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Processo nº 174/2012 Data: 19.04.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “desobediência”.
Pena.



SUMÁRIO

Não merece censura a pena de 3 meses de prisão aplicada pela prática de 1 crime de “desobediência”, se o arguido, em data recente, tinha já sido condenado por duas vezes em penas de prisão suspensa na sua execução e se a desobediência ocorreu durante o período de suspensão.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 174/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. nos Autos de Processo Sumário n.° CR1-12-0023-PSM, decidiu-se condenar A, como autor de 1 crime de “desobediência”, p. e p. pelo n.° 2 do art. 312° do C.P.M., na pena de três (3) meses de prisão, determinando-se, ainda, a cassação da sua licença de condução; (cfr., fls. 26 a 26-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu:
Motivou para concluir nos termos seguintes:

“A. A douta decisão a quo condenou o arguido, pela prática do crime p.p.p. n.° 2 do art.° 312.° do Código Penal e pela infracção ao disposto no art.° 92.°, n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário (doravante designada por L TR), na pena de três meses de prisão, - determinando, ainda, a cassação da respectiva licença de condução
B. A decisão a quo foi, com o devido respeito, severa e excessiva, pese embora a confissão integral e sem reservas por parte do arguido, a sua cooperação com a Justiça, e a sua situação profissional e familiar (divorciado, com filha menor e os pais a seu cargo).
C. A ameaça de prisão cumpriria eficazmente os objectivos de prevenção criminal, (geral e ou) especial, pois que o arguido necessariamente representa, agora, a necessidade de se conformar com a licitude e, em concreto, a proibição de condução.
D. Compreender-se-ia que o recorrente fosse sujeito ao cumprimento efectivo da pena de prisão, futuramente, caso viesse, por hipótese e a título de exemplo, a violar novamente a proibição de condução, incorrendo de novo no crime de desobediência qualificada. Seria uma demonstração clara e inequívoca de que a pena aplicada não tinha cumprido a finalidade de prevenção especial.
E. Ora, é indesmentível que esta situação apresenta maior gravidade que a do recorrente, embora seja a mesma a moldura punitiva - crime de desobediência qualificada. Esta reincidência, na hipótese em questão, já poderia justificar uma condenação em pena efectiva de prisão, pela maior gravidade do ilícito praticado, graduando diferentemente, assim, situações distintas.
F. A decisão recorrida, ao aplicar desde logo pena efectiva de prisão, não reflectiu tal diferenciação, desmerecendo os ditâmes de uma correcta interpretação sistemática dos diplomas e normas aplicáveis.
G. Em termos sistemáticos veja-se, ainda, a situação da condução por pessoa não habilitada: a punição consiste apenas no pagamento de multa. Só a reincidência poderá, em alternativa, vir a ser punida com prisão até seis meses (cfr. art.° 95.° da LTR).
H. Julga-se evidente que a condução por pessoa não habilitada apresenta, em tese geral, maior gravidade e risco, sendo socialmente menos tolerável, do que a condução por pessoa inibida. Pois que esta (a inibição) não permite, a priori, presumir da incapacidade ou inabilidade do condutor para o exercício da condução, ao passo que a não habilitação para a condução impõe tal presunção!
I. Sendo neste último caso a punição bem menos severa que a de situações como a do ora recorrente (cuja pena de prisão tem como limite máximo dois anos, cfr. art.° 312.°, n.° 2 do Código Penal), - quando seria de esperar o contrário, - impõe-se um especial exercício interpretativo, que passará pela necessidade de diferenciar situações distintas em função da menor ou maior ilicitude, como acima ilustrado.
J. Designadamente, fazendo uso do poder-dever inscrito no art.° 48.° do Código Penal, suspendendo a execução da pena de prisão, como deve ser o caso do ora recorrente. E sujeitando o infractor ao cumprimento efectivo da pena de prisão, nas situações cuja maior ilicitude assim o justifique, como seria a hipótese supra desenhada, de pessoa encontrada a conduzir com a licença cassada. Entre uma e outra solução, abre-se ainda uma panóplia de possibilidades que permitem punições ajustadas a diferentes graus de ilicitude, por via da sujeição do condenado a deveres acessórios e regras de conduta, conforme previsto nos art.° 49.° e ss. do Código Penal.
K. Ademais, somar a pena de prisão efectiva à cassação da licença de condução representa o peso de uma dupla punição, quando é certo que a simples ameaça, quer de prisão quer da cassação, cumprem suficientemente as finalidades da punição.
L. Manter a decisão recorrida significaria colocar, sem suficiente justificação jurídico-penal, o recorrente num ambiente de inegável risco de contágio, especialmente perigoso nos casos de penas de curta duração, como é amplamente reconhecido pela doutrina. Nestas, a menor gravidade da ilicitude cometida não justifica nem compensa sujeitar o condenado a um mais do que provável contágio em vez de qualquer reabilitação.
M. O desvalor da conduta do recorrente não reclamam o cumprimento efectivo da pena de prisão, sendo certo que a ameaça da execução da pena de prisão cumpre plenamente o escopo de prevenção geral e especial, permitindo ainda salvaguardar o recorrente e a sua família dos nefastos efeitos, abundantemente expostos na motivação do presente recurso e de todos conhecidos, aliados ao cumprimento da pena de prisão.
N. No presente caso, e em face do princípio geral ínsito no art. o 64.° do Código Penal, nada justifica que se remova o recorrente da comunidade onde está estavelmente inserido, para a qual tem contribuído com o seu trabalho, quebrando as suas ligações familiares, retirando-o do convívio afectivo dos seus pais e, em especial, da sua filha menor, que dele precisa, espiritualmente e materialmente.
O. Tal acarretaria por certo males muito maiores do que qualquer “bem” - que a ninguém convence, a começar pelos mais doutos penalistas... - que pudesse advir da prisão efectiva do recorrente. A começar pela perda do contributo do recorrente para a riqueza do Território e pelo correlato incremento dos custos a assumir pela Administração, inerentes à sua detenção e à vida em prisão; e a terminar no quase certo e seguro “contágio” do visados num autêntico tributo a uma espiral de delinquência que é suposto evitar-se e não fomentar-se.
P. “E esse pensamento estava claramente presente no espírito do legislador português de 1893, que confessa seguir o modelo da lei BERENGER e da lei belga, ponderando na respectiva proposta de lei às cortes: «Ninguém desconhece que a pena de prisão correccional, pelo modo como se cumpre, nem reprime, nem educa, nem intimida, mas perverte, degrada e macula. É um verdadeiro estágio de corrupção moral. É mister, pois, que se economize esta pena, e que não se ponha um delinquente, que infringiu a lei, pela primeira vez, num momento de paixão ou de fraqueza, um delinquente ainda não ferreteado pela aplicação da pena anterior, em contacto com a vil escória dos cárceres e num meio tão nocivo fisicamente como moralmente». (Citado por EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, vol. II, reimpressão, Almedina, 2000, pág. 396).
Q. “A condenação condicional não deixa, porém, de funcionar com uma eficácia retributiva e preventiva e, portanto, como uma pena. Efectivamente, averiguado o facto e aplicada a pena, o agente tem sempre a clara consciência da censura que mereceu o facto e viverá sob a ameaça, agora concreta, e portanto mais viva, da condenação” (Op. cit., pág. 397).
R. “É que a mera espada de Dâmocles da execução, ou da determinação da pena que ao crime cabe, será para muitos delinquentes motivo inibitório suficiente para se afastarem da prática de futuros crimes, (...)” (Ibid., pág. 404). “Não poderá, pois, dizer-se sem mais que tais penas não institucionais põem em causa a repressão e a prevenção geral da criminalidade. (Ibid., pág. 426).
S. Julga-se, portanto, que a decisão a quo está ferida de ilegalidade ao não ter suspendido a execução da pena de prisão aplicada ao recorrente, violando assim as disposições conjugadas dos art°s. 48.°, 44.°, n.° 1 e 64.° do Código Penal”.
Pede, assim que se “revogue a douta decisão recorrida, na parte em que condena no cumprimento efectivo da pena de prisão, a qual deve ser suspensa na sua execução, nos termos legais, pelo período de tempo julgado conveniente, e, bem assim, suspender a execução da medida de cessação da licença de condução ao abrigo do disposto no art.° 109.° da LTR”; (cfr., fls. 58 a 76).

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Respondendo, conclui o Exmo. Magistrado do Ministério Público que:

“1. A aplicação de uma pena de 3 meses preencheu o requisito formal do instituto de suspensão da execução da pena previsto no art. 48° do CPM;
2. Tendo o arguido condenado por duas vezes em crimes previstos na L.T.R. e veio a praticar novo crime prevista na mesma legislação, e em pleno período de suspensão da pena, a prognose social é necessariamente desfavorável, omitindo o pressuposto material do instituto de suspensão da execução da pena;
3. Faltando o pressuposto material não é de aplicar a suspensão da pena”; (cfr., fls. 78 a 81).

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Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“Nada temos a acrescentar, de relevante, às doutas considerações expendidas pelo Exmo colega junto do tribunal “a quo” que, por si, revelam expressa, clara, suficiente e congruentemente, as razões por que,
no caso vertente, a medida concreta da pena alcançada se revela sensata, adequada e conforme o comprovado, facilmente se alcançando que, atenta a postura do recorrente, designadamente face às sucessivas oportunidades que lhe foram sendo sucessivamente concedidas, praticando o presente ilícito em plena vigência de suspensão de pena aplicada por ilícito também previsto no LTR, é de molde a concluir que, quer a mera condenação em multa, quer a eventual suspensão da execução da pena de prisão, não realizarão, com alto grau de probabilidade, de forma adequada e suficiente as finalidades de punição e prevenção, apresentando-se o juízo de prognose relativamente ao arguido como manifestamente negativo, pelo que se não antevê a ocorrência de qualquer afronta dos dispositivos legais apontados à douta sentença em crise que, em consonância, haverá que manter”; (cfr., fls. 101).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Está provada a factualidade seguinte:

“Em 9 de Fevereiro de 2012, pelos 10H33, ao efectuar a operação de verificação de viatura, nas proximidades do posto de iluminação n.º 173E01, sito na Avenida Norte do Hipodromo, o guarda verificou um veículo ligeiro conduzido pelo arguido de matrícula MI-32-40 e, por este não ter apertado o cinto, em consequência, actuou e exigiu a este a exibição da licença de condução. No entanto, o arguido não conseguiu exibir a licença válida de condução.
Após verificação, mostrou-se que o arguido tinha sido condenado em 15 de Novembro de 2011 na inibição de condução de qualquer veículo automóvel pelo período de 8 meses, a contar desde 25 de Novembro de 2011 a 25 de Julho de 2012 e a sentença começou a ser executada em 26 de Novembro de 2011.
O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente ao praticar as condutas acima referidas e sabia perfeitamente que as condutas acima referidas eram proibidas e punidas por lei.
Foram provados os dados pessoais seguintes do arguido:
O arguido A é gerente duma empresa comercial, auferindo mensalmente MOP $7,500, e tem os pais e uma filha menor a seu cargo.
O arguido tem como a habilitação literária o 6º ano do ensino primário.
Conforme o CRC, o arguido não é primário”; (cfr., fls. 95 a 96).

Do direito

3. Vem o arguido dos presentes autos recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que o condenou como autor de 1 crime de “desobediência”, p. e p. pelo n.° 2 do art. 312° do Código Penal e art. 92°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), na pena de três (3) meses de prisão, determinando-se, ainda, a cassação da sua licença de condução.

Bate-se pela revogação da dita pena principal e acessória, considerando-as severas e rogando por uma pena principal não privativa da liberdade e pela suspensão da execução da mencionada pena acessória.

Sem embargo do muito respeito por outro entendimento, não nos parece que tenha o recorrente razão, apresentando-se-nos o presente recurso manifestamente improcedente, como infra se passa a tentar explicitar.

Vejamos, começando pela pena principal.

–– Ao crime pelo ora recorrente cometido cabe a pena de prisão até 2 anos ou multa; (cfr., art. 312°, n.° 2 do C.P.M.).

E ponderando na factualidade provada fixou o Mmo Juiz a quo a pena de 3 meses de prisão, que decidiu não substituir por multa ou suspender na sua execução.

Ora, considerando os “antecedentes criminais” do ora recorrente, (cfr., fls. 17 a 21), onde se constata a existência de duas anteriores condenações em data relativamente recente em penas de prisão suspensa na sua execução, muito não nos parece de dizer para se justificar a solução atrás adiantada.

De facto, o ora recorrente cometeu o crime após duas solenes advertências que lhe foram feitas, desprezando as oportunidades que lhe foram dadas.

Para além disso, o crime agora em questão foi cometido em pleno período de suspensão de uma pena de prisão antes aplicada, o que demonstra bem a necessidade de prevenção especial, afastando, assim, de todo, a possibilidade de se substituir da dita pena, o mesmo sucedendo com a pretendida suspensão da execução da pena, pois que evidente é que inviável é o necessário juízo de prognose favorável em relação ao ora recorrente.

No que toca à pena acessória, não se vislumbra da matéria de facto qualquer “motivo atendível” a que faz referência o art. 109° da Lei n.° 3/2007, evidente sendo também que inviável é a peticionada suspensão da dita pena.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 4 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 19 de Abril de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

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