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Processo nº 740/2011
Data do Acórdão: 22MAR2012


Assuntos:

Interrupção da instância
Deserção da instância


SUMÁRIO

1. Interrompe-se a instância quando se verificarem cumulativamente os três requisitos: 1. estar parado o processo; 2. durar a paralização mais de um ano; e 3. ser devida a inércia das partes;

2. A deserção ocorre ope legis após o decurso de três anos e um dia a contar da data em que os autos ficaram parados por inércia da parte a quem competia impulsionar o processo.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 740/2011


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I
B, intentou a acção executiva para pagamento de quantia certa contra C, acção essa que corre os seus termos no Tribunal Judicial de Base sob nº CV2-05-0002-CEO.

No âmbito desses autos de execução, foi proferido o seguinte despacho que decidiu por não apreciar um requerimento apresentado pelo exequente com fundamento na já extinção da execução:

  Em12/05/2009 foi proferido despacho a declarar interrompida a instância.
  Tal despacho foi notificado ao exequente por carta expedida no dia 13/05/2009, pelo que o exequente se tem por notificado desde o dia 16/05/2009 (Sábado).
  O despacho que declara interrompida a instância tem efeitos declarativos e não constitutivos, pelo que, tendo transitado em julgado tal despacho, a instância se tem por interrompida, pelo menos, na data em que o despacho foi proferido (no sentido de que o momento relevante é o da notificação do despacho, Ac. Relação de Évora de 12/3/98, BMJ, nº 475, p. 799. No sentido de que o momento relevante é o da paragem do processo por inércia da parte, Ac. TSI nº 255/2004, Ac. STJ de 12/01/1999, BMJ, nº 483, p. 167 e Ac. Relação de Évora de 23/02/2006, www.dgsi.pt. No sentido de que o momento relevante é o da prolação do despacho que declarou interrompida a instância, Ac. STJ de 31/01/2007, www.dgsi.pt). No caso dos autos, a instância está interrompida desde, pelo menos, 12/05/2009, pelo que a instância se extinguiu por deserção no dia 12/05/2011, nos termos do disposto nos arts. 229º, al. c) e 233º, nº 1 do Código de Processo Civil.
  Nos termos expostos, o requerimento de fls, 171 a 173, apresentado no dia 16/05/2011, deu entrada na secretaria do tribunal depois de já ter ocorrido a deserção da instância e, em consequência, depois de a mesma já se ter extinguido, pelo que já não pode ser apreciado.
  Notifique e, após trânsito, remeta de novo os autos ao arquivo.

Inconformado com essa decisão, veio o exequente interpor dela o recurso, pedindo e concluindo que:

A. A questão objecto do presente recurso consiste em saber a partir de que momento se conta o prazo processual de dois anos e um dia pressuposto no art.º 233.º, n.º 1 do CPCM.
B. O despacho que declara a interrupção da instância é obrigatoriamente notificado às partes porque constitui um aviso de que decorreu o período que vai funcionar como “terminus a quo” da deserção da instância.
C. O prazo de dois anos previsto no art.º 233.º, n.º 1 do CPCM, cujo decurso implica deserção da instância, conta-se, pois, a partir da notificação do despacho que decidir a interrupção da instância.
D. Daí que a instância só possa considerar-se deserta quando esteja interrompida durante dois anos depois da notificação do despacho que a considerou interrompida.
E. E sendo assim, quando, em 16/05/2011, o ora recorrente apresentou o requerimento de fls. 173 a 173v, não se mostrava completado o prazo de deserção de dois anos e um dia pressuposto no art.º 233.º, n.º 1 do CPCM.
F. Isto porque, atenta a data do registo postal (13/05/2009) da carta de notificação do despacho que declarou interrompida a instância (fls. 169), o termo do prazo processual de deserção de dois anos só se poderia ter completado às 24 horas do dia 16/05/2011 (art.º 272.º, alínea c) do CCM), não se podendo, por isso, considerar extinta a instância antes daquele prazo de deserção se ter completado.
G. Por isso, o despacho ora recorrido, em que se entendeu que a deserção da instância ocorreu em 12/05/2011, ou seja, exactamente dois anos após a data da prolação do despacho de fls. 169, não pode ser mantido.
H. Mesmo a entender-se que o prazo de deserção se contava desde a data da prolação do despacho de fls. 169 em 12/05/201,1 (e não desde a data da sua notificação ao ora recorrente), o certo é que em 12/05/2011, ainda não se completara o prazo processual de dois anos e um dia pressuposto no art.º 233.º, n.º 1 do CPCM.
I. Tal prazo apenas se poderia ter completado às 24:00 horas do último dia do segundo ano do prazo previsto no art.º 233.º, n.º 1 do CPCM, o que significa que a instância, não fosse o disposto no art.º 95.°, n.º 4 do CPCM, só se poderia ter extinto, por deserção, no dia seguinte, i.e., em 13/05/2011, após o decurso desse prazo de dois anos, e não no último dia do segundo ano desse prazo (12/05/2011), conforme decidido no despacho ora recorrido.
J. Por outro lado, se é verdade que a deserção da instância não depende de decisão judicial que a declare, o mesmo já não acontece com a extinção da instância, por deserção.
K. Por conseguinte, enquanto não for proferido despacho judicial a declarar extinta a instância, por deserção, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 233.º, n.º 1 e 229.º, al. c) do mesmo Código, é lícito às partes promoverem utilmente o seguimento do processo.
L. E sendo assim, quando, em 16/05/2011, o ora recorrente apresentou o requerimento de fls. 173 a 173v, não só não se mostrava completado o prazo de deserção de dois anos e um dia pressuposto no art.º 233.º, n.º 1 do CPCM, como também ainda não tinha sido proferida decisão a julgar extinta a instância, por deserção, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 233.º, n.º 1 e 229.º, al. c) do mesmo Código.
M. Assim, mesmo que já se tivesse verificado o decurso do prazo para a deserção da instância - o que, in casu, não se concede - enquanto não houvesse decisão judicial a declarar extinta a instância, por deserção, [e não havia, antes da prolação do despacho recorrido de fls. 174], o ora recorrente podia ter dado, como deu, impulso ao processo, devendo nestas circunstâncias ter sido admitido o andamento do processo.
N. Por isso, assistia ao ora recorrente o direito de promover o prosseguimento da execução como fez com o requerimento de fls. 173 a 173v.
O. De qualquer modo, sem prescindir, sempre seria de revogar o despacho ora recorrido, ordenando a sua substituição por outro que assegurasse o prosseguimento da execução.
P. Isto porque o prazo da deserção é um prazo processual.
Q. Daí que por força do estatuído nos n.os 4 e 5 do art.º 95.º do CPCM, os prazos peremptórios a que alude o art.º 94.º, n.º 1 do mesmo Código, têm o seu termo diferido ou dilatado por mais três dias úteis, para além do resultante da marcação na lei ou da fixação pelo juiz.
R. E, sendo assim, o terceiro dia útil com multa (após o termo do prazo previsto no art.º 233.º, n.º 1 do CPCM), contado desde a data da prolação do despacho de fls. 169, teria sido o dia 17/05/2001 e não o dia 12/05/2011, conforme decidido no despacho ora recorrido.
S. Por conseguinte, quando, em 16/05/2011 (segundo dia útil com multa após o termo do prazo previsto no art.os 233.º, n.º 1 do CPCM), o ora recorrente praticou o acto de fls. 173 a 173v, ainda não precludira o direito de o fazer.
T. Assim, mesmo que o prazo processual de deserção (dois anos e um dia) se contasse desde a data da prolação do despacho de fls. 169 (12/05/2009) e não desde a data da sua notificação ao ora recorrente (16/05/2009), nunca a instância se poderia ter extinto, por deserção, em 12/05/2011, face à dilação por mais três dias úteis prevista no n.º 4 do art.º 95.º do CPCM.
NESTES TERMOS, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogado o douto despacho recorrido, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada Justiça!

Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II

De acordo com os elementos existentes nos autos, fica por assente a seguinte matéria de facto com relevância à apreciação do presente recurso:

* Em 10MAR2008, foram os presentes autos remetidos à conta por se encontrarem parados por mais de três meses, nos termos impostos no artº 40º/2-b) do RCT;

* A última intervenção do exequente anterior à remessa à conta teve lugar em 02JUL2007, que consiste na indicação dos endereços das sedes das companhias de seguros a fim de tentar identificar e localizar bens penhoráveis do executado C – cf. fls. 108 a 110 dos p. autos;

* Por carta registada enviada em 05OUT2007, o exequente foi notificado do resultado das diligências realizadas com vista à identificação e localização dos bens penhoráveis do executado;

* Por despacho datado de 18ABR2008, foi determinado que aguardassem os autos o prazo previsto no artº 227º do CPC – cf. fls. 166 dos p. autos;

* Por despacho datado de 12MAIO2009, foi declarado interrompida a instância e ordenado que os autos aguardassem no arquivo pelo decurso do prazo de deserção – cf. fls. 169 dos p. autos;

* O exequente pediu, mediante o requerimento enviado por via de telefax em 16MAIO2011, ao Tribunal que ordenasse a realização de mais diligência com vista à identificação e à localização de bens penhoráveis do executado – cf. fls. 173 e v. dos p. autos; e

* Em 24MAIO2011, foi proferido o despacho ora recorrido.

Ora, como vimos nas conclusões do recurso, constitui objecto do presente as seguintes questões:

1. Da interrupção e deserção da instância;
2. Da aplicabilidade in casu do estatuído no artº 95º/4 e 5 do CPC.

Vejamos.

Da interrupção e deserção da instância;

Como corolário do princípio do dispositivo, cabe ao autor o impulso processual.

Assim, quando o processo estiver parado por inércia da parte em promover o andamento do processo, a lei, consoante as situações, atribui ao decurso do tempo certa consequência.

De entre as quais temos a interrupção da instância.

Diz o artº 227º do CPC que “a instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento.”.

Tal como decidiu e bem na sentença recorrida, o despacho que declara interrompida a instância tem efeitos declarativos e não constitutivos.

Na esteira desse raciocínio, o facto jurídico constitutivo modificativo da instância não é a declaração judicial, mas sim é a verificação cumulativa dos três requisitos: 1. Estar parado o processo; 2. Durar a paralização mais de um ano; e 3. Ser devido a inércia das partes – Cf. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, p.328.

Sendo da natureza ope legis e não ope judicis a interrupção da instância, o intervalo de tempo “um ano” a que se refere o artº 227º deve iniciar-se no dia seguinte ao dia que o processo é considerado parado e terminar no dia correspondente do ano seguinte.

Portanto, urge apurar qual é o dia em que é considerado parado o processo.

Ora, o momento em que fica parado um processo deve ser o momento em que a parte pode e deve impulsionar o andamento do processo.

In casu, quando notificado do resultado das diligências realizadas com vista à identificação e localização dos bens penhoráveis do executado, por via da carta registada expedida em 05OUT2007, o exequente pode e deve impulsionar o andamento do processo.

Por isso, deve ser esse momento, a data da notificação do exequente, tido como momento em que ficou parado o processo.

Mesmo que não se entenda assim, de acordo com matéria de facto assente, o processo deve ser considerado parado pelo menos em 09DEZ2007, isto é, três meses e um dia antes da remessa à conta em 10MAR2008, pois em face do disposto no artº 40º/2-b) do RCT, a secção remete à conta os processos parados por mais de três meses por facto imputável às partes.

Considerar os presentes autos parados pelo menos em 09DEZ2007 já é uma conclusão muito cautelosa e “generosa” para com o exequente, uma vez que desde a notificação do resultado das diligências realizadas com vista à identificação e localização dos bens penhoráveis do executado por via da carta registada em 05OUT2007, nenhum impulso foi levado a cabo pelo exequente.

Assim, o intervalo de tempo “mais de um ano” deve ter-se iniciado pelo menos em 09DEZ2007, data em que devem ser considerados parados os presentes autos.

E por isso, tendo ficado parada por um ano mais um dia, a instância da presente execução interrompeu-se pelos menos em 10DEZ2008.

A lei considera deserta a instância, independentemente de decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos – artº 233º do CPC.

E como a interrupção só se produz ao cabo de um ano e um dia após a paralização do processo, a deserção ocorre ope legis após o decurso de três anos e um dia (um ano e um dia mais dois anos) a contar da data em que os autos ficaram parados por inércia da parte a quem competia impulsionar o processo.

Assim, no caso sub judice, a deserção da instância já ocorreu ope legis pelo menos em 10DEZ2010 – artº 233º do CPC.

Portanto, quando deu entrada em 16MAIO2011 no Tribunal o requerimento a fls. 173 e v. dos presentes autos, a instância já se encontra extinta por deserção.

Atendendo ao largo espaço temporal que se medeia entre a data da deserção ope legis da instância em 10DEZ2010 e data da apresentação do requerimento em 16MAIO2011, cremos ser obviamente desnecessária a apreciação da questão da aplicabilidade in casu do estatuído no artº 95º/4 e 5 do CPC.

Bem andou assim o Tribunal ao decidir não apreciar o requerimento a fls. 173 e v. dos presentes autos, com fundamento na extinção da execução.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 22MAR2012


(Relator) Lai Kin Hong

(Primeiro Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan

(Segundo Juiz-Adjunto) João A. G. Gil de Oliveira