Processo nº 444/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 19 de Abril de 2012
ASSUNTO:
- Omissão da pronúncia
- Falta de fundamentação
- Modificação subjectiva
SUMÁRIO:
- Não há omissão da pronúncia se o tribunal, apesar de não ter indicado de forma expressa os pedidos concretamente formulados, indeferiu “in totum” o requerimento apresentado.
- Não se deve confundir a falta de fundamentação com a falta de fundamentos.
- A primeira é um vício formal ao passo que a segunda é um vício substancial cuja verificação implica o erro de julgamento.
- A fundamentação visa dar conhecimento às partes quais são as razões de facto e de direito que serviram de base da decisão judicial, ou seja, permitir às partes conhecerem o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo tribunal, para que possam optar em aceitar a decisão ou impugná-la através dos meios legais.
- Assim, a fundamentação existe desde que haja uma especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.
- A instância torna-se estável quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir a partir da citação do réu, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
- Para haver lugar a modificação subjectiva, é necessário que exista uma substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto entre vivo, na relação substantiva em litígio, ou resulta da intervenção de terceiros.
- Se não for eleita qualquer nova administração na assembleia geral do condomínio após decorrido o respectivo mandato e uma vez provada que a Autora foi eleita legalmente à data da propositura da acção (questão a discutir na causa principal), a mesma deveria ser considerada como administrador de facto, mantendo consequentemente a sua capacidade judiciária e legitimidade activa na acção até que haja nova administração eleita.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 444/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 19 de Abril de 2012
Recorrente: Empresa de Administração de propriedades A Lda. (Ré)
Recorrida: Administração do condomínio do Edifício B Garden também conhecida por Comissão Administrativa do Edf. B Garden (Autora)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Vem recorrer a Ré do despacho de 20/01/2011, proferido verbalmente e lavrado na acta da audiência de julgamento, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O presente recurso tem por objecto o despacho proferido pelo Meritissimo Tribunal a quo, a fls.… dos autos na sessão da audiência de julgamento de 20.01.2011, proferido na sequência de dois requerimentos apresentados pela Recorrente, nas sessões de audiência de julgamento do dia 10 de Janeiro de 2011 e do dia 20 de Janeiro de 2011.
2. A Recorrente formulou requerimento (cfr. fls. 70-verso da acta de audiência de julgamento e minuto 10:41.42 (0#6d5ycw02211270) da gravação da audiência de julgamento, o qual se encontra transcrito nas presentes alegações de recurso e se dá por integralmente reproduzido em sede de conclusões.
3. Sumariamente, a Recorrente, na sessão do dia de Janeiro de 2011, requereu que, nos termos concatenados do artigo 1359º do Código Civil e dos artigos 39º, 42º, 43º, º, 53º e 54º do Código de Processo Civil, fosse demonstrada regular representação legal do condomínio sub judice, no sentido de apurar se o condomínio do prédio melhor identificado nos autos se encontra representado por administração legalmente eleita, que a habilite a estar em Juízo a representar legalmente o condomínio em causa.
4. Ante este requerimento apresentado pela Recorrente, a Ilustre Mandatária da parte Autora, ficou de juntar os devidos documentos para a comprovação da legalidade de representação pela Autora ao Tribunal no prazo de 5 dias, conforme ordenado pelo douto despacho proferido (cfr. fls. 71 dos autos).
5. A recorrente foi notificada, em 17.01.2011, do requerimento apresentado, em 12.01.2011 pela Autora relativo à junção de um documento, consubstanciado numa pública-forma da acta da Assembleia Geral do Condomínio do Edifício, a qual terá alegadamente ocorrido em 13 de Julho de 2008, “em cumprimento do despacho verbalmente pelo Meritíssimo Juiz Presidente do Colectivo (...) no intuito de provar a legitimidade e capacidade judiciária da ora Autora nos termos dos artigos 1354.º e 1359.º do Código Civil” (cfr. requerimento apresentado pela parte Autora, em 12.01.2011).
6. A Recorrente, imbuída do melhor espírito de colaboração - já que dispunha de prazo de 10 dias, nos termos processualmente previstos para se pronunciar sobre o documento junto pela parte Autora e nem sequer utilizou todo o prazo adjectivo que tinha ao seu dispor - apresentou requerimento, juntando-o na sessão de audiência de julgamento do dia 20.01.2011 (o qual se encontra supra transcrito e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), exercendo o seu direito ao contraditório relativamente à pública-forma da acta da Assembleia-Geral de condóminos em questão, nos termos dos artigos 3º, n.º 3, 153º e 438º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
7. Neste requerimento Recorrente contestou, por um lado, a virtualidade probatória de tal documento, impugnando-o e, por outro lado, suscitou um incidente de falsidade do mesmo, tendo invocado as razões de facto e de direito subjacentes ao desencadeamento de tal incidente.
8. A apresentação do requerimento na sessão de audiência de julgamento, no passado dia 20.01.2011, motivou o Meritíssimo Tribunal a quo a proferir, verbalmente, o seguinte despacho lavrado em acta, a fls.... dos autos:
«Face ao incidente invocado pela Ré, o Tribunal Colectivo entendeu que relativamente à questão de saber se a Autora está devidamente representada nos presentes autos, temos que a Autora é parte legítima, e salvo melhor opinião, julga que a resposta não deixa de ser afirmativa, tendo em conta que a sua legitimidade se encontrava fixada pela propositura da acção (artigo 211º do Código de Processo Civil), salvo excepções previstas na lei. In casu, não se verifica qualquer das excepções nela previstas, pelo que segundo o princípio da estabilidade da instância consagrado nos termos do artigo 212º, com a citação da Ré, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir.
Além de que já no despacho saneador foi confirmada a legitimidade processual da Autora.
Por outro lado, discute-se no caso sub judice da questão de a assembleia geral de condóminos ter sido devida e legalmente reunida em 2008, razão pela qual a legitimidade processual da Autora deve reportar-se a essa data, e não à data posterior, nomeadamente à presente data.
Tudo exposto, o Tribunal Colectivo entende que o incidente em causa não é pertinente quer para a decisão da causa quer para a legitimidade da Autora, razão pela qual se indefere in totum o requerimento formulada pela Ré.
Custa de incidente de 3 UC a suportar pela Ré.
Notifique»
9. É pois deste despacho que se recorre pelo presente recurso.
10. Sumariamente, a Recorrente, no seu requerimento junto aos na sessão de audiência de julgamento do dia 20.01.2011, exerceu o contraditório quanto ao documento junto pela parte Autora, impugnando a sua virtualidade probatória; suscitou incidente de falsidade, devidamente fundamentado; e bem assim requereu a junção aos autos de documentos em poder de terceiro, nos termos do artigo 458º do CPC, por se reputarem absolutamente essenciais à boa decisão da causa e descoberta da verdade, em conformidade com o artigo 442º do CPC, nomeadamente que a parte Autora juntasse aos presentes autos, prova dos registos de correio relativos à expedição postal da convocatória datada de 23.6.2010, a lista de presenças da assembleia de condóminos supostamente ocorridas em 10.7.2010 e 11.7.2010 e bem assim cópia dos instrumentos que conferiram poderes de representação aos condóminos que se fizeram representar por procurador e/ou outros condóminos, acompanhados das copias dos respectivos documentos de identificação, conforme imposto por lei.
11. Ou seja, a Recorrente praticou três actos processuais distintos: exerceu o seu direito ao contraditório quanto ao documento junto pela parte Autora, suscitou um incidente nos termos do artigo 469º do CPC e seguintes e requereu a junção de documentos em poder de terceiro com vista à prova indispensável ao incidente suscitado e devidamente fundamentado, ex vi artigo 470º, n.º 1º CPC.
12. O Meritíssimo Tribunal a quo não cuidou sequer de identificar no seu despacho os concretos actos constantes do requerimento apresentado pela Recorrente em 20.01.2011.
13. Sucede que a fundamentação apresentada pelo Meritíssimo Tribunal a quo não teve em consideração qualquer dos motivos quer de facto, quer de direito aduzidos pela Recorrente para ter, legitimamente, suscitado o incidente de falsidade do documento com vista a ilidir a força probatória do documento.
14. Aquilo que o Tribunal a quo fez, foi proferir despacho – cfr. fls. 71 dos autos - a ordenar «a junção dos devidos documentos» (negrito e sublinhado nossos), e, não tendo a parte Autora cuidado de juntar aos autos os «devidos documentos» – ou seja aqueles que seriam legalmente aptos e idóneos a demonstrar que a suposta actual administração do condomínio sub judice se encontra regularmente eleita – ainda que indiciariamente – com vista à verificação da regular representação e consequente manutenção dos pressupostos processuais – maxime a legalidade da representação do condomínio sub judice - para, logo em seguida, vir o mesmo Tribunal proferir o despacho de que ora se recorre, propugnando que a questão da regular representação do condomínio não tem qualquer relevância, considerado princípio da estabilidade da instância, previsto no artigo 212º do CPC.
15. A representação legal de um condomínio contende com a personalidade e capacidade judiciárias e legitimidade processuais, nos termos do ordenamento legal vigente na RAEM.
16. Impõe-se concluir que o douto despacho recorrido é, no mínimo, contraditório com o despacho proferido em 10.01.2011, a fls. 71 dos autos.
17. O Tribunal a quo propugnou quee a partir do momento em que é instaurada uma acção não podem existir mais modificações subjectivas, ainda que se comprove a sua superveniência fáctica.
18. A instância é, de acordo com o entendimento sustentado pelo Tribunal a quo no douto despacho recorrido, imutável desde uma perspectiva subjectiva.
19. Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Tribunal a quo como se demonstrou.
20. Em qualquer caso, foi suscitado um incidente com vista a ilidir a autenticidade de um documento, o qual foi ademais devidamente justificado pela Recorrente, todavia, no entendimento do Tribunal a quo, o facto de existir – a plausível e fundamentada – possibilidade de o documento, junto pela parte no seu requerimento autora em 12.01.2011, ter sido fabricado em nada releva porquanto modificações subjectivas supervenientes não são susceptíveis de ser atendíveis no processo civil, excepto algumas excepções.
21. É entendimento da recorrente que as asserções lavradas no despacho ora recorrido consubstanciam grave subversão das regras do procedimento civil vigente, sejam por desconsiderarem a possibilidade justificada de um potencial uso reprovável do processo por parte da Autora, sejam por não configurarem a falta de representação legal do condomínio como susceptível de resultar em falta de capacidade judiciária e por conseguinte afectar a legitimidade processual activa da parte Autora.
22. Urge desde logo clarificar o Tribunal ad quem, que a Administração do Condomínio autor terá sido – ainda que aparentemente e sem conceder – eleita, em 13 de Julho de 2008, para exercício das respectivas funções durante um período bienal, ou seja, tal período de hipotético mandato para exercício de funções de Administradores do condomínio extinguiu-se em 13 de Julho de 2010 (cfr. Doc. n.º 4 em conjunção com o Doc. n.º 5, nomeadamente cláusula 17ª do regulamento de condomínio, juntos com o requerimento do procedimento cautelar que, sob o número CV1-08-0080-CAO correu termos por apenso aos presentes autos).
23. Por este facto – claramente - superveniente, a Recorrente entende ser suficientemente demonstrada a superveniência do facto susceptível de contender com o preenchimento dos pressupostos processuais no plano subjectivo activo in casu.
24. Atenta a caducidade, em 13 de Julho de 2010, do suposto mandato concedido à anterior Administração do condomínio em questão, a Recorrente pretendeu verificar – ainda que numa perspectiva meramente indiciária – se o condomínio em questão tinha convocado nova Assembleia de Condóminos com a vista a eleger ou a reeleger os Administradores de Condomínio, designadamente para verificação da manutenção dos pressupostos processuais subjectivos.
25. Considerada a injunção judicial constante do despacho proferido a fls. 71 dos autos, pelo Tribunal a quo, a Autora deveria ter cuidado de demonstrar ao Tribunal a quo que a Assembleia-Geral - através da qual se terá, supostamente, reeleito a Administração do condomínio em apreço - foi devida e realmente convocada, e bem assim comprovar que estiveram presentes ou representados um número de condóminos representativo de um quórum mínimo habilitante à reeleição invocada pela Autora.
26. Sucede que a parte Autora já demonstrou, mesmo no âmbito deste processo, ter bem presente quais os documentos necessários a comprovar a convocação de uma Assembleia geral, tendo cuidado de juntar, no âmbito do procedimento cautelar, que correu termos em apenso a estes autos principais, a título exemplificativo uma suposta lista de presenças e uma listagem de comprovativos de registos postais.
27. Esses «documentos devidos» não são abstractos ou insusceptíveis de concretização, bem, pelo contrário, encontram-se, aliás, todos expressamente elencados no Código Civil de Macau.
28. No documento junto pela Autora, através do seu requerimento de 12.01.2010, constar unicamente uma minuta de uma convocatória para afixação no edifício, todavia, ainda que tal facto não seja susceptível de se comprovar no âmbito dos presentes autos, não é meio por si só apto a convocar uma assembleia de condóminos.
29. Nos termos do artigo 1345.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, a assembleia-geral do condomínio é convocada por meio de carta registada, enviada com a antecedência mínima de 10 dias, a qual deve ser enviada para a morada do condómino ou para a morada que este indique de modo expresso à administração, ou, alternativamente, por meio de protocolo adequado a proceder à convocatória da mesma.
30. A parte Autora, ao contrário daquilo que fez no âmbito dos autos cautelares deste processo, não cuidou, desta feita, de juntar nenhum comprovativo de envio, seja por meio postal registado, seja por via protocolar, a nenhum dos condóminos.
31. Considerado o teor da acta, impugnada pela Recorrente no seu requerimento de 20.1.2011, consta putativa deliberação aludindo a um pretenso relatório de contas e petição de quantias adicionais aos condóminos para realização de obras de melhoramentos, quando, dispõe o n.º 5 do artigo 1345º do Código Civil, que, no caso de se convocar – no caso de esta ter sido sequer convocada - Assembleia com vista a aprovação das contas e do projecto de orçamento anuais, bem como para a aprovação ou modificação do regulamento do condomínio, cuja ratificação se indicou expressamente na ordem de trabalhos, deverá a mesma ser acompanhada, respectivamente, das contas e do projecto de orçamento, dos projectos de regulamento ou, pelo menos, nela será indicado o local ou locais onde tais elementos possam ser consultados pelos condóminos, ora também nada disto foi feito, ou de minimis, não foi junto pela parte Autora ao processo.
32. De harmonia com o disposto no artigo 1346.º do Código Civil quando os condóminos se fazem representar nas assembleias de condomínio deverão fazer-se representar por procurador ou delegar os seus poderes junto de outro condómino, mediante instrumento de representação simples, como sendo uma carta assinada dirigida ao presidente da reunião da assembleia geral do condomínio acompanhada da apresentação de cópia do documento de identificação do representado, ora a parte Autora tão pouco cuidou de exibir tais documentos (de representação de condóminos) com vista a indiciar – pelo menos - a efectiva celebração da assembleia de condomínio supostamente celebrada em 11.7.2010.
33. Mais grave ainda, nos termos dispostos no artigo 1349º, n.º 1 do Código Civil era exigível a exibição da cópia do livro de presenças, como aliás nem podia deixar de ser, atenta a prerrogativa estatuída no número 4 do mesmo artigo do referido diploma legal, alegadamente utilizada pela parte Autora, já que se supostamente se abdicou da regra geral consubstanciada na obrigatoriedade de assinatura da acta por parte dos condóminos prevista no n.º 2 do mesmo artigo 1349º do Código Civil.
34. É que a acta impugnada está apenas assinada pelos supostos 12 condóminos que se arrogam de administradores na eventual assembleia-geral de condóminos, pretensamente ocorrida em 11.7.2010.
35. Vislumbra-se como possível que o Venerando Tribunal ad quem se questione quanto à exigibilidade da Autora apresentar todos os documentos com vista a permitir a reconfirmação da legal representação do condomínio autor, nomeadamente, poderá o Tribunal ad quem sentir-se tentado a sustentar que na eventualidade que as deliberações constantes da acta impugnada pela Recorrente padeçam de vícios, deverão estes ser discutidos em processo judicial próprio, e que tal questão extravasa o objecto dos presentes autos.
36. A Recorrente está ciente de que a discussão de hipotéticos vícios susceptíveis de enfermar as deliberações sub judice deverá ser efectuada em processo judicial autónomo, mas insiste em sublinhar que a necessidade de aceder a tais documentos se prende tão só com a verificação de se a Assembleia foi convocada, ou seja, no limite se a mesma chegou sequer a existir.
37. Reitera-se que o o escopo das normas do Código Civil invocadas compreende o fornecimento de meios de controlo aptos a demonstrar se realmente determinada assembleia-geral de condóminos ocorreu ou não, possibilitando a todos os condóminos a faculdade de supervisionar a execução dos poderes inerentes à Administração de condomínio.
38. No âmbito deste processo, a Recorrente mais não pediu que certificar-se que o condomínio sub judice se encontra regularmente representado em juízo por Administração eleita em sede de assembleia de condóminos.
39. Apenas aqueles documentos, os previstos na lei, podem atestar, com algum grau de razoabilidade, se a assembleia-geral de condóminos teve, efectivamente, lugar em 11.7.2010, e se foi assistida por demais condóminos que não aqueles que se arrogam de administradores e subscritores da acta em questão.
40. Tendo em consideração o carácter vinculativo das deliberações devidamente consignadas em acta para os terceiros titulares de direitos sobre as fracções, bem como para quaisquer possuidores ou meros detentores das fracções, é pois de observar que constitui o mínimo permitir apurar quem esteve presente na assembleia de condóminos em apreço, ainda que não querendo versar nesta sede sobre a nulidade ou anulabilidade das deliberações tomadas na mesma, visava-se, somente, verificar se a mesma chegou sequer a ocorrer nos termos legalmente previstos, o que implica que a deliberação tivesse sido tomada sem o número mínimo de condóminos em assembleia própria e regularmente convocada, sendo que daquele documento, mais não se logra apurar que a presença dos 12 condóminos pretensamente eleitos para o Conselho de Administração.
41. Sabendo a Autora da necessidade de todos estes documentos para a regular realização de qualquer assembleia de condóminos, como já o demonstrou neste processo, é caso para o Tribunal ad quem se questionar sobre os motivos que subjazeram à não junção dos documentos «devidos», em consonância com a ordem constante do despacho judicial de fls. 71 dos autos principais.
42. Acresce que, tendo a respectiva procuração forense emitida pela Administração do condomínio, considerado a norma de carácter adjectivo constante do artigo 1359º, n.º 1 do Código Civil, a qual impõe que o Administrador o órgão do Condomínio, detentor da respectiva representação orgânica, implica que o Condomínio seja representado ex necessario pelo seu administrador em exercício, concretizando assim uma aplicação do disposto no artigo 9º do Código de Processo Civil.
43. Deste modo, o administrador do condomínio, apenas pode agir em juízo, em representação dos condóminos quando a assembleia-geral lhe confira autorização para tal e no âmbito da sua competência, ora findo o mandato da alegada administração, afigura-se necessário apurar se os pressupostos adjectivos se mantêm, e a parte Autora não logrou, cabalmente, demonstrar isso ao Tribunal a quo.
44. A parte Autora não demonstrou, por força de todos os comandos normativos supra enunciados, nem mesmo aparente ou indiciariamente, ao Tribunal a quo, que o Condomínio estaria regularmente representado, atendendo o facto superveniente na pendência do processo, consubstanciado na caducidade do mandato da primeira Administração do condomínio, facto esse que, inelutavelmente, contende com a capacidade judiciária e legitimidade processual daquela entidade para figurar como parte Autora já que a figura do administrador surge, na disciplina do condomínio, como um representante deste.
45. É o administrador que representa o condomínio em juízo, em representação dos condóminos quando a assembleia-geral lhe confira autorização para tal e no âmbito da sua competência.
46. A putativa deliberação tomada em suposta assembleia de condóminos, datada de 11.07.2010 e respectiva cópia de uma convocatória não constituem por si meios de prova suficientes ou idóneos a demonstrar a regular representação legal do condomínio sub judice, porquanto existem outros documentos necessários por força da lei a atestar da existência e real convocatória da assembleia em apreço.
47. A parte autora não juntou os «documentos devidos», em conformidade com a lei e nos termos plasmados e impostos pelo despacho judicial proferido a fls. 71 dos autos.
48. A acrescer ao facto de a Autora não ter junto os documentos legalmente previstos no Código Civil, e idóneos a revelar a legal eleição da nova administração do condomínio em apreço, no âmbito de assembleia-geral de condomínio regularmente convocada para o efeito, sucede que, do próprio texto da acta da assembleia-geral de condomínio sob análise, não se vislumbra possível a conclusão da presença de nenhum outro condómino em concreto, que não a daqueles que assinaram a mesma, ou seja, pelos pretensos novos administradores apontados nesse documento junto com o requerimento apresentado pela Autora em 12.01.2011.
49. Observe-se que inexiste qualquer alusão a qualquer condómino, em concreto, no texto do documento junto pela parte Autora no seu requerimento de 12.1.2011.
50. Numa primeira ordem de razões, as testemunhas arroladas pela parte Autora que residem – efectivamente - no Edifício B, nomeadamente a segunda e terceira testemunhas C e D, por conseguinte, condóminos do Condomínio sub judice, não aludiram a esta putativa assembleia de condóminos, alegadamente ocorrida em 11.7.2010.
51. Questionada a testemunha D, a instâncias da Ilustre Mandatária da parte Autora CD CV1-10-0018-CAO #12, Tradutor 1, gravação da sessão de audiência de julgamento em 10.1.2011, minuto 11:53:19, com referência de gravação n.º 0#6FKBJ102211270, constatam-se as declarações seguintes:
«Mandatária da Autora: Quantas vezes de reuniram? Ou seja quantas convocatórias houve?
Testemunha D: Bem, contando com a do Instituto para habitação social, três vezes.
Mandatária da Autora: Bem quando fala do instituto deve ter sido foi uma sessão de esclarecimento, essa não conta.».
52. Em consonância, em todo o depoimento da testemunha C, não foi feita referência a mais nenhuma assembleia-geral de condomínio (cfr. CD CV1-10-0018-CAO #12, Tradutor 1, gravação da sessão de audiência de julgamento em 10.1.2011, minuto 11.28.49, com referência de gravação n.º 0#6EU@9W02211270, minuto 11:49:01, com referência de gravação n.º 0#6FEPO102211270, minuto 11:50:35, com referência de gravação n.º 0#6FGRCW02211270 e minuto 11:51:34, com referência de gravação n.º 0#6FI$I102211270)
53. Numa segunda ordem de razões, constata-se que no documento em causa foi efectuada alusão a um hipotético relatório de contas, bem como à petição de quantias adicionais aos condóminos para realização de obras de melhoramentos, sendo certo que não foi junto à acta em apreço qualquer cópia das supostas contas aprovadas ou do pretenso projecto de orçamento.
54. Fazemos notar que no texto do documento, junto pela autora e motivador do incidente de falsidade, que o mesmo extravasa, e em muito, o objecto da ordem de trabalhos na deliberação supostamente ocorrida no dia 11.7.2010, porquanto foi a acta sob exame aproveitada para, em jeito de narrativa, expor deturpada e falaciosamente os factos controvertidos dos autos, integradores da base instrutória, facto que igualmente sustentou o incidente de falsidade suscitado quanto ao conteúdo do documento em apreço.
55. A Recorrente não deixa de reputar inverosímil e inconcebível o uso de uma acta de uma assembleia de condóminos, na qual supostamente devem ser apostas deliberações, para explanação de “desabafos” dos proprietários do prédio 1 ou 2 ou 3 ou 4, sem terem os mesmos sido objecto de deliberação ou consignada em acta quais as providências a ser empreendidas para tratamento das mesmas, e que para mais, curiosamente, integram em concreto os quesitos da base instrutória dos presentes autos.
56. Mais gravoso ainda, é de salientar que, durante as referidas exteriorizações/desabafos constantes da putativa acta cujo incidente de falsidade se suscitou, constata-se que na acta sub judice foi “relatado” um episódio atinente à avaria de um elevador do prédio n.º 1 (vide pagina 7 do documento impugnado), o qual foi relatado pela condómina, proprietária da fracção autónoma visada, - rectius pela testemunha C, arrolada pela parte Autora -, ao Tribunal a quo, em plena audiência de julgamento, revelando conhecimento directo do referido episódio da avaria do elevador, porquanto terá o mesmo ocorrido com a Mãe da testemunha, tendo aquela elucidado o Tribunal a quo que tal incidente da avaria do elevador terá ocorrido no final do ano passado (2010), tendo posteriormente concretizado que tal evento ocorreu, efectivamente, em Outubro de 2010, ora, sucede que esta putativa assembleia-geral de condóminos teria, alegadamente, ocorrido, em 11.7.2010, termos em que era impossível aludir concretamente a este incidente na acta cuja falsidade se impugnou.
57. Vide suporte magnético com a gravação da prova, na qual a testemunha C, de forma espontânea respondeu, a instâncias da Ilustre Mandatária da parte Autora CD CV1-10-0018-CAO #12, Tradutor 1, gravação da sessão de audiência de julgamento em 10.1.2011, minuto 11:38:03, com referência de gravação n.º 0#6EU@9W02211270
«Mandatária da Autora: Quanto à qualidade dos serviços (...) qual é a sua opinião?
Testemunha C: O elevador até apresenta ferrugem. A minha mãe foi lá uma vez com a minha cunhada e o elevador até caiu alguns pisos(...).
58. A instâncias da Ilustre Mandatária da Ré consubstanciadas em pedidos de esclarecimento CD CV1-10-0018-CAO #12, Tradutor 1, gravação da sessão de audiência de julgamento em 10.1.2011, minuto 11:50:35, com referência de gravação n.º 0#6FGRCW02211270, a testemunha C respondeu nos termos seguintes:
«Mandatária da Ré: A Senhora estava aqui a reportar a questão do episódio da queda do elevador, que sucedeu com a mãe da Senhora testemunha dentro do elevador, isso foi mais ou menos quando? Em que ano é que isso sucedeu?
Testemunha C : Outubro. Foi em Outubro.
Mandatária da Ré: Em Outubro de que ano?
Testemunha C: Em Outubro de 2010.» (negrito e sublinhado nossos).
59. Destarte, é evidente que a Recorrente tem pois justos e notórios motivos para reputar como falsa a acta e respectivas deliberações naquela contidas, junta pela parte Autora, falsidade esta que expressamente arguiu quanto ao teor do documento consubstanciado numa acta pretensamente lavrada em 11.7.2010.
60. Tendo a invocação da arguição de falsidade sido efectuada igualmente quanto à assinatura do mesmo documento, porquanto não foi idoneamente demonstrado ao Tribunal a quo, quem é que esteve de facto presente nessa “desejada” Assembleia de Condóminos – maxime um número - «quorum» mínimo que fosse, legitimador da assinatura da acta por parte dos 12 membros, supostamente, eleitos para o Conselho de Administração do condomínio sub judice -, tal impugnação foi invocada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 469º do Código de Processo Civil, arguição que ora se renova por via do presente recurso.
61. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, preferiu fechar os olhos a esta clamorosa evidência de que a acta - pelo menos aparentemente – foi fabricada em data distinta daquela constante da acta da assembleia de condomínio em apreço, a qual nunca por nunca se poderia ter sido realizada em Julho de 2010, partindo do pressuposto que a testemunha Cnão faltou à verdade ao Tribunal a quo, considerada a prestação de depoimento sob juramento.
62. A Recorrente, tem pois, sérios e notórios motivos que a motivaram, legitimamente, a suscitar o incidente de falsidade, tendo inclusivamente, cuidado de requerer a produção de prova, nos termos dos artigos 470º e 475º do Código de Processo Civil, sendo que tal ilisão apenas poderia ser confirmada ou infirmada por documentos em poder de terceiro, nos termos do disposto no artigo 458º do Código de Processo Civil.
63. Salvo melhor opinião, não podia o Tribunal a quo ter decidido nos termos em que decidiu no despacho ora recorrido sem, pelo menos, cuidar de apreciar os motivos de facto que subjazem à suscitação do incidente de falsidade.
64. O Tribunal a quo optou por arrumar a questão sustentando no despacho recorrido que não são possíveis alterações subjectivas à instância, salvo em algumas excepções, não cuidando por um lado de identificar quais seriam essas excepções, e por outro lado, de justificar quais as razões de direito que impunham a inobservância pelo Tribunal a quo das regras de carácter substantivo e adjectivo.
65. Na tentativa - gorada, na perspectiva da Recorrente - de o Tribunal a quo justificar a irrelevância da provável falta de representação legal da Autora, veio aquele Meritíssimo Tribunal a quo, confundir os factos controvertidos e objecto de discussão substantiva nos presentes autos, com a questão adjectiva suscitada pela Recorrente, a qual, por seu turno, só pode ser demonstrada mediante a apresentação, pela Autora, dos «devidos documentos» - já explicitados supra -, conforme aliás ordenado pelo Tribunal a quo através do despacho constante de fls. 71 dos autos.
66. Lança-se, assim, repto ao Tribunal ad quem para que analise exclusivamente a questão da válida e legal da representação do condomínio sub judice, clarificando, e insistindo ad nauseum, que o requerimento pela Recorrente na audiência de julgamento tem apenas por objecto o apuramento da válida representação do referenciado condomínio, a qual contende intrinsecamente com os pressupostos processuais de capacidade e legitimidade activa nos presentes autos.
67. A contrario sensu, urge dissipar que a Recorrente está ciente e tem bem presente que qualquer eventual discussão sobre a nulidade, ou anulabilidade, das deliberações constantes da contestada acta em apreço, e cuja falsidade se suscitou, deve ser feita em sede própria e em processo autónomo.
68. Competia à Autora demonstrar ao Tribunal a quo, ainda que em plano meramente aparente ou indiciário, que a representação – rectius, renovação da representação - judicial do condomínio autor foi realizada em assembleia geral de condóminos, devidamente convocada, e na qual estiveram presentes outros condóminos que não os subscritores da acta impugnada, como foi aliás feito pela Autora no momento da propositura da acção.
69. Afigura-se relevante recordar a norma jurídica que impõe o modus de representação legal e judicial dos condomínios no regime legal vigente.
70. Com efeito, a norma de carácter adjectivo constante do artigo 1359º, n.º 1 do Código Civil determina que o Administrador é o órgão do Condomínio que dispõe da sua representação orgânica, devendo o Condomínio ser representado ex necessario pelo seu Administrador em exercício, de harmonia com o invocado comando legal, o qual concretiza uma aplicação do disposto no artigo 9º do Código de Processo Civil.
71. O administrador do condomínio, apenas pode agir em juízo, em representação dos condóminos quando a assembleia-geral lhe confira autorização para tal e no âmbito da sua competência, ora findo o mandato da alegada administração, afigura-se necessário apurar se os pressupostos adjectivos se mantêm.
72. No caso vertente dos presentes autos, a parte autora não logrou demonstrar isso ao Tribunal.
73. Mas mais grave, o Tribunal a quo sustentou no douto despacho recorrido que, independentemente do facto superveniente consubstanciado no fim do mandato da Administração, que a representação legal e judicial do condomínio só pode ser aferida no momento da propositura da acção.
74. Salvo melhor opinião, tal asserção contida no despacho é ilegal.
75. Visando a mera ilustração do absurdo de tal fundamentação, observe-se que, por mero exemplo académico, na eventualidade de hipotéticos autos de cobrança de dívidas activas de uma herança, instaurados por cabeça-de-casal, devidamente nomeado, dispondo da capacidade legal de representação dos demais herdeiros, tendo aquele sido removido, supervenientemente, por algum dos motivos elencados no artigo 1924º do Código Civil, sendo tal remoção geradora de nomeação de novo cabeça-de-casal, e apresentando-se novo cabeça-de-casal a esses autos de cobrança de dívidas activas, como legal representante dos demais herdeiros, devidamente habilitado com poderes para o fazer, impõe concluir-se que, considerada a tese do Tribunal a quo, o representante legal dos herdeiros será, para sempre, nesses referenciados hipotéticos autos, o cabeça-de-casal removido e, por conseguinte, o legal representante dos demais herdeiros, ainda que entretanto afastado por ter, por exemplo, ocultado, dolosamente, «(...)a existência de bens pertencentes à herança ou de doações feitas pelo falecido, ou se, também dolosamente, denunciou doações ou encargos inexistentes», conforme elencado no artigo 1924º, n.º 1 al. a) do Código Civil.
76. Salvo o devido respeito, tal situação consubstanciaria uma clamorosa ofensa aos mais basilares princípios de justiça.
77. O acolhimento da tese propugnada pelo Meritíssimo Tribunal a quo no douto despacho recorrido seria susceptível de graves desvios às regras do processo civil e bem assim às normas substantivas reguladoras de distintas formas de representação legal, menosprezando todos os princípios e valores que imbuíram o espírito do legislador ao determinar os critérios para selecção da(s) pessoa(s) ou entidade(s) provida(s) de determinados poderes ou qualidades habilitantes a exercer a representação, nos termos legalmente previstos.
78. É que, contrariamente aquilo que sucede no ordenamento português, nomeadamente no seu artigo 6º do Código de Processo Civil português, o qual resolve a questão da capacidade judiciária do condomínio reconhecendo-a expressamente, contudo, tal não sucede no âmbito do Código de Processo Civil de Macau, nomeadamente no seu artigo 40º do Código de Processo Civil, o qual regulando a capacidade judiciária e a sua respectiva extensão é, pois, omisso quanto à capacidade do próprio condomínio poder estar em juízo.
79. Não se afigura pois despiciendo destrinçar os conceitos de personalidade judiciária, capacidade judiciária e legitimidade processual.
80. A capacidade judiciária é a susceptibilidade de a parte estar por si só no processo, sem representante ou sem assistente, sendo que esta tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos, consubstanciando-se numa qualidade abstracta que existe independentemente de uma acção concreta. É a capacidade de se ser titular de direitos, deveres e ónus processuais.
81. Vide o douto acórdão proferido, no âmbito do processo n.º 1256/06-1, pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora (disponível para consulta in www.dgsi.pt), no qual se decidiu: «1.- A capacidade judiciária é uma manifestação da capacidade de exercício.
A capacidade de exercício constitui a aptidão de um sujeito jurídico para produzir efeitos de direito por mera actuação pessoal; para exercitar actividade jurídica própria; para praticar, por si próprio ou através de um representante voluntário, actos jurídicos.
2 – Verificada que for a incapacidade de facto no decurso do processo penal e a ausência de representante geral, do incapacitado, cabe ao Juiz da causa a nomeação de curador provisório devendo aquele providenciar pela regularização da instância, suspendendo os termos do processo
3 – O advogado constituído não substitui o representante geral, já que as suas funções estão ligadas ao mandato o qual como qualquer outro contrato pressupõe liberdade contratual e capacidade das partes contratantes para o celebrar, gerir, manter ou denunciar.
4 – O suprimento da incapacidade judiciária de facto ficará sanado mediante a intervenção de curador provisório que poderá ratificar ou não os actos anteriormente praticados.»
82. No que concerne à personalidade judiciária, só pode ser parte processual quem tiver personalidade judiciária, correspondendo a mesma à capacidade civil de gozo, a qual implica a reafirmação de uma capacidade de gozo específica.
83. Consabidamente, a falta de personalidade judiciária, é uma excepção dilatória nominada e de conhecimento oficioso.
84. Por seu turno, a legitimidade processual deve ser averiguada em face da relação material controvertida tal como é desenhada ou configurada pelo autor na petição inicial. E, assim, as partes serão legítimas quando são elas os sujeitos da relação material controvertida tal como é desenhada pelo autor na petição, e ilegítimas quando, tomada essa relação jurídica configurada pelo autor, não sejam sujeitos da mesma.
85. Vide o douto e elucidativo Acórdão do Venerando Tribunal de Évora, proferido no âmbito do processo n.º 1372/97-3 (disponível para consulta in www.dgsi.pt), o qual, dispôs no seu sumário o seguinte: « I - O condomínio dum prédio não tem legitimidade para instaurar uma acção judicial, tendo por objecto partes comuns, mas sim o Administrador do condomínio, como órgão executivo das decisões da Assembleia de Condóminos ».
86. Na fundamentação do ora enunciado acórdão do Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo n.º 1372/97-3, dissipa-se claramente a questão subjudice em exame no presente recurso: «É sabido que a personalidade judiciária, a capacidade judiciária e a legitimidade se incluem entre os pressupostos processuais positivos, aqueles cuja verificação se mostra necessária para que o Juiz possa e deva pronunciar-se sobre a procedência ou improcedência do pedido, a personalidade judiciária consiste na “possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei”; a regra é a de que só tem personalidade judiciária quem tiver personalidade jurídica: personalidade jurídica consiste na capacidade de gozo de direitos.
Todavia há excepções a essa regra (a da correspondência entre a capacidade de gozo de direitos e a personalidade judiciária), sendo a primeira contemplada no artº 6º do C.P.C.; a segunda no artº 7º do CPC (cfr. Prof. Antunes Varela - Manual de Processo Civil, 2ª ed. Pág. 107 e segs. e Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976 pag. 74 e segs e Castro Mendes - Direito Processual Civil, II, pág. 9 e segs).
A capacidade judiciária consiste na susceptibilidade de estar, por si, em juízo, ou seja a “susceptibilidade de a pessoa, por si, pessoal e livremente, decidir sobre a orientação de defesa dos seus interesses em juízo, em aspectos que não são de mera técnica jurídica “ (cfr. Castro Mendes ob. Cit págs 38); a capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade de exercício de direitos (Cr artº 9 nº 2 do C.P. Civil).
Quer-se significar que têm plena capacidade judiciária as pessoas, singulares ou colectivas que possuam integral capacidade de exercício de direitos, havendo, porém, casos de pessoas que têm a sua capacidade de exercício qualitativamente limitada (os inabilitados, os menores) ou condicionada pela intervenção de outrem (caso de inabilidade em geral) - cf. Prof. A. Varela Ob. Cit. pág. 9).
Porém, outro dos pressupostos processuais positivos é a legitimidade para a acção que é mister que se verifique (a par da personalidade e capacidade judiciárias) para que o Tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da acção. E aqui é necessário que quem figura na acção como autor seja perante o direito substantivo o titular dessa relação jurídica processual. Mais do que saber quem são (em sentido formal) as partes no processo, importa saber quais devem ser as partes em sentido substancial. A questão da legitimidade é essencialmente uma questão de posição das partes em relação à lida - “cf. Prof. Alberto do Reis - CPC anotado N. I, pág. 74. (…).» (vide restante transcrição nas alegações de recurso).
87. Os invocados comandos legais regulam pois a representação das entidades que carecem de personalidade jurídica - eliminando possíveis dúvidas sobre se o condomínio enquanto entidade jurídica possa estar só por si em juízo -, impondo antes a sua representação em juízo assegurada pelo próprio administrador de condomínio validamente eleito.
88. Atenta a caducidade do mandato da Administração aparentemente eleita – sem conceder - e mandatada para a instauração dos presentes autos, a parte Autora não demonstrou, nem mesmo indiciariamente, ao Tribunal a quo que o Condomínio se mantém regularmente representado.
89. A figura do administrador surge, na disciplina do condomínio, como um representante deste. É o administrador que representa o condomínio em juízo, em representação dos condóminos quando a assembleia-geral lhe confira autorização para tal e no âmbito da sua competência, ora findo que se encontra esse mandato, tal facto contende, inelutavelmente com a capacidade judiciária, e consequentemente, com a legitimidade processual activa para figurar nestes autos como parte Autora.
90. Ora, se a tese propugnada no despacho recorrido - maxime “que a sua legitimidade se encontrava fixada pela propositura da acção (artigo 211º do Código de Processo Civil)» - vier a ter acolhimento por parte do Tribunal ad quem, isso implica concluir que, por hipótese meramente académica, que caso um menor instaure uma qualquer acção através dos seus representante legais e, na pendência da mesma, ou seja supervenientemente, vierem aqueles a falecer, os autos prosseguirão os seus termos, porquanto “a sua legitimidade se encontrava fixada pela propositura da acção (artigo 211º do Código de Processo Civil)», conforme defende o Tribunal a quo!
91. Como resulta evidente constatar, tal situação seria, no mínimo, ilegal, já que nenhum menor tem capacidade para estar, por si, em juízo e o mesmo sucede com o condomínio em apreço nestes autos.
92. Não obstante o Tribunal a quo dispor de prova documental nos autos [aliás os mesmos documentos em que, se supõe que aquele se tenha apoiado, para aferir da reputada legitimidade aquando da prolação do despacho saneador] que comprova, inequivocamente, que o mandato para exercício das funções de Administradores do condomínio em questão findou pelo decurso do período de dois anos (cfr. Doc. n.º 4 em conjunção com o Doc. n.º 5, nomeadamente cláusula 17ª do regulamento de condomínio, juntos com o requerimento inicial do procedimento cautelar que, sob o número CV1-08-0080-CAO, correu termos por apenso aos presentes autos), aquele Meritíssimo Tribunal a quo preferiu encerrar os olhos à manifesta ausência de prova susceptível de suprir a ausência de personalidade e capacidade judiciárias, as quais, em última instancia contendem com a legitimidade processual activa da Administração do condomínio em apreço.
93. Considerado o Princípio da estabilidade da Instância, em regra, na petição inicial determina-se o pedido e a causa de pedir, que se mantêm até ao fim do processo. Trata-se de princípio que não é absoluto em processo civil, por sofrer algumas limitações importantes.
94. Ademais, a superveniência da incapacidade judiciária, é de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 566º do Código de Processo Civil, que ao regular a atendibilidade dos factos supervenientes, determina que:
«1. Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
2. Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação material controvertida.
3. A circunstância de o facto relevante ter nascido ou se ter extinguido no decurso do processo é levada em conta para o efeito da condenação em custas.» (negrito e sublinhado nossos).
95. Vide a este propósito douto Acórdão proferido, em 19 de Junho de 2003, no âmbito do processo n.º 256/2002 pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância de Macau, no qual se pode ler:
“ 1- O conhecimento superveniente de que o autor numa acção de reivindicação não era o proprietário do prédio reivindicado constitui fundamento bastante para se proceder à revisão da sentença(…).
Nem se diga que as razões formais e relativas aos pressupostos processuais não podem condicionar uma revisão, bastando atentar nos fundamentos de revisão relativos às partes, tal como decorre das alíneas d), e) e f) do art. 653º do actual CPC, podendo retirar-se força do argumento relativo à falta de sanação do vício formal, v. g. por insuficiência de poderes, quando o mandante não haja ratificado os actos praticados12, o que é dizer, no caso, que ainda aqui não se colhe notícia de que a vontade prosseguida pela Recorrente por via da presente acção seja a mesma da sua sucessora na titularidade do prédio.” (negrito e sublinhado nossos).
96. No caso vertente dos presentes autos, caso viesse a obter acolhimento a tese sustentada pelo Meritíssimo Tribunal a quo, no que não se concede e por mero dever de patrocínio se equaciona, o que dizer da entrega de «toda a documentação relativa à gestão e administração do Edifício» parte do pedido formulado na petição inicial? Fornecemos outro exemplo ilustrativo, sem conceder: e na eventualidade de a Recorrente ser condenada à «(...)entrega das chaves em seu poder» (cfr. parte do pedido A.c) constante da petição inicial)? Como se pode entregar a coisa a quem que não comprovou idoneamente a sua qualidade de Administrador – rectius representante legal - do condomínio sub judice? Questões que pressupõem necessariamente a resolução diversa de uma questão de fundo que, neste caso, não deixa de conformar um pressuposto formal, qual seja a da personalidade judiciária, capacidade judiciária ou mesmo da legitimidade activa na acção.
97. Ora, na tese plasmada no douto despacho recorrido, não obstante o conhecimento do Tribunal a quo quanto à notória existência de vícios de representação legal, a qual terminou em 13 de Julho de 2010, nos termos dos documentos juntos aos autos (cfr. Doc. n.º 4 em conjunção com o Doc. n.º 5, nomeadamente cláusula 17ª do regulamento de condomínio, juntos com o requerimento inicial do procedimento cautelar que, sob o número CV1-08-0080-CAO, correu termos por apenso aos presentes autos) as perguntas supra explanadas ficariam sem resposta clara.
98. Neste termos, peticiona-se, mui respeitosamente, ao Venerando Tribunal ad quem, para que, na eventualidade de uma hipotética condenação da Recorrente - no que não se concede e por mero dever de patrocínio se equaciona – responda a quem teria esta de entregar a documentação, ou, as chaves constantes do pedido da parte Autora, quando na óptica do Tribunal a quo nada é necessário fazer com vista ao suprimento da irregularidade da representação do condomínio em questão.
99. Além da analisada tese sustentada pelo Tribunal a quo no douto despacho recorrido foi expendido ainda outro argumento – abordando mais uma vez, e apenas, a questão da legitimidade, enquanto pressuposto processual - , nomeadamente: «Além de que já no despacho saneador foi confirmada a legitimidade processual da Autora.».
100. Cumpre esclarecer que, também quanto a este argumento não assiste razão ao Meritíssimo Tribunal a quo, desde logo porque com a prolação do despacho saneador não se esgota o poder jurisdicional do juiz quanto à apreciação da matéria ou de factos supervenientes que modifiquem - in casu inquinam - os pressupostos processuais em análise no presente recurso.
101. A eficácia preclusiva atinente à prolação do despacho saneador sofre desvios nos casos em que ocorrem factos supervenientes (bem como no caso de outras previsões expressas em lei), como sucedeu no caso dos autos, dispondo o Meritíssimo Tribunal a quo do poder-dever de ordenar a produção de prova que entendesse necessária ao esclarecimento do feito.
102. Insistimos ad nauseum, que no caso dos presentes autos, a Recorrente invocou (por meio de dois requerimentos apresentados nas sessões da audiência de julgamento de 10.1.2011 e 20.1.211) vício de representação enquadrável no artigo 1359º, n.º 1 do Código Civil, e nos artigos, 54º, 55º nº 1 e 56º, todos do Código de Processo Civil, o qual é, para mais, de conhecimento e suprimento oficioso pelo tribunal, como decorre do citado artigo 56º e, bem assim, do estatuído no artigo 6º, nº 2 do mesmo Código.
103. Todavia, o Tribunal a quo não aduziu qualquer fundamentação jurídica no douto despacho ora recorrido quanto à invocada questão do vício da legal representação do condomínio, bem como nada explanou no referenciado despacho quanto aos pressupostos processuais da personalidade judiciária ou capacidade judiciária, afectados pelo vício da irregular representação.
104. Deste modo, impõe-se, por isso, a revogação do douto despacho recorrido, a fim de que possa ser substituído por outro a ordenar a notificação da Autora para que junte todos os documentos exigidos por lei, aptos a demonstrar que o condomínio em causa nos autos se encontra legalmente representado nestes autos, para ratificar, querendo, o processado.
105. Por outro lado, tampouco se compreende os motivos que conduziram o Tribunal a quo a não pronunciar-se quanto aos legítimos motivos e justificadamente apresentados pela Recorrente, no seu requerimento de 20.1.2011, que subjazeram à suscitação da falsidade da acta junta pela parte Autora, no seu requerimento datado de 12.1.2011.
106. Na verdade a Recorrente invocou factos relevantes para reputar de falsa a acta junta pela parte Autora, nomeadamente por esta relatar facto que, segundo a testemunha C, apenas ocorreu em Outubro de 2010, sendo que o documento em apreço terá sido – alegadamente – resultante de uma putativa assembleia de condóminos ocorrida em 11.7.2010.
107. Veja-se, neste âmbito, a passagem da gravação da prova relevante respeitante ao depoimento da testemunha C para apuramento da incoerência do documento impugnado em apreço, a instâncias a Ilustre Mandatária da Ré consubstanciadas em pedidos de esclarecimento CD CV1-10-0018-CAO #12, Tradutor 1, gravação da sessão de audiência de julgamento em 10.1.2011, minuto 11:50:35, com referência de gravação n.º 0#6FGRCW02211270, onde aquela prestou depoimento nos seguintes termos:
«Mandatária da Ré: A Senhora estava aqui a reportar a questão do episódio da queda do elevador, que sucedeu com a mãe da Senhora testemunha dentro do elevador, isso foi mais ou menos quando? Em que ano é que isso sucedeu?
Testemunha C: Outubro. Foi em Outubro.
Mandatária da Ré: Em Outubro de que ano?
Testemunha C: Em Outubro de 2010.».
108. Em contraposição, veja-se a página 7 do documento cuja falsidade foi suscitada (acta junta com o requerimento da autora apresentado em 12.1.2011), relatando, em 11.7.2010, o mesmo episódio atinente à avaria de um elevador do prédio 1 supostamente ocorrido com a Mãe da testemunha C, a qual depôs sob juramento e clarificou que evento havia ocorrido em Outubro de 2010.
109. Ou seja, com o devido respeito, ou os subscritores da acta, reputada – legítima e licitamente - pela Recorrente como falsa, dispõe de dons divinatórios para relatarem, com a antecendência de três meses (11.7.2010), facto que apenas veio a ocorrer em Outubro de 2010, ou a testemunha C equivocou o Tribunal, termos em que o seu depoimento não deverá ser valorado, ou pelo menos com consideráveis reservas.
110. Ademais, dando por reproduzido para todos os efeitos legais todos os motivos aduzidos supra em sede de conclusões, recapitula-se que, os próprios assuntos supostamente discutidos nessa acta, cuja falsidade se suscitou, sempre implicariam a anexação à mesma de diversos documentos, para a cabal e real discussão dos mesmo, maxime o «aludido» relatório de contas, ou orçamento de suporte para petição de «quantias adicionais» a suportar pelos condóminos para realização de obras de melhoramentos num dos prédios do edifício em apreço, os quais embora referenciados não faziam sequer parte da ordem de trabalhos.
111. Acresce, que em momento algum da acta sob exame foi feita qualquer alusão individualizada de nenhum condómino em concreto, sobretudo, considerando os bizarros e caricatos termos de narrativa utilizados na mesma, deturpando falaciosamente os factos constantes e integradores da base instrutória, conduta, também ela reveladora da falta de autenticidade e espontaneidade do documento impugnado, consideradas as mais simples regras de experiência comum.
112. As testemunhas C e D, residentes no edifício em causa e arroladas neste processo pela parte autora não fizeram qualquer menção a esta putativa assembleia de condóminos (vide depoimento da testemunha C, CD CV1-10-0018-CAO #12, Tradutor 1, gravação da sessão de audiência de julgamento em 10.1.2011, minuto 11.28.49, com referência de gravação n.º 0#6EU@9W02211270, minuto 11:49:01, com referência de gravação n.º 0#6FEPO102211270, minuto 11:50:35, com referência de gravação n.º 0#6FGRCW02211270 e minuto 11:51:34, com referência de gravação n.º 0#6FI$I102211270).
113. Adicionalmente, a parte Autora não juntou nenhum dos documentos exigidos por lei com vista ao apuramento da efectiva e verídica celebração da assembleia de condóminos, conforme se examinou supra, e.g. cópias de convocatórias, ou comprovativos dos registos postais, ou alternativamente, cópia de protocolo adequado a proceder à convocatória da mesma; cópias de procurações ou cartas mandadeiras atinentes a condóminos que, querendo, se tenham feito representar na pretensa assembleia-geral de condóminos supostamente celebrada em 11.7.2010; bem como a parte Autora não cuidou de exibir cópia do livro de presenças!
114. Relembramos o Tribunal ad quem que não existem meios de prova – indiciários – quaisquer documentos ou vestígios de que a assembleia-geral hipoteticamente celebrada em 11.7.2010 tenha sequer ocorrido.
115. Não se concebe - equacionando por mero dever de patrocínio - que o Tribunal a quo pudesse ter qualificado este incidente como inócuo ou desprovido de interesse, desde logo por imposição do principio da licitude das provas, corolário básico do processo civil.
116. De um atento exame ao documento cuja falsidade se suscitou resulta, existe alto grau de probabilidade – conforme se demonstrou – que o mesmo poderá ter sido dolosamente elaborado tendo em vista a aparência fictícia da verificação dos pressupostos legais impostos pelo Código Civil de Macau, matéria fáctica e jurídica alegada na oposição deduzida no requerimento da ora Recorrente, apresentado na audiência de julgamento, em 20.1.2011.
117. Destarte, não poderia haver dúvidas de que seria forçoso que tal incidente fosse liminarmente admitido.
118. Uma coisa é encontrar-se junto aos autos um documento cuja falsidade foi arguida pela Recorrente, coisa distinta é o Tribunal a quo desprezar a provável e devidamente fundamentada falsidade de um documento, para imediatamente se pronunciar através do douto despacho recorrido sobre a questão de fundo intricada na irregularidade da representação legal do condomínio, decidindo quanto - e apenas – à questão da legitimidade processual, em detrimento dos demais pressupostos processuais em causa, e com maior relevância para o incidente concreto em exame, nada invocou ou fundamentou para indeferir quanto ao incidente de falsidade de documento.
119. Salvo melhor opinião, tal omissão de pronúncia é pois inadmissível, nos termos dos artigo 108º, artigo 563.º, n.ºs 1 e 2 e artigo 571º, n.º 1, alíneas b) e d), todos do Código de Processo Civil.
120. A Recorrente imbuída de espírito de colaboração processual, nem gozando da totalidade do prazo adjectivo de que dispunha com vista a não retardar os trabalhos, tratou de suscitar o mais rapidamente que pode o incidente de falsidade, sendo que o Meritíssimo Tribunal a quo proferiu despacho no qual, genericamente, explana que atento o seu entendimento consubstanciado na imutabilidade da instância, por força da prolação do despacho saneador e do princípio da estabilidade da instância, - sem qualquer alusão à superveniência fáctica que inquina a representação legal do condomínio em causa – concluindo que o pressuposto processual da legitimidade está definido e preenchido.
121. A contrario sensu, permanece a dúvida, pode-se extrair a conclusão implícita de que o Tribunal a quo se olvidou de se pronunciar quanto ao incidente de falsidade, devidamente fundamentado, suscitado pela Recorrente, termos em que tal omissão de pronúncia é pois geradora de nulidade, a qual expressamente se argui para todos os efeitos legais.
122. Por outro lado, questiona-se se ao ter proferido o despacho recorrido nos termos em que o fez, o Tribunal a quo propugna que, independentemente do documento ser falso ou não, tal ilegalidade – para mais potencialmente geradora de litigância de má-fé - é irrelevante porque o Tribunal havia já formado a sua convicção, independentemente da prova documental – cuja junção aos autos foi ordenada por despacho judicial anterior.
123. Destarte, o Tribunal a quo ao proferir o douto despacho recorrido coarctou o direito que assistia à Recorrente, e também à parte Autora, de verem produzida prova idónea a dissipar as legítimas dúvidas suscitadas pela Recorrente respeitantes à autenticidade do documento junto pela Autora no seu requerimento de 12.1.2011, sendo para mais um dos documentos - «devidos» - cuja junção foi ordenada pelo Tribunal, no seu despacho proferido na audiência de julgamento de 10.1.2011.
124. Afigura-se, assim, no mínimo contraditório que o Tribunal a quo profira despacho (na audiência de julgamento de 10.1.2011), ordenando a junção aos autos dos devidos documentos aptos a comprovar a regularidade da representação e, ante o incidente suscitado pela Recorrente, - a qual requereu imediatamente a produção de prova documental, que se encontravam em poder de terceiro, nos termos dos artigos 458º e 442º do Código de Processo Civil - que o Tribunal a quo profira o douto despacho recorrido (na audiência de julgamento subsequente), ignorando por completo as razões de facto e de direito aduzidas pela Recorrente, pronunciando-se apenas quanto à legitimidade processual activa da Autora.
125. Com efeito, dispõe o Artigo 580.º do Código de Processo Civil, quanto a casos julgados contraditórios que:“1. Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que transitou em julgado em primeiro lugar.
2. É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.” (sublinhado nosso).
126. O despacho recorrido inferiu, tacitamente, a requerida produção de prova com vista à demonstração cabal da veracidade do documento junto pela parte Autora, preferindo, implicitamente, não averiguar da falsidade do documento fundadamente suscitada pela Recorrente.
127. Não se verifica, nem foi alegada qualquer fundamentação no douto despacho recorrido quanto que pudessem obstar ao prosseguimento de tal incidente, considerados os reais motivos indicados pela Recorrente no referenciado requerimento.
128. O Meritíssimo Tribunal a quo não deveria ter ordenado o prosseguimento dos autos, reconhecendo a existência liminar dos necessários pressupostos sem decidir aquele incidente de falsidade, realizando a recolha de elementos ou ordenando a sua junção nos termos, aliás feitos, no despacho proferido na sessão de audiência de julgamento de 10.1.2011.
129. O Tribunal a quo ao ter indeferido o incidente de falsidade, sem ter analisado os motivos subjacentes ao mesmo coarctou o direito da Recorrente e da parte Autora e a inerente possibilidade de verem provada a falsidade, ou, a autenticidade do documento sub judice.
130. Em todo o caso, sempre se diga que o Meritíssimo Tribunal a quo também não conheceu no douto despacho recorrido do requerimento da Recorrente no qual peticionou a junção aos autos de concretos documentos em poder de terceiro, os quais reputou como essenciais à boa decisão da causa e descoberta da verdade.
131. Com efeito, nos termos do artigo 436º do Código de Processo Civil, o qual consagrando o princípio da aquisição processual, dispõe que «O tribunal deve tomar em consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.».
132. Pelo exposto, o douto despacho recorrido é absolutamente nulo e como tal deve ser declarado.
133. Caso assim se não entenda, sempre deve o mesmo ser revogado por ter violado por erro de interpretação os preceitos antes referidos no presente capítulo.
134. Conforme se explanou supra, o douto despacho recorrido é omisso quanto ao vício da representação irregular da parte autora, como consequência da caducidade do mandato à reputada Administração de condomínio aquando da instauração dos presentes autos.
135. Adicionalmente, o despacho recorrido é omisso quanto à falta de personalidade judiciária do condomínio em apreço.
136. Acresce que o douto despacho recorrido não se pronunciou sequer sobre a capacidade judiciária do condomínio subjudice, a qual é igualmente afectada pela irregularidade da representação superveniente do condomínio em questão, conforme invocado nos dois requerimentos da Recorrente apresentados nas audiências de julgamento de 10.1.2011 e 20.11.2011.
137. O douto despacho recorrido é ainda omisso porquanto não conhece das questões de facto e de direito apresentadas no requerimento de 20.12.2011 apresentado pela Recorrente que subjazem à invocação da falsidade da acta supostamente resultante de putativa assembleia-geral de condóminos, desconsiderando o principio da licitude da prova.
138. O douto despacho recorrido é absolutamente omisso quanto à necessidade invocada e requerida pela Recorrente da junção aos autos dos concretos documentos previstos na lei com vista a verificar se efectivamente a pretensa assembleia-geral de condóminos teve, efectivamente, lugar no dia 11.7.2011.
139. Em todo o caso, o despacho recorrido não contém uma indicação clara e certa de todos as questões suscitadas por via de requerimento ao Tribunal a quo – maxime requerimentos da Recorrente de dia 10.1.2.2011 e 20.1.2011 - resultando difícil percepcionar a lógica do Tribunal a quo e extrair todas as necessárias decisões que supostamente se presumem vertidas no douto despacho recorrido.
140. Além disso, o mencionado despacho omite qualquer fundamentação que justifique a razão do indeferimento do incidente de falsidade, considerados os factos invocados pela Recorrente e cristalinamente provados nos autos.
141. A violação do dever de fundamentação previsto no artigo 108º do Código de Processo Civil conduz a uma nulidade, nos termos do disposto no artigo 147º do Código de Processo Civil.
142. Nulidade do despacho recorrido que se igualmente se invoca e expressamente se argui por falta de fundamentação, manifestamente notória.
143. Consabidamente, o vício da nulidade do despacho, da sentença ou do acórdão a que se reporta o artigo 571º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil deriva da sua falta de fundamentação de facto ou de direito.
144. O Tribunal encontra-se adstrito ao dever de subsumir o caso concreto submetido à sua apreciação às pertinentes normas jurídicas e justificar que a solução decorrente é harmónica com os factos provados e a lei aplicáveis, além do mais para que as partes possam controlar o raciocínio seguido por quem decide e equacionar a viabilidade de recurso.
145. Mas como vem sendo entendido de forma uniforme pela Jurisprudência, há quem considere que o referido vício não decorre de mera fundamentação de facto ou de direito medíocre, errada ou insuficiente, mas da sua falta absoluta, em termos de não permitir minimamente a compreensão do respectivo itinerário cognoscitivo.
146. Ora, no caso vertente do despacho recorrido além de não ter enunciado expressamente os fundamentos de facto e de direito, nem sequer aderiu a quaisquer dos fundamentos enunciados no requerimento apresentado pela Recorrente ou a algum dos fundamentos invocados pela parte Autora no exercício do direito ao contraditório.
147. O despacho ora recorrido, este é clamorosamente omisso face a determinadas e concretas questões dos requerimentos da Recorrente referenciados, já identificadas supra.
148. Em qualquer caso, a proceder a invocada nulidade, sempre caberia ao Tribunal ad quem, conhecer da questão submetida à apreciação do Tribunal que proferiu a decisão recorrida, nos termos do artigo 630º, n.º 1, do CPC, o que se requer.
149. Inelutavelmente, urge concluir que a Recorrente apresentou um vasto conjunto de questões jurídicas que não foram objecto de pronúncia no despacho ora recorrido.
150. O Meritíssimo Tribunal a quo recorrido não tratou das questões jurídicas postas à sua consideração, particularmente das questões que foram enunciadas e explicitadas pelo ora recorrente em sede dos requerimentos apresentados nas sessões de audiência de julgamento de 10.1.2011 e 20.1.2011.
151. Conclui-se assim que a nulidade resultante de omissão de pronúncia, as patologias do despacho recorrido – por equiparação a sentença judicial - previstas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 563.º do CPC, ocorreram in casu porquanto a decisão constante do despacho recorrido é omissa ou manifestamente incompleta relativamente às questões cuja apreciação foi requerida pela ora Recorrente nos identificados requerimentos.
152. Deve o douto despacho recorrido ser considerado nulo por omissão de pronúncia e, consequentemente, anular o despacho impugnado e determinar a baixa do processo ao Tribunal recorrido para que este proceda à reforma do despacho impugnado, nos termos do artigo 651º, n.º 2 do CPC.
153. Por todo o exposto, o douto despacho recorrido é nulo por força do disposto no artigo 571º, n.º 1, als. b) e d) do Código de Processo Civil.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Com base nos documentos juntos aos autos, considera-se assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
- Na audiência de julgamento, ocorrida no passado dia 10.01.2011, a Ré, através da sua mandatária, formulou o seguinte requerimento:
“A sociedade R. apresenta este requerimento, nos termos concatenados do artigo 1359º do Código Civil e dos artigos 39º, 42º, 43º, º, 53º e 54º do Código de Processo Civil, no sentido de apurar se o condomínio do prédio melhor identificado nos autos se encontra representado por administração legalmente eleita, que a habilite a representar em Juízo o condomínio já mencionado”.
- Sobre o mencionado requerimento foi proferido o seguinte despacho (cfr. fls. 4 dos autos):
“Da questão da legalidade de representação da administração do condomínio do prédio identificado nos autos pela Autora, ordena-se à mesma a junção dos devidos documentos no prazo de 5 dias, sendo a decisão proferida conjuntamente com a sentença final.”
- A Ré foi notificada, em 17.01.2011, do requerimento apresentado, em 12.01.2011 pela Autora relativo à junção de um documento, consubstanciado numa pública-forma da acta da Assembleia Geral do Condomínio do Edifício, com data de 11.07.2010.
- A Ré contestou, por um lado, a virtualidade probatória de tal documento, impugnando-o e, por outro lado, suscitou um incidente de falsidade do mesmo, tendo invocado as razões de facto e de direito subjacentes ao desencadeamento de tal incidente, a saber:
1. Na sequência da notificação do despacho de 14.01.2011, nos termos do art. 453.º do CPC proferido pelo Meritíssimo juiz de Direito, para que a Autora, em cinco dias, procedesse à junção aos autos de documento comprovativo da regular constituição da administração de condomínio relativa ao edifício B com vista a provar a regular representação do mencionado condomínio e, subsequentemente, permitir ao Tribunal o apuramento da capacidade e legitimidade adjectivada do condominio sub judice que o habilite a subsistir nestes autos enquanto parte autora, sejam estas desde um ponto de vista substantivo como de um ponto de vista adjectivo.
2. Com efeito, a Ilustre mandatária da parte Autora notificou a sociedade Ré de uma acta da qual constam putativas deliberações numa suposta assembleia de condomínio, a qual terá alegadamente ocorrido em 11.7.2010, mais foi a sociedade R. notificada de uma cópia simples de uma convocatória, a qual terá, segundo os termos da mesma sido afixada na área comum do prédio em questão.
3. Sucede que nos termos do Artigo 1345.º, n.ª 1 e 2 do Código Civil a assembleia geral do condomínio é convocada por meio de carta registada, enviada com a antecedência mínima de 10 dias, a qual deve ser enviada para a fracção autónoma de que o condómino é proprietário ou para a morada que este indique de modo expresso à administração, ou alternativamente por meio de protocolo adequado a proceder à convocatória da mesma.
4. A parte Autora, ao contrário daquilo que fez no âmbito dos autos cautelares inerentes a este processo, não cuidou desta feita de juntar nenhum comprovativo de envio. seja por meio postal registado. seja por via protocolar.
5. Numa primeira ordem de razões, foram ouvidas as testemunhas arroladas neste processo sendo que nem uma aludiu a esta putativa assembleia de condóminos.
6. Nos termos legalmente previstos, a hipotética afixação no átrio da entrada do edifício. ou de cada um dos edifícios, uma vez que no caso vertente o condomínio tem mais de um, não é meio por si só apto a convocar uma assembleia de condóminos.
7. Notámos que na deliberação ora posta em causa foi aludido um relatório de contas bem como mencionada a petição de quantias adicionais aos condóminos para realização de obras de melhoramentos, sendo que tal assunto não foi sequer afixado na ordem de trabalhos. Efectivamente, dispõe o n.º 5 do artigo 1345 que quando se convoque - caso esta tenha sido sequer convocada assembleia com vista a aprovação das contas e do projecto de orçamento anuais. para a aprovação ou modificação do regulamento do condomínio. cuja ratificação se indicou expressamente na ordem de trabalhos. deverá a mesma ser acompanhada, respectivamente, das contas e do projecto de orçamento, dos projectos de regulamento ou, pelo menos, nela será indicado o local ou locais onde tais elementos possam ser consultados pelos condóminos, ora também nada disto foi feito.
8. Ademais, de harmonia com o disposto no artigo 1346.º do Código Civil quando os condóminos se fazem representar nas assembleias de condomínio deverão fazer-se representar por procurador ou delegar os seus poderes junto de outro condómino. mediante instrumento de representação simples. como sendo uma carta assinada dirigida ao presidente da reunião da assembleia geral do condomínio acompanhada da apresentação de cópia do documento de identificação do representado, ora a parte Autora tão pouco cuidou de exibir tais documentos com vista a indiciar a efectiva celebração da assembleia de condominio supostamente celebrada em 11.7.2010.
9. Mais grave ainda. não cuidou de exibir cópia do livro de presenças, nos termos exigidos pelo artigo 1349, n.º 1 do Código Civil, como aliás não podia deixar de ser atenta a prerrogativa estatuída no número 4 do mesmo artigo, utilizada ademais pela parte Autora, já que a regra geral consubstanciada na obrigatoriedade de assinatura da acta por parte dos condóminos prevista no n.º 2 do mesmo artigo 1349 do Código Civil, regra geral esta que o condomínio não fez uso.
10. Ora. considerado o carácter vinculativo das deliberações devidamente consignadas em acta para os terceiros titulares de direitos sobre as fracções, bem como para quaisquer possuidores ou meros detentores das fracções é pois de observar que constitui o mínimo permitir a apurar quem esteve presente na assembleia de condóminos em apreço, ainda que não querendo necessariamente versar nesta sede sobre a nulidade ou anulabilidade da mesma, visava-se verificar se a mesma chegou sequer a ocorrer nos termos legalmente previstos, o que implica que a deliberação tivesse sido tomada sem o número mínimo de condóminos em assembleia própria e regularmente convocada, Da junção do documento à qual ora se exerce o direito de contraditório não se consegue apurar mais que a presença dos 12 condóminos pretensamente eleitos para o Conselho de Administração,
11. Acresce que, isto ressalta do próprio texto da suposta deliberação, ou seja, em momento algum se indica ou identifica em concreto um condómino proprietário/usufrutuário/etc. que seja em relação a aspectos putativamente versados nessa deliberação. Denotando-se para mais que em muito se teria extravasado o objecto da ordem de trabalhos na deliberação supostamente ocorrida no dia 11.7.2010, já que teria sido a mesma aproveitada para em jeito de novela narrar deturpada e falaciosamente os factos constantes e integradores da base instrutória, facto que também suporta a impugnação do conteúdo e assinatura da mesma que ora se fundamenta.
12. A sociedade R. não deixa de reputar inconcebível e improvável o uso de uma acta na qual supostamente devem ser apostas deliberações para "desabafos" dos proprietários do prédio 1 ou 2 ou 3 ou 4, sem terem os mesmos sido objecto de deliberação ou consignada em acta quais as providências a ser empreendidas para tratamento das mesmas,
13. Por último, sublinhamas que, durante as referidas exteriorizações/desabafos constantes da putativa deliberação ora impugnada constatou-se que foi feita alusão a um episodio atinente à avaria de um elevador do prédio 1 (vide pagina 7 do documento ora impugnado), relatado pela proprietária visada, - rectius pela testemunha C, a este Tribunal, revelando conhecimento directo do referido episódio de avaria porquanto terá o mesmo ocorrido com a sua Mãe, tendo aquela elucidado este Tribunal de que tal incidente terá ocorrido no final do ano passado, tendo também concretizado que tal evento ocorreu em Outubro de 2010, ora, sucede que esta putativa deliberação ocorreu em 11.7.2010. termos em que era impossível mencionar concretamente a este incidente.
14. Destarte, a sociedade R. tem pois justos motivos para reputar como falsa a deliberação junta pela parte Autora, falsidade esta que expressamente argui com todas as suas consequências legais, seja no que concerne ao teor do documento consubstanciado numa acta pretensamente lavrada em 11.7.2010. Tal arguição é assim invocada quanto à assinatura do mesmo porquanto não foi idoneamente demonstrado a este Tribunal quem esteve de facto presente nessa desejada Assembleia de Condóminos - maxime um quórum mínimo que legitimasse a assinatura da acta por parte dos 12 membros supostamente eleitos para o Conselho de Administração do condomínio sub judice -, tal impugnação é invocada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 469º do Código de Processo Civil.
15. Uma última nota se dirige ao Tribunal, clarificando que o presente requerimento tem como objectivo apurar da regular representação judiciária do condomínio sub judice, já que a acção foi instaurada - e bem de um ponto de vista meramente adjectivo - pela alegada Administração do condomínio do edifício B Garden, tendo a respectiva procuração forense emitida pela Administração do condomínio, considerado a norma de carácter adjectivo constante do artigo 1359, n. 1 CC, o qual propugna que o Administrador o órgão do Condomínio que tem a sua representação orgânica. devendo o Condomínio ser representado ex necessario pelo seu administrador em exercício. conforme decorre do disposto no numero 1 do referido artigo 1359 do Código Civil, concretizando uma aplicação do disposto no artigo 9º do Código de Processo Civil. O administrador do condomínio apenas pode agir em juízo em representação dos condóminos quando a assembleia-geral lhe confira autorização para tal e no âmbito da sua competência. ora findo o mandato da alegada administração. afigura-se necessário apurar se os pressupostos adjectivos se mantêm. e a parte autora não logrou demonstrar isso ao Tribunal.
16. É que contrariamente aquilo que sucede no ordenamento português, nomeadamente no seu artigo 6 do Código de Processo Civil português, o qual resolve a questão reconhecendo expressamente a capacidade judiciária do condomínio, tal não sucede no âmbito do código de processo civil de Macau, nomeadamente no seu artigo 40º do Código de Processo Civil, o qual regulando a capacidade judiciária e a sua respectiva extensão é, pois, omisso quanto à capacidade do próprio condomínio poder estar em juízo. Os invocados comandos legais regulam pois a representação das entidades que carecem de personalidade jurídica eliminando possíveis dúvidas sobre se o condomínio enquanto entidade jurídica possa estar só por si em juízo, - impondo antes a sua representação em juízo assegurada pelo próprio administrador de condomínio validamente eleito. A parte A. não demonstrou. nem indiciariamente, a este Tribunal que o Condomínio esta regularmente representado contendendo com a legitimidade, capacidade processual para figurar como parte Autora já que a figura do administrador surge, na disciplina do condomínio. como um representante deste. É o administrador que representa o condomínio em juízo, em representação dos condóminos quando a assembleia-geral lhe confira autorização para tal e no âmbito da sua competência.
17. Ora, encontrando-se os putativos comprovativos da hipotética ocorrência desta assembleia de condomínio em poder de terceiro para os efeitos do artigo 458º CPC, requer-se, por estar imbuída a sociedade R. do melhor espírito de colaboração e bem assim por se reputar absolutamente essencial à boa decisão da causa e descoberta da verdade, em conformidade com o artigo 442º do CPC, que a parte Autora junte a estes autos. prova dos registos de correio relativos à expedição postal da convocatória datada de 23.6.2010, a lista de presenças da assembleia de condóminos supostamente ocorridas em 10.7.2010 e 11.7.2010 e bem assim cópia dos instrumentos que conferiram poderes de representação aos condóminos que se fizeram representar por procurador e/ou outros condóminos, acompanhados das copias dos respectivos documentos de identificação. conforme imposto por lei.
18. A putativa deliberação tomada em suposta assembleia de condóminos, datada de 11.07.2010 e respectiva cópia de uma convocatória não constituem meios de prova idóneo nem a demonstrar a regular representação do condomínio sub judice, questão suscitada por meio de requerimento apresentado pela sociedade Ré.
- A apresentação do requerimento ora transcrito na sessão de audiência de julgamento, no passado dia 20.01.2011, motivou o Meritíssimo Tribunal a quo a proferir, verbalmente, o seguinte despacho:
“Face ao incidente invocado pela Ré, o Tribunal Colectivo entendeu que relativamente à questão de saber se a Autora está devidamente representada nos presentes autos, temos que a Autora é parte legítima, e salvo melhor opinião, julga que a resposta não deixa de ser afirmativa, tendo em conta que a sua legitimidade se encontrava fixada pela propositura da acção (artigo 211º do Código de Processo Civil), salvo excepções previstas na lei. In casu, não se verifica qualquer das excepções nela previstas, pelo que segundo o princípio da estabilidade da instância consagrado nos termos do artigo 212º, com a citação Ré, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir.
Além de que já no despacho saneador foi confirmada a legitimidade processual da Autora.
Por outro lado, discute-se no caso sub judice da questão de a assembleia geral de condóminos ter sido devida e legalmente reunida em 2008, razão pela qual a 1egitimidade processual da Autora deve reportar-se a essa data, e não à data posterior, nomeadamente à presente data.
Tudo exposto, o Tribunal Colectivo entende que o incidente em causa não é pertinente quer para a decisão da causa quer para a legitimidade da Autora, razão pela qual se indefere in totum o requerimento formulada pela Ré...”.
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III – Fundamentos
Na óptica da Ré, o tribunal a quo ao ter indeferido o incidente de falsidade, sem ter analisado os motivos subjacentes ao mesmo, “coarctou o direito da Recorrente e da parte Autora e a inerente possibilidade de verem provada a falsidade, ou, a autenticidade do documento sub judice”.
Por outro lado, também não conheceu do seu requerimento no sentido de peticionar a junção aos autos dos concretos documentos em poder da Autora, os quais se reputavam como essenciais para a descoberta da verdade material e uma boa decisão da causa, tendo como fim verificar se efectivamente a pretensa assembleia-geral de condomínio teve, efectivamente, lugar no dia 11.7.2010.
Além disso, o despacho recorrido omite qualquer fundamentação que justifique a razão do indeferimento do incidente de falsidade.
Assim, o despacho recorrido é nulo e como tal deve ser declarado.
Caso assim se não entenda, sempre deve o mesmo ser revogado por erro de interpretação de direito.
Quid iuris?
Tendo em conta a extensiva motivação do recurso da Ré, é de todo conveniente aqui relembrar e sumariar o sucedido, a saber:
A Ré, ao abrigo do disposto do nº 4 do artº 1354º do CC, onde prevê de forma expressa que o mandato da administração não pode exceder 2 anos, renováveis apenas mediante nova deliberação da assembleia, requereu que a Autora comprovasse a sua capacidade judiciária e legitimidade actual (no ano de 2011), uma vez que segundo o que foi alegado pela Autora, a mesma foi eleita em 2008.
O tribunal a quo, face à não oposição da Autora, determinou, para o efeito, a junção dos devidos documentos no prazo de 5 dias por parte da última, que veio a juntar a acta da Assembleia Geral do Condomínio do Edifício, com data de 11.07.2010.
Notificada da junção, a Ré impugnou a força probatória do documento junto, suscitando o incidente da falsidade do mesmo, bem como requereu, “em conformidade com o artigo 442º do CPC, que a parte Autora junte a estes autos, prova dos registos de correio relativos à expedição postal da convocatória datada de 23.6.2010, a lista de presenças da assembleia de condóminos supostamente ocorridas em 10.7.2010 e 11.7.2010 e bem assim cópia dos instrumentos que conferiram poderes de representação aos condóminos que se fizeram representar por procurador e/ou outros condóminos, acompanhados das copias dos respectivos documentos de identificação”.
Por despacho ditado para a acta da audiência de julgamento de 20.01.2011, indeferiu-se “in totum o requerimento formulado pela Ré”, com o fundamento de que a legitimidade da Autora deve reportar-se à data da propositura da acção e não a momento posterior, “além de que já no despacho saneador foi confirmada a legitimidade processual da Autora”.
Vamos agora analisar se a Ré tem razão.
Em primeiro lugar, não se nos afigura que a decisão recorrida enferme do vício de nulidade por omissão de pronúncia ou por falta de fundamentação.
Apesar de não se ter indicado de forma expressa os pedidos concretamente formulados pela Ré, a decisão recorrida acabou por indeferir “in totum o requerimento formulado pela Ré”, ou seja, todos os pedidos da Ré, quer o do incidente da falsidade, quer o da junção por parte da Autora da prova “dos registos de correio relativos à expedição postal da convocatória datada de 23.6.2010, a lista de presenças da assembleia de condóminos supostamente ocorridas em 10.7.2010 e 11.7.2010 e bem assim cópia dos instrumentos que conferiram poderes de representação aos condóminos que se fizeram representar por procurador e/ou outros condóminos, acompanhados das copias dos respectivos documentos de identificação”, quer ainda a impugnação da força probatória do documento junto, foram indeferidos na sua íntegra.
Não se verifica, portanto, qualquer omissão da pronúncia.
Em relação à alegada falta de fundamentação, cumpre dizer que não se deve confundir a falta de fundamentação com a falta de fundamentos.
A primeira é um vício formal ao passo que a segunda é um vício substancial cuja verificação implica o erro de julgamento1.
A fundamentação visa dar conhecimento às partes quais são as razões de facto e de direito que serviram de base da decisão judicial, ou seja, permitir às partes conhecerem o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo tribunal, para que possam optar em aceitar a decisão ou impugná-la através dos meios legais.
Assim, a fundamentação existe desde que haja uma especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.
Ora, pelo teor da decisão recorrida acima transcrito, não temos qualquer margem de dúvida em afirmar que o tribunal a quo fez uma exposição dos fundamentos de facto e de direito que determinaram o indeferimento dos pedidos da Ré.
Aliás, pela motivação do presente recurso, também se pode concluir que a Ré percebeu perfeitamente as razões do indeferimento, só que não concorda com elas.
A questão de saber se os fundamentos da decisão recorrida estão correctos ou não, já é uma questão de fundo que vamos analisar a seguir.
Como se deve notar que o tribunal a quo indeferiu todos os pedidos formulados pela Ré por entender, no fundo, que o documento em causa não é essencial para a boa decisão da causa, não obstante ter sido ordenada a junção do mesmo antes a pedido da Ré.
Também não se verifica aqui qualquer contradição de decisões como é pretendido pela Ré, já que determinar a junção de um documento não implica necessariamente que o documento junto seja relevante para a boa decisão da causa.
Aliás, ainda que o tribunal considere que o documento é importante no momento da determinação da sua junção, nada impede que o tribunal mude de posição no momento posterior após a análise do documento junto e da situação concreta da causa.
Será que o documento em referência é relevante para a boa decisão da causa?
Na opinião da Ré, é importante para saber se a Autora continua a ter capacidade judiciária e legitimidade na presente acção, uma vez que nos termos do nº 4 do artº 1354º do CC, o mandato da administração só tem a duração máxima de 2 anos, renováveis apenas mediante nova deliberação da assembleia e segundo o que foi alegado pela Autora, a mesma foi eleita em 2008.
Salvo o devido respeito, entendemos no sentido oposto pelas seguintes razões:
Partindo do pressuposto de que os pedidos da Ré foram admitidos e que ficou provado que a assembleia do condomínio não tinha sido realizada de forma legal no ano de 2010.
Será que perante este cenário a Autora perdeu a sua capacidade judiciária e legitimidade activa?
A resposta não deixa de ser negativa.
Senão vejamos.
Dispõe o artº 212º do CPC que “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”.
E uma das possibilidades da modificação subjectiva é justamente as situações previstas no artº 214º do mesmo Código, nos termos do qual a instância pode modificar-se, quanto às pessoas:
a) Em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto entre vivo, na relação substantiva em litígio; e
b) Em virtude dos incidentes de intervenção de terceiros.
No caso em apreço, para haver lugar a modificação subjectiva, é necessário que exista uma nova administração legalmente eleita que substitua a Autora.
Só que como é defendido pela Ré, não tendo a assembleia geral do condomínio sido realizada de forma regular no ano de 2010, obviamente não poderia ter qualquer nova administração eleita de forma legal.
Nesta conformidade, como é que vai operar a modificação subjectiva nos termos do artº 214º do CPC? A quem é que vai suceder a posição processual da Autora?
Se não for eleita qualquer nova administração na assembleia geral do condomínio no ano de 2010 e uma vez provada que a Autora foi eleita legalmente pela assembleia geral do condomínio no ano de 2008 (questão a discutir na causa principal), a mesma deveria ser considerada como administrador de facto, mantendo consequentemente a sua capacidade judiciária e legitimidade activa até que haja nova administração eleita.
Repare-se, a própria Ré também é apenas o administrador de facto, e não jurídico, dos edifícios em causa, pois nunca foi eleita pela assembleia geral do condomínio para desempenhar aquela função.
Como administrador de facto, a lei incumbe-lhe o dever de convocar a primeira reunião da assembleia geral do condomínio para escolha da administração, logo que metade das fracções estejam alienadas, ou trinta por cento ocupadas – nº 1 do artº 1344º do CC.
Não o fazendo, violou o seu dever legal, ficando responsável pelos danos eventualmente causados.
Aliás, independentemente de a Autora ter sido ou não legalmente eleita para desempenhar a função de administrador, quer em 2008, quer em 2010, o certo é que a Ré não tem qualquer fundamento legal que lhe possa permitir continuar a ocupar aquela função, a não ser que prove ter sido eleita pela assembleia geral do condomínio para o efeito.
Se se admitisse a pretensão da Ré, significaria que lhe era permitido, através deste mecanismo de suscitar a “actual capacidade judiciária e legitimidade activa da Autora”, para continuar a ocupar a administração das partes comuns dos edifícios em causa, pois, decorridos mais de dois anos (que é fácil de verificar-se, tendo em conta a própria tramitação legal da acção ordinária declarativa e os meios legais da impugnação das decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância) podendo suscitar-se novamente estas mesmas questões e assim, sucessivamente, até ao princípio dos tempos.
Por fim, não podemos esquecer que o tribunal pode, a requerimento de qualquer dos condóminos, nomear a administração caso esta não seja eleita – artº 1355º, nº 3 do CC.
Ora, o legislador ao conferir este poder ao tribunal é justamente para evitar uma ocupação prolongada da função da administração por pessoa, quer singular, quer colectiva, sem qualquer título legítimo, aproveitando simplesmente uma situação da inércia da não eleição da administração.
*
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo a decisão recorrida embora com fundamentos diversos.
*
Custas do recurso pela recorrente.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 19 de Abril de 2012.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
1 Cfr. Ac. do TUI, de 15/02/2012, Proc. nº 1/2012.
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444/2011