Processo nº 812/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 19 de Abril de 2012
ASSUNTO:
- Intervenção acessória
SUMÁRIO:
- Na intervenção acessória, o chamando tem simplesmente uma mera conexão com a relação material controvertida.
- A função do interveniente acessório no processo é auxiliar na defesa do réu, com vista a evitar um prejuízo que indirectamente lhe possa decorrer da decisão da causa, e nunca fazer valer um direito próprio como parte principal.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 812/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 19 de Abril de 2012
Recorrente: A, Limitada (Ré)
Objecto do Recurso: Despacho que indeferiu o pedido de intervenção acessória
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por despacho de 31/05/2011, indeferiu-se o pedido de intervenção acessória da B (MACAU) LIMITIDA formulado pela Ré.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. Face à sua extemporaneidade, tudo se passa, no caso ora em apreço, como se não tivesse havido oposição da Autora, considerando-se reconhecidos os factos relativos à matéria do incidente, pelo que devia o Tribunal a quo ter ordenado a citação da Chamada.
B. Por isso, ao indeferir o chamamento da B, sem que a Autora tivesse deduzido oposição ao incidente da intervenção acessória dentro do prazo legal, a decisão ora recorrida violou o disposto no art.º 245.°, n.º 3, ex vi do art.º 410.° ex vi do art.º 424, todos do CPCM, pelo que deverá ser revogada, com as legais consequências.
C. Quanto ao argumento de que não existe lei nem contrato que atribua o que atribua o direito de regresso à Ré no caso ora em apreço, importa não perder de vista que o conceito de acção de regresso do incidente da intervenção acessória não é coincidente com o do direito de regresso dos art.ºs 490.°, n.° 2, 514.°, n.° 1 e 517. ° do CCM, sendo que o prejuízo do réu da acção de regresso é o derivado da perda da demanda, ou seja, da condenação da causa principal.
D. Quanto ao argumento de que a Ré configurou a Chamada B como o verdadeiro e único responsável perante a Autora pelo pagamento dos serviços prestados, o mesmo falece face ao expressamente alegado no artigo 21.° da Contestação, não sendo, portanto, aplicáveis à situação sub judice, os ensinamentos do Acórdão do STJ, de 24.08.1983, in BMJ, 326, 419.
E. Quanto ao argumento de nada prejudicar que a R. posteriormente intenta nova acção contra a B, a fim de obter o pagamento de rendas fixadas entre eles, o mesmo também não procede, dado que, se a Ré posteriormente intentar nova acção contra a B, sem que nesta tenha requerido a sua intervenção acessória, correrá o sério risco de perder o direito à indemnização, conforme referem XXX in ob. cit.
F. Quanto ao argumento que face as duas relações jurídicas controvertidas e diferentes, não nos parece justificar o Regime de Intervenção Acessória Provocada, o mesmo não procede porque o o que importa para efeitos da admissão da intervenção acessória prevista nos arts. 272.º e ss. do CPCM é que essas duas relações juridicas controvertidas e diferentes sejam conexas.
G. Esta conexão entre a relação controvertida e a designada acção de regresso requer apenas que a pretensão de regresso se apoie no prejuízo decorrente da perda da acção principal, que é exactamente o que sucede no caso "sub judice", dado que, conforme alegado nos artigos 20.° e 21.° da Contestação, se os serviços a que se referem o documento 3 tiverem efectivamente sido prestados pela Singapura à B, a A será condenada a pagá-los, se outra razão a tanto não obstar, sem prejuízo do seu direito de regresso sobre a B.
H. E, quanto a este ponto parece não haver dúvida de que por força dos termos do acordo entre a A e a Chamada B, a que se referem os artigos 8.° e 10.° a 15.° da Contestação - a chamada B assumiu a obrigação de pagar à Ré A os serviços em causa conquanto hajam sido efectivamente prestados pela Singapura (art.º 14.°, 20.° e 21.° da Contestação).
I. Sendo distintas a relação Autora/Ré e Ré/Chamada, contudo há conexão entre ambas, a qual resulta de a condenação da Ré fazer nascer para si o direito de exigir da Chamada B a restituição do que vier a desembolsar, isto é, o direito de regresso.
J. A Ré tem assim um direito de regresso contra a Chamada com base na relação jurídica que estabeleceu com ela, que é necessariamente distinta da relação intervenção que estabeleceu com a Autora.
K. Por último, a Chamada tem apenas um interesse reflexo relativamente à relação jurídica de que são sujeitos a Autora e a Ré, interesse que, como se disse, resulta de, no caso de esta ser condenada poder ter que assumir o pagamento da respectiva indemnização em ulterior acção de regresso.
L. Verifica-se, pois, também o requisito de que "o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal" previsto no art.º 272.°, n.º 1 do CPCM.
M. Pelo exposto, justifica-se a intervenção acessória da Chamada B, nada obstando a que seja deferido o seu chamamento nos termos em que foi requerido.
Pedindo no final que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que defira o seu pedido de intervenção acessória.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Com base nos documentos juntos aos autos, fica assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
- Na contestação, a Ré requereu a intervenção acessória de um terceiro com os seguintes fundamentos (artºs 16º a 23º da contestação, fls. 30v e 31 dos autos):
1. Foi à B (Macau) Limitada (B澳門有限公司) que foram prestados os serviços cujo pagamento a Singapura ora peticiona em juízo contra a A.
2. Sucede que o preço exigido pela Singapura não é devido.
3. Isto porque, no fim de Março de 2007, para comprovar os dias e as horas em que os serviços foram efectivamente prestados, a B decidiu que os respectivos comprovativos deveriam ser assinados por dois funcionários determinados da B, designadamente o XXX e XXX.
4. Assim, como, desde do mês Abril de 2007 que os comprovativos dos serviços cujo preço a Singapura ora peticiona não foram assinados pelo XXX e XXX, nem por quaisquer outros funcionários da B, tal significa que a B não confirmou que os serviços foram realmente prestados pela Singapura.
5. Ora, não tendo a B confirmado a prestação dos serviços pela Singapura, tal significa que a B não reconheceu que esses serviços tenham sido efectivamente prestados, razão porque a B não pagou à A.
6. Caso, porém os serviços facturados efectivamente sido prestados pela Singapura à B, a A será condenada a pagá-los, se outra razão a tanto não obstar, sem prejuízo do seu direito de regresso sobre a B.
7. Termos em que em face da viabilidade da accão de regresso e da sua conexão com a causa principal se requer o chamamento da B, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 272.° e ss. do CPCM.
8. O requerente do chamamento protesta apresentar as cópias dos articulados já oferecidos, se a intervenção for admitida.
- No mesmo articulado, a Ré alegou ainda que:
1. Conforme alegado no artº 8º deste articulado, a B é o cliente da A que recebeu os serviços da Singapura directamente.
2. De facto, o que sucedeu foi que a A actuou como intermediário, i.e. contratou a Singapura para prestar serviços à B, facturando depois esses serviços à própria B.
- A Autora foi notificada da contestação onde foi suscitado o incidente da intervenção acessória por carta expedida em 17/12/2010.
- Em 01/02/2011, a Autora apresentou a réplica, onde deduziu a sua oposição ao incidente em referência.
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III – Fundamentos
O objecto do presente recurso consiste em apurar se o tribunal a quo andou bem em indeferir do pedido da intervenção acessória formulado pela Ré.
Na óptica da Ré, como a oposição do chamamento da Autora foi apresentada fora do prazo legal, a mesma não deveria ser atendida, operando assim os efeitos da revelia nos termos do nº 3 do artº 245º do CPC, ou seja, consideram-se reconhecidos os factos relativos à matéria do incidente.
Nesta conformidade, o tribunal a quo deveria deferir o chamamento requerido e mandar citar a chamada.
Ao não fazer assim, violou o disposto nos artºs 245º, nº 3, 410º e 424º, todos do CPC.
Quid iuris?
Antes de mais, ainda que houver o reconhecimento dos factos alegados por falta de oposição, o mesmo não implica necessariamente o deferimento da intervenção acessória requerida, já que para o efeito, têm de resultar dos factos reconhecidos todos os pressupostos legais.
Nos termos do nº 1 do artº 272º do CPCM, “o réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir com auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal”.
Como se deve notar um dos requisitos da intervenção acessória é justamente a de que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
No caso em apreço, tendo em conta os factos alegados pela Ré para sustentar o seu chamamento da intervenção acessória de B (Macau) Limitada, não se nos afigura que a sua pretensão possa ser deferida, já que segundo a sua configuração, i.e., ela é um mero intermediário que contratou a Autora para prestar serviços à B e “foi à B (Macau) Limitada que foram prestados os serviços cujo pagamento a Singapura ora peticiona em juízo contra a A”, pelo que a chamanda B é sujeito próprio da relação material controvertida tendo, assim, toda a legitimidade para intervir nos autos como parte principal.
Veja-se:
Caso vierem provados os factos acima referidos, a Ré nunca seria condenada no pagamento peticionado pela Autora, por não ser devedor da mesma; quem deveria ser é a chamanda B (Macau) Limitada.
A função do interveniente acessório no processo é auxiliar na defesa do réu, com vista a evitar um prejuízo que indirectamente lhe possa decorrer da decisão da causa, e nunca fazer valer um direito próprio como parte principal.
Em bom rigor, o instituto adequado seria o da intervenção principal provocada prevista no artº 267º do CPCM, nos termos do qual “Qualquer das partes pode chamar a juízo os interessados com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”.
A diferença entre uma e outra é justamente a de que na intervenção acessória, o chamando tem uma mera conexão com a relação material controvertida ao passo que na intervenção principal, ele é o próprio titular da relação material controvertida.
Pelo exposto e sem necessidade de mais delongas, é de julgar improcedente o recurso.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
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Custas do recurso pela recorrente.
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Notifique e registe.
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RAEM, aos 19 de Abril de 2012.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
9
812/2011