ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 8 de Julho de 2010, condenou a arguida A pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 9 (nove) anos de prisão.
Em recurso interposto pelo arguido o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 19 de Março de 2010, rejeitou o recurso.
Ainda inconformado, recorre a arguida para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões:
i. Ponderação das circunstâncias atenuantes especiais
1. A recorrente discorda da sentença recorrida quanto à condenação da pena de 9 anos de prisão, porque a sentença recorrida violou o disposto dos artigos 40.º, 65.º, 66.º, e 67.º a respeito da aplicação da lei e determinação da medida de pena.
2. Por um lado, a sentença recorrida erroneamente entendeu que apesar da confissão voluntária do crime e do seu arrependimento manifestado, a recorrente apenas confessou o respectivo crime quando foi detido em flagrante delito. Tal confissão voluntária não consubstancia na diminuição acentuada da ilicitude de facto ou a culpa do agente, ou a necessidade da pena. Não há circunstâncias especiais atenuantes merecedores da consideração. Todavia, é verdade que a recorrente quando foi interceptada pelos agentes da autoridade, logo no início voluntariamente confessou-lhes que tinha drogas no corpo e não fez isso só depois de serem detectadas as mesmas drogas. Razão pela qual, a confissão voluntária indicada na sentença da 1.ª instância consubstancia na circunstância atenuante especial, e deste modo preencheu o disposto do artigo 66.° n.ºs 1 e 2 alínea c) do CPM.
3. Por outro lado, além disso, após a confissão voluntária e a colaboração com polícia, a recorrente tem se comportado bem, e colaborado sempre francamente na investigação da polícia e do órgão judicial. Não obstante não contribui para a descoberta da verdade, como assinalado na sentença recorrida, isto não impede uma apreciação deste facto no momento da quantificação da culpa da agente, o que também explicou porque a sentença da 1.ª instância referiu ao arrependimento da recorrente. Assim sendo, verificou-se a circunstância de atenuação especial do artigo 66.° n.ºs 1 e 2 alínea d) do CPM.
4. Além disso, desde que foi lhe aplicada a prisão preventiva, a recorrente perdeu contacto com amigo a quem tinha confiado o filho menor. Pelo arrependimento do acto praticado e da preocupação que tinha sobre o filho menor que se encontra na Tailândia sem notícia, suscitou-lhe a instabilidade emocional e a insónia durante o longo tempo. E como resultado, ela obrigou-se a pedir a ajuda ao psicólogo constantemente por causa da depressão (vide o relatório do estado psíquico emitido pela EPM em 26 de Março de 2010). As condutas suas provocaram enorme prejuízo sobre o seu estado mental e psíquico, e assim preencheram o disposto do artigo 66.° n.º 2 alínea e) do CPM. Pelo que, o caso comporta três ou até mais circunstâncias de atenuação especial distintas.
5. A sentença recorrida violou o artigo 66.° n.ºs 1 e 2 alíneas c), d) e e) do CPM por desconsiderar a situação referida no artigo 66.° do CPM e não fazer atenuação especial da referida moldura abstracta, e desta forma manter a condenação de 9 anos de prisão.
ii. Determinação da medida de pena excessiva
6. Ao abrigo do artigo 8.° n.º 1 do DL n.º 5/91/M, a moldura penal do crime pelo qual a recorrente foi condenada é entre 8 e 12 anos de prisão; ao abrigo do artigo 8.° n.º 1 da Lei n.º17/2009, a moldura penal é entre 3 e 15 anos de prisão.
7. Na lei nova, o legislador obviamente ampliou a moldura penal, com intenção de atribuir a maior flexibilidade ao Tribunal na determinação da media de pena, e aplicar a pena mais favoráveis ao arguido, em consonância com todas as circunstâncias concretas favoráveis ou desfavoráveis ao arguido, e na ponderação da ilicitude, a culpa do agente e a necessidade da pena, aplica-se a pena mais favorável ao agente, a fim de evitar que tal como na vigência da lei antiga, se aplique ao caso de tráfico de gravidade menor uma pena demais severa. Pelo que, na aplicação da lei nova, não se deve utilizar o mesmo critério que a lei antiga comporta, caso contrário, vai contra o ratio legis da lei nova.
8. Ao abrigo do artigo 8.° n.º 1 do DL n.º 5/91/M, a moldura penal do crime pelo qual a recorrente foi condenada é entre 8 e 12 anos de prisão. O Tribunal de 1.ª instância entendeu ser adequado condená-la na pena de 9 anos de prisão e na multa de 20.000,00 patacas, uma vez que tal pena fica próxima ao limite mínimo da moldura penal.
9. No entanto, o Tribunal da 1.ª instância, à luz do mesmo critério para a determinação da medida de pena, ainda considerou, ao abrigo do artigo 8.° n.º 1 da Lei n.º17/2009, que é mais adequado condenar na pena de 9 anos de prisão, a qual situa no ponto intermédio da moldura penal (3 a 15 anos de prisão).
10. Ao adoptar o mesmo critério na determinação da pena, a medida de pena decidida à sombra da lei nova não deve coincidir com a pena aplicada segundo a lei antiga, mas sim devia se aproximar do limite mínimo da moldura penal. Pelo que entendeu a recorrente ser excessiva e desproporcional condenar a recorrente na pena de 9 anos de prisão segundo a lei nova.
11. Caso não se concorde com o referido argumento, a sentença recorrida ainda olvidou as circunstâncias favoráveis ao arguido, por forma a violar o disposto dos artigos 40.°, 65.° do CPM a respeito da determinação da medida de pena.
12. Nos termos do artigo 65.° do CPM, as circunstâncias abrangem: sentimento manifestado pela recorrente, a finalidade ou motivo que determina o crime, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior ao facto e posterior a este e outras circunstâncias determinadas.
13. De acordo com o acórdão n.º 16/2003, Não é o auxílio às autoridades na identificação ou captura de um qualquer traficante de drogas que pode justificar a redução ou isenção da pena, sem prejuízo de considerar a colaboração com as autoridades como uma circunstância atenuante simples na graduação da pena.
14. No presente caso, ao abrigo dos artigos 40.° e 65.° do CPM, tendo em conta que a recorrente não tinha propósito para perturbar a ordem social de Macau, somente queria obter dinheiro suficiente para manter a subsistência da vida dela própria e do filho, comprar bilhete de avião de regresso e efectuar o pagamento do visto pela permanência no período excessivo, é delinquente primário, tem dois filhos e mãe a seu cargo, teve com comportamento anterior ou posterior ao crime, colaborou na investigação e confessou o autor por trás dele a ajudar a combater o crime transnacional, para além do seu arrependimento e confissão sem reserva da conduta. Pelo que, não é proporcional condenar a recorrente na pena de 9 anos de prisão, especialmente não lhe possibilita a tomar conta da sua mãe e o filho maior, e encontrar o filho menor que se encontra no estrangeiro sem notícia.
O Ex.mo Procurador-Adjunto, na resposta à motivação, pronuncia-se pela rejeição do recurso.
No seu parecer, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
II – Os factos
As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
- Em 24 de Abril de 2009, pelas 11h18, ao pé da esteira transportadora da bagagem do Átrio da entrada no Aeroporto Internacional de Macau, os agentes da PJ interceptaram a arguida A que chegou a Macau da Bangkok Tailândia através do voo XXXXX.
- Por suspeitar que esta tinha drogas na barriga, os agentes da PJ levaram-na ao Centro Hospitalar Conde S. Januário para realizar o exame.
- Verificou-se, com o scan passado na cavidade abdominal, vários objectos de forma elipsoidal na via intestinal.
- Desde às 15h45 do dia 24 até às 10h56 do dia 26 de Abril, a arguida A evacuou 98 pacotinhos de pós de castanha clara em pedaços que se encontravam embalados no papeis de alumínio.
- Após o exame laboratorial, comprovou-se que os pós de cor castanha clara aderidos em bloco, com peso líquido total de 983,05g, continham a substância de Heroína, abrangida pela Tabela I-A, anexa ao DL n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, e através da análise quantitativa, corresponde a 62,60% no peso líquido de 615,39g.
- As referidas drogas foram aquelas que a arguida A adquiriu em 22 de Abril de 2009, numa casa de moradia na Tailândia, a um indivíduo da descendência africana cuja identidade é desconhecida, e transportou no seu corpo até Macau para entregar à pessoa designada no [Hotel (1)], a fim de adquirir $2.500 como remuneração.
- Além disso, os agentes da PJ encontraram na posse da arguida A dois telemóveis, 1 bilhete electrónico de avião de ida e volta entre Macau e Bangkok e 1 canhoto do cartão de embarque.
- Os referidos telemóvel, bilhete de avião e cartão de embarque foram adquiridos pela arguida A à pessoa não identificada e como instrumentos utilizados na referida actividade transportadora de droga.
- A arguida A agiu livre, voluntária e conscientemente.
- A arguida A conhecia perfeitamente a natureza e a característica das referidas drogas.
- A arguida A adquiriu, deteve, transportou as referidas drogas com intenção de as propiciar ao terceiro, a fim de adquirir ou tentar adquirir benefícios pecuniários.
- A arguida A sabia bem que os referidos actos foram legalmente proibidos e sancionados.
Além disso, foi ainda averiguado:
- De acordo com o respectivo CRC, a arguida é delinquente primário.
Factos não provados: nada a assinalar.
A arguida A confessou os factos supracitados de livre vontade e sem reservas, ademais os documentos constantes dos autos, especialmente o relatório do exame de estupefaciente em causa, são suficientes para confirmá-los.
III - O Direito
1. As questões a resolver
As questões a resolver são as de saber se a pena deveria ter sido especialmente atenuada e, caso se responda negativamente, se o Acórdão recorrido deveria ter aplicado uma pena inferior.
2. Atenuação especial da pena
Não se vislumbra que se tenham provado factos que permitissem a atenuação especial da pena. A quantidade de estupefaciente apreendida e destinada à venda era apreciável e a arguida, não tendo antecedentes criminais em Macau, apenas apresenta a seu favor a confissão (que não foi dada como provada – como se imporia - mas que aparece inserida na fundamentação do juízo do Tribunal sobre os factos provados).
Não existem, assim, circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, que são os pressupostos da atenuação especial da pena (n.º 1 do artigo 66.º do Código Penal).
Improcede, portanto, o recurso nesta parte.
3. Medida da pena
Vem suscitada a questão da medida da pena.
O Tribunal de 1.ª Instância condenou a arguida pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 9 (nove) anos de prisão.
Pretende o arguido uma pena inferior.
Nesta matéria de medida da pena, tem este Tribunal entendido que ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada (Acórdão de 10 de Outubro de 2007, no Processo n.º 33/2007, entre outros).
Não alega o recorrente qualquer violação legal específica, limitando-se a comparar com a pena que seria aplicada segundo a lei vigente ao tempo dos factos.
Ora, se alguma crítica haveria a fazer seria precisamente ter o Tribunal de 1.ª Instância considerado aplicar, pela lei vigente ao tempo dos factos, a pena de 9 (nove) anos de prisão, manifestamente benévola para a arguida.
Já esta mesma pena, segundo o regime da Lei n.º 17/2009, mostra-se adequada.
Impõe-se, pois a rejeição do recurso.
IV – Decisão
Face ao expendido, rejeitam o recurso.
Custas pela arguida, com taxa de justiça fixada em 2 UC, que deverá ainda pagar MOP$2.000,00 (duas mil patacas) pela rejeição do recurso.
À defensora da arguida fixam-se honorários no montante de MOP$1.000,00 (mil patacas).
Macau, 6 de Outubro de 2010.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
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Processo n.º 43/2010