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Processo nº 163/2012/A
Data: 27 de Março de 2012

Assuntos: - Suspensão de eficácia
- Acto negativo com vertente positiva
- Renovação da residência
- Prejuízo de difícil reparação




SUMÁRIO
1. A suspensão de eficácia de um acto administrativo traduz-se, aí, tão somente, na paralisação provisória dos efeitos ablativos do acto, aguardando-se que o recurso contencioso conheça da sua legalidade intrínseca.
2. Sendo o acto suspendendo um indeferimento de renovação da fixação de residência temporária um acto negativo, mas tem vertente positiva, pois, a decisão vem necessariamente alterar a sua situação actual e pre-existente, e a suspensão do mesmo acto teria potencialidade para determinar, ela mesma, a produção dos efeitos jurídicos negados ao administrado com a prática do acto suspendendo, pelo que do decretamento da suspensão da eficácia poderia resultar para o requerente efeito útil, ou evitar os prejuízos para a sua esfera jurídica.
3. Com a execução do acto em crise, ficarão os seus filhos obrigados a ausentarem da RAEM e, e ficariam obrigados de deixar o estudo no meio de ensino escolar, factores estes que assim causaria um prejuízo, não concretizáveis ou quantificáveis, prejuízo esse que não pode ser pecuniariamente reparável.

O Relator,














Recurso nº 163/2012/A
(Suspensão de eficácia)

Requerente: A
Entidade Requerida : Secretário para a Economia e Finanças
  (經濟財政司司長)




A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:

I – Relatório
   A, devidamente identificado nos autos, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s., requerer a suspensão de eficácia do despacho, datado de 16 de Dezembro de 2011, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o pedido da renovação da autorização de residência dele próprio e dos familiares, tendo para tal deduzido, no seu requerimento a fls. 2 a 17 dos p. autos, as razões de facto e de direito que se dão aqui por integralmente reproduzidas.
   Citada a entidade requerida, veio contestar oferecendo o merecimento dos autos.
   O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer de fls. 62 a 63 dos p. autos, no qual opinou no sentido de deferimento do pedido, por ter entendido estar verificados todos os requesitos.
   Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação
   De acordo com os elementos constantes dos autos e do processo instrutor, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:
- Em 14MAR2006, foi concedida ao ora recorrente e aos seus familiares a autorização de residência temporária na RAEM;
- Autorização essa que terminou em 14MAR2009;
- Oportunamente foi requerida a renovação da autorização; e
- Por falta do cumprimento do dever da comunicação imposto pelo artº 18º/3 do Regulamento Administrativo nº 3/2005, foi indeferido o pedido da renovação da autorização com fundamento no artº 19º/2 do mesmo regulamento.
   
Nos presentes autos, o requerente veio pedir a suspensão de eficácia do acto de indeferimento de renovação da residência temporária da requerente e os seus agregados familiares na, e para tal alegando que a execução imediata do acto causaria prejuízos de difícil reparação e a suspensão não causará grave lesões para o interesse público e não se indicia ser ilegal o recurso.
Vejamos.
Como se sabe, o mecanismo de suspensão da eficácia do acto administrativo tem a natureza e a estrutura do processo cautelar, tendo como requisitos a instrumentalidade (artigo 123º do CPAC), o fumus bonni juris, o periculum in mora, e, até certo posto, a proporcionalidade.1
Para que possa ser concedida a dita suspensão da eficácia terão de satisfazer-se, cumulativamente, o pressuposto do artigo 120º e os três requisitos gerais do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Vejamos em primeiro lugar o pressuposto.
Dispõe o artigo 120º:
“Artigo 120º
(Suspensão de eficácia de actos administrativos)
A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a. Tenham conteúdo positivo;
b. Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
Como se vê, a suspensão da eficácia de um acto administrativo pressupõe a existência do acto de conteúdo positivo.
Os actos positivos são aqueles que alteram a ordem jurídica, relativamente ao momento em que foram praticados, e os actos negativos são aqueles que não alteram a relação jurídica preexistente, deixando-a na mesma, ou seja, na palavra do Prof. Freitas Amaral, são “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”. 2
Há três exemplos típicos destes actos negativos: a omissão de um comportamento devido, o silêncio perante um pedido apresentado à Administração por um particular, e o indeferimento expresso ou tácito duma pretensão apresentada. E a destruição de um acto negativo implica a necessidade de praticar os actos positivos que por lei deviam ter sido praticados e não foram (é o chamado dever de praticar o contrarius actus).3
Razão por que só os actos positivos é que podem ser objecto da suspensão de eficácia e os actos de conteúdo negativo podem ser objecto de dita suspensão desde que contiver vertente positiva e a suspensão só se cinge nesta vertente (al. b. do artigo 120º do CPAC).
Assim, perante um pedido de um acto de conteúdo negativo, deve ser sempre analisado caso a caso para se determinar se se trata de um acto negativo puro ou se coexistem efeitos secundários positivos.
De um modo geral, apontam-se vários requisitos necessários para que uma situação de facto, anteriormente existente à prática de um acto negativo, possa ser objecto de suspensão:4
1. Só podem relevar situações de facto pré-existente que se tenham constituído ou se mantenham à sombra da ordem judicial;
2. O requerente deve poder suscitar uma vocação ou expectativa de alguma forma reconhecida ou protegida com vista à manutenção da situação;
3. A modificação da situação de facto em causa deve ser uma consequência imediata e necessária do acto negativo; e
4. A suspensão da eficácia do acto negativo traduz-se apenas na paralisação, a título provisório, dos efeitos ablativos e, em determinadas condições, na salvaguarda do efeito prático do recurso, ou da utilidade da sentença.
Como se sabe, a suspensão de eficácia de um acto administrativo traduz-se, aí, tão somente, na paralisação provisória dos efeitos ablativos do acto, aguardando-se que o recurso contencioso conheça da sua legalidade intrínseca, ou seja, tratando-se de um provisório "congelamento" da situação, de uma conservação da res integra, como é típico das medidas cautelares, visando assegurar que a sentença de mérito a proferir possa ter eficácia prática.
Uma decisão que indeferiu uma pretensão, em princípio, não vem a alterar-se as suas respectivas situações jurídicas anteriormente existentes e a suspensão da eficácia também não lhe viria a alterar as situações preexistentes, mas em alguns casos, este tipo de acto de conteúdo negativo pode ter, para além do seu efeito típico principal, ligado a um efeito secundário, ou acessório, que modifica a situação jurídica e de facto preexistente, que se mantivera antes, sendo essa modificação uma consequência imediata e necessária do acto negativo5.
Sendo o acto ora suspendendo um indeferimento de renovação da fixação de residência temporária, diferente do caso de mero indeferimento do pedido de fixação de residência (acto de conteúdo negativo puro), pois, a decisão de não renovação da residência em Macau, vem necessariamente alterar a sua situação actual e pre-existente, e a suspensão do mesmo acto teria potencialidade para determinar, ela mesma, a produção dos efeitos jurídicos negados ao administrado com a prática do acto suspendendo, pelo que do decretamento da suspensão da eficácia poderia resultar para o requerente efeito útil, ou evitar os prejuízos para a sua esfera jurídica.
Ou seja, com a suspensão da eficácia da não renovação da fixação de residência, podem tão só ver-se a manutenção do status quo, como se fosse a situação antes de renovação – estadia em Macau, e, com a pretendida suspensão da execução do indeferimento, a obter um efeito útil até à decisão do recurso contencioso em que se apreciará a legalidade e adequação do indeferimento do título de residência não permanente.
Nesta conformidade, verifica-se efectivamente um acto de conteúdo negativo com a vertente positiva, satisfazendo o pressuposto do pedido de suspensão de eficácia.

E quanto aos requisitos, digamos o seguinte:
Prevê o artigo 121° do CPAC que:
“Artigo 121º (Legitimidade e requisitos)
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a. A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b. A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c. Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1. a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessa-dos façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Em conformidade com o disposto no artigo 121º ora citado, para obter uma autorização da suspensão da eficácia de um acto administrativo deve satisfazer cumulativamente os requisitos, um positivo e dois negativos.
O requisito positivo é a possibilidade de ocorrer prejuízo de difícil reparação, enquanto os requisitos negativos a inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
Quanto ao requisito positivo, o requerente alegou que, como todos os membros familiares do requerente ficariam obrigados a deixar o lugar em que se integram, por um lado, o requerente ficaria obrigado a fazer:
- o cancelamento do contrato de trabalho;
- o cancelamento do contrato de trabalho da sua esposa;
- a venda de todos os imóveis e móveis adquiridos em Macau;
- o cancelamento da matrícula da escola dos seus filhos menores;
- com todos os custos sociais e económicos; ...
Embora não concordemos com o argumento do prejuízo de difícil de reparação em consequência da eventual execução imediata do acto com a consequência do cancelamento dos contratos dele e da sua esposa e da venda dos imóveis e móveis em Macau, pela forma de redução do sustento económico da família, contribuído por parte do requerente (pois caso viesse a comprovar a ilegalidade do acto, é sempre de direito a pedir a indemnização e durante a pendência do contencioso pode sempre a requerente exercer as suas actividades na sua terra de origem), já não podemos deixar de dar-lhe a razão ao argumento de que, com a execução do acto em crise, quebrando, com certeza, a estabilidade da família que se estabeleceu desde 2005 na RAEM, ficarão os seus filhos obrigados a ausentarem da RAEM e, podendo embora o requerente e os seus filhos viver na sua terra original, digamos que, com a saída da Região, os filhos ficariam obrigados de deixar o estudo no meio de ensino escolar, factores estes que assim causaria um prejuízo, não concretizáveis ou quantificáveis, prejuízo esse que não pode ser pecuniariamente reparável.
E essa possibilidade, o prejuízo de índole escolar, tem contornos de certeza, caso não suspenda a execução do acto, razão pela qual não se pode deixar de dar por verificada a existência da possibilidade de ocorrer prejuízo de difícil reparação.6

Quanto aos requisitos negativos, não se apresentam a sua verificação, pois, é óbvio que não se divisam mínimos indícios de ilegalidade na interposição do recurso, ao contrário, não é menos lícito interpor o recurso do acto administrativo que não renovou a fixação da residência por investimento.
Por outro lado, também não se mostra existente, nem a entidade requerida, ter alegado prova bastante de que dessa circunstância decorra grave lesão do interesse público pela sua permanência na Região até decisão do recurso.
Assim sendo, dão-se por verificados totalmente os requisitos da suspensão de eficácia do acto administrativo ora em causa, deferindo o pedido.

Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em deferir a requerida suspensão de eficácia.
  Sem custas.
Macau, RAE, aos 27 de Março de 2012


_________________________ _________________________
Lai Kin Hong Mai Man Ieng
(Relator) (foi presente Macau d.s.)
(Vencido nos termos de declaração de voto de vencido) (Magistrado do M.oP.o)

_________________________
Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)

















Processo nº 163/2012/A
Declaração de voto de vencido

Enquanto relator, fiquei vencido pelo seguinte:

Antes de entrar na apreciação dos vários requisitos previstos no artº 121º do CPAC, o Acórdão antecedente considera que se trata in casu de um acto de conteúdo negativo com vertente positiva.

É justamente aí reside a minha discordância.

Como vimos nos autos, foi ao abrigo do disposto no artº 19º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 que o ora requerente requereu ao Governo da RAEM a renovação do seu título de residência por investimento em imóveis.

Nos termos do disposto desse artº 19º/2, a renovação está sujeita à verificação dos mesmos requisitos da emissão inicial do título de residência.

Pela leitura da informação sobre a qual incidiu o despacho de cuja eficácia ora se requer a suspensão, sabe-se que é pelo facto de o ora requerente não ter cumprido o dever legal de comunicar a extinção ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização da residência temporária.

Para o requerente, o indeferimento da requerida renovação implica a não renovação do seu BIR e dos BIR´s dos seus familares, que por sua vez determinará a saída dos seus familiares de Macau.

Se é certo que ao requerente e aos seus familiares foi concedida a autorização de residência em Macau ao abrigo do diploma regulador da residência por investimento em imóveis, não é menos verdade que essa autorização é aprazada, ou seja, tinha um prazo de validade previamente determinada.

Assim, apesar de a lei prever a possibilidade de renovação da tal autorização, o certo é que a renovação depende sempre não só da verificação de todos os mesmos requisitos legais da emissão inicial, como também da discricionariedade da Administração da RAEM.

Não atribuindo a lei aos interessados uma expectativa firme de ser renovada a autorização da sua residência em Macau, não podemos dizer que no caso sub judice da execução do despacho de não renovação da autorização decorra um efeito ablativo de um bem jurídico detido pelos interessados, pois não se pode olvidar que o statu quo ante não era temporalmente ilimitado, mas sim com a duração previamente fixada, embora renovável.

Falando sob outro prisma, se a renovação não decorrer do exercício de poderes vinculados, mas sim de poderes discricionários, o acto de não renovação não pode deixar de ser meramente negativo sem vertente positiva.

In casu, o requerente invocou como fundamento principal para sustentar a requerida suspensão da eficácia a possibilidade de a sua esposa e os seus filhos deixarem de poder continuar as suas actividades profissionais e escolares em Macau.

Todavia, uma coisa é a não renovação da sua autorização da residência por investimento, outra coisa a expulsão de Macau.

Efectivamente não consta do despacho que indeferiu a renovação uma ordem de expulsão.

Portanto, a eventual expulsão não decorre directamente da execução do despacho que indeferiu a renovação, mas sim da uma outra decisão que venha a ser tomada pela outra entidade competente no âmbito de um outro procedimento administrativo.

Por outro lado, mesmo admitindo a hipótese de considerar, tal como assim entende o Acórdão antecedente, a existência de vertente positiva susceptível de suspensão, a decisão deste tribunal administrativo nunca substitui-se à decisão da Administração no sentido de fazer prorrogar a autorização já expirada por forma a permitir os filhos do ora requerente a continuar a permanecer em Macau.

A não ser assim, ao decretar a suspensão de eficácia do despacho em causa, estaria o Tribunal a dar uma ordem à Administração de conceder uma autorização provisória de residência, substituindo-se assim à Administração no desempenho das suas funções administrativas.

O que obviamente colide com o princípio de separação de poderes.

De facto, a simples não execução do despacho de não renovação não implica directamente a renovação de uma autorização de residência, que é justamente o efeito pretendido pelo requerente,

Se assim for, cabe perguntar a que título o ora requerente e os seus familiares podem continuar a residir legalmente em Macau?

Desta maneira, pretendendo os interessados continuar a permanecer em Macau, não-lhes resta outra via que não seja a apresentação de um pedido de autorização especial de permanência para fins de estudo, ao abrigo do disposto no artº 8º da Lei 4/2003.

Pelo exposto, entendo que é de indeferir o presente requerimento de suspensão de eficácia pela não verificação ab initio do pressuposto a que se alude o artº 120º-b) do CPAC.


RAEM, 27MAR2012



Lai Kin Hong


1 Acórdão do TSI do processo 30/00/A.
2 F. Amaral, in “Direito Administrativo” III, pp. 155-156.
3 F. Amaral, in “Direito Administrativo” III, pp. 155-156.
4 Maria Fernanda dos Santos Maçãs, A suspensão judicial da eficácia dos actos administrativos e a garantia constitucional da tutela judicial efectiva, in Boletim da Faculdade de Direito de Universidade de Ciombra, Stvdia Ivridica, 22º, 1996, p. 85.
5 Cfr., a propósito, Drs. Cláudio Monteiro, “Suspensão de Eficácia dos Actos Administrativos de Conteúdo Negativo” ed. A.A.F.D.L. 1990, e Pedro Machete, “Suspensão Jurisdicional da Eficácia dos Actos Administrativos e a Garantia Constitucional do Tutela Efectiva, 45-107). Neste sentido também o Acórdão deste TSI de 21 de Fevereiro de 2002 do Processo nº 190/2001/A
6 Julgou-se neste sentido no acórdão deste TSI, entre outros, no processo n° 288/2009/A.
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TSI-163/2012/A Página 1