Processo nº 828/2011 Data: 29.03.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “peculato”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Crime continuado.
SUMÁRIO
1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.
2. O conceito de crime continuado é definido como a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
A não verificação de um dos pressupostos da figura do crime continuado impõe o seu afastamento, fazendo reverter a figura da acumulação real ou material.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 828/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, (1°) arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor de 3 crimes de “peculato”, p. e p. pelo art. 340°, n.° 1 e 336°, n.° 2, al. c) do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão, e no pagamento de MOP$300.000,00 à “GALAXY CASINO S.A.”; (cfr., fls. 327 a 327-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, em conclusões, afirmar o que segue:
“1) O Tribunal Colectivo condenou o 1º Arguido A pela prática em autoria material e na forma consumada de três crimes de peculato, previsto e punido pelos artigo 340.º, n.º 1 e artigo 336.º, n.º 2, al. c) do Código Penal de Macau. E m cúmulo jurídico, condenou o agente na pena efectiva de três anos e três meses de prisão.
2) Não se revendo no aresto dos Juízes do Tribunal Colectivo, o Recorrente crê que o acórdão age contra o prescrito (a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada) no artigo 400.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, baseando-se nas explicações que seguem:
a) O Recorrente pediu emprestado dinheiro a um indivíduo do sexo masculino chamado “B” por várias vezes no valor total de HKD$160.000,000, para jogar em casinos (fls. 17 e 71v).
b) As condições de empréstimo eram as seguintes: calculava-se o juro com base em 10% do valor total do empréstimo inicial. O 1º Arguido (o ora Recorrente) tinha que apresentar o seu passaporte para fazer uma cópia. Pelo final de cada mês, este estava obrigado a pagar 20% da quantia da dívida, até a liquidação integral.
c) Sobrecarregado de dívidas, o Recorrente já não era capaz de regularizar a dívida toda, pelo que resolveu extraviar fichas no casino em que trabalhava, aproveitando as facilidades proporcionadas pela sua função, com vista a pagar o seu empréstimo.
d) O único motivo pelo qual o Recorrente subtraiu as fichas era livrar-se da dívida.
e) Durante o horário de expediente, quando estava a apurar o número de fichas no Grand Waldo Hotel, o 1º Arguido levou por três vezes, nomeadamente em 10 de Abril de 2007 pelas 16h00 à tarde, em 14 de Abril de 2007 pelas 16h00 à tarde e em 24 de Abril de 2007 pelas 8h00 de manhã, fichas que então estavam na mesa, uma no valor de HKD$100.000 de cada vez, encobrindo os seus actos com uma tábua preta.
f) Todas as vezes após ter conseguido as fichas, o Recorrente ficava à espera em casa de banho do 2º Arguido que mais tarde ia ter com ele para trocar as fichas em numerário.
g) Os factos e o processo criminoso constituem três condutas praticadas pelo 1º Arguido motivadas pelo mesmo dolo (para a liquidação da dívida); as formas de agir são homogéneas (encobrindo os seus actos com uma tábua preta quando estava a apurar o número de fichas); os bens jurídicos lesados, idênticos (interesse patrimonial); e as circunstâncias que incentivaram o crime, iguais (pela sua função que enquanto exercia).
3) Por conseguinte, foi o êxito da primeira tentativa que deu origem à intenção de praticar o mesmo crime por uma segunda vez, o que se pode classificar como circunstância atenuante especial e condiz com o estabelecido no artigo 29.º, n.º 2 do Código Penal de Macau, pelo que o Recorrente devia ter sido condenado por uma pena única.
4) Caso seja condenado pela prática de um crime continuado de peculato, a pena de prisão deve ser inferior a de três anos e três meses. Solicita, outrossim, ao Sr. Juiz do TSI que considere o regime de Suspensão da execução da pena de prisão fixado nos termos do artigo 48.º do Código Penal de Macau”; (cfr., fls. 336 a 339 e 382 a 388).
*
Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público:
“1. O foco da questão controvertida levantada pelo Recorrente é que o Acórdão recorrido tem o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito adequada”, estipulado no artigo 400.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, pelo que segundo os factos provados, a conduta do agente condiz com o estabelecido no artigo 29.º, n.º 2 do Código Penal de Macau e o Recorrente devia ter sido condenado por uma pena única.
2. Evocando o processo e acórdão a quo de forma global, sobretudo através de uma leitura dos fundamentos que alimentam a decisão judicial, o Tribunal a quo equacionou as declarações prestadas pelo Recorrente e pelo outro Arguido durante a audiência de julgamento, fez-se a leitura das declarações dadas pelos dois perante o MP e a PJ, do depoimento prestado aquando da audiência de julgamento pela testemunha, fotos integrantes dos autos, assim como o auto de gravação de vídeo de vigilância de acordo com o artigo 338.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal de Macau. Tudo aponta para uma investigação completa e uma apreciação geral realizando pelo Tribunal a quo, sem qualquer omissão. (vide a fl. 325v dos autos)
3. Por isso, não se assiste ao vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito adequada”.
4. O Recorrente acha que seja aplicável o artigo 29.º, n.º 2 do Código Penal ao presente caso, enquanto o Tribunal a quo não se revê nessa opinião. O recorrente devia ter posto em causa o artigo 400.º, n.º 1 do Código de Processo Penal em vez do artigo 400.º, n.º 2, alínea a) do mesmo diploma legal.
5. É óbvio que o Recorrente confundiu o conteúdo relativo ao vício referido no artigo 400.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal.
6. Nesta acção em juízo, as alíneas 2.ª, 3.ª e 4.ª dos factos provados (vide a fls. 323 e 323v) mostram-nos explicitamente que pela mesma maneira de agir, o Recorrente levou uma ficha de cada vez ocultamente, encobrindo os seus actos com uma tábua preta. Em seguida, tendo colocado a ficha em baixo da tábua tapada pelas mãos, ele deixou a mesa de jogo, entrou na casa de banho do clube e mais tarde, entregou ali a ficha ao segundo arguido.
7. Por aquilo que se vê exteriormente, parece que foi sob a mesma circunstância que se incentivaram os crimes do agente. Contudo, se esmiuçarmos o Acórdão recorrido invocando o senso comum, a conduta do Recorrente não se mostra conforme, sobretudo, com as prescrições respeitantes à “mesma situação exterior” e a “diminuição considerável da culpa do agente”.
8. Para o efeito de prevenir subtracções de fichas pelos funcionários, tinha sido instruída uma série de regras rigorosas, tais como a proibição aos empregos de mexer nas fichas em mesas de jogo, a instalação de vídeo de vigilância na área de jogos, a designação de um gerente encarregado de vigiar os processos de confirmação de número de fichas. Logo, todas as vezes que o Recorrente pretendia levar fichas da mesa de jogos, tinha de fazê-lo de forma discreta, recorrendo a objectos auxiliares com vista a esconder os seus actos, como, por exemplo, a tábua preta em referência.
9. É justamente esta maneira de agir que não se mostra adequado ao requisito da “mesma situação exterior” fixado na lei. Mesmo que ele tivesse repetido a mesma conduta, teria sido inevitável tomar em conta a respectiva circunstância para julgar se era favorável praticar o crime, no sentido de não ser detectado por outrem.
10. Para o Recorrente, as situações exteriores variaram de cada vez, a título exemplificativo, os gerentes que lá estavam a vigiar eram diferentes, os números de fichas não eram iguais, os lugares donde foram subtraídas as fichas também não eram os mesmos. A isso junta-se o facto de que foi por meio do 2º Arguido que o Recorrente levou efectivamente as fichas que ele precisava de entregar a bom recato dentro das casas de banho. Só após cálculos pormenorizados que foi possível conseguir completar os processos todos. O Recorrente estava exposto a riscos diversos e as dificuldades a superar eram heterogéneos.
11. Por via da análise, enquanto empregado do casino, o Recorrente tinha verdadeiramente mais acesso a fichas que lá estavam. Todavia, isso foi facto determinante para a prática do crime, e não pode ser visto como a “situação exterior” que substanciou um crime continuado, especialmente quando o Casino já estipulou que o Recorrente estava proibido de mexer nas fichas. As oportunidades de agir eram poucas, logo, preciosas para o agente, o que serve da resposta à questão de porque é que ele não podia roubar mais do que uma ficha de cada vez, nem agir assim por uma ou mais vezes todos os dias úteis.
12. Tal como já atrás exposto, não se julga adequado alterar a medida de pena, já que este caso pode ser classificado como um de “crime continuado”, tão-pouco necessário aplicar o artigo 48.º que diz respeito à suspensão de pena.
13. Por conseguinte, atendendo às necessidades de prevenção geral e especial, aquando da condenação a ser feita pelo TSI ao abrigo do artigo 29, n.º 2 e do artigo 73, a moldura penal concreta deve ser mais do que um terço da abstracta; tanto mais que o Recorrente não é primário. Conjugando com outros factores como a sua personalidade e as circunstâncias do caso, este Ministério Público também não é de opinião de não ser aplicável ao caso o artigo 48.º do Código Penal de Macau, referente a suspensão de pena.
14. Por último, levando em consideração os desafios gravosos à segurança pública e à ordem jurídica de Macau trazidos pelas condutas do Recorrente, bem como a influência negativa acarretada à tranquilidade social, é apropriado que o Tribunal recorrido o tenha condenado na pena única de três anos e três meses de prisão”; (cfr., fls. 341 a 344-v e 389 a 400).
*
Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..
*
Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Pretextando a ocorrência de vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, acaba o recorrente, verdadeiramente, por esgrimir com erro de direito, por entender que, devido ao facto de as 3 condutas por que foi condenado terem sido motivadas pelo mesmo intuito, com forma homogénea de acção, idênticos bens jurídicos lesados e iguais circunstâncias que incentivaram a conduta delituosa, se justificaria a sua condenação pela prática de crime continuado, nos termos do n° 2 do art° 29°, CPM.
Não nos parece.
Desde logo, pese embora no próprio acórdão sob escrutínio se tenha externado ter o arguido praticado os factos “aproveitando as facilidades proporcionadas pela sua função”, há-de ter-se essa expressão como reporte ao preenchimento do próprio tipo legal consagrado no n° 1 do art° 340C, CPM, isto é, ao facto de as fichas subtraídas serem acessíveis ao recorrente em razão suas funções de gerência em casino, encarregado maioritariamente de supervisionar o trabalho dos “croupiés” e calcular e verificar o número de fichas.
Mas, tal circunstância, por si só, não é, obviamente, suficiente para o preenchimento da figura da continuação criminosa almejada.
Embora a forma de actuação do recorrente, nos três casos, tenha sido similar (encobrindo os seus actos com uma tábua preta enquanto apurava o número de fichas), a verdade é que, como bem acentua o Exmo Colega junto do tribunal “a quo”, “as situações exteriores variaram de cada uma das vezes”, sendo que os lugares precisos onde as fichas foram subtraídas não foram os mesmos, encontrando-se, como tal, sujeitos a tipo de escrutínio e vigilância diversa, como diferente foi, em cada um dos casos, a forma como, após a ocultação das fichas, das mesmas se veio o recorrente a apropriar.
E, bem vistas as coisas, para além do “acesso” decorrente do exercício das suas funções, não se descortina a existência de situação exterior, comum aos 3 casos que, porventura, tenha facilitado ou “incentivado”, a sua actuação: caso a caso, em diferentes locais, o recorrente teve que usar de subterfúgios, de meios de tentar enganar a vigilância que sobre ele impendia.
Dest’arte, no caso, a realização plúrima do mesmo tipo de crime não só não se mostra executada de forma essencialmente homogénea, como se não divisa quadro de solicitação exterior facilitadora que permita, em boa verdade, concluir por diminuição considerável da culpa do agente.
Tudo razões por que entendemos não merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 402 a 403).
*
Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“1)
Desde Maio de 2006, o 1º Arguido A começou a exercer função de gerência de zona no Grand Waldo Hotel, carregado maioritariamente de supervisionar o trabalho de crupiês e de calcular e verificar o número de fichas (fls. 16 e 71v).
Durante Abril a Agosto de 2006, o 1º Arguido pediu emprestado dinheiro a um indivíduo masculino chamado “B” por quatro vezes no valor total de HKD$160.000,000, para jogar em casinos (fls. 17 e 71v).
As condições de empréstimo eram as seguintes: calculava-se o juro com base em 10% do valor total do empréstimo inicial. O 1º Arguido tinha que apresentar o seu passaporte para fazer uma cópia. Pelo final de cada mês, este estava obrigado a pagar 20% da quantia da dívida, até a liquidação integral (fls. 17 e 71v).
Sobrecarregado de dívidas, o 1º Arguido já não era capaz de regularizar a dívida toda, pelo que resolveu extraviar fichas no casino em que trabalhava, aproveitando as facilidades proporcionadas pela sua função, com vista a pagar o seu empréstimo (fls. 17 e 71v).
De cada vez que o 1º Arguido subtraía fichas, ligava ao 2º Arguido por telefone, a avisá-lo para ir ter com ele ao Grand Waldo Hotel. Depois de o 2º Arguido o ajudar a trocar as fichas por dinheiro, o 1º Arguido pagava ao 2º 10% do numerário trocado como remuneração (fl. 119v).
2)
Em 10 de Abril de 2007 pelas 16h00 à tarde, durante o horário de expediente, quando estava a apurar o número de fichas numa mesa de jogo de Baccarat no Clube VIP, o 1º Arguido levou uma ficha no valor de HKD$100.000 do recipiente de fichas, encobrindo os seus actos com uma tábua preta (vide a fls. 92 e 92v, auto de vídeo de vigilância a fl. 93, a fl. 119v).
Em seguida, tendo colocado a ficha em baixo da tábua tapada pelas mãos, ele deixou a mesa de jogo, entrou na casa de banho do clube e meteu a ficha no bolso do seu uniforme. Feito isso, voltou ao posto do trabalho e continuou a trabalhar (vide a fls. 16v, 17, 71v, 92v e auto de vídeo de vigilância constante da fl. 93).
Mais tarde, ligou ao 2º Arguido C, exigindo-lhe vir ajudar a trocar a ficha por numerário ao Grand Waldo Hotel (vide a 119v, 132 e 148v).
Passado pouco tempo, o 2º Arguido foi encontrar-se com o 1º Arguido à casa de banho no meio da área de jogos do Grand Waldo Hotel tal como tinha sido combinado. Na altura, o 1º Arguido passou a ficha que valia HKD$100.000 ao 2º Arguido, para que este pudesse trocá-la por numerário. Entretanto, o 1º Arguido ficou à sua espera na casa de banho (vide o auto de vídeo de vigilância constante da fls. 92v e 93, fl. 119, 132 e 148v).
Por sua vez, o 2º Arguido dirigiu-se a uma das mesas no Clube Primavera e permutou a ficha de HKD$100.000 por várias fichas de valor menor. Depois de ter perdido numa jogada, deixou a mesa de jogo, dirigiu-se ao balcão e trocou as restantes fichas no valor total de HKD$90.000 por numerário (vide o auto de vídeo de vigilância constante da fls. 92v e 93).
Logo depois, o 2º Arguido voltou à casa de banho no meio da área de jogo e entregou o dinheiro trocado ao 1º Arguido (vide o auto de vídeo de vigilância constante da fls. 92v e 93, fl. 119, 132 e 148v).
3)
Em 14 de Abril de 2007 pelas 16h00 à tarde, durante o horário de expediente, quando estava a apurar o número de fichas na mesa de jogo de Baccarat n.º GW060, o 1º Arguido levou uma ficha no valor de HKD$100.000 do recipiente de fichas, encobrindo os seus actos com uma tábua preta (vide o auto de vídeo de vigilância a fls. 97v. e 98, a fl. 119v).
Em seguida, tendo colocado a ficha em baixo da tábua tapada pelas mãos, ele deixou a mesa de jogo, entrou na área PIT14 e escondeu a ficha debaixo da sua roupa. (vide o auto de vídeo de vigilância constante da fls. 97v e 98).
Mais tarde, ligou ao 2º Arguido C, exigindo-lhe vir ajudar a trocar a ficha por numerário ao Grand Waldo Hotel (vide a 119v, 132 e 148v).
Passado pouco tempo, o 2º Arguido foi encontrar-se com o 1º Arguido à casa de banho pública no meio da área de jogos do sul do Grand Waldo Hotel tal como tinha sido combinado. Na altura, o 1º Arguido passou a ficha que valia HKD$100.000 ao 2º Arguido, para que este pudesse trocá-la por numerário. (vide o auto de vídeo de vigilância constante da fls. 97v e 98, fl. 119, 132 e 148v).
Por sua vez, o 2º Arguido dirigiu-se à mesa de jogo n.º GW063 no âmbito de PIT15 e permutou a ficha de HKD$100.000 por várias fichas de valor menor. Depois de ter perdido num lance, deixou a mesa de jogo, dirigiu-se ao balcão e trocou as restantes fichas no valor total de HKD$90.000 por numerário (vide o auto de vídeo de vigilância constante da fl. 98).
Logo depois, o 2º Arguido voltou à casa de banho pública no meio da área de jogos do sul do Grand Waldo Hotel e entregou o dinheiro trocado ao 1º Arguido (vide o auto de vídeo de vigilância constante da fl. 98, fl. 119v, 132 e 148v).
4)
Em 24 de Abril de 2007 pelas 8h00 de manhã, durante o horário de expediente, quando estava a apurar o número de fichas numa mesa de jogo de Baccarat no Clube XX, o 1º Arguido levou uma ficha no valor de HKD$100.000 do recipiente de fichas, encobrindo os seus actos com uma tábua preta (vide a fls. 16v, 71v, o auto de vídeo de vigilância a fl. 109v e 110v, a fls. 132 e 148).
Em seguida, tendo colocado a ficha em baixo da tábua tapada pelas mãos, ele deixou a mesa de jogo, entrou na casa de banho do clube e meteu a ficha no bolso do seu uniforme. Feito isso, voltou ao posto do trabalho e continuou a trabalhar (vide a fls. 16v, 71v, 109v e o auto de vídeo de vigilância constante da fl. 110).
Na altura, um outro supervisor de mesa D também estava lá presente. Conforme os procedimentos normais, o 1º Arguido estava proibido de mexer nas fichas na mesa, por conseguinte, ao ver os comportamentos do 1º Arguido, o supervisor ficou desconfiado.
Mais tarde, ligou ao 2º Arguido C, exigindo-lhe vir ajudar a trocar a ficha por numerário ao Grand Waldo Hotel (vide a 41v, 42, 71v, 119v, 132 e 148v).
No mesmo dia (24 de Abril de 2007), por volta das 11h00, quando o D voltou à mesa de jogo para apurar o número de fichas que lá estavam, descobriu que uma ficha do valor de 100.000 tinha desaparecido (vide a 4).
Cerca das 11h00, o 1º Arguido saiu do Clube XX (vide o auto de vídeo de vigilância constante da fl. 109).
Passado pouco tempo, o 2º Arguido foi encontrar-se com o 1º Arguido à casa de banho masculina no meio da área norte de jogos do Grand Waldo Hotel tal como tinha sido combinado. Na altura, o 1º Arguido passou a ficha que valia HKD$100.000 ao 2º Arguido, para que este pudesse trocá-la por numerário. Entretanto, o 1º Arguido ficou à sua espera na casa de banho (vide o auto de vídeo de vigilância constante da fls. 42, 71v, 109v e 110v, a fls. 119v, 132 e 148v).
Por sua vez, o 2º Arguido dirigiu-se ao balcão do Clube Primavera e pediu ao empregado permutar a ficha de HKD$100.000 por numerário. Dado o valor demasiado elevado, o empregado deixou claro que isso era impossível. Sendo assim, o 2º Arguido foi a uma mesa na área de jogo e trocou-a por 9 fichas de HKD$10.000, 1 de HKD$5.000 e 5 de HKD$1.000. Depois de ter perdido em duas jogadas, deixou a mesa de jogo, dirigiu-se ao balcão e trocou as restantes fichas no valor total de HKD$95.000 por numerário (vide o auto de vídeo de vigilância constante da fls. 109v e 110, a fls. 132 e 148v).
Logo depois, o 2º Arguido voltou à casa de banho no meio da área de jogo e entregou o dinheiro trocado ao 1º Arguido (vide o auto de vídeo de vigilância constante da fl. 110, a fls. 42, 71, 119, 120, 132 e 148v).
5)
O 1º Arguido levou uma ficha de HKD$100.000 de cada vez, subtraindo assim, na sua totalidade, fichas de cerca de HKD$300.000 (vide fls. 120).
Enquanto empregado duma concessionária para a exploração de jogos de fortuna ou azar, o 1º Arguido apoderou-se várias vezes de bens móveis da empresa num espaço de tempo de uns meses, com intenção de obter para si uma vantagem injusta, aproveitando as facilidades proporcionadas pela sua função.
O 2º Arguido transmitiu coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património com intenção de obter, para si e para outra pessoa, vantagem patrimonial.
Os dois arguidos agiram de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
O 1º Arguido ser desempregado e divorciado. Não estarem a seu cargo nem a mãe nem o filho.
Confessou parte dos factos vertidos e não é primário.
Em 17 de Abril de 2008, o Arguido foi condenado na pena de dois anos de prisão efectiva por um crime de extorsão qualificada (não consumado) no processo comum penal n.º CRI-07-0267-PCC, transitado em julgado em 28 de Abril de 2008. O crime foi praticado em 6 de Julho de 2007.
O 2.º Arguido era estafeta, auferia MOP$8.000 patacas por mês como rendimento.
Declarou-se casado. Não tem a cargo nem os pais nem os dois filhos.
Confessou parte dos factos vertidos e é primário”; (cfr., fls. 323 a 325 e 370 a 376).
Do direito
3. Vem o arguido A recorrer da decisão que o condenou como autor de 3 crimes de “peculato”, p. e p. pelo art. 340°, n.° 1 e 336°, n.° 2, al. c) dio C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão, e no pagamento de MOP$300.000,00 à “GALAXY CASINO S.A.”.
Afirma que a decisão recorrida padece de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, e que a sua conduta devia ser qualificada como a prática de 1 “crime continuado”, pedindo uma pena mais leve, suspensa na sua execução.
Cremos porém que não se pode acolher a pretensão apresentada, afigurando-se-nos que o recurso deve ser julgado improcedente.
Vejamos.
Como temos vindo a entender o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 15.12.2011, Proc. 796/2011).
No caso, é patente que não se verifica tal vício, pois que o Colectivo a quo não deixou de emitir pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que resultou provada, identificando a que ficou não provada, e fundamentando, adequadamente, esta sua decisão.
Dest’arte, é patente a improcedência do recurso na parte em questão.
Continuemos.
Diz também o recorrente que a sua conduta integra a prática de 1 “crime continuado”.
Ora, nos termos do art. 29°, n.° 2 do C.P.M.:
“2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
E, pronunciando-se sobre a questão, teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:
“O conceito de crime continuado é definido como a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”, e que, a não verificação de um dos pressupostos da figura do crime continuado impõe o seu afastamento, fazendo reverter a figura da acumulação real ou material”; (cfr., v.g., o Acórdão de 21.07.2005, Proc. n.°135/2005, e recentemente, o Acórdão de 10.03.2011, Proc. n.° 563/2009).
Sendo de manter o assim entendido, evidente é que também aqui não tem o recorrente razão.
Como acertadamente salienta o Ilustre Procurador Adjunto “bem vistas as coisas, para além do “acesso” decorrente do exercício das suas funções, não se descortina a existência de situação exterior, comum aos 3 casos que, porventura, tenha facilitado ou “incentivado”, a sua actuação: caso a caso, em diferentes locais, o recorrente teve que usar de subterfúgios, de meios de tentar enganar a vigilância que sobre ele impendia”.
Nesta conformidade, correcta sendo a condenação do ora recorrente como autor da prática de 3 crimes de “peculato” em “concurso real”, nenhuma censura merecendo também as penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão para cada crime, e única, de 3 anos e 3 meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico efectuado, inviável é também a pretendida suspensão da execução da pena, porque inverificados os pressupostos do art. 48° do C.P.M., (nomeadamente, o de não ser a pena superior a 3 anos de prisão).
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça.
Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1.000,00.
Macau, aos 29 de Março de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa (Vencida com a declaração de voto em anexo.)
Processo nº 828/2011 (Autos de recurso penal)
Recorrente: A
Data: 29 de Março de 2012
Declaração de voto
Vencida por seguintes razões:
Concordo com a decisão do douto acórdão em relação à decisão sobre a questão do vício de insuficiência da matéria de facto bem como do crime continuado.
No entanto, conforme o disposto no art.336º nº2 al.c) do Código Penal, ao funcionário são equiparados os trabalhadores de empresas concessionárias de serviços ou bens públicos ou de sociedades que explorem actividades em regime de exclusivo.
Exploração de actividades em regime de exclusivo deve ser entendida como só a uma sociedade podia ser atribuída a concessão.
No entanto, segundo a Lei nº16/2001, no seu art.7º nº2, conjugado com o despacho do Chefe Executivo nº 26/2002, são atribuídas três concessões às diferentes sociedades para a exploração de jogos de fortuna ou azar.
Assim sendo, as sociedades que exploram os jogos de fortuna ou azar deixam de ser em regime de exclusivo, e em consequência, os seu funcionários não podem ser equiparados como funcionários.
Nesta conformidade, a conduta do arguido deve ser qualificada para 3 crime de abuso de confiança, previsto e punido no art.199º nº 4 al. a) do Código Penal. No entanto, face às circunstâncias da prática dos crimes, era de manter as penas já aplicadas pelo Tribunal a quo, bem como o cúmulo jurídico realizado.
A Segunda Juiz Adjunta
___________________________
Tam Hio Wa
Proc. 828/2011 Pág. 28
Proc. 828/2011 Pág. 1