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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso jurisdicional, para o Tribunal de Última Instância (TUI), do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância (TSI), que julgando procedente recurso de despacho de Juiz do Tribunal Cível, admitiu B a intervir nos autos como assistente da ré C.
Acórdão deste TUI negou provimento ao recurso.
Vem a recorrente A arguir a nulidade deste último Acórdão, invocando oposição entre os fundamentos e a decisão, com os seguintes fundamentos úteis:
  “Em primeiro lugar cumpre desde logo referir que, contrariamente ao que sustenta o Acórdão em crise, a impugnação desse facto - um eventual Acordo com a B que lhe permitisse a nomeação da maioria dos administradores na Ré, foi o pressuposto para a sua entrada no capital desta sociedade -, pese embora não tenha sido expressamente efectuada pela Recorrente na sua oposição - designadamente pela utilização da expressão «falso» ou semelhantes -, a verdade é que, a sua impugnação resulta, desde logo, da defesa que a Recorrente apresentou no seu conjunto, nos termos do disposto no artigo 410°, n.º 2, do CPC, conforme se alcança pela leitura conjugada da sua oposição, em especial pelo exposto nos seus artigos 10°, 11°, 12°, 13°, 14°, 15°, 16° e 17°, e, bem assim, das suas alegações apresentadas em sede de recurso para o TSI”.
  “Sucede que, mesmo tendo tal facto sido dado como provado - erradamente como já se expôs -, o certo é que não poderia este Venerando Tribunal, sempre ressalvado o muito respeito devido, depois concluir ser irrelevante à B não ter esse direito especial de nomear parte dos administradores da Ré consagrado nos seus Estatutos, e, ao mesmo tempo, ter considerado ser precisamente por esse pressuposto que se encontra demonstrada a titularidade pela B de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa da pretensão da sociedade Ré neste autos, e em consequência, ter interesse jurídico em ser assistente na causa”.
  “Por outro lado, e até se admitindo como verdadeira a existência desse tal Acordo como pressuposto para a entrada da B no capital social da Ré - o que apenas se concede por mero exercício de patrocínio -, a verdade é que o mesmo nunca poderia ser oposto à sociedade - e consequentemente dele a B nunca poderá retirar qualquer vantagem quanto à sua posição, designadamente, para sustentar um alegado interesse jurídico de se constituir assistente -, pois tal pressuposto, quanto muito - se é que alguma vez existiu -, seria sempre enquadrável no domínio dos acordos parassociais e, como tal, totalmente inoponíveis à sociedade Ré, conforme resulta clara, expressa e indubitavelmente da lei, designadamente do disposto no artigo 185°, n.º 1, do Código Comercial de Macau(CCom)”.
  “Termos em que, pelo exposto, estamos perante uma nulidade do acórdão desse Venerando Tribunal, porquanto a decisão está em oposição com os fundamentos de facto e de direito de que o mesmo se socorre (al. c) do nº 1 do art. 571º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 633º e 652º do mesmo código), pelo que, em consequência, deveria ter sido julgado totalmente procedente o recurso apresentado pela Recorrente e revogado o Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, concluindo-se, a final, pela manutenção do douto despacho da Mma. Juiz do Tribunal Judicial de Base que decidiu ilegítima a assistência da B à sociedade Ré”.
A recorrida respondeu à arguição de nulidade pugnando pela manutenção do Acórdão impugnado.

II – Apreciação
1. A questão suscitada
Nos autos tratava-se de saber se a admitida assistente, pelo Acórdão recorrido, demonstrou ser titular de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa da manutenção da deliberação social impugnada nos autos.
Como é sabido, o assistente é uma parte acessória que intervém num processo para auxiliar uma da partes principais.
No Acórdão agora objecto de arguição de nulidade, entendemos haver dois factos particularmente relevantes para decidir a questão.
Por um lado, na acção foi pedida a declaração de nulidade da deliberação que nomeou novos administradores da ré, sendo que a assistente da ré, é sócia desta, pretendendo a improcedência da acção.
Por outro lado, a composição da Administração da ré, com parte dos Administradores indicados pela assistente (os nomeados pela deliberação em causa), foi uma das condições para a sua entrada como sócia da ré.
Acrescentou-se que este facto está provado porque alegado no requerimento de constituição de assistente e não impugnado pela autora, nos termos das disposições dos artigos 245.º, n.º 3, 405.º, n.º 1 e 410.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, esta última norma aplicável por analogia.
E dissemos no mesmo Acórdão:
“A pretensão do assistido (a ré) na acção é, evidentemente, a improcedência da acção.
Ora, a assistente, como sócia da ré e com o seu manifesto interesse na manutenção da Administração, é titular de uma relação jurídica (a relação de sócia da sociedade) cuja consistência prática ou económica depende da manutenção da deliberação impugnada, pelo menos, em parte.
Logo, tem legitimidade para se constituir como assistente”.
E ainda:
“... também é irrelevante o argumento de que não existe um direito especial nos Estatutos da ré a favor da assistente de nomear um certo número de administradores. O que é certo é que foi nesse pressuposto (acordo verbal, ao que parece) que a assistente terá entrado como sócia e isso é o bastante para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 276.º do Código de Processo Civil, embora tal não confira à assistente um direito subjectivo de nomeação de administradores”.

2. Nulidade de decisão
A nulidade de decisão é um vício formal, que não se confunde com os vícios substanciais ou erros de julgamento.
Os vícios formais são objecto de arguição de nulidade.
Os vícios de julgamento são objecto de recurso.
O fundamento invocado pela recorrente para sustentar o seu pedido de declaração de nulidade é o de que os fundamentos do Acórdão estão em oposição com a decisão.
Este vício verifica-se “... quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência”1.
Não é este, manifestamente, o caso dos autos.
A fundamentação do Acórdão nunca apontou para a impossibilidade de constituição de assistente. Antes pelo contrário. E foi a essa conclusão que se chegou na decisão: à possibilidade de a B a intervir nos autos como assistente da ré.
Não há, portanto nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, pelo que não existe nulidade do Acórdão.
Aliás, a recorrente não invoca nenhuma contradição. O que se verifica é que a recorrente discorda tanto dos fundamentos como, sobretudo, da decisão do Acórdão. Mas essa discordância radica em fundamentos que, se procedessem, constituiriam erros de julgamento, a impugnar por meio de recurso.
Sucede que do Acórdão não cabe recurso.

III – Decisão
Face ao expendido, indefere-se a arguição de nulidade do Acórdão.
Uma vez que a recorrente, utilizando um instituto previsto na lei (arguição de nulidade de Acórdão), não invocou concretamente nenhum fundamento para fundamentar a nulidade, antes expressou discordância dos fundamentos e decisão, que é fundamento para recurso, faculdade que a recorrente não podia utilizar e não utilizou, vai condenada nas custas do incidente, por constituir uma ocorrência estranha ao desenvolvimento da lide, que deve ser tributada segundo os princípios que regem a condenação em custas (artigo 15.º do Regime das Custas nos Tribunais), com taxa de justiça que se fixa em 7 (sete) UC.

Macau, 15 de Outubro de 2010.

   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin

1 J. LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2008, p. 704.
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1
Processo n.º 33/2010