Processo nº 815/2011/A DATA:29/3/2012
(Autos de suspensão de eficácia)
Assuntos:
- Pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo
- Acto negativo com conteúdo positivo
- Requisitos legais para a suspensão
- Prejuízo de difícil reparação (artigo 121º, nº 1, alínea a) do Código do Processo Administrativo Contencioso)
SUMÁRIO
- O pedido de suspensão de eficácia só é viável quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
- O acto administrativo de indeferimento do pedido da renovação de fixação de residência temporária do requerente e seus familiares é um acto de conteúdo negativo, mas apresenta vertente positiva, em virtude de a execução do acto vir alterar a situação jurídica preexistente, ferindo-se as expectativas de manutenção ou conservação de efeitos jurídicos derivados da autorização anterior.
- A suspensão de eficácia dos actos administrativos só é concedida quando se verifiquem cumulativamente os três requisitos: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação, conforme os elementos carreados ao processo, de fortes indícios de ilegalidade do recurso.
- O prejuízo de difícil reparação terá que ser valorado caso a caso, tendo em conta as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
- Não logrou o requerente aduzir factos concretos e suficientes susceptíveis de darem como verificado o referido requisito da alínea a) do artigo 121º do citado Código, o pedido de suspensão é de indeferir.
O Relator,
Tong Hio Fong
(na qualidade de substituto nos termos do artigo 43º, nº 3 e 35º da Lei de Bases da Organização Judiciária)
Processo nº 815/2011/A
(Autos de suspensão de eficácia)
***
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, de nacionalidade chinesa, devidamente identificado nos autos, veio instaurar a presente providência cautelar para suspensão de eficácia do acto administrativo praticado pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, com o qual se decidiu indeferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária do próprio e dos seus familiares por investimento de imóvel.
No requerimento que apresentou, alega os fundamentos de facto e de direito nos termos que a seguir se transcreve:
“O recorrente, foi autorizado, na sequência de um processo de fixação de residência temporária relativa a projetos de investimento, por despacho de Chefe do Executivo de 18 de Setembro de 2007, a residir com o seu agregado familiar temporariamente em Macau até 18 de Setembro de 2010 (cópia do doc. 1 cujo original, tal como os restantes, consta na petição de Recurso Contencioso entregue nesta mesma data). (1º)
Em Julho de 2008, o primeiro recorrente recebeu um ofício informando-o que o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau tinha sido informado pelo Serviço de Migração da Direção de Segurança Pública da Província de Fujian sobre problemas com a certidão de nascimento de um dos familiares do requerente, B (2006CHUN3559). Nesse mesmo ofício solicitava-se diversas informações e comunicava-se que a autorização de residência temporária de B tinha sido cancelada (cópia do doc. 2). (2º)
Em resposta ao pedido do IPIM, o requerente e chefe do agregado familiar informou o Instituto que o intermediário que processou os documentos no Interior da China tinha referido B como filho, mas que de facto era seu sobrinho e que nunca foi sua intenção esconder o que quer que fosse às autoridades de Macau, pois nessa altura desconhecia as leis e os regulamentos vigentes em Macau, nomeadamente no âmbito das relações familiares (cópia do doc. 3). (3º)
Em 24 de Junho de 2010 requereu a renovação de autorização de residência temporária de todo o restante agregado familiar (cópia do doc. 4). (4º)
Em 7 de Novembro de 2011 o agora recorrente foi notificado, por ofício datado de 28 de Outubro de 2011, de que a referida renovação de autorização não tinha sido autorizada, por Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 de Outubro de 2011 e que os respectivos elementos do processo sido remetidos ao Ministério Público de Macau (cópia do doc. 5). (5º)
O fundamento do Despacho em crise são as normas do artigo 23º do R.A. n.º 3/2005 conjugado com a alínea 1ª do n.º 2 do artº 9º e alínea 3º do n.º 2 do artº 4º da Lei 4/2003. (6º)
Ora diz o artº 23º que: É subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau. (7º)
A alínea 1ª do n.º 2 do artº 9º diz que Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4º da presente lei. (8º)
E a alínea 3ª do n.º 2 do acto 4º da mesma Lei diz que Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes. (9º)
O recorrente não tem antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou foi constituído arguido ou acusado, pois segundo as informações que o IPIM transmitiu, o eventual processo relativo à certidão de nascimento de B encontra-se em investigação. (10º)
O recorrente e seus familiares a sua vida normal em Macau, estão integrados na vida de Macau e desenvolvem atividades de investimento e comerciais, estando dois dos autorizados – C e D – a frequentar a Universisade em Macau (docs. 6 e 7). (11º)
O ato administrativo constituído pelo Despacho agora em crise foi praticado no âmbito da competência do Secretário para a Economia e Finanças do Governo de Macau. (12º)
O processo referido no âmbito do MP mantém-se em investigação, tanto quanto é do conhecimento do recorrente, e nenhum dos membros do agregado familiar está constituído arguido ou acusado de qualquer crime e têm a profunda convicção de que não há nem haverá motivo para tal. (13º)
Com efeito, a eventual falsificação da certidão de nascimento de B foi feita no Interior da China, sendo este anteriormente punido em Macau com a negação de autorização de residência temporária. (14º)
A informou o IPIM, logo que teve consciência de tudo o que se passava, que de facto B tinha sido indicado erradamente ou por lapso como filho quando devia ter sido indicado como sobrinho, sem que o recorrente tivesse qualquer intenção de violar qualquer lei ou regulamento, pois tudo foi processado pelo intermediário que tratou do processo no Interior da China e todos eles desconheciam exatamente as leis e os regulamentos de Macau, especialmente no âmbito das relações familiares. (15º)
Em relação à recusa da renovação de residência temporária de todos os outros residentes temporários do agregado familiar não é referido qualquer fundamento. (16º)
Por outro lado, no processo inicial de autorização de residência temporária dos residentes com base, proferido em 18 de Setembro de 2007, nomeadamente no artº 3 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 que prevê o regime de fixação de residência temporária de investidores em imóveis, nada consta sobre o não preenchimento de todos os requisitos próprios. (17º)
Assim, nenhum dos pressupostos, em que se baseou a autorização de residência do recorrente que lhe foi concedida anteriormente foi alterado. (18º)
Por outro lado, o recorrente acredita que, dadas as circunstâncias, não há fundamento para qualquer dos elementos do agregado familiar vir a ser constituído arguido ou acusado, pois não encontram fundamento para isso. (19º)
Assim, o IPIM, ao solicitar que o Ministério Público esclareça o caso do não cumprimento das leis da RAEM por parte do recorrente, devia manter temporariamente a residência temporária de A e seus familiares e aguardar a decisão final do eventual processo do MP, pois isso favorecia, na opinião do recorrente, o andamento do processo, pois haveria um normal e mais fácil acesso ao recorrente próprio de um residente. (20º)
Ora o recorrente, tanto quanto sabe, não foi constituído ou acusado de qualquer crime, pois apenas transmitiu um lapso ou erro de informação, por desconhecimento das leis de Macau no âmbito das relações familiares, lapso esse que, já depois de conhecer as leis de Macau, imediatamente declarou corretamente ao IPIM, não havendo nunca intenção de não cumprir as leis de Macau – o que pretende demonstrar, se necessário, em sede própria, o seja, no eventual processo no âmbito do MP. (21º)
Assim, esta decisão em crise é suscetível de ter, desde já, a sua eficácia suspensa. (22º)
Com efeito, de acordo com a jurisprudência que se tem vindo a consagrar, certa categoria de actos que, embora aparentemente sejam de conteúdo negativo, têm efeitos positivos, existindo, dessa forma, uma utilidade na suspensão da respectiva execução, na medida em que dela derivam efeitos secundários positivos. Deste modo, em certas situações existe, de facto, uma alteração da situação jurídica e de facto resultante da alteração da manutenção de uma situação jurídica anterior denegando-se a renovação de situação jurídica preexistente, ferindo-se expectativas legítimas de conservação de efeitos jurídicos de acto administrativo anterior. Assim, entende-se que quando alguma utilidade puder advir da suspensão, a ponto de o requerente ir obtendo algum “ganho” até à decisão em definitivo da questão, a suspensão será de conceder. Como se diz no acórdão n.º 10/2009 do TUI “Se a renovação da autorização de residência for pedida ainda nesta situação condicional e afinal indeferida, o acto de indeferimento é um acto negativo com vertente positiva que consiste em retirar a situação anterior de residência autorizada ao interessado.” (23º)
Nesta conformidade e à luz do que dispõe o artigo 121º do CPAC entendemos que se verificam os diversos requisitos para a presente suspensão. Ora diz o art.º 121º do CPAC:
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade parar deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso. (24º)
Quanto à aplicação ao caso concreto do pressuposto previsto na alínea a) relativo aos prejuízos de difícil reparação para os recorrentes, são manifestas e fáceis de prever as consequências. O recorrente e familiares têm desde 2007 a sua vida estabelecida em Macau na área de investimentos e comércio como manifestaram no pedido inicial. C e D são estudantes nas Universidades de Macau, pelo que teriam de interromper os seus estudos e talvez mesmo definitivamente (doc. 6 e 7). (25º)
Quanto à aplicação ao caso concreto do pressuposto previsto na alínea b), não há qualquer grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto. Com efeito, a suspensão de eficácia do Despacho em crise não prejudica de forma grave a imagem e funcionamento do Governo da RAEM, pois o crime de falsificação, se existiu, foi efetuado no Interior da China e esse facto já produziu na RAEM a pena de cancelamento da autorização de B em 2008. A imediatamente nessa ocasião explicou clara e honestamente tudo o que aconteceu, tendo confiado demasiado no intermediário do Interior da China que tratou do processo. (26º)
Além disso, estando o caso em investigação nos órgãos próprios da RAEM, o recorrente confia nos mesmos e está profundamente convicto de que se provará que não houve qualquer dolo na atuação da sua parte. A suspensão da eficácia deste despacho em crise reforça a imagem da RAEM na medida em que cria melhores condições para a aplicação da justiça em sede própria na RAEM. (27º)
Quanto à aplicação ao caso concreto do pressuposto previsto na alínea c), pensamos que, nas condições referidas, se torna claro, desde já mas em especial após o fim das investigações do MP, que não há nem nunca houve indícios de dolo, ou seja qualquer intenção de não cumprir as leis de Macau e do processo não resultarão nunca fortes indícios de ilegalidade do recurso. (28º)
Por todo o exposto e com o indispensável suprimento de Vossas Excelências, deve esse Venerando Tribunal dar provimento, desde já, à suspensão de eficácia do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 de Outubro de 2011, por se mostrarem efetivamente verificados os pressupostos legais. (29º)
Assim, apresenta as seguintes conclusões:
A) – Os recorrentes têm legitimidade, estão representados e em prazo;
B) – A eficácia do ato proferido pelo Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 de Outubro de 2011 é susceptível de ser suspensa como determina o art.º 121º do CPA em vigor;
Pedido: Termos em que, e contando com o indispensável suprimento de Vossas Excelências, deve ser declarada suspensa a eficácia do Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 11 de Outubro de 2011.
Assim, farão Vossas Excelências a habitual e são Justiça. (30º)”
*
Efectuada a citação a que se refere o artigo 125º, nº 3 do Código do Processo Administrativo Contencioso, veio a entidade requerida oferecer o merecimento dos autos (cfr. fls. 29).
O Digno Magistrado do Ministério Público, na vista que lhe foi aberta, emitiu o seu douto parecer constante de fls 32 e 33 dos presentes autos, no qual opinou no sentido da improcedência do presente pedido de suspensão de eficácia.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
De acordo com os elementos constantes dos autos, há que considerar os seguintes factos com interesse para a decisão do pedido:
Por despacho do Senhor Chefe do Executivo de 18 de Setembro de 2007, foi autorizado o pedido de fixação de residência temporária por investimento do requerente A, acompanhado do agregado familiar composto por 6 elementos, a saber, E (esposa), D, C, F, B e G (filhos).
A 24 de Junho de 2010, o requerente A requereu a renovação da autorização de fixação de residência temporária do próprio e dos seus membros familiares.
A 15 de Setembro de 2011, foi elaborada a informação/proposta nº 2746/居留/2006/01R號意見書, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, em que foi proposto o indeferimento do pedido da renovação da autorização de fixação de residência temporária do requerente e dos seus familiares.
Por despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 11 de Outubro de 2011, foi indeferido o pedido da renovação da autorização de fixação de residência dos referidos interessados.
*
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
Em sede do enquadramento jurídico, cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Vejamos se merece provimento.
Acto de conteúdo positivo ou negativo
Em regra, ao abrigo do artigo 22º do Código do Processo Administrativo Contencioso, a interposição de recurso contencioso de um acto administrativo visando a declaração da sua invalidade não tem efeito suspensivo.
Mas pode haver situações em que a imediata execução do acto administrativo produz efeitos secundários ao requerente.
Precisamente para evitar a produção de tais resultados ou efeitos, foi criada pelo legislador a possibilidade de suspensão de eficácia do acto.
Nos termos do artigo 120º do Código do Processo Administrativo Contencioso, dispõe-se que só há lugar a suspensão de eficácia “quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Segundo Diogo Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, vol III, Lisboa, 1989, p. 155, são actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica”, enquanto actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.
Assim, o pedido de suspensão de eficácia só é viável quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
Foi decidido pelo Tribunal de Última Instância, proferido no âmbito do Processo nº 10/2009, de que havendo alteração da situação anterior no respeitante ao pedido de renovação da autorização de residência, o acto de indeferimento é um acto negativo com vertente positiva.
O mesmo entendimento foi partilhado por maioria das decisões proferidas pelo Tribunal de Segunda Instância, defendendo que “uma nova categoria de actos que, embora aparentemente de conteúdo negativo, têm efeitos positivos, existindo, dessa foram, uma utilidade na suspensão da respectiva execução, na medida em que dela derivam efeitos secundários positivos, enquadrando-se, desde logo, em tal categoria os actos de que resulte o indeferimento da manutenção de uma situação jurídica anterior, como é o caso, denegando–se renovação de situação jurídica preexistente, ferindo-se as expectativas legítimas de conservação de efeitos jurídicos de acto administrativo anterior...” – Cfr., a título exemplificativo, o Processo nº 328/2010/A.
No caso vertente, é de verificar que o acto administrativo em causa consiste no indeferimento do pedido da renovação de fixação de residência temporária do requerente e seus familiares, pelo que, sem margens para grandes dúvidas, é um acto de conteúdo negativo.
Contudo, se bem que tenha conteúdo negativo, apresenta vertente positiva, a essa vertente tendo o requerente circunscrito o seu pedido, traduzindo-se, no essencial, na alteração da situação jurídica preexistente, ferindo-se as expectativas de manutenção ou conservação de efeitos jurídicos derivados da autorização anterior, pelo que entendemos ser admissível o pedido de suspensão de eficácia, ao abrigo do artigo 120º, alínea b) do Código supra citado.
*
Preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121º, nº 1 do Código do Processo Administrativo Contencioso
Analisaremos, de seguida, se estão verificados os requisitos para a procedência da pretensão apresentada pelo requerente.
Nos termos do artigo 121º, nº 1 do Código do Processo Administrativo Contencioso, estatui-se que a suspensão de eficácia dos actos administrativos só é concedida pelo tribunal quando se verifiquem cumulativamente os três requisitos: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso tendo em vista os elementos carreados ao processo.
No tocante aos dois requisitos negativos, não se vislumbra grandes dúvidas quanto à sua verificação, isto porque se admitir a presença do requerente e seus familiares na RAEM até decisão do recurso, nenhuma lesão do interesse público pode ser posta em causa, assim como não se descortina indícios suficientemente fortes de ilegalidade na interposição do recurso.
O problema coloca-se, principalmente, quanto à verificação do requisito positivo.
De acordo com a jurisprudência dominante neste Tribunal de Segunda Instância, entende-se que o prejuízo de difícil reparação exigido pela lei terá que ser valorado caso a caso, tendo em conta as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
A título exemplificativo, cita-se o Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo nº 328/2010/A, nos termos que a seguir se transcreve:
“Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tidos como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto”.
No caso vertente, o requerente invoca que o requerente e seus familiares têm desde 2007 a sua vida estabelecida em Macau na área de investimentos e comércio, bem como os dois filhos do requerente, C e D, encontram-se a frequentar na Universidade de Macau e na Universidade de Ciência e Tecnologia, cuja execução do acto poderia causar a interrupção, e talvez em termos definitivos, dos seus estudos.
Feita uma cuidada ponderação dos motivos alegados pelo requerente, cremos assistir razão ao Digno Magistrado do Ministério Público quando afirma que não aduziu o mesmo factos concretos e suficientes susceptíveis de darem como verificado o referido requisito da alínea a) do artigo 121º do citado Código.
De facto, e em primeiro lugar, o requerente não alegou suficiente e concretamente quais serão os prejuízos que a execução do acto lhe poderá provavelmente causar, designadamente não especificou, muito menos logrou provar, por que razão os seus negócios comerciais e de investimento em Macau terão a ver com a sua estadia, mesmo temporariamente, na RAEM.
Por outro lado, não obstante ter alegado que os seus filhos maiores se encontram a frequentar em instituições universitárias em Macau, mas salvo o devido respeito por melhor opinião, julgamos que igualmente não constitui fundamento suficiente para ser suspenso o acto. Pois, em primeiro lugar, os dois filhos do requerente já são maiores, assim têm todas as condições de viver separadamente com os pais, levando uma vida própria e independente.
Em segundo lugar, verifica-se que o estudo universitário não constitui ensino obrigatório, o qual só é garantido universalmente aos menores entre 5 e 15 anos de idade, nos termos do artigo 20º, nº 1 da Lei nº 9/2006, pelo que, sendo estudo facultativo, o requerente teria que deduzir factos concretos susceptíveis de darem como verificado o alegado prejuízo de difícil reparação aos seus filhos, nomeadamente a razão por que terão que estudar em Macau e não em outro lugar, ou os prejuízos concretos que irão sofrer com a interrupção dos estudos.
Finalmente, se a intenção dos filhos do requerente era apenas querer ficar na RAEM para continuar com os seus estudos, também não conseguiu o requerente alegar e demonstrar por que razão não poderão os filhos continuar com os seus estudos aqui em Macau, por ser facto notório haver estudantes universitários não residentes da Região que se encontram a frequentar em instituições de ensino superior, mas não permanecem aqui por razão de fixação de residência.
Face ao até aqui expostos, e ponderando o alegado pelo ora requerente, sem prejuízo do respeito por entendimento em sentido diverso, somos de concluir que provados não estão os necessários prejuízos de difícil reparação para que se pudesse julgar procedente o pedido formulado pelo requerente, assim, resta indeferir o pedido do requerente.
***
III) DECISÃO
Tudo exposto e nos fundamentos acima descritos, em conferência, acordam julgar improcedente o pedido.
Custas pelo requerente.
Notifique.
RAEM, aos 29 de Março de 2012.
Tong Hio Fong
Seng Ioi Man
Lai Kin Hong
(Vencido nos temos de declaração de voto que se junta)
Foi presente
Mai Man Ieng
Processo nº 815/2011A
Declaração de voto de vencido
Enquanto relator, fiquei vencido pelo seguinte:
Antes de entrar na apreciação dos vários requisitos previstos no artº 121º do CPAC, o Acórdão antecedente considera que se trata in casu de um acto de conteúdo negativo com vertente positiva.
É justamente aí reside a minha discordância.
Como vimos nos autos, foi ao abrigo do disposto no artº 19º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 que o ora requerente requereu ao Governo da RAEM a renovação do seu título de residência por investimento em imóveis.
Nos termos do disposto desse artº 19º/2, a renovação está sujeita à verificação dos mesmos requisitos da emissão inicial do título de residência.
Pela leitura da informação sobre a qual incidiu o despacho de cuja eficácia ora se requer a suspensão, sabe-se que é pelo facto de ter sido detectada a utilização dos documentos falsificados no procedimento administrativo com vista à obtenção da primeira autorização de residência na RAEM que foi indeferida a renovação da residência.
Para o requerente, o indeferimento da requerida renovação implica a não renovação do seu BIR e dos BIR´s dos seus familares, que por sua vez determinará a saída dos seus familiares de Macau.
Se é certo que ao requerente e aos seus familiares foi concedida a autorização de residência em Macau ao abrigo do diploma regulador da residência por investimento em imóveis, não é menos verdade que essa autorização é aprazada, ou seja, tinha um prazo de validade previamente determinada.
Assim, apesar de a lei prever a possibilidade de renovação da tal autorização, o certo é que a renovação depende sempre não só da verificação de todos os mesmos requisitos legais da emissão inicial, como também da discricionariedade da Administração da RAEM.
Não atribuindo a lei aos interessados uma expectativa firme de ser renovada a autorização da sua residência em Macau, não podemos dizer que no caso sub judice da execução do despacho de não renovação da autorização decorra um efeito ablativo de um bem jurídico detido pelos interessados, pois não se pode olvidar que o statu quo ante não era temporalmente ilimitado, mas sim com a duração previamente fixada, embora renovável.
Falando sob outro prisma, se a renovação não decorrer do exercício de poderes vinculados, mas sim de poderes discricionários, o acto de não renovação não pode deixar de ser meramente negativo sem vertente positiva.
In casu, o requerente invocou como fundamento principal para sustentar a requerida suspensão da eficácia a possibilidade de os seus filhos deixarem de poder continuar as suas actividades escolares em Macau.
Todavia, uma coisa é a não renovação da sua autorização da residência por investimento, outra coisa a expulsão de Macau.
Efectivamente não consta do despacho que indeferiu a renovação uma ordem de expulsão.
Portanto, a eventual expulsão não decorre directamente da execução do despacho que indeferiu a renovação, mas sim da uma outra decisão que venha a ser tomada pela outra entidade competente no âmbito de um outro procedimento administrativo.
Por outro lado, mesmo admitindo a hipótese de considerar, tal como assim entende o Acórdão antecedente, a existência de vertente positiva susceptível de suspensão, a decisão deste tribunal administrativo nunca substitui-se à decisão da Administração no sentido de fazer prorrogar a autorização já expirada por forma a permitir os filhos do ora requerente a continuar a permanecer em Macau.
A não ser assim, ao decretar a suspensão de eficácia do despacho em causa, estaria o Tribunal a dar uma ordem à Administração de conceder uma autorização provisória de residência, substituindo-se assim à Administração no desempenho das suas funções administrativas.
O que obviamente colide com o princípio de separação de poderes.
De facto, a simples não execução do despacho de não renovação não implica directamente a renovação de uma autorização de residência, que é justamente o efeito pretendido pelo requerente,
Se assim for, cabe perguntar a que título o ora requerente e os seus familiares podem continuar a residir legalmente em Macau?
Desta maneira, pretendendo os interessados continuar a permanecer em Macau, não-lhes resta outra via que não seja a apresentação de um pedido de autorização especial de permanência para fins de estudo, ao abrigo do disposto no artº 8º da Lei 4/2003.
Pelo exposto, entendo que é de indeferir o presente requerimento de suspensão de eficácia pela não verificação ab initio do pressuposto a que se alude o artº 120º-b) do CPAC.
RAEM, 29MAR2012
Lai Kin Hong
Processo nº 815/2011/A Página 1