Processo nº 31/2012 Data: 29.03.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Acidente de viação.
Crime de “ofensas graves à integridade física por negligência”.
Enxerto civil.
Indemnização.
Danos patrimoniais.
Danos não patrimoniais.
SUMÁRIO
1. Não sendo o demandante civil e recorrente, “assistente”, não possui legitimidade para recorrer do segmento decisório que conheceu da “acção crime”.
2. No que toca a “danos patrimoniais”, provada a sua ocorrência, mas não estando apurado o seu valor, deve o Tribunal condenar no que se vier e liquidar em sede de execução da sentença.
3. A indemnização por “danos não patrimoniais” tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, sendo também de considerar que inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 31/2012
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Em audiência colectiva no T.J.B., respondeu, A, (XXX), com os sinais dos autos, vindo a ser condenada como autora de 1 crime de “ofensas graves à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3, com referência ao art. 138°, al. b), c) e d), ambos do C.P.M., e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, (Lei do Trânsito Rodoviário), na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 anos, assim como na pena acessória de inibição de condução por 1 ano.
No que tange ao pedido de indemnização civil pelo ofendido e demandante civil B (XXX), enxertado nos autos, e que tinha como demandados, (1ª) a arguida, (2ª) a “COMPANHIA DE SEGUROS XXX”, (3ª) C, (4ª) a “COMPANHIA DE ENGENHARIA XXX”, (5ª) a “COMPANHIA DE ENGENHARIA XXX”, (6ª) a “COMPANHIA DE SEGUROS XXX” e (7ª) a “XXX INSURANCE COMPANY LIMITED”, decidiu o Colectivo julgá-lo parcialmente procedente, condenando a dita arguida no pagamento de MOP$461.393,12, e a “COMPANHIA DE SEGUROS XXX” no pagamento de MOP$1.000.000,00; (cfr., fls. 836-v a 837 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o demandante civil recorreu.
Motivou para, a final, deduzir o seguinte pedido:
“I. Condenar a arguida pela prática dum crime de ofensas graves à integridade física qualificado, p. p. pelo art.º 142.º, n.º 3, art.º 138.º, al.s b), c) e d) do CPM, e art.º 93.º, n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de prisão efectiva de 2 anos e 3 meses.
II. Declarar que a arguida é a única culpada e que o recorrente não tem culpa.
III. Declarar que o proprietário do automóvel C tem legitimidade passiva e assume a responsabilidade solidária pela indemnização.
IV. Condenar as 1ª a 3ª requeridas cíveis no pagamento solidário ao recorrente as seguintes indemnizações:
1. Perda de salários de 11 meses desde 20 de Abril de 2008 a 20 de Março de 2009 no valor de MOP$204.237,00.
2. Perda de salários de 32 meses desde 21 de Março de 2009 a 11 de Outubro de 2011 no valor de MOP$624.000,00.
3. Perda de salários da esposa do recorrente desde 21 de Abril de 2008 a 26 de Agosto de 2008 no valor de MOP$33.008,00.
4. Despesas de contratação de trabalhador doméstico para cuidar dos dois filhos no valor de MOP$20.630,00.
5. Despesas da compra de bengala no valor de MOP$2.090,00.
6. Despesas da compra de cartões de telefone para comunicar com os filhos no valor de MOP$2.850,00.
7. Despesas de tratamento, de transporte, de medicamento e de materiais de sopa por 12 meses desde Abril de 2008 a Março de 2009 no valor de MOP$57.049,00.
8. Despesas de tratamento, de transporte, de alojamento, de alimento, de medicamento e de materiais de sopa desde Março de 2009 a 11 de Outubro de 2011 no valor de MOP$15.994,00.
9. Despesas de tratamento no futuro no valor de MOP$500.000,00.
10. Compensação de invalidez no valor de MOP$2.000.000,00.
11. Redução de rendimentos no valor de MOP$2.000.000,00.
12. Indemnização pelos danos não patrimoniais (por pelo menos 10 anos desde o acidente até a morte) no valor de MOP$1.500.000,00”; (cfr., fls. 843 a 853-v).
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Responderam o Exmo. Magistrado do Ministério Público, a “COMPANHIA DE SEGUROS XXX, S.A.R.L.”, a “COMPANHIA DE ENGENHARIA XXX”, a arguida e a demandada C; (cfr., 863 a 895).
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Admitidos os recursos, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista, emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:
“Na Motivação (fls. 843 a 854 dos autos), o ofendido/recorrente B pediu a revogação do douto Acórdão recorrido, assacando-lhe a injustiça, violação de lei e dos princípios fundamentais do direito.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações do nosso Exmo. Colega na Resposta (fls. 868 a 869 dos autos), e nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
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Com efeito, o presente recurso na parte criminal deve ser rejeitado por ilegitimidade do recorrente à luz do disposto na alínea b) do n.° 1 do art. 391° do CPP, em virtude de que como ofendido, o mesmo nunca se constitui no assistente.
De outro lado, em obediência ao princípio dispositivo previsto no art. 5° do CPC, e por carecemos da legitimidade para tal efeito, abstemo-nos de pronunciar sobre as questões de mérito, relativas aos pedidos de indemnização civil”; (cfr., fls. 920).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“1.
Em 18 de Abril de 2008, pelas 15h25, a arguida A (XXX) conduziu o automóvel ligeiro de matrícula MH-XX-XX do andar LG3 ao andar LG4 no auto-silo do Hotel Grande Lisboa.
2.
Na altura, a superfície da via era seca, o auto-silo era bem iluminado e não havia muito trânsito.
3.
Ao mesmo tempo, o lesado B (楊榮華) estava de cócoras no estacionamento sito no andar LG4 a examinar as fendas no pavimento (vide as fotos constantes das fls. 40 dos autos).
4.
Quando a arguida conduziu o supracitado automóvel ligeiro ao local de acidente no andar LG4, virou o automóvel à direita e passou pelo estacionamento em vez de circular na faixa de rodagem (vide o esboço do acidente constante das fls. 3 e as fotos constantes das fls. 40 dos autos).
5.
A supracitada operação da arguida deixou o automóvel ligeiro embater e atropelar o lesado B (XXX) que se encontrava de cócoras no local de acidente.
6.
O embate acima referido resultou directa e necessariamente em fracturas e luxação de 3ª e 4ª vértebra lombar com contusão dos nervos da 4ª vértebra lombar; fractura blowout da 4ª vértebra lombar com grave compressão medular e estenose espinal lombar; fractura da borda inferior da 2ª vértebra lombar; fracturas da 12ª vértebra torácica e da apófise posterior da 1ª vértebra lombar; fractura das apófises transversas das vértebras lombares (L3 e L4 do lado esquerdo, L2 a L5 do lado direito); fractura cominutiva da clavícula direita; fracturas múltiplas de costelas (2ª a 9ª costela no lado esquerdo, 2ª a 8ª costela no lado direito); hemopneumotórax e contusão pulmonar; rasgo perianal e da pálpebra direita; contusões na pele (no occipício, na parte superior das costas, na parte direita da cintura e no pulso esquerdo) de B (XXX), causando danos graves à integridade física deste (vide o relatório de exame pericial constante das fls. 50, 52 e 53 dos autos).
7.
A arguida não conduziu o automóvel de forma prudente, causou o presente acidente de viação e danos graves ao corpo de outrem.
8.
A arguida agiu de forma voluntária e consciente ao praticar as condutas acima referidas, sabendo bem que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.
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De acordo com o CRC, a arguida é delinquente primária.
A arguida é empregada na caixa, auferindo mensalmente cerca de MOP$22.000,00, tendo como habilitações literárias o 5º ano da escola secundária e tendo ao seu cargo um filho.
(Factos provados do pedido cível)
1. Não se encontra qualquer sinal de obras no local do acidente.
2. Após o acidente, a polícia realizou à 1ª requerida cível A (XXX) exame de pesquisa de álcool e o resultado era de 0,40g/l, e esta tinha bebido bebida alcoólica antes do acidente.
3. Através de perícia, o IACM verificou a deslocação e raspança do pára-choque do automóvel, a raspança do suporte do pneu direito da frente e a destruição da casca de protecção da parte direita do chassis. (vide o relatório pericial nas fls. 47 dos autos)
4. O embate aconteceu à distância de 1 metro à zona de desaceleração (vide o esboço do acidente nas fls. 24 dos autos).
5. O requerente cível foi embatido pela dianteira direita do automóvel.
6. Após o acidente, o requerente cível arrastou-se do baixo do automóvel e foi transportado na ambulância ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para tratamento.
7. No Centro Hospitalar Conde de S. Januário, realizaram-se ao requerente laminectomia da 4ª vértebra lombar, fusão posterior inter-somática da 2ª vértebra lombar ao 1º sacro e enxerto ósseo, drenagem pleural e desbridamento e sutura do rasgo perianal, e mais tarde, o requerente foi transferido à unidade de cuidados intensivos e posteriormente ao serviço de ortopedia.
8. Até 20 de Junho de 2008, o requerente cível sentiu dores no peito, no ombro direito e na articulação ilíaca esquerda; diminuição da força muscular do membro inferior esquerdo; parestesia leve de músculo tibial anterior esquerdo; segundo o X-Ray, a situação de consolidação era boa e o requerente ainda tinha de ficar no hospital para receber fisioterapia (vide o relatório médico nas fls. 50 dos autos).
9. Em 19 de Agosto de 2008, realizou-se ao requerente cível o exame pericial e verificou-se uma cicatriz cirúrgica com comprimento de 22 centímetros na região lombossacra que consolidou-se bem. O requerente cível ainda sofreu de dores e inchação no meio da clavícula direita, e tinha restrições ao levantar o braço direito e estender as costas. O requerente também sofreu de diminuição muscular e atrofia leve do membro inferior esquerdo. Os resultados de sentimento e acção foram fracos e verificaram-se cicatrizes nas paredes torácicas (vide o relatório médico nas fls. 52 dos autos).
10. O requerente cível ainda precisa de receber tratamento agora; e segundo o exame médico-legal realizado em 31 de Julho de 2009, a sua situação era estável e a taxa de incapacidade permanente parcial é de 72% (vide o relatório médico-legal nas fls. 373 a 374 dos autos).
11. Segundo o exame médico-legal realizado em 19 de Agosto de 2008, o acidente de viação causou danos a várias vértebras lombares e aos nervos do requerente, bem como hemopneumotórax e contusão pulmonar, trazendo perigo para a vida deste. As fracturas das vértebras lombares e torácicas deixarão o requerente sentir dores por longo prazo, e afectarão ao requerente de maneira grave a possibilidade de utilizar o corpo.
12. O requerente cível internou-se no hospital em 18 de Abril de 2008 e teve alta em 26 de Agosto de 2008.
13. O requerente cível é residente de Hong Kong, voltou para Hong Kong e recebeu tratamento no Tseung Kwan O Hospital.
14. O requerente cível ainda não se recupera completamente, precisa de receber fisioterapia em Hong Kong e recebeu consultas seguintes no Centro Hospitalar Conde de S. Januário antes de 19 de Julho de 2011.
15. Na altura do acidente, o requerente cível era empregado da Companhia de Engenharia XXX, ou seja a 4ª ré, foi enviado a Macau para trabalhos de tecnologia à prova de água, auferiu HKD$650 por dia e teve subsídios mensais de HKD$1.100,00 e subvenção de horas extraordinárias.
16. Desde 19 de Abril de 2008, ou seja o dia seguinte do acidente, até 11 de Outubro de 2011, o requerente cível não podia trabalhar e não teve rendimentos.
17. Na altura do acidente, a esposa do requerente cível XXX (XXX) era empregada na Companhia de Desenvolvimento XX de Hong Kong, auferindo mensalmente HKD$8.000,00.
18. A esposa do requerente cível XXX (XXX) cuidou do autor em Macau desde 21 de Abril de 2008 a 26 de Agosto de 2008, não tendo rendimentos neste período.
19. A família do requerente cível tem 5 membros.
20. O requerente cível internou-se no Centro Hospitalar Conde de S. Januário e pagou despesas no valor de MOP$88.920,00; estas despesas já são pagas pela empreiteira geral das obras – a Companhia de Engenharia XXX.
21. O requerente cível comprou bengala no valor de MOP$2.090,00.
22. Por o requerente cível e a esposa ficar em Macau, e os filhos ficarem em Hong Kong, o requerente cível e a esposa compraram cartões de telefone para comunicar com os filhos, pagando MOP$2.850,00.
23. Nos dois meses (sic.) entre Abril de 2008 e Março de 2009, o requerente cível e a família pagaram despesas de tratamento, de transporte, de alojamento, de alimento, de medicamento e de materiais de sopa (para melhor consolidação das fracturas) no valor de MOP$57.049,40, entre as quais:
a) Gastou-se MOP$8.995,60 em Abril de 2008.
b) Gastou-se MOP$12.720,00 em Maio de 2008.
c) Gastou-se MOP$7.734,00 em Junho de 2008.
d) Gastou-se MOP$3.078,00 em Julho de 2008.
e) Gastou-se MOP$9.549,00 em Agosto de 2008.
f) Gastou-se MOP$744,90 em Setembro de 2008.
g) Gastou-se MOP$5.109,30 em Outubro de 2008.
h) Gastou-se MOP$1.069,20 em Novembro de 2008.
i) Gastou-se MOP$1.515,50 em Dezembro de 2008.
j) Gastou-se MOP$1.255,10 em Janeiro de 2009.
k) Gastou-se MOP$3.759,80 em Fevereiro de 2009.
l) Gastou-se MOP$1.519,00 em Março de 2009.
24. Desde Março de 2009 a 11 de Outubro de 2011, o requerente cível pagou em Macau e Hong Kong despesas de transporte, de materiais de sopa e de tratamento no valor de MOP$15.994,00.
25. O requerente cível foi atropelado pelo automóvel e sofreu de danos graves, pelo que durante o internamento e tratamento ambulatório, sentia-se angustioso, desamparado e apavorado.
26. O requerente cível perdeu o emprego por causa do acidente, isso afecta a economia familiar e a vida pessoal do requerente. O requerente não pode fazer exercício, precisa de ser cuidado pelos membros familiares e precisa de dinheiro, pelo que sente muita pressão, pensa desordenadamente, fica insone e sente dores na cabeça.
27. A 3ª requerida cível C comprou seguro de responsabilidade civil na 2ª ré Companhia de Seguros XXX para o automóvel conduzido pela 1ª requerida cível A (XXX) no dia do acidente, o número de apólice é MOT/08/000XXX.
28. No dia do acidente, o requerente cível estava a fazer trabalhos de preservação de água e de pavimentos no local do acidente para a 5ª requerida cível Companhia de Engenharia XXX; o empregador do requerente cível foi a 4ª requerida cível Companhia de Engenharia Profissional XXX, e o requerente foi instrutor técnico e foi nomeado pela 4ª requerida cível para fornecer serviços de tecnologia à prova de água à 5ª requerida cível.
29. A 6ª requerida cível Companhia de Seguros XXX é a companhia de seguros do local das obras, tendo a apólice n.º PEC-04-XXXXXX-7.
30. O requerente cível e a 4ª requerida cível Companhia de Engenharia XXX tiveram transacção da indemnização pelo acidente de trabalho em District Court of Hong Kong, e a 4ª requerida cível pagou ao requerente indemnização pelo acidente de trabalho no valor de HKD$531.779,00, e tal transacção foi aprovada pelo tribunal de Hong Kong em 5 de Agosto de 2011.
31. Desde 19 de Abril de 2008 a 20 de Março de 2009, o requerente cível perdeu salários de 11 meses no valor de MOP$204.237,00;
32. O acidente deixa o requerente cível pensar desordenadamente, ficar insone e sentir dores na cabeça.
Do direito
3. Como se deixou relatado, vem o demandante civil recorrer do Acórdão do Colectivo do T.J.B. com o qual se decidiu condenar a arguida como autora de 1 crime de “ofensas graves à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3, com referência ao art. 138°, al. b), c) e d), ambos do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, (Lei do Trânsito Rodoviário), na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por um período de 2 anos, assim como na pena acessória de inibição de condução por 1 ano, e que, no que toca ao pedido civil enxertado pelo demandante B, julgou-o parcialmente procedente, condenando a dita arguida no pagamento de MOP$461.393,12, e a “COMPANHIA DE SEGUROS XXX”, no pagamento de MOP$1.000.000,00.
Vejamos se lhe assiste razão.
–– Quanto à “decisão crime”.
Pede o recorrente a condenação da arguida em pena de prisão (efectiva) de 2 anos e 3 meses.
Ora, como bem observa o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer, atento o estatuído no art. 391° do C.P.P.M. e não sendo o demandante, ora recorrente, “assistente”, evidente é que não possui legitimidade para de tal segmento decisório recorrer.
Nesta conformidade, e ociosas sendo outras considerações, não se conhece do recurso na parte em questão.
–– Quanto à “acção civil”.
Aqui, mostra-se adequada uma “nota prévia”.
Em sede de resposta ao presente recurso, vem a arguida e a demandada C pedir que se altere a percentagem de culpa fixada assim como a redução dos montantes arbitrados.
Como é bom de ver, não tendo os mesmos sujeitos processuais interposto recurso do Acórdão proferido pelo T.J.B., adequado não é que, em sede de resposta ao recurso pelo demandante interposto, venham colocar tais questões e formular os mencionados pedidos.
Assim, e não sendo o meio utilizado – a resposta ao recurso – o próprio, não se conhecerá dos pedidos deduzidos.
Dito isto, continuemos.
Apreciemos as questões pelo recorrente colocadas.
Pede o recorrente que se revogue a decisão que declarou a (3ª) requerida C parte ilegítima.
Ora, face à matéria de facto dada como provada, motivos não há para se alterar a decisão proferida.
De facto, provado estando apenas que a dita requerida “comprou seguro de responsabilidade civil na 2ª ré Companhia de Seguros XXX para o automóvel conduzido pela 1ª requerida cível A”, correcta se nos mostra a decisão recorrida.
Diz também o recorrente “que incorrecta foi a decisão de se lhe atribuir 20% de culpa na eclosão do acidente”.
Vejamos.
Na parte em questão, assim ponderou o Colectivo a quo:
“Segundo os factos provados e atendendo às circunstâncias concretas do acidente, este Colectivo entende que o requerente cível não tomou qualquer medida de protecção quando estava a realizar trabalhos de examinação e reparação do pavimento do auto-silo e não instalou qualquer sinal de obras, pelo que o requerente cível não observou os dispostos no art.º 1, n.º 1, no art.º 5.º, al. a) e os dispostos sobre sinalização de obras no art.º 162.º do Regulamento de Higiene e Segurança no Trabalho da Construção Civil, pelo que o requerente cível também tem culpa para o acidente de viação e as questões sobre o acidente de trabalho devem ser julgadas separadamente.
De acordo com as circunstâncias concretas do acidente de viação e o princípio de proporção da culpa, este Colectivo entende que a 1ª requerida cível A (XXX) assume 80% da responsabilidade pelo acidente e o requerente cível B (XXX) assume 20%”.
Cremos porém que não é de manter o assim decidido.
Com efeito, está provado que “quando a arguida conduziu o supracitado automóvel ligeiro ao local de acidente no andar LG4, virou o automóvel à direita e passou pelo estacionamento em vez de circular na faixa de rodagem”, e que, “a supracitada operação da arguida deixou o automóvel ligeiro embater e atropelar o lesado B (XXX) que se encontrava de cócoras no local de acidente”.
Nesta conformidade, considera-se a arguida a única e exclusiva culpada pelo acidente, pois que conduziu o seu veículo automóvel “fora do local próprio para a sua circulação”, certo sendo que foi o ofendido atropelado neste mesmo local.
Nesta conformidade, altera-se a decisão em questão, declarando-se a arguida única culpada pelo acidente.
Avancemos.
Pede também o ora recorrente a condenação das 1ª a 3ª requeridas cíveis no pagamento solidário de:
“1. Perda de salários de 11 meses desde 20 de Abril de 2008 a 20 de Março de 2009 no valor de MOP$204.237,00.
2. Perda de salários de 32 meses desde 21 de Março de 2009 a 11 de Outubro de 2011 no valor de MOP$624.000,00.
3. Perda de salários da esposa do recorrente desde 21 de Abril de 2008 a 26 de Agosto de 2008 no valor de MOP$33.008,00.
4. Despesas de contratação de trabalhador doméstico para cuidar dos dois filhos no valor de MOP$20.630,00.
5. Despesas da compra de bengala no valor de MOP$2.090,00.
6. Despesas da compra de cartões de telefone para comunicar com os filhos no valor de MOP$2.850,00.
7. Despesas de tratamento, de transporte, de medicamento e de materiais de sopa por 12 meses desde Abril de 2008 a Março de 2009 no valor de MOP$57.049,00.
8. Despesas de tratamento, de transporte, de alojamento, de alimento, de medicamento e de materiais de sopa desde Março de 2009 a 11 de Outubro de 2011 no valor de MOP$15.994,00.
9. Despesas de tratamento no futuro no valor de MOP$500.000,00.
10. Compensação de invalidez no valor de MOP$2.000.000,00.
11. Redução de rendimentos no valor de MOP$2.000.000,00.
12. Indemnização pelos danos não patrimoniais (por pelo menos 10 anos desde o acidente até a morte) no valor de MOP$1.500.000,00”.
Pois bem, face ao que se decidiu em relação à 3ª requerida (C), evidente é que em relação à mesma improcede o recurso.
Por sua vez, visto que o contrato de seguro com a 2ª requerida “COMPANHIA DE SEGUROS XXX” apenas obriga esta a pagar até ao limite de MOP$1.000.000,00, e sendo que já foi condenada no pagamento de tal montante, também aqui não se vê como acolher o pedido deduzido.
Quanto à arguida, vejamos.
Foi a mesma, (e atenta a sua proporção de culpa) condenada a pagar MOP$461.393.12.
No que toca à “perda de salários” do ora recorrente, assim decidiu o Colectivo a quo:
“O requerente cível solicitou a indemnização pela perda de salários desde 19 de Abril de 2008 a 20 de Março de 2009 no valor de MOP$204.327,00; mais tarde, na audiência de julgamento, o requerente cível pediu para ampliar a indemnização, acrescido da perda de salários desde 21 de Março de 2009 a 11 de Outubro de 2011 no valor de MOP$624.000,00.
Tendo em consideração os salários desde Abril de 2007 a Março de 2008 indicados nas fls. 151 a 160 dos autos, este Colectivo entende justo o salário diário de MOP$650 indicado pelo requerente, e que este tem de trabalhar 26 dias por mês, mas atento ao relatório de exame pericial de 31 de Julho de 2009, após tratamento de 470 dias, a condição física do requerente é estável e a taxa de incapacidade permanente parcial é de 72%, este Colectivo entende que de acordo com o art.º 558.º do Código Civil, o requerente cível deve ser indemnizado pela perda de salários de 402 dias no período entre 19 de Abril de 2008 e 31 de Julho de 2009, calculado à taxa de MOP$650 por dia e 26 dias por mês, no valor total de MOP$261.300,00”.
Cremos que não se pode manter o assim decidido.
Com efeito, provado está que “desde 19 de Abril de 2008, ou seja o dia seguinte do acidente, até 11 de Outubro de 2011, o requerente cível não podia trabalhar e não teve rendimentos”; (cfr., facto 16).
Perante isto, sendo de se manter o montante fixado como rendimento diário – MOP$650,00 – e atento o período em questão, (não apenas até 31 de Julho de 2009, mas até 11 de Outubro de 2011), mostra-se-nos adequado o montante de MOP$707.850,00, (1089 dias úteis x MOP$650,00).
No que toca à “perda de salários da esposa”, “despesas com a contratação de trabalhadores domésticos para cuidar dos filhos” e “despesas de comunicação com os filhos”, decidiu o Colectivo a quo que “verificado não estava o nexo de causalidade”, julgando tais pedidos improcedentes.
Vejamos.
As ditas “perdas de vencimento da esposa” só a esta dizem respeito, e assim, independentemente do demais, ao demandante, ora recorrente, não assiste legitimidade para vir reclamá-las nos presentes autos.
Quanto às “despesas com o trabalhador doméstico”, estas não deixam de ser “consequência” da decisão da esposa do recorrente, e as despesas de comunicação também não se mostram justificáveis.
Tais “despesas” foram originadas por decisões (livremente) tomadas pelo demandante e sua família, e, nesta conformidade, não podem ser imputadas a terceiros, sem que assente esteja o necessário “nexo de causalidade”.
Quanto à “despesa na compra de uma bengala”, no valor de MOP$2.090.00, provado estando que o ofendido padece de uma incapacidade permanente de 72%, adequado parece considerar que verificado está o nexo de causalidade para que seja o demandante indemnizado.
No que tange às “despesas de tratamento, transporte, e…” assim decidiu o Colectivo a quo:
“O requerente cível solicitou a indemnização pelas despesas de tratamento, de transporte, de alojamento, de alimento, de medicamento e de materiais de sopa desde Abril de 2008 a Março de 2009 no valor de MOP$57.049,00; mais tarde, o requerente pediu para ampliar este pedido na audiência, solicitando que acrescesse MOP$15.994,00.
O requerente cível ficou ferido em 18 de Abril de 2008, teve alta em 26 de Agosto de 2008 e posteriormente recebeu tratamento nos hospitais em Hong Kong.
Segundo o relatório de exame pericial, até o dia 31 de Julho de 2009, após tratamento de 470 dias, a condição física do requerente é estável e a taxa de incapacidade permanente parcial é de 72%.
Em relação às despesas de tratamento, de transporte, de alojamento, de alimento, de medicamento e de materiais de sopa, este Colectivo entende que as despesas de tratamento e de transporte devem incluir as despesas de medicamento, despesas de equipamento para a recuperação (não inclui a navalha de barba indicada nas fls. 170 dos autos), e despesas de barco e de táxi do requerente cível e dum companheiro. Por não provar o nexo de causalidade com o acidente de viação, não se incluem na indemnização as despesas de materiais de sopa, de alojamento e de alimento, pelo que fixa-se a indemnização em MOP$15.441,40”.
Pois bem, sem prejuízo do muito respeito, não se alcança como é que se chegou a tal quantum, (MOP$15.441,40).
Face ao que provado está, e atento o necessário “nexo de causalidade” crê-se que adequada é apenas a indemnização das despesas pelo demandante tidas em transporte e medicamentos.
Porém, não estando tais despesas quantificadas na factualidade dada como provada, e atento o estatuído no art. 564°, n.° 2 do C.P.C.M., afigura-se que as mesmas devem ser liquidadas em sede de execução da sentença.
Quanto às “despesas de tratamento no futuro”.
Pede o recorrente o quantum de MOP$500,000,00
Pois bem, está provado que “o requerente cível ainda não se recupera completamente, precisa de receber fisioterapia em Hong Kong e recebeu consultas seguintes no Centro Hospitalar Conde de S. Januário antes de 19 de Julho de 2011”; (cfr., facto. 14).
Nesta conformidade, e visto que contabilizadas também não estão as despesas que o demandante virá a ter, considera-se igualmente adequado que na, parte em questão, se deve remeter para o que se vier a liquidar em sede de execução de sentença.
Quanto à “compensação de invalidez”.
Pede o recorrente MOP$2.000.000,00.
Aqui, cremos que importa ter em conta que o recorrente pede também indemnização pela “redução de vencimentos” e por “danos não patrimoniais”.
Portanto, parece haver “duplicação de pedidos”.
Com efeito, se o pedido a título de “pensão de invalidez” está relacionado com o facto de não poder obter rendimentos (ou vir a obter rendimentos imferiores) no futuro, tal pedido (de “compensação de invalizez”) identifica-se com este último de “redução de rendimentos”.
Por sua vez, se o pedido em questão se prende com o “desgosto” por não poder levar uma vida activa e produtiva, então, tal deverá ser ponderado em sede de indemnização por “danos não patrimoniais”.
A solução que nos parece mais razoável é pois a de se arbitrar apenas um quantum a título de “redução de rendimentos”, e obviamente, ter-se também em conta o desgosto que o ora recorrente sente pela sua situação aquando da fixação do montante indemnizatório por “danos não patrimoniais”.
Assim, vejamos.
Quanto à “redução de rendimentos”, (ou melhor, da perda da capacidade de ganho).
Pede o recorrente o montante de MOP$2.000.000,00.
Resulta essencialmente da factualidade provada que o ora recorrente auferia MOP$650.00 por dia, e que sofre de uma “incapacidade permanente parcial de 72%”.
E, no ponto em questão, fixou o Tribunal a quo o quantum de MOP$750.000,00.
Tendo presente a factualidade provada, em especial, a incapacidade parcial do demandante, afigura-se de confirmar o decidido.
Em sede de danos não patrimoniais, tem este T.S.I. entendido que:
“A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.”; (cfr., v.g., o Ac. de 21.04.2005, Proc. n° 318/2004 e de 07.12.2011, Proc. n° 724/2011), sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”.
No caso, atento o que consta da factualidade provada, nas lesões sofridas pelo ora recorrente, no sofrimento e angústia por que passou e que (infelizmente) irá passar pela sua incapacidade, cremos que adequado é o quantum de MOP$800,000,00 pelo Tribunal a quo fixado.
Aqui chegados, e apreciadas que parece terem ficado todas as questões pelo recorrente colocadas, vejamos.
Ao ora recorrente foram fixadas as seguintes parcelas indemnizatórias:
- MOP$707.850,00, a título de perda de salários;
- MOP$2.090,00, a título de despesa na compra de uma bengala;
- MOP$750.000,00, a título de perda de capacidade de ganho; e
- MOP$800.000,00, a título de indemnização pelos seus danos não patrimoniais.
Tais parcelas perfazem o total de MOP$2.259.940,00.
Sendo que o limite máximo do seguro é de MOP$1.000.000,00, à demandada seguradora compete pagar tal quantum (MOP$1.000.000,00), cabendo, o restante, (MOP$1.259.940,00), à arguida, consignando-se que a esta demandada caberá também assegurar o pagamento das quantias que, em conformidade com o que se decidiu, se vier a liquidar em sede de execução da sentença.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam conceder parcial provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente e recorridos na proporção dos seus decaimentos.
Macau, aos 29 de Março de 2012
José Maria Dias Azedo (Não obstante ter relatado o acórdão, atenta a factualidade provada, mantinha a percentagem de culpa fixada pelo T.J.B.)
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (opinando, porém, que este TSI não pode conhecer, desde já, da questão de nexo de causalidade relativo às reclamadas perdas salariais da esposa do ofendido demandante civil, às despesas de contratação de trabalhador doméstico, às despesas de compra de cartões de telefone para comunicar com os filhos do ofendido e às despesas de transporte da esposa do ofendido, pois todas essas rubricas de indemnização deverão ser discutidas na acção civil a intentar em separado pela esposa do ofendido contra a parte responsável pela produção do acidente de viação dos autos).
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