Proc. nº 734/2011
(Recurso Contencioso)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 15 de Março de 2012
Descritores:
-Actos destacáveis
-Recorribilidade
-Recurso acto final
-Prazo de recurso contencioso
-Caducidade do direito de recorrer.
SUMÁRIO:
I- Os actos destacáveis, porque produzem efeitos externos e lesivos na esfera de algum interessado no procedimento, como por exemplo, os que excluem um candidato dum concurso, são desde logo recorríveis contenciosamente.
II- Sempre que tiver sido acometido o acto destacável de exclusão de um concorrente, o interessado manterá interesse e legitimidade para impugnar o acto final do procedimento, a menos que o recurso contencioso do primeiro venha a ser julgado improcedente, por decisão transitada em julgado, caso em que nessa hipótese o recorrente sai definitivamente do procedimento.
III- Se a um concurso de adjudicação concorrem empresas sedeadas no exterior de Macau, mesmo que tenham aqui um representante designado para efeito de notificações, não perdem a natureza de interessados estrangeiros para efeito do prazo de recurso estabelecido no art. 25º, nº2, al. b), do CPAC e, consequentemente, para efeito da caducidade do direito de recorrer (art. 46º, nº2, al. h), do mesmo Código).
Proc. nº 734/2011
(Recurso Contencioso)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
I- “A”, com sede em Radioweg, 18, 3020 Herent e “B”, com sede em Pequim, foram concorrentes em “consórcio” ao «Concurso Internacional «Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau».
Porém, por acto do Ex.mo Chefe do Executivo, de 04/11/2010, que indeferiu o seu recurso hierárquico e manteve a deliberação da Comissão de Abertura das Propostas, em 30/06/2010, foram estas recorrentes, em consórcio, excluídas do concurso, com fundamento na não apresentação de determinado documento.
Este acto de exclusão, contudo, foi anulado contenciosamente por acórdão deste TSI de 27/10/2011, no Processo nº 74/2011, confirmado pelo acórdão do TUI de 15/02/2012 no Processo nº 1/2012.
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Todavia, nos presentes autos, aos quais coube o nº 734/2011, as mesmas sociedades, em consórcio, recorreram contenciosamente do acto final de adjudicação.
A entidade recorrida (fls. 90 e sgs.) e a contra-interessada (fls. 156 e sgs), nas respectivas contestações, além de deduzirem impugnação, previamente suscitaram as excepções de ilegitimidade activa – em síntese, com o fundamento de que eventual anulação do acto recorrido não terá repercussão na esfera da recorrente, considerando que o benefício que dela pode retirar é meramente mediato, eventual ou possível, o que, em suma, lhes não confere interesse directo - e de caducidade do direito ao recurso, às quais a contra-interessada ainda fez acrescer a da litispendência.
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A estas matérias respondeu a recorrente, defendendo a improcedência das excepções deduzidas.
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No seu visto inicial, o digno Magistrado do MP opinou, igualmente, no sentido da ilegitimidade activa.
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Cumpre apreciar.
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II- Pressupostos processuais
1- O tribunal é competente em razão da matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.
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2- Da legitimidade
Como é sabido e, de há longo tempo sedimentado na doutrina e na jurisprudência, há certos actos de trâmite procedimental – portanto, actos ocorridos no decurso do procedimento - que, não sendo finais, se traduzem numa decisão de efeitos externos para alguns interessado e que, inclusive, correspondem a uma posição derradeira da Administração em relação a si. Funcionam, pois, para eles como se fossem a última palavra administrativa sobre a sua pretensão nesse concreto procedimento. São aquilo a que classicamente se vem designado de actos destacáveis, por oposição a todos os outros que igualmente ocorram no seio do procedimento e que, por não terem eficácia externa, não são autonomamente impugnáveis ou que, tendo essa eficácia, apenas conferem ao interessado a faculdade de lhes deduzir impugnação pronta, sem que o seu não exercício imediato, porém, signifique aceitação tácita ou corresponda a conduta incompatível com a vontade de recorrer e, por isso, o impeça de os atacar contenciosamente aquando do recurso dirigido ao acto final, ao abrigo do princípio da impugnação unitária.
Actos destacáveis aqueles que, ao contrário do que sucede com estes outros, e por aquela razão, são recorríveis contenciosamente.
Entre os actos que é costume apontar-se, exemplificativamente, avultam os de exclusão de um candidato num concurso. O candidato excluído deve interpor recurso contencioso desse acto, sob pena de ficar desde logo definida sua posição jurídica em termos preclusivos1.
Trata-se de uma posição que fez escola na doutrina clássica e, bem assim, na jurisprudência portuguesa e que acabou, inclusive, por ser vazada para a lei processual contenciosa2.
É evidente que a impugnação contenciosa autónoma desse acto de exclusão apenas se refere às suas próprias fontes de invalidade, isto é, aos vícios de que ele padece. Mas, porque tais vícios foram determinantes para a “expulsão” do procedimento, a falta de impugnação contenciosa desse acto de exclusão equivale a dizer que ele não pode mais ser posto em crise. E, por consequência, estando o interessado definitivamente fora do procedimento, é seguro que não pode impugnar o acto que a final vier ser praticado, porque ele já não lhe diz mais respeito, já não mais o afecta. Isto parece-nos cristalino.
De modo que, em tal hipótese, a preclusão atinge dois níveis: Não só o interessado fica impedido de discutir a ilegalidade do acto que o tenha excluído (1º nível), como ainda fica irremediavelmente impedido de discutir a bondade legal do acto final do concurso (2º nível).
Questão intrincada, e que ora se nos depara pela primeira vez, é aquela que consiste em saber se, tendo o interessado apresentado recurso da exclusão, isso lhe faz nascer o direito de impugnar também o acto final de adjudicação, o mesmo é dizer, se tal lhe confere a legitimidade de que trata o art. 33º do CPAC.
Se tivermos bem presente a importância do duplo alcance da “preclusão” atrás referida, e fizermos um exercício “a contrario sensu”, talvez possamos dizer que, sempre que tiver sido acometido o acto destacável, deixa de funcionar a preclusão do segundo nível a que aludimos; e nesse caso o interessado manterá interesse e legitimidade para impugnar do acto final do procedimento, por não o ter perdido (nunca chegou a precludir na sua esfera). Para esta conclusão se inclinam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira3.
Esta posição, que concorre amplamente para uma justiça material, não fará, todavia, sentido, sempre que o acto (destacável) de exclusão sindicado no tribunal não vier a ser declarado inválido por uma sentença de procedência do recurso contencioso transitada em julgado. Efectivamente, em tal hipótese, se o recurso contencioso desse acto for improcedente, pode dizer-se que o interessado saiu definitivamente do espaço procedimental, ou que para todo o sempre deixou de poder lutar pelo acto administrativo a que inicialmente se propôs. Utilizemos uma linguagem mais simples e compreensível: Saiu de cena!
Mas, se o “seu” recurso desferido contra a “exclusão” lhe vier a ser favorável, então estamos perante um factor acrescido de legitimidade para continuar no procedimento e aceder ao acto final. Não esqueçamos que a sua “saída” do procedimento não foi uma “expulsão” no verdadeiro sentido do termo, porque não se conformou com o acto e o impugnou no lugar próprio. Digamos que foi um afastamento temporário, uma “suspensão da corrida”4, que retomará logo que desaparecida a causa da “suspensão”. Ora, se em execução do acto anulado de exclusão, a Administração deve proceder a nova avaliação das condições da sua candidatura, e se, portanto, o interessado “regressa” ao procedimento com as mesmas hipóteses e expectativas iniciais5, então parece que nada deve mudar para si no tocante à possibilidade de chegar à fase final do procedimento.
Com efeito, se ele volta a participar no procedimento com toda a normalidade, então é tão legítimo o seu interesse em afastar da sua frente qualquer obstáculo que o impeça de atingir o tão almejado acto final, como destruir o acto final porventura já praticado, de forma a que continuem vivas as chances de vir a ser beneficiário daquele outro que, de novo, vier a ser praticado.
Quer isto dizer que nos parece não poderem ser invocadas razões de incerteza quanto à sua permanência futura no procedimento. Isto é, não podemos explicar a sua ilegitimidade para a investida ao acto final com o argumento de que, por ora, não sabemos se ele, depois da “reentrada” no procedimento, novamente vai ficar “pelo caminho” nessa ou noutra posterior fase do mesmo procedimento ficando sem aceder ao seu termo. Não se está, neste momento, em situação diferente daquela com que alguém se depara no início do procedimento, pois nessa fase ainda ninguém sabe quem vai chegar ao seu fim. Para já, portanto, não se crê ser possível qualquer exercício de prognose que nos leve a admitir que o interessado não possa ver a sua proposta/candidatura classificada em termos finais.
O que ao recorrente interessa é, se nos é permitido insistir na metáfora, que o “pódio” esteja livre de maneira a pensar que, no despique com os demais concorrentes, talvez venha a ser seu o primeiro lugar. Como se escreveu em acórdão do STA português de 30/09/2009 “Para existir um interesse directo em impugnar um acto administrativo não é imprescindível que da declaração de nulidade ou anulação do acto impugnado resulte imediatamente um reconhecimento do direito que o interessado se arroga e pretende ver reconhecido a nível da relação jurídica substantiva que está conexionada com o acto impugnado, bastando que a eliminação jurídica do acto proporcione ao recorrente alguma vantagem directa, nem que seja apenas a de manter em aberto a possibilidade de vir a ser proferido um acto que satisfaça a sua pretensão, quando a manutenção do acto impugnado a prejudicar irremediavelmente” – negrito nosso (Proc. nº 0599/09).
Nesse sentido, somos a pensar que o seu interesse é directo, pessoal e legítimo (art. 33º do CPAC).
Evidentemente que, por razões atinentes às diferentes velocidades que são próprias do andamento da impugnação judicial e do procedimento concursal, é muito provável que este atinja o seu termo antes daquela, e até mesmo que o acto final possa estar já em execução pelo concorrente bem sucedido.
E aí, sim, a dificuldade é real e permite que se pergunte se terá o concorrente excluído inicialmente – mas vitorioso no recurso interposto do acto de exclusão – ainda interesse em fazer desaparecer o acto final.
Continuamos a pensar que sim. No caso em apreço, efectivamente, foi praticado o acto de adjudicação, é certo. E não ignoramos que tempos houve em que a execução de uma obra, por exemplo, em sequência de uma adjudicação de empreitada era entendida como factor de inutilidade superveniente da lide. Todavia, esta corrente sofreu uma inflexão de trajectória e hoje o que se pensa é que “O acto de adjudicação, a celebração do contrato e o início ou, mesmo, a conclusão da sua execução não é, assim, impeditiva do prosseguimento da lide, pelo que seria, de todo, injustificável que, nestas circunstâncias, não se procedesse ao julgamento do recurso e se remetesse o Recorrente para a propositura de um outro tipo de acção”6.
Ou ainda que “A anulação de acto de adjudicação de obra já concluída permite atingir ainda plenamente o fim objectivo do recurso, repondo a ordem jurídica violada e também pode trazer evidente e imediato beneficio para os interesses que o particular recorrente defende no recurso, permitindo-lhe em execução, no caso de impossibilidade de execução específica, o substitutivo que é a fixação de indemnização”7.
Ora, se fosse de considerar que não podia impugnar o acto final, desde que já executado ou em execução, isso significaria que o interessado mal excluído, ou nunca poderia sequer ter direito a indemnização ou, na melhor das hipóteses, a indemnização seria reconhecida numa escala muito menor, certamente, por nunca ter tido oportunidade de demonstrar que o acto foi ilegal e que, a adjudicação, em vez de a outrem, a si mesmo deveria ter sido conferida8.
É por isso que pensamos que a indemnização, nessa hipótese, como é jurisprudência já consolidada, funciona como sucedâneo reparatório em razão dos danos sofridos pelo acto ilegal cometido. Portanto, até mesmo por essa via, se entende que ele mantém legitimidade para impugnar o acto final.
Se assim não fosse de entender, as sentenças anulatórias de acto de exclusão pouco prestáveis aos recorrentes vitoriosos haveriam de ser. E então, estaríamos, parafraseando N, perante sentenças irrelevantes, as quais, citando a autora, “não passariam de meras declarações platónicas”9 ou, diríamos nós agora, de julgados pouco mais do que meramente reparadores de um orgulho ferido, circunstância que não basta para densificar o direito à tutela judicial efectiva.
Ainda falta responder a uma dúvida: Então, e se o aqui recorrente, ao “reentrar” no procedimento, vier a ser de novo excluído, por exemplo? Que interesse terá ele nesse caso em manter de pé a impugnação do recurso contencioso dirigido contra o acto final? Sendo assim, como se haverá de lhe reconhecer legitimidade actual em relação a uma posição jurídico-procedimental incerta, isto é, se se ignora o que lhe vai acontecer daqui em diante no procedimento?!
A resposta é boa de dar e já nos fomos referindo a ela mais atrás. Nessa configurada hipótese ele não estará melhor, nem pior, do que agora. E assim, continua a beneficiar da hipótese de recorrer desse novo acto de exclusão e, portanto, mantém em aberto a possibilidade de novamente reentrar no concurso e chegar ao acto final. Neste sentido, não pode ser a quantidade de ilegalidades cometidas em sucessivos actos administrativos a obstar à satisfação da pretensão dos interessados.
De modo que, se por causa do uso dos meio impugnatórios a que o interessado ficar sujeito, ele perder para sempre a oportunidade de aceder à adjudicação (porque já atribuída, porque contratualizada e porque com a obra em curso avançado ou já concluída), nem mesmo perante a eventualidade de recurso contencioso do acto de adjudicação coroado de êxito, ainda lhe resta a hipótese de indemnização, seja através da execução do julgado (cfr. art. 180º, nº3 e 4, do CPAC), seja, como também já se viu defender, através da acção de indemnização por responsabilidade civil extracontratual com assento num acto administrativo de adjudicação ilícito (arts. 8º do DL nº 28/91/M, de 22/04 e 116º, 1ª parte do CAC), seja agora, através da acção sobre a validade do contrato (art. 114º, nº2, al. al. c), do CPAC).
Efectivamente, a forma como o art. 114º, nº2, al. c) está redigida, ao contrário do que poderia pensar-se, não obriga à instauração da acção sempre que o concorrente tenha impugnado contenciosamente com êxito o acto destacável. Pode o interessado fazê-lo, porque tanto lho permite o Código. Mas o que ali está estabelecida é uma simples faculdade (“A acção sobre validade…pode ser proposta…”. Além disso, trata-se de uma norma sobre legitimidade10 e não sobre propriedade do meio processual a empregar. Significa isto que, em caso de êxito do recurso feito ao acto pré-contratual não tem o interessado que socorrer-se da acção, embora o possa fazer como modo de abreviar caminho à indemnização. Mas, porque o quantum indemnizatório de que o interessado é eventualmente tributário é quase fatalmente diferente consoante o êxito seja alcançado num recurso contra o acto de exclusão ou contra o acto de adjudicação, nada na lei impede que ele se socorra do recurso contencioso dirigido ao acto final de maneira a obter uma sentença favorável que mais satisfatoriamente preencha, nem que seja pela via sucedânea, o seu desejo de reparação indemnizatória. É verdade que, segundo se capta do nº3 do art. 113º do CPAC, nessa mesma acção o autor “pode” deduzir pedido de anulação do acto final, com uma legitimidade que nesse caso teria recebido da impugnação bem sucedida do acto de exclusão (art. 114º, nº2, al. c) do CPAC). Simplesmente, tal opção cabe ao interessado tomar, visto que a lei não lhe fixa essa imposição, nem a leitura do nº2 do art. 113º permite outra interpretação.
Por conseguinte, somos a pensar que este consórcio mantém legitimidade activa.
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Em suma, todas as partes gozam de legitimidade activa e passiva.
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3- Da litispendência
De acordo com a tese da contestante contra-interessada “C”, os fundamentos do presente recurso – dirigido contra o acto de 5/08/2011 de adjudicação favorável a esta contestante – são os mesmos que o consórcio recorrente desferiu no Proc. nº 74/2011 - contra o acto de 4/11/2010 do Ex.mo Chefe do Executivo, e através do qual foi indeferido o recurso hierárquico da deliberação da Comissão de Abertura das Propostas que determinou a exclusão da sua proposta ao concurso.
E, porque assim considera, então pretende obter em ambos os recursos contenciosos o mesmo efeito jurídico “a admissão da proposta das Recorrentes ao Concurso”. Por isso, por serem iguais os sujeitos, os pedidos e as causas de pedir, em sua óptica, estariam preenchidos os requisitos da litispendência a que se refere o art. 413º, al. j), em conjugação com os arts. 412º, nº2 e 416º, todos do CPC.
Não podemos concordar. No processo nº 74/2011, o objecto em crise era o despacho do Ex.mo Chefe do Executivo que, confirmando a deliberação da Comissão de Abertura das Propostas, o excluiu do concurso. No presente recurso, o que vem questionada é a legalidade do acto final do procedimento concursal que procede à adjudicação do serviço à contra-interessada excepcionante. Actos diferentes, já se vê, acometidos em diferentes processos.
É bem certo que num e noutro, os pedidos tendem à obtenção do mesmo efeito jurídico: anulação dos actos sindicados. Só que essa anulação, se alcançada, não se repercute da mesma maneira na esfera do recorrente. Com efeito, não fica o consórcio recorrente em igual posição – nem jurídico-procedimental, nem jurídico-substantiva. O trânsito em julgado de uma sentença favorável obtida no Proc. nº 74/2011 apenas lhe permite a “reentrada “ no procedimento de que durante algum tempo esteve afastado. A sua esfera jurídica apenas fica satisfeita parcialmente, porque nada quanto ao fundo ou à substância da sua pretensão última fica por ela definido.
Diferente se torna o espectro da sua posição se, podendo pelejar contra o acto final, vier a obter uma sentença que lhe reconheça razão. Compreensivelmente, a satisfação da sua pretensão anulatória é, então, plena, porque o acto administrativo reprovado desaparecerá da ordem jurídica.
Serve isto para rechaçar a tese de que o efeito a obter é o mesmo em ambos os recursos. Não é: num caso, o que visa é um novo acto que o admita ao concurso; noutro, o que se almeja é ser classificado em 1º lugar no acto final do procedimento de adjudicação.
A circunstância de, em ambos os processos, haver parcial identidade de fundamentos - o que se nos afigura normal, enquanto forma de demonstrar a sobreposição de alegadas ilegalidades – não chega para demonstrar que há litispendência. Na verdade, não nos parece servir de obstáculo ao preenchimento da causa de pedir do recurso dirigido ao acto final o facto de se utilizarem argumentos comuns ao recurso interposto do acto de exclusão, se também eles forem úteis à demonstração da ilegalidade cometida por aquele.
Desta maneira, e ainda que sejam os mesmos os sujeitos, a falta dos dois restantes requisitos (art. 417º, nº1, do CPC) impede que se considere estarmos perante a repetição de causas e, por isso, de litispendência (art. 416º, nº, do CPC).
Improcede, portanto, a excepção.
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4- Da caducidade
Invocaram os contestantes a caducidade do direito de recorrer com fundamento no facto de o consórcio recorrente ter tomado conhecimento do acto em 2/09/2011 e, apesar disso, somente apresentado recurso por telecópia em 31/10/2011 (o original entrou na secretaria em 1/11/2011), ultrapassando assim o prazo de 30 dias previsto no art. 25º, nº2, al. c), do CPAC.
Na sustentação da excepção, segundo os contestantes, ela decorreria do seguinte:
- As recorrentes (consórcio) vieram levantar o ofício de notificação do acto em 2/09/2011 (invocação da entidade recorrida);
- As recorrentes têm residência na ETAR da TAIPA, rua de Pac On (invocação da entidade recorrida);
- As recorrentes estão representadas pelo mesmo advogado local, que em seu nome tem agido no âmbito deste concurso (invocação da entidade recorrida);
- As recorrentes, no âmbito do concurso, declararam a intenção de constituição de um consórcio e na minuta do contrato de consórcio respectivo que acompanhou a proposta ao concurso das recorrentes vem indicada a intenção de designar como chefe do consórcio a Recorrente A (invocação da contra-interessada);
- No âmbito do concurso, indicaram as recorrentes como mandatário o Senhor D, com domicílio em Macau, a quem foram conferidos poderes relativos ao concurso (invocação da contra-interessada);
A estas afirmações responderam as recorrentes, sintetizando a sua posição no seguinte:
- O prazo para o recurso não é de 30, mas de 60 dias. Na verdade, a residência na ETAR da TAIPA não é a deste consórcio concorrente, mas a de um com designação parecida: «E», constituído pelas sociedades “F e E». São, portanto, pessoas jurídicas distintas. As que a este concurso se apresentaram têm residência no exterior de Macau, pelo que o prazo é de 60 dias.
- No que concerne ao advogado, não é verdade que ele disponha de poderes de gerência e representação, mas apenas de poderes gerais forenses.
- O Sr. D apenas representa a “B”, não já a “A”
Vejamos.
A matéria de facto concernente a esta excepção é a seguinte:
a) - As recorrentes “A” e “B”, no âmbito do concurso, declararam em conjunto a intenção de constituírem um consórcio com a designação “G” (fls. 158 do apenso “Z”).
b) - Na minuta do contrato de consórcio, foram indicados os nomes de H, D, I e J, para representarem a sociedade “Z” e K e L, para representarem a sociedade “M” (fls. 161 do cit. p.a.).
c) - Nessa mesma minuta, era apresentada a “A” como líder do consórcio (fls. 162 do cit. p.a.).
d) - Na procuração outorgada por “Z” foram também constituídos mandatários da sociedade H e D (fls. 152 do citado p.a.).
e) - O ofício de notificação em que é dada conta do acto de adjudicação foi recebido pessoalmente em 2/09/2011por alguém em nome de “M” (fls. 136 dos autos).
De acordo com a posição das partes, é de considerar pacífico que o conhecimento do conteúdo do acto chegou a um representante da recorrente “Z”no dia 2/09/2011, por entrega pessoal do ofício de fls. 137 dos (as respondentes de fls. 194 e sgs., concretamente no ponto 30 do seu articulado a fls. 199, admitem que tenha sido a D).
Mesmo que fosse D a receber o dito ofício, não estaríamos de acordo com a posição das recorrentes-respondentes quando dizem que tal facto (referido em e) supra) apenas poderia comprometer a sociedade “B”, já que D, na minuta do contrato de consórcio que acompanhou a proposta ao concurso era, diferentemente, apontado como representante da “Z”.
Por outro lado, tendo sido dito na mesma minuta que a líder do consórcio seria a “Z”, qualquer notificação a fazer a estas concorrentes poderia ser feita na pessoa de um dos seus representantes, nomeadamente no Sr. D. Evidentemente, o Sr. D não podia decidir se iria ou não ser apresentado recurso contencioso, pois isso só a gerência das sociedades o poderia decidir, isoladamente ou em consórcio.
Mas a questão essencial é outra: é saber se o prazo do recurso se iniciaria nessa data (2/09/2011) ou se começaria a contar mais tarde.
Ora, acontece que tal ofício (fls. 136) não ia acompanhado do teor do acto, razão pela qual uma das recorrentes, através do seu Ex.mo advogado, requereu, para efeitos do art. 43º do CPAC, certidão onde, entre outros elementos, constasse aquele despacho (fls. 38 dos autos), o que, de acordo com a indicação feita na petição inicial (art. 1º: fls. 6 dos autos), ainda não foi satisfeito.
Pois bem. Com estes dados, estamos, aparentemente, perante uma situação enquadrável no âmbito dos arts. 26º e 27º, nº2, do CPAC11. Assim, e porque a referida notificação apenas transmitiu o sentido, o autor e a data da decisão, mas já não o teor integral do acto, embora o prazo tivesse começado a correr em 2/09/2011, ele teria ficado suspenso com o requerimento em foi pedida a certidão.
Sucede, porém, que este pedido de certidão apenas foi apresentado em 21/10/2011 (doc. cit. fls. 38), logo, ao fim de 49 dias.
E é aqui, precisamente, que ganha imensa relevância saber se, afinal de contas, o prazo é de 30 ou 60 dias, como o defendem as recorrentes.
É que se for de entender que o prazo é de 30 dias (art. 25º, nº2, al. a), do CPAC), carece de sentido apelar ao disposto nos arts. 26º e 27º do Código, como modo de afastar a caducidade com base no citado art. 25º, nº2, al. a), do CPAC, uma vez que o pedido dos elementos faltosos foi feito para lá do prazo, logo, extemporaneamente.
Mas, se entendermos que o prazo é de 60 dias, sob a égide do art. 25º, nº2, al. b), do CPAC, então as coisas mudam de figura.
Ora, nós pensamos que o facto de aquele supracitado ofício ter sido entregue a alguém da Z 12 não tem aptidão para mudar a escala dos prazos.
Quer dizer, podia tal notificação marcar o “dies a quo”, pois também para isso haveria de ter servido a indicação dos representantes das sociedades do consórcio. Os efeitos que uma tal representação desencadeiam situam-se apenas no quadro do procedimento administrativo concursal, embora com reflexos no início de contagens de prazo em sede processual. Todavia, se podem marcar o dia do início de contagem do prazo, não servem já para mudar a natureza estrangeira das concorrentes (isolada ou em consórcio). Seriam sempre entidades sedeadas no exterior de Macau e, assim, o prazo teria que subir necessariamente para 60 dias (art. 25º, nº2, al. b), do CPAC)
Prazo que, de resto, foi comunicado no próprio ofício, pois aí se diz que, o prazo para recorrer contenciosamente era de 30 dias, se sedeada em Macau, ou de 60 dias, se sedeada no exterior de Macau (ver fls. 136 dos autos).
Nessa hipótese, ao 49º dia, o prazo suspender-se-ia e retomaria a contagem apenas se e quando o pedido de certidão fosse satisfeito. É certo que tal pretensão nunca foi satisfeita e, em princípio, o prazo ainda hoje não se teria esgotado. Contudo, e uma vez que as recorrentes tiveram conhecimento dos elementos pretendidos no quadro da notificação que lhes foi feita em 24/10/2011 no Processo nº 702/2011-A (Suspensão de eficácia requerida por N (fls. 40 dos autos), então podemos dizer a apreensão de tais dados sobreveio ao dia 52º. E nesse pressuposto, o original da petição teria entrado precisamente no dia 1/11/2011, último dia do prazo, sem esquecermos que o envio por telecópia fora feito em 31/10/2011, o que ainda mais a tornaria tempestiva (arts.1º e2º do DL nº 73/99/M, de 1/11).
Eis, pois, aqui as razões pelas quais não concluímos pela caducidade do direito ao recurso e, por isso, julgamos improcedente tal excepção.
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5- Não há outras excepções ou questões prévias de que cumpra desde já conhecer e que obstam ao conhecimento de mérito, pelo que o processo deverá prosseguir a sua normal tramitação, salvo se alguma causa superveniente a tal vier a obstar.
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Custas pela excepcionante contra-interessada, com taxa de justiça em 5 U.C.
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TSI, 15 / 03 / 2012
Presente José Cândido de Pinho
Vítor Coelho Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Ac. STA de 21/07/2004, Proc. nº 0695/04; 07/04/2010, Proc. nº 01219/09; tb Prof. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, I vol, p. 445 e Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, 445; Mário Aroso de Almeida, em “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, pag. 146 e Manual de Processo Administrativo, 2010, pag.280/281, só para citar três reputados administrativistas.
2 Art. 51º, nº3, do CPTA: “salvo quando o acto em causa tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento e sem prejuízo do disposto em lei especial, a circunstância de não ter impugnado qualquer acto procedimental não impede o interessado de impugnar o acto final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento”.
3 Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pag. 349. Ainda que a opinião destes autores tenha sido manifestada a propósito da citada norma do art. 51º, nº3, do CPTA, cremos que a doutrina ali veiculada serve perfeitamente o caso que nos ocupa, porque os parâmetros de incidência, no que se refere ao alcance dos actos destacáveis, não deixam de ser os mesmos.
4 Tal como, numa metáfora, os concorrentes que prosseguiram na prova, enquanto o menos afortunado tem que ir às “boxes” para mudar um pneu.
5 Em abstracto, pelo menos, já que em concreto isso nem sempre assim é; basta pensar na demora da apreciação do recurso contencioso e a circunstância de o procedimento ter entretanto chegado ao seu termo antes da decisão judicial.
6 Ac. STA 22/10/2003, Proc. nº 0351/03, por exemplo. No mesmo sentido, Ac. STA de 5/02/2002, Proc. nº 048198.
7 Ac. STA de 15/01/2002, Proc. Nº 048343.
8 Não há comparação entre os prejuízos ressarcíveis ao interessado que vem a obter uma sentença que lhe é favorável, porque anula o acto final de adjudicação a outro concorrente, e os que podem ser reparados no caso em que apenas obtém uma sentença favorável do acto de exclusão mas sem possibilidade de discutir o seu direito à adjudicação.
9 In Parecer da PGR de 24/10/2002, P000952002.
10Legitimidade dependente ou derivada, na medida em que é reconhecida após a impugnação do acto pré-contratual regularmente deduzida (Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo E. Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol. I, pag.285; Carlos Alberto Cadilha, in CJA, nº 34, nota em pag. 14) e bem sucedida (Mário Aroso de Almeida e Carlos A. Cadilha in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ªed., pag.267), relativamente a norma do art. 40º, nº1, al. d), do CPTA português a respeito da legitimidade em acções relativas a contratos.
11 Este problema foi enfrentado já por este TSI no Ac. de 31/03/2011, cujo sumário diz que “, I- De acordo com o art. 27º, n.2, do CPAC, o prazo de recurso começa a correr imediatamente com a notificação insuficiente ou incompleta e só se suspende (nem sequer se interrompe) com a apresentação de requerimento em que seja pedida a notificação dos elementos em falta ou a passagem de certidão ou fotocópia que os contenha. Em tal hipótese, a suspensão dura até que estes dados sejam fornecidos ao requerente. II- Esta norma, no entanto, para formar um todo normativo coerente e harmonizável, tem que ser lida e interpretada em conjugação com o precedente art. 26º. Assim é que, se a notificação não levar ao destinatário do acto o sentido, o autor e a data da decisão, o prazo não começa logo a correr, por serem elementos essenciais ou de importância primordial. Mas se a imperfeição se verificar ao nível da indicação sobre se o acto é recorrível ou sobre o prazo para a sua impugnação, por exemplo, então estaremos perante elementos de menor importância, que o legislador considerou não terem relevância suspensiva. Nestes casos, só perante requerimento feito nos moldes do art. 27º, n.2 é que o prazo em curso se suspenderá”. Posição que viria a ser sufragada pelo TUI no seu Ac. de 28/09/2011, Proc. nº 33/2011.
12 Ao que se supõe, nem sequer seria da “Z” aqui recorrente, sociedade distinta da que operava na Etar da Taipa, nem tão pouco se trataria de D, pois o nome não corresponde ao que consta da assinatura do documento de fls. 136 dos autos.
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