Proc. nº 427/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 01 de Março de 2012
Descritores:
-Má fé.
SUMÁRIO:
I- Por não se ter dado por provado um facto, tal não significa que ele não seja verdadeiro para efeito da subsunção ao conceito de má fé.
II- Mas, se o autor tenta convencer o tribunal da existência de uma relação laboral com a ré (não provada), trazendo aos factos um alegado pagamento parcial da dívida remuneratória através de um cheque, e se vier a provar-se que esse cheque foi emitido a seu favor, a título de empréstimo de dinheiro e ante seu expresso pedido nesse sentido, fez mau e censurável uso do processo, o que se traduz em litigância de má fé.
Proc. nº 427/2011
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
A, intentou acção de condenação com processo comum de trabalho contra “B”, Limitada, pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$ 93.000,00 a título de diferenças remuneratórias devidas em função do cargo de director entre 1 de Junho de 2000 e 31/12/2002.
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Contestou a ré, excepcionando e impugnando, e deduzindo pedido de condenação do autor como litigante de má fé.
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Oportunamente, foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e o pedido de condenação do autor por má fé deduzido pela ré.
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É dessa sentença que ora vem interposto pela ré o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações foram formuladas as seguintes conclusões:
i) A interposição do presente recurso é tempestiva porquanto ocorre no prazo de dez dias, aberto pela notificação da sentença por carta registada data de 4 de Abril de 2011, conforme estipulado pelo n.º 1 do artigo 111.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 9/2003, de 25 de Junho;
ii) Este recurso é apresentado com fundamento nos termos conjugados do n.º2 do artigo 5.º, da al. 1 do n.º 1 do artigo 112.º, todos do Código de Processo do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 9/2003, de 25 de Junho e do n.º 3 do artigo 385.º do CPC;
iii) O presente recurso tem por objecto a improcedência do pedido de condenação em litigância de má fé articulado na contestação da então Ré, ora Recorrente;
iv) O Autor veio a Tribunal pedir a condenação da Ré, ora Recorrente, no pagamento de remunerações devidas por alegado trabalho prestado por si, no montante total de MOP $ 93.000,00, respeitantes ao período compreendido entre 1 de Junho de 2000 e 31 de Dezembro de 2002, acrescido de juros nos termos legais;
v) De entre a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal Judicial de Base avulta que, não só o Autor trabalhou noutra sociedade comercial que, não a ora Recorrente (C), bem como, que a quantia de MOP $ 12.000,00 respeitava apenas a um empréstimo pessoal do D e que o cheque nesse valor, apresentado como documento pelo Autor, comprovava a realização desse empréstimo;
vi) No termo deste processo judicial, no que respeita ao Tribunal Judicial de Base, confirmou-se inequivocamente que, não existiu, nesta sede, nenhuma matéria relativa a um conflito laboral, própria deste meio processual, in casu, a interposição de uma Acção de Processo Comum do Trabalho;
vii) Por essa razão, já na sua Contestação, a Ré, ora Recorrente, havia requerido ao M.mo Juiz que a final condenasse o Autor por manifesta litigância de má fé, condenado este em multa e indemnização nos termos consentidos pelos nºs 2 a 4 do artigo 396.º do CPC;
viii) Importa começar por apreciar esta questão em termos doutrinais;
ix) Assim, em sede de direito civil a má fé, naturalmente, corresponderá ao conceito oposto ao de boa fé subjectiva, consubstanciando, em regra, o conhecimento de uma situação ou de um facto de que se pretende retirar um benefício ilegítimo ou provocar a lesão de um interesse de terceiro;
x) Já em sede de direito processual, “a má fé traduz-se, em última análise, na violação do dever de probidade que o [antigo] artigo 246.º [actual artigo 264.º do CPC de Portugal e artigo 5.º do CPC de Macau] impõe às partes”1;
xi) Nesse sentido, consideraremos “que litiga de má fé qualquer das partes que, com dolo ou culpa grave, defenda uma posição cuja falta de fundamento não deva ignorar, ou que falseie factos ou omita factos relevantes para a decisão da causa, que tiver praticado omissão grave do dever de cooperação, e ainda todo o que utilize o processo ou os meios processuais de modo «manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão»;
xii) Pelo que, “A parte que litigar de má fé é condenada em multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir, podendo esta indemnização cobrir todas as despesas a que a parte foi obrigada em consequência da má fé da outra (incluídas as de honorários dos mandatários ou técnicos) e ainda todos os prejuízos que directa ou indirectamente decorram da má fé - artigo 457.º [artigo 386.º do CPC de Macau], cuja redacção resulta do DL n.º 329-A/95. C.P. C.”.2 [sublinhado nosso];
xiii) Assim, a má fé processual, “representa uma modalidade do dolo processual que consiste na utilização malaciosa e abusiva do processo.”3 [sublinhado nosso];
xiv) Isto “É O dolo processual unilateral sem conluio entre as partes.”4;
xv) Um tipo de actuação das partes que não poderia escapar ao crivo do nosso Tribunal de Segunda Instância, conforme demonstraremos de seguida:
xvi) Assim, no Sumário do Acórdão proferido no Processo n.º 57/2002 desse Douto Tribunal ficou consagrado que: “1. Não obstante a “liberdade” que se atribui às partes no seu recurso aos Tribunais, (v.g., escolhendo o meio processual que, em sua opinião, melhor acautelam as suas pretensões, alegando, nos termos que por bem entenderem e indicando os meios de prova que lhes pareçam mais adequados), não é a mesma absoluta ou ilimitada.
Fixam-se, naturalmente, certos 'limites” tendentes a uma boa composição do litígio e consequente “justa decisão da causa”.
De entre estes. ressalta o (dever)estatuído no art.º 264º, nº 2 do C.P.C., segundo o qual “as partes têm o dever de, conscientemente, não formular pedidos ilegais, não articular factos contrários à verdade nem requerer diligências meramente dilatórias”.
2. No fundo, garante-se, amplamente, os direitos de acção e de defesa - pois que a Lei não exige que perante a pretensão de uma parte, a outra, a ela se entregue sem luta - mas impõe-se aos que os pretendam exercer, que o façam pautando as suas condutas pelas regras de cooperação intersubjectiva, pela lealdade e boa fé processual.
3. Em princípio, adequado não é condenar-se quem quer que seja como litigante de má fé, quando em causa está uma questão de interpretação e aplicação da lei aos factos.
4. Todavia, a parte que, em acção por si interposta, alegue que há mais de 30 anos adquiriu por contrato verbal a propriedade de um imóvel, que desde tal data goza o referido prédio como legítimo dono e senhor, e, juntando recibos de renda por si pagos pelo arrendamento do mesmo, pede seja declarado seu proprietário, alega, necessariamente, factos contrários à verdade e formula pedido ilegal, pois que, para além de se tratar de um “facto pessoal” que não podia ignorar, em causa estão conceitos que, não obstante “Jurídicos”, são do alcance de qualquer “homem médio”.” [sublinhado nosso];
xvii) De igual modo, no Processo n.º 650/2009, em 12 de Novembro de 2009 esse Douto Tribunal fixou jurisprudência nesta matéria, concretamente: “Tendo a parte alegado falsamente a inexistência de uma cláusula que efectivamente existe. é de condenar essa parte na litigância de má fé.” [sublinhado nosso];
xviii) Por sua vez, no Sumário relativamente ao Recurso n.º 27/2002, se destacou que: “No âmbito do Código de Processo Civil, se dos autos não demonstrar ter o recorrente alegado facto com dolo de alterar conscientemente a verdade, nem ter uso abusivo do meio processual, não pode o recorrente ser condenado como litigância de má fé”. [sublinhado nosso];
xix) Como sublinha o Ac. N.º 315/92 do Tribunal Constitucional de Portugal «as sanções processuais são cominadas para ilícitos praticados no processo, cujo adequado desenvolvimento visam promover. Com a sua estatuição pretende-se, conforme os casos, obter a cooperação dos particulares com os serviços judiciais, impor aos litigantes uma conduta que não prejudique a acção da justiça ou ainda assegurar o respeito pelos Tribunais».5 [sublinhado nosso];
XX) Não obstante o dever de probidade imposto às partes no n.º 2 do art.º 264.º [artigo 5.º do CPC de Macau], a litigância de má fé pressupõe a violação da obrigação de não ocultar ao Tribunal, ou melhor, de confessar os factos que a parte sabe serem verdadeiros. «Não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada», de tal modo que a «simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir».6 [sublinhado nosso);
xxi) Assim, “Só a lide essencialmente dolosa justifica a condenação como litigância de má fé e não já a lide meramente temerária ou ousada, nem muito menos a sustentação de teses controvertidas na doutrina ou a defesa de interpretações, sem grande solidez ou consistência, das normas jurídicas.”7 [sublinhado nosso];
xxii) Acresce que, «na base da litigância da má fé está a consciência de não corresponderem à verdade os factos alegados(…).»8 [sublinhado nosso];
xxiii) Pelo que, “condenação por litigância de má fé exprime uma censura - que leva à aplicação de uma sanção - pelo mau uso da máquina da justiça.”9 [sublinhado nosso];
xxiv) Para que não existam dúvidas, “Litiga de má fé quem, nos termos do n.º 2 do art. 456.º [artigo 385.º do CPC de Macau] do Cód. Proc. Civil, deduz «oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou emitido factos essenciais».10 [sublinhado nosso];
xxv) “Os factos, a que se refere o art. 456.º n.º 2 do C.P. Civil [artigo 385.º do CPC de Macau], e cuja alteração consciente constitui litigância de má fé, são os factos que as partes alegam nos articulados para fundamentar o pedido e a oposição, e não os factos já decididos pelo tribunal”.11 [sublinhado nosso];
xxvi) No presente caso, dúvidas não existem, de que “Litiga de má fé a parte que apresenta um articulado que bem sabia não ter razão de ser”, ou seja, “Litiga de má fé o autor de uma acção que na petição inicial dá dos factos alegados uma versão totalmente diferente da realidade.”12. [sublinhado nosso];
xxvii) Ainda que, “Em princípio, deve aproximar-se a má fé processual do dolo, o que não significa se deixem passar em claro os casos mais gritantes (…) de uso condenável dos poderes processuais”13- como sucedeu in casu! [sublinhado nosso];
xxviii) Em face do exposto, em termos doutrinais e jurisprudenciais, atenta a factualidade dada como provada do presente caso, podemos concluir que ao litigante e Autor A não é permitido todo e qualquer comportamento com vista a obter o pagamento de remunerações por trabalho que não lhe eram, de modo algum, devidas!!!
xxix) Resulta dos presentes autos e da subsequente sentença judicial, proferida em 30 de Março de 2011, que toda a sua actuação foi dolosa e/ou maliciosa, para lograr atingir um fim ilegal!
xxx) Podemos mesmo referir que toda a sua actuação neste processo corresponde “I - A má fé psicológica, o propósito da fraude, exige, no mínimo, uma actuação com conhecimento ou consciência do possível prejuízo do acto. II - Tal conhecimento ou consciência pode corresponder quer a dolo eventual, quer a negligência consciente e, neste último quadro, aquela consciência pode reportar-se a uma simples previsão do prejuízo resultante do acto, nada se fazendo para o evitar, isto é, mesmo assim pratica-se o acto que se tem como potencialmente lesante.”.14 [sublinhado nosso],
xxxi) Porque “Litiga de má fé a parte que deduz pretensão cuja falta de fundamento não desconhecia.”15, o que era do perfeito conhecimento deste Autor [sublinhado nosso];
xxxii) Dúvidas não existem de que, na litigância de má fé, o que está primordialmente em causa é a ofensa ao valor público da boa administração da justiça, levada a cabo deliberadamente pelo Autor e, só reflexamente, o “interesse da parte lesada”, o qual neste caso, está provado que nunca existiu! [sublinhado nosso]
xxxiii) Este caso representa uma utilização maliciosa e abusiva da máquina da justiça de Macau por parte deste Autor;
xxxiv) Dúvidas não existem de que o Autor inventou uma situação para retirar um benefício ilegítimo e naturalmente provocar prejuízos nos interesses patrimoniais da Ré, ora Recorrente;
xxxv) O Autor não desconhecia que o seu pedido não tinha qualquer fundamento, tendo utilizado de modo abusivo, malicioso e manifestamente reprovável os meios processuais ao seu dispor, sabendo que iria colocar em causa a acção da justiça;
xxxvi) A liberdade de acesso aos Tribunais, consagrada no artigo 36.º da Lei Básica da RAEM e no artigo 1.º do nosso CPC, não é, de todo, uma opção absoluta ou ilimitada, estando sujeita a limites, conducentes à obtenção de uma decisão acertada, com vista a uma correcta e justa composição do litígio real!
xxxvii) Sendo inquestionável que o nosso sistema judicial não permite a formulação de pedidos ilegais, assentes em factos contrários à verdade, pautando-se por exigir a todos o que a eles recorrem que se regulem por regras de cooperação intersubjectiva, lealdade e boa fé processual, pressupostos que foram arrasados pelo Autor em todo este processo;
xxxviii) O qual prejudicou assim a normal acção da justiça e desrespeitou claramente o Tribunal Judicial de Base, ignorando o dever de probidade a que estava vinculado, mediante a formulação de uma pretensão infundada, tendo apresentado um pedido que, conscientemente, sabia não ter direito, numa lide manifestamente dolosa, que permite e justifica a sua condenação como litigante de má fé;
xxxix) Não é possível, de modo algum, confundir um empréstimo pessoal com salários em dívida, só sendo possível lograr tal intento mediante a alteração conscienciosa da verdade dos factos, os quais foram indevidamente alegados na petição inicial formulada pelo Autor, tendo este apresentado um articulado ao Tribunal que sabia perfeitamente não ter qualquer razão de ser!
xl) Não pode esse Douto Tribunal, deixar de levar em conta a actuação abusiva do Autor, constituindo este um caso gritante de uso condenável dos meios processuais colocados à sua disposição, não podendo de modo algum ser relevada a sua manifesta má fé psicológica, traduzida num claro propósito de fraude, existindo da sua parte uma plena consciência do prejuízo que causaria à Ré, ora Recorrente, demonstrativa do respectivo dolo ou culpa grave;
xli) Dolo que se enquadra na noção que o legislador consagrou no n.º 1 do artigo 246.º do Código Civil: “Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir “ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.”;
xlii) Ora, uma vez que este Autor actuou com manifesta intenção de enganar a máquina da justiça, com intenção de provocar um resultado contrário ao direito, um caso em que quis directamente realizar o facto ilícito, prejudicando assim a acção da justiça, tendo agido com dolo e culpa grave!
NESTES TERMOS, de acordo com o preceituado no artigo 36.º da Lei Básica da RAEM e no artigo 1.º, no artigo 5.º, no n.º 1 e no n.º 2, nas alíneas a), b) e d), todos do artigo 385.º e nos nºs 2 a 4 do artigo 386.º, todos do Código de Processo Civil de Macau e nos mais de Direito aplicáveis que Vossas Excelências doutamente suprirão,
Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em conformidade, ser revogada a sentença recorrida na parte respeitante à improcedência da litigância por má fé,
Condenando-se assim o Autor A por litigância de má fé e, em conformidade, ser o mesmo condenado em multa e indemnização à Recorrente nos termos consentidos pelos nºs 2 a 4 do artigo 386.º do CPC.
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Contra-alegou o autor da acção, que formulou as seguintes conclusões:
1. Atenta a motivação do recurso apresentada pela recorrente para o Tribunal, tal recurso baseia-se no facto, referido na decisão recorrida, de o Tribunal não ter provado a existência de relação laboral entre o autor e a ré.
2. A recorrente citou jurisprudências e doutrinas para suportar os seus fundamentos do recurso.
3. No entanto, o recorrido não se entende assim.
4. Nos termos do art.º 385.º do Código de Processo Civil, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
5. Quanto a que o recorrido declarou ao Tribunal que tinha estabelecido de forma oral relação laboral com a recorrente e pediu que condenasse esta no pagamento de retribuição, aquele já apresentou para o Tribunal testemunhas e provas documentais. Além disso, a remuneração é o efeito jurídico da relação laboral.
6. Dos meios de prova apresentados pelo recorrido resulta que estes relacionam-se com a pretensão deste referido no ponto anterior.
7. Pelo que não se verifica dolo ou negligência grave do recorrido referidos no art.º 385.º do Código de Processo Civil.
8. A recorrente (sic.) usou nomeadamente a declaração prestada por E na Direcção dos Serviços de Assuntos Laborais e constante de fls. 26 dos autos a fim de provar a existência da relação laboral acima referida.
9. Na declaração, E declarou expressamente que o recorrido era director da recorrente (v fls. 26 dos autos), pelo que a pretensão do recorrido é fundamentada.
10. No entanto, será que a pretensão é suficientemente fundamentada e produz efeito de procedência? Isso é outra questão que tem nada a ver com a litigância de má fé.
11. Além disso, de acordo com a Lei das relações de trabalho, o empregador deve pagar ao trabalhador uma remuneração justa quando se encontra relação laboral.
12. Só que a quantia desta remuneração foi acordada oralmente entre o recorrido e a recorrente.
13. Pelo que, o pedido da recorrente (sic.) também é racional.
14. Também não se verificou as circunstâncias previstas no art.º 385.º, n.º 1, al.s b), c) e d) do Código de Processo Civil.
15. Só que não se prova na audiência de julgamento a existência da relação laboral.
16. Portanto, a remuneração que vem da relação laboral também será afectada.
17. Mas isso não representa a inexistência desta relação laboral.
18. Deve-se saber que a causa da improcedência é vária.
19. Quanto à acção civil, a procedência depende do ónus probatório das partes, a insuficiência da prova aumenta o risco da improcedência.
20. Será que a recorrente entende que a parte vencida por insuficiência da prova constitui possivelmente litigante de má fé?
21. Face ao exposto, peço ao Tribunal que julgue improcedente o recurso e rejeite-o por ser improcedente a fundamentação.
Face ao exposto, peço ao Tribunal que julgue improcedente o recurso e rejeite-o e mantenha a decisão recorrida.
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Recorreu jurisdicionalmente também o autor, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
a). Na sentença recorrida não se provou a existência da relação laboral entre o recorrente e a recorrida, pelo que não se considerou provado tal facto. (v fls. 240v dos autos)
b). O recorrente não se entende assim,
c). Através das informações gravadas durante a audiência de 21 de Março de 2011, a testemunha F indicou para o Tribunal que o recorrente era trabalhador da recorrida e assumia o cargo de director, trabalhava na companhia desta e deslocava-se frequentemente para o prédio por gestão desta para realizar a inspecção, e responsabilizava-se, com pleno poder, pelos assuntos dos gestores prediais.
d). Apesar de a testemunha ter declarado que ele trabalhava para companhia C, isso não afecta a credibilidade do depoimento prestado por este sobre o facto de o recorrente ter trabalhado na companhia da recorrida, isso porque a testemunha tinha sido transferida para o prédio por gestão da recorrida para prestar serviços e tinha contacto com o recorrente no trabalho.
e). No funcionamento comercial, empregador que possuir mais de uma companhia requer possivelmente, de forma oral, que os seus trabalhadores assumam por inerência, ou sejam transferidos para assumir, os cargos similares nas diferentes companhias possuídas por aquele, sem celebrar outro contrato escrito, a fim da redução de custos operacionais,
f). Dos depoimentos da testemunha F resulta que durante o funcionamento da companhia C e da recorrida, também existe situações de os empregadores requererem, de forma oral, que os trabalhadores assumam por inerência, ou sejam transferidos para assumir, outros cargos.
g). Verifica-se tal situação quanto ao recorrente, que era empregado pela companhia C, mas assumiu por inerência, a pedido do accionista da recorrida, D, o cargo de director da recorrida.
h). O recibo do empréstimo no anexo 10 da contestação foi assinado pelo recorrente. Comparada a assinatura no recibo referido com as “assinaturas do director” nos documentos da companhia da recorrida, constantes a fls. 20 e 22 dos autos, não é difícil formar uma conclusão de que as assinaturas são similares e devem ser da mesma pessoa.
i). Isso revela-se que há indícios de o recorrente ter assumido cargo de director de serviço da recorrida, isto quer dizer que aquele era trabalhador da recorrida.
j). Tendo em conta as regras da experiência, a realidade do funcionamento comercial e os depoimentos da testemunha F, é suficiente para o reconhecimento da relação laboral entre o recorrente e a recorrida, que se considera como facto provado.
k). A testemunha G declarou no seu depoimento que era trabalhadora da recorrida (v fls. 227v dos autos), no entanto, não se encontrou as informações da testemunha no guia da contribuição para a segurança social constantes de fls. 86 a 94 dos autos.
l). Pelo que, o recorrente tem razão para questionar a credibilidade dos depoimentos prestados pela testemunha G.
m). Face ao exposto, a decisão recorrida padece do vício na matéria de facto, peço que o Tribunal altere a decisão recorrida sobre a matéria de facto, e determine a renovação dos meios de prova nos termos do art.º629.º do Código de Processo Civil, e julgue a existência duma relação laboral entre o recorrente e a recorrida.
n). Condena então a recorrida no pagamento de remuneração ao recorrente.
Face ao exposto, peço ao Tribunal que julgue procedente o recurso e, altere a decisão recorrida sobre a matéria de facto, e determine a renovação dos meios de prova e julgue a existência duma relação laboral entre o recorrente e a recorrida e condene a recorrida no pagamento de remuneração ao recorrente. Também peço a concessão do apoio judiciário e a dispensa total do pagamento dos encargos processuais.
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A ré, por seu turno, respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões alegatórias:
1. Nos termos do art.º 13.º, n.º 4 do Código de Processo do Trabalho, os prazos para a apresentação de quaisquer requerimentos cujo início de contagem dependa da notificação da decisão final, designadamente os de recurso, contam-se a partir da data da notificação ao mandatário ou patrono oficioso.
2. Nos termos do art.º 111.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, o recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão de que se recorre.
3. Pelo que o prazo para a interposição de recurso deste processo iniciou-se desde a notificação da decisão ao patrono original do recorrente. O Tribunal notificou o patrono original da decisão em 8 de Abril de 2011, pelo que o respectivo prazo começou em 12 de Abril de 2011.
4. O processo tem natureza urgente nos termos do art.º 5.º do Código de Processo do Trabalho, pelo que o prazo não se suspendeu durante as férias judiciais. Desta forma, o prazo do recurso teve lugar em 21 de Abril de 2011.
5. O recorrente requereu a nomeação de novo do patrono e o patrono original deste pediu a escusa. Mais tarde, o Tribunal nomeou o novo patrono.
6. A mudança do patrono do recorrente não suspende nem interrompe a contagem do prazo do recurso.
7. O recorrente apresentou o requerimento do recurso em 29 de Abril de 2011 e a motivação, através de fax, em 5 de Maio de 2011.
8. Pelo que o requerimento do recurso e a motivação foram apresentados fora do prazo legal.
9. Caso os Exm.os Juízes tenham diferentes opiniões e entendam que o prazo para a interposição do recurso suspende-se durante as férias judiciais.
10. A mudança do patrono nomeado do recorrente não suspende nem interrompe o prazo para a interposição do recurso, pelo que a data final do prazo é 3 de Maio de 2011.
11. A contagem do prazo iniciou-se após o patrono nomeado original ter sido notificado da decisão, isto quer dizer que, a notificação do Tribunal foi emitida em 8 de Abril de 2011, considerando-se recebida a mesma em 11 de Abril de 2011, pelo que o prazo para a interposição do recurso correu desde 12 de Abril de 2011 e, decorridos 5 dias desde 12 a 16 de Abril, as férias judiciais começaram em 17 de Abril e terminaram em 25 de Abril, portanto, o prazo voltou a correr em 26 de Abril, que se considerou como o seu sexto dia. O dia 30 de Abril é o décimo dia do prazo, porém, os dias entre 30 de Abril e 2 de Maio não foram dias oficiais dos tribunais, pelo que, a data final para a interposição do recurso foi 3 de Maio.
12. Apesar de que o recorrente tinha apresentado em 29 de Abril de 2011 o requerimento do recurso, este não foi acompanhado com a sua motivação nos termos do art.º 111.º, n.º 5 do Código de Processo do Trabalho, sendo esta apresentada, em 5 de Maio de 2011, através de fax, para o Tribunal Judicial de Base. Pelo que deve considerar-se interposto o recurso em 5 de Maio de 2011.
13. Nos termos do art.º 1.º do Código de Processo do Trabalho e art.º 95.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto. Pelo que, deve rejeitar o recurso ou não o admitir.
14. Caso não se entendam assim, por o teor da motivação do recorrente questionar os factos não provados nos autos, isto quer dizer que, o recorrente questionou a apreciação das provas.
15. Pelo que, as alegações nos pontos 1 a 32 anteriores questionam a convicção os Exm.os Juízes do Tribunal Judicial de Base, o qual é totalmente inaceitável e carece de fundamentos de facto e de direito.
16. Pelo que, a motivação do recorrente não é nada fundamentada e viola os dispostos nos artigos 558.º, n.º1 e 567.º do Código de processo Civil. Nestes termos, o recurso deve ser não admitido OU recusado.
17. Das alegações nos pontos 5, 11, 22, 29 da motivação do recorrente resulta que a motivação carece plenamente de fundamentos de facto e de direito.
18. O recorrente indicou uma gravação de testemunha a fim de comprovar a existência de relação laboral entre este e a respondente através da única testemunha, fundamento esse é totalmente improcedente.
19. Os teores nos pontos 1 a 32 da motivação carecem de fundamentos de facto e de direito, torcendo o sentido dos depoimentos. Pelo que, deve não admitir o recurso ou rejeitá-lo.
20. Nos pontos 31 a 33 da motivação o recorrente questionou a credibilidade dos depoimentos prestados por uma das testemunhas, isto quer dizer que ele questionou a convicção dos Exm.os Juízes do TJB, o qual é inaceitável e sem fundamentos de facto e de direito.
21. O recorrente entendeu que a decisão recorrida incorreu em vício na matéria de facto e pediu ao Tribunal que alterasse a decisão recorrida sobre a matéria de facto, e determinasse a renovação dos meios de prova nos termos do art.º 629.º do Código de Processo Civil, e julgasse a existência duma relação laboral entre o recorrente e a recorrida.
22. No entanto, o recorrente não indicou na sua motivação que a decisão recorrida careceu de quais vícios, quer dizer a motivação não indicou quais os vícios em que a decisão recorrida incorreu.
23. Pelo que, há inentendibilidade e inépcia da motivação. Nos termos do art.º 394.º, n.º1, al. a) e art.º 139.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil, rejeita-se os pedidos do recorrente.
24. O recorrente requereu que fosse anexado um documento para comprovar a existência de relação laboral entre o recorrente e a recorrida.
25. Tal documento não é um certificado nem documento notarial, mas sim, puramente, uma declaração feita por uma pessoa comum, sendo aquele um documento particular sem nenhum efeito probatório.
26. O documento ora apresentado pelo recorrente só é uma declaração, feita por um subordinado deste, do facto de o recorrente ser superior hierárquico directo dele. Para ser prova este teor, deve o recorrente apresentar a testemunha nos termos do art.º 35.º do Código de Processo do Trabalho, para que esta deponha oralmente na audiência de julgamento ao abrigo do art.º 440.º do Código de Processo Civil, mas não que apresente um documento por si assinado.
27. O ora certificado foi apresentado, evidentemente, fora do prazo e viola os dispostos acima referidos. Por não preencher os dispostos nos artigos 616.º e 451.º do Código de Processo Civil, deve o documento ser recusado ou desentranhado.
28. Face ao exposto, a decisão recorrida não padece da situação referida no art.º 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, e o recurso interposto pelo recorrente não tem nenhum fundamento de direito e de facto, pelo que deve ser rejeitado.
Face ao exposto e de acordo com a lei, peço aos Exm.os Juízes que não admitam o recurso ou rejeitem-no, e julguem-no improcedente.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
O Tribunal entende provados, de acordo com os depoimentos da testemunha e as provas documentais nos autos, os factos, nomeadamente:
O autor trabalhava na Companhia C entre 1 de Agosto de 1997 e 29 de Abril de 2003, assumindo o cargo de director. (A)
O autor pediu a D um empréstimo no valor de MOP$12.000,00. (Dúvida 15)
D emitiu um cheque pessoal no valor de MOP$12.000,00 para emprestá-lo ao autor. (Dúvida 16)
O cheque no anexo 4 da petição foi emitido puramente a fim do empréstimo (Dúvida 17).
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III- O Direito
1- Introdução
Foram dois os recursos interpostos:
- Um pela ré, inconformada com a decisão de improcedência do pedido de condenação do autor como litigante de má fé;
- Outro pelo autor, que se insurge contra o julgamento da matéria de fato, sustentando a existência de uma relação laboral entre si e a ré demandada.
Comecemos por este, face à precedência lógica (com prejuízo da cronológica) com que se apresenta em relação àquele.
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2- Do recurso do autor
O autor tinha desenhado na causa de pedir uma relação laboral alegadamente incumprida pela ré. O julgamento da matéria de facto, porém, mostrou uma outra realidade: não havia a relação laboral invocada pelo autor!
O recorrente, esse, continua a achar que sim, e é para tentar demonstrar o erro cometido na 1ª instância a respeito do julgamento da matéria de facto que ora se esforça no recurso. Em sua opinião, apesar de ser empregado da Companhia C, era também, por inerência, e a pedido do accionista da recorrida, o director desta.
Para fundamentar o erro de julgamento da matéria de facto efeito, lança mão do depoimento da sua única testemunha F.
Ora, o depoimento desta testemunha – transcrito por ordem do relator e traduzido a fls. 87 a 92 do apenso”traduções” – não comprova essa afirmação.
Com efeito, esta testemunha – que foi empregado de “C”- viu o autor a fazer serviço para “B” a fazer “patrulha” e a prestar serviço de “administrador-geral”. No entanto, também acabou por reconhecer que o autor A era empregado da companhia C (fls. 91, “fine” e 92 do apenso “traduções”).
Por outro lado, quando inquirida sobre qual a entidade patronal que pagava o salário a A, acabou por responder que nada sabia (fls. 92 do apenso “traduções”) e que também ignorava se ele auferia algum rendimento de “B” (fls. 88 do apenso”traduções”).
Pode até ser verdade (é possível que sim; não o afirmamos) que D seja accionista simultaneamente de C e da ré (tal como o afirma o autor recorrente a fls. 48 das suas alegações) e que, por essa razão, tenha ordenado ao autor que, temporariamente fosse prestar algum serviço para a sua outra empresa (ré). Se tal aconteceu, isso poderá ter-se devido a relações internas de cooperação e colaboração entre ambas as sociedades em razão da existência de um accionista comum. Mas, o facto de, nessa hipótese, o autor ter trabalhado para outra empresa do mesmo patrão não significa que aquele tenha passado a ser empregado desta. Poderá isso não ter passado de uma ordem (ou de um pedido, como o afirmou o recorrente) no sentido da mera mudança temporária, isto é, de uma transferência, do local de trabalho do autor/empregado.
Por conseguinte, o que urge dizer é que os autos não reúnem provas da existência de uma relação laboral entre o autor da acção, A, e a ré demandada, a aqui recorrida “Companhia B”. Nem sequer se percebe que alguém, empregado de uma entidade patronal, possa ser empregado de outra por inerência, situação para que o recorrente também aponta. Se o recorrente quer dar ao vocábulo “inerência” o atributo de “estar afecto a”, “ligado a”, aqui a semântica não lhe presta auxílio. Na verdade, prestar serviço numa empresa de um mesmo accionista, embora inscrito no rol de empregados de outra empresa da mesma pessoa, não significa que se seja empregado de uma e de outra. Para o ser, teria que haver dois contratos, duas relações de subordinação, duas entidades pagadoras, etc. E isso não se provou, nem os autos contêm elementos que façam inflectir o julgamento efectuado na 1ª instância.
Assim sendo, não há que alterar a matéria de facto à míngua dos dados que o permitam fazer (art. 629º do CPC).
E, por isso, andou a sentença em julgar a acção improcedente.
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3- Do recurso da ré
Entendia a ré já na sua contestação que o autor da acção devia ser condenado como litigante de má fé. E isto, por o autor ter vindo demandá-la com base numa pretensa relação laboral que nunca existiu e dando a um facto invocado (pagamento referido em 12 a 14 da p.i.) um sentido que nada corresponde com a realidade, pois o que se passou foi um simples empréstimo de dinheiro. Assim, estariam verificados os requisitos para a punição em multa e indemnização como litigante de má fé, nos termos dos arts. 385º e 386º do CPC.
A sentença, porém, considerou improcedente este pedido, dizendo: “Apesar da improcedência dos pedidos deduzidos pelo autor, este Tribunal entende improcedente o pedido de litigância de má fé deduzido pela ré tendo em conta que a conduta do autor não preenche as situações referidas no ponto anterior” (o “ponto anterior” seria o que respeitava aos requisitos do art. 385º do CPC que tinha sido transcrito).
Se repararmos bem nos fundamentos do pedido do autor e na versão que a ré trouxe aos autos, vê-se que o autor não conseguiu demonstrar ser a sua tese verdadeira, tanto no que respeita à remuneração do trabalho prestado pelo autor à ré (a que o autor dizia ter sido acordado verbalmente) como ao sentido e significado da entrega de um cheque feita por esta àquele.
No que respeita à relação laboral, a sua posição naufragou totalmente.
Contudo, o facto de não ter demonstrado a existência de uma relação laboral com a ré/demandada não significa que o facto invocado era falso. Isto é, o autor podia estar convencido que essa relação laboral existia e que tinha motivos factuais para o demonstrar. Não o conseguiu, é certo. Simplesmente, tal não prova que o seu propósito fosse falsear a verdade ou deturpar a realidade dos factos. Isto é, por não se ter dado por provado um facto, tal não significa que não seja verdadeiro16. Portanto, no que essa parte da causa de pedir não cremos que haja razão para concluir pela má fé.
No que respeita ao cheque, pergunta-se:
- Seria pagamento parcial do valor em dívida pelo serviço prestado por aquele, empregado que era de C, enquanto prestou serviço para B, Lda? Se assim fosse – era a tese do autor – então estaria aberto o caminho para se pensar que, realmente, esteve em acumulação remunerada de cargos.
- Ou seria um empréstimo de dinheiro titulado pelo referido cheque e que o accionista D fez ao autor? Se assim fosse provado, então seria grande a ousadia do autor em demandar alguém com base num facto que sabia não corresponder ao sentido real e subjacente.
Ora, apesar de a versão dos factos do autor ter sido levada à Base Instrutória, o certo é que nada do que afirmava conseguiu ser provado. Pelo contrário, a única coisa que se provou foi que a importância de Mop$12.000,00 que o autor recebeu de D, por intermédio de um cheque, aconteceu a título de empréstimo e a pedido expresso do autor.
Sendo assim, o autor tentou obter uma decisão que sabia não se mostrar ajustada à realidade. Quer dizer, tentou extrair do cheque um pagamento remuneratório, apesar de a prova obtida revelar que ele tinha em vista a realização de um empréstimo feito ao autor, a pedido deste. Este dado é importantíssimo e decisivo no sentido de revelar o grau de censurabilidade imputável ao autor porque se tratava de um facto em que ele mesmo, o autor, esteve envolvido, já que assente num acto propulsivo seu, traduzido num pedido de empréstimo (portanto, nessa medida, pessoal).
Fez, portanto, um reprovável e abusivo uso do processo na dedução do pedido, com alteração da verdade dos factos, e isso encaixa bem no quadro de previsão do art. 385º, nº2, al. a) e b), do CPC. Serviu-se do tribunal para reverter em proveito próprio factos que sabia terem outro alcance, num comportamento que assim se reputa contrário à ideia de um processo justo e leal17 e atentatório do dever de cooperação e probidade.
Quer dizer, não basta dizer que o autor não conseguiu provar a sua “verdade”, pois muitas vezes acontece que o demandante não tem jeito ou sorte em provar os factos da causa de pedir. E isso não significa, necessariamente, que ele tenha intenção de alterar a verdade material dos factos, sendo até possível que muitas vezes a falta de prova não equivale a dizer que os factos não são verdadeiros.
Mas, neste caso, além de não conseguir provar a causa de pedir, o que a ré provou é suficiente para revelar o espírito abusivo com que o autor veio ao processo tentar obter a sua condenação. E isto é muito censurável.
Deveria, assim, a sentença ter condenado em multa, nos termos desse artigo.
O mesmo facto, porém, não se nos afigura suficiente para a condenação em indemnização nos termos do art. 386º do CPC. Com efeito, o que foi relevante para a improcedência da acção não foi a prova deste facto concernente ao cheque, mas sim a ausência de prova da relação laboral. Mesmo que esta questão do cheque não tivesse sido equacionada, nem por isso a acção iria ter um desfecho diferente. Portanto, este facto isolado não nos parece ser de molde à indemnização a favor da ré/ora recorrente.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
1- Negar provimento ao recurso interposto pelo autor.
2- Conceder provimento ao recurso interposto pela ré e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte referente ao pedido de condenação de má fé e, por essa razão, condenar o autor da acção em 3 U.C. (Art. 101º, nº2, do R.C.J.).
Custas pelo recorrido/autor, em ambas as instâncias, sem prejuízo do apoio judiciário.
Honorários ao defensor oficioso no recurso (alegou e contra-alegou): Mop$ 2.200,00.
TSI, 01 / 03 / 2012
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 355.
2 Ana Prata, Dicionário Jurídico, Almedina, 4.a Edição, pág. 728.
3 M. Andrade, Noções Elementares do Processo Civil, 1979-356
4 Idem.
5 Acs. TC, 23.º-323
6 A. dos Reis, CPC Anot., 2.º-263.
7 Ac. N.º 442/91, do T. Const., de 20.11.1991; BMJ, 411.º-611, e Acs. TC, 20.º-469.
8 Idem
9 Ac. N.º 389/99 do Trib. Consti., de 23.6.1999 (DR, II, de 8.11.1999, págs. 16765 e ss.).
10 Ac. RP, de 20.2.1991; BMJ, 404.º-515.
11 Ac. STJ, de 21.2.1991: AJ, 15.º/16.º-33).
12 Ac. RC, de 21.4.1992: BMJ, 416.º-723 e Ac. RC, de 24.11.1992: BMJ, 421.º-514.
13 Ac. STJ, Proc.º n.º 679/96-2.a, de 9.1.1997: Sumários, 7.º.
14 Ac. STJ-7.a, de 6.1.2000: Sumários, 37.º-29.
15 Ac. STA-Pleno, de 5.6.2000: AD, 466.º-1302.
16 Neste sentido, na jurisprudência portuguesa, ver v.g., Ac. da R. L, de 29/06/2006, Proc. nº 4673/06-2.dgsi.Net.
17 Ac. TUI, de 13/01/2010, Proc. nº 42/2009.
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