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Processo nº 837/2011 Data: 01.03.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes” (em quantidade diminuta).
Erro notório na apreciação da prova.
Suspensão da execução da pena.
Alteração da qualificação jurídico-penal.



SUMÁRIO

1. O vício de erro notório na apreciação da prova ocorre quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

De facto, é na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

2. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.

3. Provado estando que “os estupefacientes encontrados na residência da arguida eram destinados ao seu consumo e à cedência a terceiros”, verificada está a prática, em concurso real, de 1 crime de “tráfico” e 1 outro de “detenção para consumo”.

4. Podendo esta Instância alterar, oficiosamente, a qualificação jurídico-penal operada na sentença recorrida, e observado que foi o contraditório, há que decidir em conformidade, mantendo-se porém a pena fixada por respeito ao estatuído no art. 399° do C.P.P.M..


O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 837/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Sob acusação pública respondeu A, (2a) arguida com os sinais dos autos, vindo a ser condenada como autora de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, (em quantidade diminuta), p. e p. pelo art. 9° do D.L. n.° 5/91/M, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão e multa de MOP$4.500,00, convertível em 30 dias de prisão subsidiária; (cfr., fls. 325 a 326-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Do assim decidido, vem a arguida recorrer para, na sua motivação de recurso apresentar as conclusões seguintes:

“(1) De acordo com a sentença recorrida, a recorrente foi condenada pela prática em autoria material e na forma consumada, dum crime de tráfico de droga da quantidade diminuta, p. e p. pelo art.º 9º do D.L n.º5/91/M na pena de 1 ano e 3 meses de prisão efectiva e da pena de multa de MOP4.500,00, convertível à pena de prisão de 30 dias se a multa não for paga ou substituída por trabalho.
(2) Considera a recorrente que a sentença recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova” previsto no art.º 400º, n.º2, al. c) do Código de Processo Penal.
(3) Através da parte da “convicção do Tribunal”, da Fundamentação da sentença recorrida, podemos verificar que, na audiência de julgamento, a recorrente negou firmemente que a sua detenção de estupefacientes se destinasse a fornecer a outra pessoa, nem sequer à testemunha B.
(4) Na audiência de julgamento, o 1º arguido também indicou que os estupefacientes por si detidos foram adquiridos junto a um indivíduo de nome “C, mas não à recorrente, tendo ainda referido que não sabia se a recorrente tinha ou não fornecido estupefacientes a outra pessoa. (declarações essas correspondem, mais ou menos às suas prestadas no Ministério Público, a fls.55 a 56 dos autos)
(5) A testemunha B, na audiência de julgamento, também indicou claramente que a recorrente não lhe tinha fornecido estupefacientes.
(6) Na verificação das declarações prestadas pela recorrente no Ministério Público (fls. 57 a 58 dos autos), mostra-se claramente que a recorrente é uma consumidora de droga a longo prazo, e uma vez que sentiu dores nos pés, voltou a casa na companhia da testemunha B. Quanto aos estupefacientes apreendidos nos autos, só se destinam ao seu consumo próprio, os quais não foram vendidos a outra pessoa nem vendidos ou fornecidos à testemunha B.
(7) Na verificação das declarações prestadas pela testemunha B no Ministério Público (fls. 59 a 60 dos autos), mostra-se claramente que a recorrente A não vendeu nem forneceu à testemunha estupefacientes, bem como também não sabia se a recorrente vendeu e forneceu estupefacientes a outra pessoa.
(8) Pelo acima exposto, através das declarações prestadas na audiência de julgamento pelas partes (a recorrente, o 1º arguido D e a testemunha B), bem como as declarações lidas nos termos da lei, verifica-se que de maneira nenhuma, não há prova que a recorrente chegasse a fornecer ou pretendesse fornecer à testemunha ou a outra pessoa os estupefacientes por si detidos.
(9) Alem disso, segundo a quantidade dos estupefacientes detida pela recorrente, quer na dose de consumo previsto no D.L n.º5/91/M, quer na dose previsto na Lei n.º17/2009, a quantidade é apenas diminuta.
(10) Além disso, já ficou provado que a recorrente é desempregada, auferindo mensalmente um subsídio de doença no valor de MOP2000,00.
(11) Perante essa situação, não há razão para ter uma interpretação que, a recorrente, após ter adquirido os estupefacientes, tenha os fornecido gratuitamente a outra pessoa, com base nisso, de acordo com as regras de experiência, os estupefacientes só se destinavam ao consumo pessoal da recorrente.
(12) Com base nisso e em conjugação dos diversos factos e provas objectivos existentes nos autos, de acordo com a lógica e as regras de experiência, entendemos que não se pode provar que os estupefacientes detidos pela recorrente se destinassem a fornecer a outra pessoa, nomeadamente à testemunha B. Por outro lado,
(13) Através das declarações prestadas pelo 1º arguido D na audiência de julgamento, tendo o mesmo claramente indicado que os estupefacientes detidos por si não foram fornecidos pela recorrente.
(14) Mesmo que a recorrente tenha intenção de fornecer estupefacientes a D, intenção essa, evidentemente surgiu por causa do acto da polícia. Contudo, em princípio, as drogas encontradas na sua casa só se destinavam ao seu consumo pessoal, pelo que, quanto a essa parte não deve ser considerada.
(15) Pelo que, quanto aos factos dados por provados nos autos, os quais padecem do vício de “erro notório na apreciação da prova” previsto no art.º 400º, n.º2, al. c) do Código de Processo Penal, devendo assim a sentença ser declarada revogada.
Se assim não for entendido;
(16) A sentença recorrida não teve uma interpretação correcta quanto ao regime jurídico da suspensão da execução da pena previsto nos art.ºs 48º a 55º do Código Penal.
(17) De acordo com a boa situação de desintoxicação da recorrente e a quantidade dos estupefacientes detidos pela recorrente nos autos (pouca quantidade), o grau de culpabilidade não é elevado, e também baixo o perigo que causa à sociedade. Além disso, a recorrente nunca foi acusada ou condenada pela prática de crime de fornecimento ou venda de estupefacientes a outra pessoa.
(18) O mais importante é que actualmente a recorrente está a receber o tratamento de desintoxicação na Associação, altura em que sempre observa as instruções dadas pelos trabalhadores sociais dessa associação.
(19) Quanto à recorrente, nos autos deve-se conceder-lhe a suspensão da execução da pena, aplicando-lhe a medida de internamento no instituto para tratamento de desintoxicação, e isso mostra mais favorável a ela quanto à reintegração na sociedade, à prevenção do crime geral e especial.
(20) Não tendo, contudo, a sentença recorrida levado consideração de forma plena a situação e respectivas circunstâncias acima referidas, não lhe concedeu a suspensão da execução da pena.
(21) Sendo assim, existe na sentença recorrida o vício da “errada interpretação do direito”, previsto no art.º 400º, n.º1 do Código de Processo Penal, devendo ser declarado revogada.
(22) Entende a recorrente que em conjugação dos factos provados nos autos e do crime imputado na acusação, nos termos do regime jurídico da suspensão da execução da pena previsto nos art.ºs 48º a 55º do Código Penal, deve-se conceder à recorrente, pelo período de 3 anos, a suspensão da sua pena de prisão de 1 ano e 3 meses aplicada nos autos, ordenando a mesma para deixar o vício do consumo de droga, sob pena de ser executada imediatamente a pena de prisão”; (cfr., fls. 408 a 422).

*

Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público:

“1. Uma vez que na acusação a recorrente foi acusada de ter “fornecido” e “vendido” estupefacientes a outra pessoa, mas nos factos provados, só ficou provado o facto de a recorrente ter “fornecido” estupefacientes a outra pessoa, mas não o facto de a mesma ter “vendido” estupefacientes. Pelo que, foram assim colocados os supracitados dois factos imputados nos “factos provados” e nos “factos não provados”. Assim sendo, não há contradição entre os dois factos, pelo que, a sentença recorrida não padece do vício previsto no art.º 400º, n.º2, al. b) do Código de Processo Penal.
2. Quanto ao conteúdo dos pontos 3 a 12 constantes da petição do recurso da recorrente, na verdade é a versão dos factos que a recorrente pretende conseguir através da parte das declarações prestadas pelos 1º arguido, testemunha e recorrente, no sentido de negar os factos dados por provados pelo tribunal recorrido. Contudo, a recorrente não pode ignorar a existência e o conteúdo das outras provas, tirando como conclusão das declarações prestadas por algumas testemunhas para indicar ao tribunal para dar ou não dar por provados certos factos.
3. Nos termos do art.º 114º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada pelo julgador segundo as regras da experiência e a livra convicção, não se podendo proceder à examinação disso. Portanto, de maneira nenhuma a recorrente não pode examinar a livre convicção do juiz, nem levar como fundamento de recurso, os factos por si invocados que não foram considerados por provados pelo juiz.
4. Pelo exposto, após ter ponderado todas as provas, a decisão condenatória feita contra a recorrente pelo Tribunal a quo não viola o vício previsto no art.º 400º, n.º2, a. c) do Código de Processo Penal.
5. Não concordamos com o que alegado pela recorrente que o acto feito pela autoridade policial consiste na obtenção de provas através dos “meios enganosos” previstos no art.º 113º, n.º2, al. a) do Código de Processo Penal.
6. A dedução da recorrente não foi admitida como factos provados pelo tribunal a quo, de acordo com o juízo de facto e os factos provados na sentença recorrida, uma vez que não se consegue provar que o 1º arguido D tenha vendido estupefacientes à recorrente, nem que a recorrente tenha vendido ao 1º arguido estupefacientes, o acto feito pela autoridade policial não afecta a legalidade das provas já obtidas.
7. De acordo com as regras da experiência, independentemente de que na altura a autoridade policial considerou o 1º arguido como traficante ou consumidor de estupefaciente, e que a fim de recolher respectivas provas, exigiu ao 1º arguido que esclarecesse quem lhe fornece os estupefacientes, no sentido de saber a origem de estupefacientes, ou de que lhe exigiu que revelasse quem pretende adquirir junto dele os estupefacientes, no sentido de planear averiguações subsequentes. Pelo que, não se pode considerar que as provas foram obtidas pela polícia através dos “meios enganosos”.
8. Nos termos da lei, deve o tribunal, antes de conceder a suspensão da execução da pena, ter em consideração a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste. Tendo em consideração a necessidade legal quanto à sanção e à prevenção criminal contra o tráfico de droga da quantidade diminuta, nomeadamente o registo criminal, a recorrente foi condenada na pena de prisão pela prática do acto de consumo de droga e de detenção de utensílio de droga por várias vezes; contudo, a recorrente não apreciava a oportunidade das suspensões da execução da pena concedias mas sim praticou crime por várias vezes, tendo então sido revogadas sucessivamente as respectivas suspensões da execução da pena. Pelo que, podemos verificar que a simples ameaça da pena de prisão não atingiu de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, assim sendo, é adequada a aplicação pelo Tribunal a quo à recorrente da pena de prisão efectiva de 1 ano e 3 meses sem suspender a sua execução”; (cfr., fls. 423 a 434).

*

Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Embora não o cognominando expressamente como tal, aparenta a recorrente começar por invocar, até pelos sublinhados que utiliza, a ocorrência de contradição na fundamentação da douta sentença em escrutínio.
E, a nosso ver, com razão.
Se bem se atentar, refere aquele aresto, relativamente aos factos provados e após a descrição dos estupefacientes encontrados na casa da recorrente, que os mesmos “...destinavam-se, para além do consumo pessoal da arguida..., também afornecer a outra pessoa, em particular à testemunha B no mesmo dia onde a arguidafoi detida”.
A propósito de tal matéria, relativamente aos factos não provados, estipulou-se como tal que “A 2a arguida...detinha os supracitados estupefacientes com a finalidade de vender a outra pessoa”.
Até aqui, tudo bem, já que da conjugação das duas asserções se poderia retirar que a finalidade da detenção dos estupefacientes por parte da recorrente não seria a venda a terceiros, mas o mero fornecimento, a cedência a qualquer outro título.
Só que, a mesma sentença, ainda relativamente aos factos dados como provados, acaba por referir que “Bem sabendo que o acto não era permitido por lei, a arguida...ainda obteve, detinha os supracitados estupefacientes, com a finalidade de fornecer e vender a outra pessoa” (sublinhado nosso).
A contradição é patente, a nosso ver insanável, já que se não consegue descortinar, com recurso a quaisquer outros elementos disponíveis e relevantes se, na verdade, a recorrente detinha ou não os estupefacientes também para venda a terceiros, tratando-se, finalmente, de contradição sobre facto determinante, já que, como é óbvio, se revela substancialmente diverso o desvalor, o grau de censura e, consequentemente, a medida da ilicitude e da culpa, consoante a recorrente destinasse a droga para cedência a título oneroso, ou gratuito a terceiros.
Razões por que se entende que, não se tomando possível decidir da causa, haverá que proceder ao reenvio do processo para novo julgamento relativamente à questão concretamente identificada.
Este, o nosso entendimento”; (cfr., fls. 436 a 437).

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados (e não provados) os factos enunciados a fls. 325 a 327 da sentença recorrida e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a arguida recorrer da decisão que a condenou como autora de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, (em quantidade diminuta), p. e p. pelo art. 9° do D.L. n.° 5/91/M, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão e multa de MOP$4.500,00, convertível em 30 dias de prisão subsidiária.

É de opinião que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo, subsidiariamente, a suspensão da execução da pena em que foi condenada.

Por sua vez, considera o Ilustre Procurador Adjunto que a dita decisão recorrida está inquinada com o vício de “contradição insanável”, pugnando assim pelo reenvio do processo para novo julgamento.

–– No que toca ao “erro notório”, o mesmo reside na decisão de se ter dado como provado que os “estupefacientes encontrados na residência da ora recorrente destinavam-se ao seu consumo e à cedência a terceiros”.

Diz pois a recorrente que não se deveria dar como provado que o estupefaciente era também destinado à cedência a terceiros, alegando, em síntese, que nenhuma prova existe neste sentido.

Pois bem, o vício de erro em questão tem sido entendido como aquele que ocorre “quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 07.12.2011, Proc. n.° 656/2011 do ora relator).

E, nesta conformidade, não se vislumbrando onde, como ou em que termos terá o Tribunal a quo violado as regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência ou as legis artis, impõe-se concluir que mais não faz a recorrente do que tentar impor a sua versão dos factos, afrontando o “princípio da livre apreciação da prova” consagrado no art. 114° do C.P.P.M., o que, como é óbvio, não procede.

Aliás, o Mmo Juiz a quo expôs com detalhe os motivos que o levaram a decidir a matéria de facto da forma que decidiu, apresentando-se-nos tal fundamentação lógica e convincente.

–– Por sua vez, inexiste também o vício da “contradição insanável”, crendo nós que tal entendimento apenas resulta de um erro na tradução da decisão recorrida.

Com efeito, existe efectivamente lapso na tradução, pois que na versão original da sentença recorrida e lavrada em língua chinesa, não consta como “provado” que o estupefaciente encontrado na residência da ora recorrente era também destinado à “venda” a terceiros; (cfr., fls. 336, 3°§).

Assim constava do despacho de pronúncia, (cfr., art. 15°, e fls. 222-v e 325, 4°§), e, por se não ter dado como provado a “venda”, (mas tão só a cedência), é que aquele facto passou a integrar os factos “não provados”.

Aqui chegados e não padecendo a decisão da matéria de facto de qualquer vício, continuemos.

–– Pede a recorrente a suspensão da execução da pena que lhe foi decretada.

Em tal matéria, e atento o estatuído no art. 48° do C.P.M. tem este T.S.I. entendido que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 27.10.2011, Proc. n° 535/2011, do ora relator).

No caso, e da matéria de facto dada como provada, verifica-se que a ora recorrente foi já várias vezes condenada em penas de prisão suspensa na sua execução.

Por sua vez, inegáveis são as necessidades de prevenção dos crimes de “tráfico de estupefacientes”, ainda que em quantidades diminutas.

Dest’arte, e porque inverificados os necessários pressupostos legais da pretendida suspensão, há que julgar improcedente o recurso.

–– Uma nota final.

A descrita conduta da arguida ora recorrente integra também a prática, em concurso real, de 1 crime de “detenção de estupefaciente para consumo”.

Com efeito, está provado que “os estupefacientes encontrados na sua residência eram destinados ao seu consumo e à cedência a terceiros”.

Podendo esta Instância alterar, oficiosamente, a qualificação jurídico-penal operada na sentença recorrida, e observado que foi o contraditório, há que decidir em conformidade, mantendo-se porém a pena fixada por respeito ao estatuído no art. 399° do C.P.P.M..

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, acordam negar provimento ao recurso, alterando-se, porém, oficiosamente, a qualificação jurídico-penal efectuada nos exactos termos consignados.

Pagará a recorrente a taxa de justiça de 6 UCs.

Macau, aos 01 de Março de 2012

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa



Proc. 837/2011 Pág. 24

Proc. 837/2011 Pág. 1