Processo n.º 329/2011 Data do acórdão: 2012-3-29 (Autos de recurso penal)
Assuntos:
– acidente de viação
– pedido cível de indemnização
– relação material controvertida configurada na contestação
– intervenção provocada
– art.o 267.o do Código de Processo Civil
S U M Á R I O
1. Como é concebível a hipótese fáctica de ter sido um outro condutor de veículo automóvel que não seja o condutor ora penalmente acusado quem terá dado também causa ao acidente de viação dos autos, esse outro condutor e a seguradora do seu veículo devem figurar igualmente como demandados civis na relação material controvertida concretamente configurada mormente pela seguradora do veículo conduzido pelo arguido na sua contestação apresentada ao pedido cível então enxertado pelos dois lesados do acidente.
2. Assim, e enquanto os demandantes civis também o quiseram, é de admitir a intervenção provocada daquele condutor e da respectiva seguradora, requerida na dita contestação civil nos termos do art.o 267.o do Código de Processo Civil.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 329/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Companhia de Seguros da A (Macau), S.A.
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o despacho judicial exarado nos autos de Processo Comum Colectivo n.o CR4-10-0178-PCC, emergentes de acidente de viação com enxerto do pedido cível de indemnização, do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base que lhe indeferiu o pedido de intervenção provocada do condutor de um outro veículo automóvel e da seguradora desse veículo na demanda civil instaurada pelos dois ofendidos do acidente, veio a demandada Companhia de Seguros da A (Macau), S.A., recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para peticionar a revogação do dito despacho com fundamento na nuclearmente alegada violação do disposto nos art.os 67.o, 267.o e 268.o do vigente Código de Processo Civil (CPC), e, em sua substituição, a determinação da admissão do pedido de intervenção provocada (cfr. a motivação de recurso apresentada em original a fls. 20 a 30 do presente processado recursório).
Subido o recurso após a tramitação processada na Primeira Instância, opinou a Digna Procuradora-Adjunta em sede de vista (a fl. 202) que não tinha legitimidade para emitir parecer.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame do presente processado recursório, sabe-se que:
– Depois de ter sido deduzida acusação pública ao arguido B (B) no âmbito do Inquérito Penal n.o 1663/2010 (gerador depois do subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR4-10-0178-PCC), pela prática, designadamente, de dois crimes consumados de ofensa grave, por negligência, à integridade física de C (C) e da sua esposa D (D), lesados no acidente de viação ocorrido em 23 de Maio de 2009 (cfr. o teor do libelo acusatório a que aludem as fls. 208 a 210v do presente processado recursório), estes dois ofendidos então transeuntes fizeram enxertar nesses autos penais, o pedido de indemnização cível contra o referido arguido e a Companhia de Seguros da A (Macau), S.A., como seguradora do veículo automóvel n.o MN-XX-XX conduzido pelo arguido no momento do acidente, para reclamar o pagamento de um total indemnizatório no valor de MOP1.456.409,00 (um milhão, quatrocentas e cinquenta e seis mil e quatrocentas e nove patacas), com juros legais contados desde a citação até integral pagamento, por entender, nuclearmente, que foi o arguido, condutor desse veículo, quem deu causa ao acidente de viação (cfr. a petição cível a que se referem as fls. 38 a 69 do presente processado recursório);
– Em contestação escrita desse pedido cível, a Companhia de Seguros da A (Macau), S.A., como 2.a demandada cível, formulou, ao abrigo do art.o 267.o do CPC, o pedido de intervenção provocada não só do condutor chamado F do veículo automóvel n.o MF-XX-XX então também presente no local do acidente de viação, como da seguradora desse veículo chamada Companhia de Seguros da G, Limitada, alegando para o efeito, e na sua essência, que a segunda demandante civil não foi atropelada pelo veículo conduzido pelo arguido, mas sim por esse outro condutor F, o qual, devido à sua maneira de conduzir, deu causa à produção de todo o acidente (cfr. sobretudo o alegado nos pontos 22, 24, 26, 27, 31, 32, 33, 34, 38, 49, 52, 54 e 55 da contestação cível a que aludem as fls. 169 a 176 do presente processado recursório);
– Notificada dessa contestação, vieram os dois demandantes civis deduzir, nos termos dos art.os 67.o e 267.o, n.o 2, do CPC, o incidente de intervenção provocada da Companhia de Seguros da G, Limitada, e do condutor F, alegando para o efeito, e na essência, que:
– “... estavam os Demandantes convencidos de que o acidente ocorrera tal como descreveram no seu requerimento inicial e que o veículo que os colhera fora o do 1.o Demandado”;
– “Mas, perante a descrição efectuada pela 2.a Demandada, já não podem afirmar uma convicção segura desses mesmos factos”;
– “Até porque saíram violentamente afectados pelo acidente”;
– “Seguro é apenas que foi um desses dois veículos que lhes causou os danos de que foram vítimas”;
– “Ora, permite a lei que, em caso de <> (artigo 67.o), <> (artigo 267.o, ambos do C.P.C.)”;
– “Ora, no caso sub iudice verificam-se os pressupostos de admissibilidade da intervenção principal provocada passiva”;
– “Na verdade, tendo por base os artigos 1 a 31 da douta Contestação da 2.a Demandada, constata-se a existência de uma dúvida fundamentada sobre qual dos veículos foi o causador dos danos sofridos por cada um dos Demandados”;
– “E pretendem os Demandantes, à cautela, formular subsidiariamente os pedidos explicitados no seu requerimento inicial também contra os intervenientes” (cfr. o petitório a que se referem as fls. 184 a 186 do presente processado recursório);
– A final, decidiu o Mm.o Juiz titular do processo em primeira instância de seguintes moldes:
– “Da intervenção provocada requerida pela 2.a demandada:
Os demandantes cíveis C e D venham aos autos pedir a indemnização cível contra B e COMPANHIA DE SEGUROS DA A (MACAU), S.A., entendendo que a ocorrência do acidente foi devido à culpa do arguido B, ora 1.o demandado cível, condutor da viatura MN XX-XX, cuja seguradora é a 2.a demandada.
Citado, vem a 2.a demandada cível, COMPANHIA DE SEGUROS DA A (MACAU), S.A., contestar alegando que quem deu causa à ocorrência do acidente foi o condutor da viatura MF XX-XX, F, e não o arguido B, e entende que deve chamá-lo e sua seguradora à intervenção da causa.
O artigo 267.o n.o 1 do CPC prevê que:”Qualquer das partes pode chamar o juízo os interessados com direito a intervir na causa como seu associado, seja como associado da parte contrária.”.
Assim, o que se verifica é que a intervenção provocada tem-se em vista as situações de litisconsórcio voluntário e necessário e a coligação activa.
Ora, in casu, a 2.a demandada pretende com o chamamento da intervenção provocada vir negar peremptoriamente a sua responsabilidade na presente lide, e não chamar o terceiro para ser seu associado ou associado da parte contrária.
Ademais, convidado os demandantes cíveis para se pronunciarem, estes, por um lado, aderem a posição da 2.a demandada, mas por outro lado, alegam que estavam convencidos de que o acidente ocorrera tal como descreveram no seu requerimento inicial, e que o veículo que os colhera fora o do 1.o demandado.
Ora, estranho é que, se os demandantes cíveis entendam que o acidente ocorrera tal como descreveram no seu requerimento inicial, e que o veículo que os colhera fora o do 1.o demandado, por que é que aderiu a posição da 2.a demandada!?
Pelo o exposto, e por não verificar a causa do chamamento, indefere-se o pedido da intervenção provocada” (cfr. o teor literal do despacho ora recorrido a que alude a fl. 187 do presente processado recursório).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Ante os elementos processuais acima coligidos dos autos, é de verificar, desde já, que interpretou menos bem o M.mo Juiz autor do despacho ora recorrido o teor da exposição dos dois demandantes cíveis sobre a intervenção provocada pretendida pela 2.a demandada cível ora recorrente:
Na verdade, os dois demandantes cíveis, nessa exposição, alegaram que “... estavam ... convencidos de que o acidente ocorrera tal como descreveram no seu requerimento inicial e que o veículo que os colhera fora o do 1.o Demandado; ... Mas, perante a descrição efectuada pela 2.a Demandada, já não podem afirmar uma convicção segura desses mesmos factos; ... Até porque saíram violentamente afectados pelo acidente; ... Seguro é apenas que foi um desses dois veículos que lhes causou os danos de que foram vítimas”.
Outrossim, é de conceber a hipótese fáctica de ter sido o condutor F do veículo n.o MF-XX-XX quem terá dado também causa ao acidente de viação dos autos, pelo menos aos danos alegadamente sofridos pela 2.a demandante, daí que este condutor F e a Companhia de Seguros da G, Limitada, seguradora do veículo n.o MF-XX-XX, devem figurar também como demandados civis na relação material controvertida concretamente configurada mormente pela seguradora ora recorrente na sua contestação ao pedido cível então enxertado (até porque os próprios demandantes igualmente quiseram a intervenção provocada desse condutor F e da respectiva seguradora).
Daí que há que revogar o despacho recorrido, determinando a admissão da intervenção provocada do condutor F e da Companhia de Seguros da G, Limitada, nos termos do art.o 267.o do CPC.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso, revogando o despacho judicial recorrido, e determinando a admissão da intervenção provocada de F e da Companhia de Seguros da G, Limitada.
Sem custas no presente recurso.
Macau, 29 de Março de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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