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Processo nº 176/2012 Data: 29.03.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.



SUMÁRIO

A liberdade condicional é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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Processo nº 176/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 135 a 155 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso; (cfr., fls. 161).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, pugnando também pela procedência do recurso; (cfr., fls. 168 a 169).

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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 09.02.2006, foi, A, ora recorrente, condenado pela prática em concurso real de 7 crimes de “peculato” e outros 5 de “burla”, na pena única de 10 anos de prisão e no pagamento de indemnizações aos ofendidos num valor total superior a MOP$10.000,000,00;
– o recorrente deu entrada no E.P.M. em 09.06.2005, e em 09.02.2012, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 09.06.2015;
– durante o cumprimento da pena manteve comportamento prisional adequado, tendo visitas regulares dos familiares;
– desde Julho de 2009, tem pago mensalmente o montante de MOP$1.500,00 por conta das indemnizações em que foi condenado a pagar aos ofendidos;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com o seu agregado familiar, em Macau, possuindo perspectivas de emprego num “Centro de explicações”.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

   “1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.

3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, (10 anos de prisão), e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 09.06.2005, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Na verdade, e na esteira do decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 20.01.2011, Proc. nº 30/2011, de 27.01.2011, Proc. nº 25/2011 e o de 03.03.2011, Proc. n.° 116/2011).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Vejamos.

Ponderando no comportamento prisional do ora recorrente, no facto de, uma vez em liberdade, ir viver com a sua família, que o tem visitado com frequência, e considerando que tem perspectivas de emprego, afigura-se de dar por verificado o pressuposto da alínea a) do n.° 1 do art. 56° do C.P.M., pois que se nos afigura viável o juízo de prognose favorável, sendo de crer que, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

E quanto ao requisito da alínea b), ou seja, será, a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Aqui, cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.

De facto, atento os tipos de crimes pelo ora recorrente cometidos, em especial, o de “peculato”, que como se sabe, implica, em síntese, o desvio de fundos públicos por funcionário, e tendo também presente as quantias em causa, importa pois acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser, pelo menos, por ora, postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade das normas violadas através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).

Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Macau, aos 29 de Março de 2012

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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Proc. 176/2012 Pág. 10

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