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Processo nº 81/2012 Data: 29.03.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “resistência e coacção”.
Crime de “desobediência”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Contradição insanável de fundamentação.
Erro notório na apreciação da prova.



SUMÁRIO

1. O vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre quando o Tribunal omite pronúncia sobre matéria objecto do processo.

2. Só existe “contradição insanável da fundamentação” quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

3. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 81/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em audiência colectiva no T.J.B. respondeu A (XXX), com os restantes sinais dos autos, vindo a ser condenado pela prática como autor material e em concurso real de, um crime de “resistência e coacção”, p. e p. pelo art. 311° do C.P.M., na pena de 8 meses de prisão, e um outro de “desobediência”, p. e p. pelo art. 312°, n.° 1, al. b) do mesmo Código, na pena de 3 meses de prisão.
Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 anos, e no pagamento de uma indemnização de MOP$2.000,00 ao ofendido dos autos; (cfr., fls. 145 a 146 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu.
Em síntese, afirma que a decisão recorrida padece dos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”, no que toca à sua condenação pelo crime de “resistência e coacção”, e do vício de “contradição insanável da fundamentação” quanto ao crime de “desobediência”; (cfr., fls. 154 a 162).

*

Respondendo, é o Exmo. Magistrado do Ministério Público de opinião que o recurso não merece provimento, idêntica posição assumindo o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer junto aos autos; (cfr., fls. 164 a 165-v e 174 a 174-v).

*

Cumpre decidir.


Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“1.
Em 21 de Maio de 2010, às 15h10, ao fazer patrulha no Istmo de Ferreira do Amaral, XXX (XXX, ofendido), agente policial do CPSP devidamente uniformizado, n.º 292XXX, verificou que o motociclo de matrícula MD-XX-XX encontrava-se estacionado na área onde existia a sinalização de proibição de estacionamento situada em frente do n.º 82 na referida via, por isso, emitiu um auto de infracção do referido motociclo.
2.
Entretanto, o arguido chegou ao local, ligou o motociclo de matrícula MD-XX-XX para preparar-se para sair do local e recusou-se a receber o auto de infracção (talão de multa) devidamente preenchido e já colocado no referido motociclo pelo agente policial ofendido, o que fez com que caísse no chão o referido auto de infracção.
3.
Logo a seguir, o arguido pediu que o ofendido apanhasse o referido auto de infracção.
4.
O ofendido recusou o pedido do arguido e preparava-se para sair. De repente, o arguido agarrou o braço esquerdo do ofendido, e por sentir dores, o ofendido esforçou-se para livrar-se.
5.
Depois, o ofendido pediu que o arguido exibisse o documento habilitante para conduzir e o documento de identificação, contudo, tal foi recusado pelo arguido.
6.
O ofendido explicou ao arguido que em caso de incumprimento da sua ordem, incorreria na prática do crime de desobediência, porém, mesmo assim, o arguido não acatou a ordem e pretendeu conduzir o motociclo para sair do local.
7.
Para impedir o arguido de sair do local, o ofendido ficou de pé em frente do motociclo de matrícula MD-XX-XX, pressionou a parte dianteira do referido motociclo com uma mão e ao mesmo tempo desligou o motor do referido motociclo com a mão esquerda.
8.
Imediatamente, o arguido agarrou a palma da mão esquerda do ofendido e torceu-a.
9.
A conduta do arguido causou ao ofendido contusões nos tecidos moles do braço esquerdo e do dedo médio da mão esquerda, lesões que necessitaram de 3 dias para recuperação (vide o parecer médico-legal clínico a fls. 45 dos autos).
10.
O arguido sabia que não podia violar a ordem que lhe foi legalmente emanada pelo agente policial competente, mas, ainda desobedeceu conscientemente a tal ordem.
11.
O arguido agiu de forma ciente, livre, voluntária e consciente ao praticar dolosamente actos de violência, resistindo ao agente policial que estava no exercício de funções, fazendo com que o referido agente policial sofresse lesões corporais.
12.
O arguido bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
Além disso, também foram provados os seguintes factos:
O arguido declarou ser desempregado, tendo habilitações académicas o 5.º ano do ensino primário, tendo a seu cargo duas filhas e a mulher.
Conforme o CRC, o arguido é primário, estando a aguardar o julgamento do processo singular comum n.º CR1-11-0284-PCS do Tribunal Judicial de Base, pelo qual é acusado da prática de 1 crime de ofensa à integridade física simples”; (cfr., fls. 142 a 143).

Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B. que o condenou pela prática como autor material e em concurso real de um crime de “resistência e coacção”, p. e p. pelo art. 311° do C.P.M., na pena de 8 meses de prisão, e de um outro de “desobediência”, p. e p. pelo art. 312°, n.° 1, al. b) do mesmo Código, na pena de 3 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, assim como no pagamento de uma indemnização de MOP$2.000,00 ao ofendido dos autos.

Entende que a decisão recorrida padece dos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”, no que toca à sua condenação pelo crime de “resistência e coacção”, e do vício de “contradição insanável da fundamentação”, quanto ao crime de “desobediência”.

Cremos porém que não lhe assiste razão.

No caso, e procedendo ao enquadramento legal da factualidade dada como provada e atrás retratada, assim ponderou o Colectivo a quo:

“Quanto ao crime de desobediência, o artigo 312.º n.º 1 alínea b) do Código Penal prevê que:
1. Quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competentes, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:
a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou
b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.
2. A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada.
Quanto ao crime de resistência, o artigo 311.º do Código Penal estipula o seguinte:
Quem empregar violência ou ameaça grave contra funcionário ou membro das forças de segurança, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão até 5 anos.
*
Conforme os factos dados como provados, este Tribunal entende que o arguido sabia bem que ele estacionou ilegalmente o motociclo e depois de o agente policial emitir o talão de multa, o arguido ainda puxou o braço deste, e apesar de tomar perfeito conhecimento de que o agente policial tinha competência para mandar o arguido exibir o seu documento habilitante para conduzir e verificar o seu documento de identificação, o arguido ainda se recusou a fazer isso, mesmo depois de o agente policial adverti-lo de que o incumprimento da ordem incorreria na prática do crime de desobediência, o arguido ainda não acatou de forma livre, voluntária e consciente a ordem emanada pelo agente policial, recusou-se a exibir os respectivos documentos e pretendeu sair do local, pelo que, obviamente, o arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, 1 crime de desobediência p. e p. pelo artigo 312.º n.º 1 alínea b) do Código Penal.
Por outro lado, apesar de saber bem que o agente policial estava a exercer funções policiais, emitindo o talão de multa por causa do seu estacionamento ilegal e impedindo-o de sair do local para verificar os seus elementos de identificação por desobediência à ordem que lhe foi emanada, o arguido ainda usou violência contra o agente policial que estava no exercício das funções, torcendo a palma da mão do referido agente policial, o que lhe causou lesões no dedo médio da mão esquerda, pelo que, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar, em autoria material e na forma consumada, 1 crime de resistência p. e p. pelo artigo 311.º do Código Penal”.

Merecerá censura o assim decidido?

Como se deixou adiantado, cremos que não.

Vejamos.

Tem este T.S.I. entendido que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre quando o Tribunal omite pronúncia sobre matéria objecto do processo; (cfr., v.g. Ac. deste T.S.I. de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 15.12.2011, Proc. 796/2011).

Por sua vez, constitui entendimento firme que “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 07.12.2011, Proc. n.° 656/2011 do ora relator).

E, quanto ao vício de “contradição insanável da fundamentação” é também firme o entendimento no sentido de que o mesmo apenas ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 29.09.2005, Proc. n° 108/2005)”; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 07.12.2011, Proc. n° 656/2011).

Nesta conformidade, evidente é que inexiste o assacado vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, pois que o Tribunal a quo não deixou de emitir pronúncia sobre toda a “matéria objecto do processo”, elencando a que ficou provada, identificando a que resultou não provada e fundamentando, adequadamente, a sua decisão.

O mesmo sucede com os restantes dois vícios da matéria de facto pelo recorrente imputados à decisão recorrida.

De facto, não se vislumbra na decisão recorrida qualquer “contradição”, (muito menos, insanável), não nos parecendo também que se tenha violado qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência ou legis artis.

A “contradição”, encontra-a o recorrente nas declarações prestadas em audiência de julgamento, certo sendo que tal não constitui o vício que aponta à decisão recorrida. Quanto ao “erro”, o mesmo resulta de uma apreciação que o recorrente faz da prova produzida, certo sendo que, também aqui, tal não constitui nenhum erro na apreciação da prova.

Por fim, parece entender também o recorrente que não cometeu o crime de “resistência e coacção”, considerando que em causa está um crime de “ofensas à integridade física”.

Ora, igual solução merece esta questão.

De facto, e como se deixou expendido, bem andou o Tribunal a quo no enquadramento jurídico penal que fez, não merecendo a sua decisão qualquer censura.
Com efeito, a conduta do ora recorrente integra a prática de 1 crime de “resistência e coacção”, p. e p. pelo art. 311° do C.P.M., (para além do de “desobediência”), pois que, (para além do demais), provado está que a violência que empregou contra o agente do C.P.S.P., visava “resistir ao agente policial que estava no exercício de funções”.

Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.000,00.

Macau, aos 29 de Março de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 81/2012 Pág. 18

Proc. 81/2012 Pág. 17