, Dr/c, Er/c, Fr/c, Ir/c, Hr/c, Gr/c, A1, B1, C1, D1, E1 e J1, uma vez que os direitos de aquisição destas foram já objecto da penhora do processo executivo nº CV1-98-0001-CAO-A, em que era executada a Companhia de Desenvolvimento Predial E, Lda (promitente compradora originária das fracções autónomas em referência).
Em consequência, os Autores dos presentes autos, alegando serem eles já os titulares do direito de aquisição das fracções autónomas em causa por transmissão da titularidade mediante decisão judicial, deduziram embargos de terceiro contra a penhora feita.
Por Acórdão de 30/09/2008, o T.U.I., in Recurso Civel nº 26/2008 interposto contra as decisões que nas 1ª e 2ª instâncias que os haviam julgado improcedentes, julgou os embargos finalmente procedentes, ordenando o cancelamento da penhora com o fundamento de que os titulares dos direitos de aquisição eram efectivamente os embargantes, Autores dos presentes autos, pelo que a penhora incidira sobre direitos de terceiros estranhos à dívida exequenda.
Pelo exposto, verifica-se que a decisão recorrida ao absolver as Rés da instância por falta de legitimidade activa dos Autores por não os considerar como titulares do direito de aquisição das fracções autónomas em questão, ofendeu a autoridade do caso julgado prevista no artº 576º do CPC, bem como violou a configuração legal da legitimidade feita no artº 58º do mesmo Código.
Nesta conformidade e sem necessidade de mais delongas, é de concluir pela procedência do recurso principal dos Autores.
Do recurso subordinado das Rés:
O que vale para o recurso principal dos Autores na parte que diz respeito à sua legitimidade serve de igual modo para o recurso subordinado das Rés, na medida em que estas, na reconvenção, alegaram que os Autores enquanto titulares do direito de aquisição das fracções autónomas em causa e com tradição das mesmas, eram responsáveis pelo pagamento dos condomínios das mesmas, pelo que tinham a obrigação de reembolsar o pagamento dos mesmos feito pela 2ª Ré, que arcou por si e, bem assim, na qualidade de procuradora da 1ª Ré.
Nesta conformidade, o recurso subordinado não deixa de se julgar também procedente.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento aos recursos (principal e subordinado) interpostos, revogando a sentença recorrida, ordenando-se a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para aí prosseguirem os termos normais, se a tal outra causa não obstar.
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Custas do recurso principal pelas Rés e do subordinado pelos Autores.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 15 de Março de 2012.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
1 LIMITES OBJECTIVOS DO CASO JULGADO EM PROCESSO CIVIL, João de Castro Mendes, Edições Ática,
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375/2011