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Processo nº 135/2012 Data: 19.04.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “ofensas à integridade física por negligência”.
Pedido civil.
Indemnização por perda de vencimentos.
Execução de sentença.



SUMÁRIO

Estando provado que a ofendida tinha ocupação profissional remunerada, e que em virtude das lesões sofridas com o acidente de viação esteve impossibilitada de trabalhar, mas não havendo outros elementos para se poder fixar a indemnização a título de perda de vencimentos, deve-se então condenar no que se vier a liquidar em sede de execução de sentença.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 135/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar o arguido A como autor da prática de 1 crime de “ofensas à integridade física por negligência” p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 do C.P.M. e art. 66°, n.° 1 do Código da Estrada, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, e na pena acessória de inibição de condução por um período de 9 meses.
Quanto ao pedido civil enxertado nos autos, decidiu o Colectivo condenar a “COMPANHIA DE SEGUROS B S.A.R.L.” (B保險有限公司) a pagar à demandante C o montante total de MOP$37,549,00; (cfr., fls. 205-v a 207 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a demandante civil recorreu; (cfr., fls. 217 a 225-v).

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Após resposta pela demandada seguradora apresentada ao dito recurso (cfr., fls. 229 a 239), vieram os autos a este T.S.I..

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Nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação

2. Com o seu pedido de indemnização civil pedia a demandante ora recorrente o montante total de MOP$192.349.00, a título de compensação pelos seus danos patrimoniais e não patrimoniais.

E, com a sua decisão, fixou o Colectivo a quo o quantum de MOP$7.549.00, a título de despesas hospitalares e medicamentosas da demandante, arbitrando MOP$30.000.00 a título de danos não patrimoniais.

Entende porém a ora recorrente que incorrecta é a decisão proferida, dado que com a mesma não se indemnizou a sua “perda de rendimentos” por 430 dias, período de tempo em que esteve doente em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação matéria dos autos e causado pelo arguido, pedindo que se altere a decisão recorrida e que se condene a ora recorrida, a demandada seguradora do veículo conduzido pelo arguido, no pagamento do quantum de MOP$154.800,00, como indemnização por tal “perda de vencimentos”.

Identificada que assim fica a “questão” a apreciar, vejamos então se tem a recorrente razão.

No seu pedido, e na parte em questão, alegou a demandante que no âmbito do seu trabalho auferia MOP$360.00 por dia, e que, assim, tendo estado 430 dias impossibilitada de trabalhar, devia ser indemnizada, a título de perda de rendimentos, com o referido montante de MOP$154.800,00; (MOP$360,00 x 450).

Com o julgamento, provou-se que a demandante esteve doente nos ditos 430 dias e que tinha “ocupação profissional”, dando-se, porém, como não provado que auferia MOP$360.00 por dia, e daí, a decisão ora recorrida.

Colhe-se de motivação e conclusões do presente recurso que entende a ora recorrente que incorreu o Tribunal a quo em “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”, pois que, em sua opinião, devia dar como provado o seu “rendimento diário” (de MOP$360.00), considerando também, subsidiariamente, que ainda que assim não seja, sempre se devia dar aplicação ao preceituado no art. 560°, n.°6 do C.C.M..

–– Pois bem, começa-se por dizer que inexiste o assacado vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.

De facto, tal vício tem sido unanimemente entendido como aquele que ocorre quando o Tribunal não emite pronúncia sobre matéria objecto do processo, (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 15.12.2011, Proc. 796/2011), e, no caso, assim não sucedeu, já que o Colectivo a quo pronunciou-se sobre toda a dita matéria objecto do processo, elencando a que do julgamento resultou provada, identificando a que resultou não provada e justificando esta sua decisão.

–– Quanto ao “erro notório na apreciação da prova”.

Repetidamente tem este T.S.I. afirmado que “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 07.12.2011, Proc. n.° 656/2011 do ora relator).

Motivos não havendo para não se manter o assim entendido, cremos que também aqui não se mostra de considerar existir o apontado erro.

De facto, tal remuneração diária foi efectivamente alegada, tendo a demandante junto documentos particulares para a sua prova.

Porém, dada a natureza (particular) de tais documentos, e à contestação da ora recorrida, que impugnou o alegado, (cfr., fls. 229 a 239), há que reconhecer que na matéria em questão não se pode censurar o Colectivo a quo por ter decidido de acordo com o princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 114° do C.P.P.M..

–– Vejamos então qual a solução perante o invocado art. 560°, n.° 6 do C.C.M..

Ora, nos termos deste art. 560° do C.C.M.:

“1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível.

2. Quando a reconstituição natural seja possível mas não repare integralmente os danos, é fixada em dinheiro a indemnização correspondente à parte dos danos por ela não cobertos.

3. A indemnização é igualmente fixada em dinheiro quando a reconstituição natural seja excessivamente onerosa para o devedor.

4. Quando, todavia, o evento causador do dano não haja cessado, o lesado tem sempre o direito a exigir a sua cessação, sem as limitações constantes do número anterior, salvo se os interesses lesados se revelarem de diminuta importância.

5. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.

6. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.

Face ao estatuído no n.° 6 do transcrito comando legal, e à factualidade, no caso dada como provada, que dizer?

Pois bem, recentemente, e confrontando-se com idêntica questão, assim se ponderou no Ac. deste T.S.I. de 16.02.2012, Proc. n.° 68/2011:

“O recurso à equidade só deve valer para aquelas situações em que, provado embora o dano inquantificado, os elementos dos autos possam auxiliar o julgador na determinação de um valor que muito se não afaste da verosimilhança ou probabilidade e que reflicta a ponderação de critérios de justiça relativa. Ou seja, não se incentiva o uso de juízos arbitrários, nem discricionários, mas antes se exorta o juiz a levar em linha de conta os dados já recolhidos que o conduzam a um exercício mais ou menos tranquilo, sensato e prudente de aproximação à realidade aparente, sem quebra do respeito pelos princípios da prova. Por tal motivo, apenas na posse de elementos coadjuvantes deve o juiz enveredar pela via da equidade3.

Quando não disponha de dados suficientes que lhe permitam concretizar a justiça do caso, a equidade se mostra-se desadequada se for de prevêr que eles possam vir a obter-se na liquidação posterior4. Nessa hipótese, resta a solução do art. 564º, nº2, do CPC: a condenação do que vier a ser liquidado em execução de sentença5, sendo certo, por outro lado, que já em sede executiva, em caso de impossibilidade de obtenção de melhores elementos, ainda continua a ser possível a condenação da indemnização pelo método da equidade6.
[3- Neste sentido, entre outros, no direito comparado, o Ac. STJ de 17/11/2011, Proc. nº 7898/09.5T2SNT.L1.S1.
4- Neste sentido, no direito comparado, o Ac. da RC. de 12/05/1998, in BMJ mnº 477/571.
5- No direito comparado, o Ac. do STJ de 7/10/2010, Proc. nº 3515/03.5TBALM.L1.S1.
6- Neste sentido, no direito comparado, o o Ac. do STJ de 29/06/2010, Proc. nº 214-A/1994.E1.S1.]”.

Afigurando-se-nos de subscrever o assim entendido, em conformidade se decidirá.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte que absolveu a demandada recorrida do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização no montante de MOP$154.800,00 por perda de rendimentos, condenando-se a mesma a pagar à demandante (ora recorrente) a indemnização que se vier a liquidar em sede de execução de sentença.

Custas pela recorrente pelo seu decaimento com taxa de justiça de 2 UCs, e pela recorrida, na proporção do seu decaimento, (sem prejuízo do apoio judiciário que beneficia a recorrente).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.000,00.

Macau, aos 19 de Abril de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 135/2012 Pág. 12

Proc. 135/2012 Pág. 1