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Processo n.º 235/2011 Data do acórdão: 2012-4-26 (Autos de recurso penal)
  Assuntos:
– art.o 148.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
– art.o 86.o do Código da Estrada
– execução da suspensão da validade da licença de condução
– notificação do condenado
– cassação da licença
– condenação anterior
– suspensão da execução da pena
– art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
S U M Á R I O
1. O prazo de suspensão da validade da licença de condução, decretado em sentença condenatória por factos praticados em Janeiro de 2007, tem que continuar, aliás por força do art.o 148.o, n.o 1, da actual Lei do Trânsito Rodoviário, a ser contado a partir da notificação do condenado feita pela entidade encarregada de execução da suspensão da validade da licença, sob a égide da norma processual do art.o 86.o do anterior Código da Estrada.
2. Atenta a conduta delinquente do recorrente também por causa de condução, já reflectida em decisões condenatórias de outros dois processos anteriores, é impensável que a suspensão da execução da sanção da cassação da sua licença de condução por que vinha condenado nesta vez já consiga realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mormente em sede de prevenção especial de crimes por causa de condução automóvel, daí que mesmo que ele seja condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos, não se pode formular qualquer juízo de prognose favorável para efeitos de suspensão da execução dessa sanção à luz do art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 235/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 89 a 91v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR3-09-0006-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), que o condenou como autor material de um crime consumado de “condução durante o período de interdição de condução”, p. e p. conjugadamente pelo art.o 92.o, n.o 1, da Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio (Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR) e pelo art.o 312.o, n.o 2, do vigente Código Penal (CP), na pena de três meses de prisão (suspensa na sua execução por um ano), com cassação da licença de condução, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para assacar a essa decisão judicial:
– o erro na decisão incriminatória (porquanto da boa interpretação do art.o 143.o, n.o 1, da LTR, em confronto com o art.o 121.o, n.os 6 e 7, da mesma Lei, haveria que resultar que na noite de 8 de Agosto de 2008 em que ele foi apanhado pela Polícia a conduzir um táxi, já teria decorrido todo o período de três meses de suspensão da validade da sua licença de condução como tal decretado na anterior decisão condenatória de 13 de Setembro de 2007 do TJB, apesar de ele só ter entregue a licença de condução ao Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) em 13 de Junho de 2008 e ter sido notificado nesse próprio dia pelo CPSP de que ficava proibido de conduzir no prazo de três meses contado desse mesmo dia, pelo que ele não deveria ter sido condenado na sentença ora recorrida como autor da prática do crime do art.o 92.o, n.o 1, da LTR);
– e, subsidiariamente, a falta de ponderação completa de todas as circunstâncias provadas a seu favor (tais como as circunstâncias de ele ser um condutor profissional de cinquenta e tal anos de idade e apenas com 4.o ano do ensino secundário como habilitações literárias, e com o pai e o filho a seu cargo) para efeitos de suspensão da execução da sanção de cassação da licença nos termos do art.o 109.o, n.o 1, da LTR (sendo, pois, certo que a cassação da licença de condução iria acarretar-lhe natural dificuldade em arranjar outro tipo de trabalho para o sustento dele e das pessoas a seu cargo).
Pediu, assim, o arguido a sua absolvição da responsabilidade penal a si imputada, ou, subsidiariamente, a suspensão da execução da sanção da cassação da licença de condução (cfr. o teor da motivação de recurso, apresentada a fls. 97 a 103 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador (a fls. 107 a 109) no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 118 a 120), preconizando a manifesta improcedência do recurso.
Feito subsequentemente o exame preliminar (em sede do qual se entendeu dever o recurso ser decidido em conferência) e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
De acordo com a fundamentação fáctica da sentença ora recorrida, ficou provado inclusivamente o seguinte:
– por decisão de 13 de Setembro de 2007 do TJB, a validade da licença de condução do arguido ficou suspensa por três meses;
– em 13 de Junho de 2008, o arguido, em conformidade com a dita sentença do TJB, entregou a sua licença de condução ao CPSP, sendo notificado pelo CPSP de que a validade da sua licença de condução ficava suspensa no prazo de três meses contado desse mesmo dia;
– o arguido assinou pessoalmente a notificação do CPSP em causa;
– em 8 de Agosto de 2008, cerca das 09h20m da noite, o arguido conduziu o táxi de chapa de matrícula n.o M-XX-XX, que foi mandado parar pelo CPSP para efeitos de investigação;
– o arguido soube que a sua conduta era violadora da lei e como tal era punível;
– o arguido tem por habilitações literárias o 4.o ano do ensino secundário, é condutor e aufere cerca de oito mil patacas por mês, e precisa de sustentar o pai e o filho;
– em 27 de Fevereiro de 2009, o arguido foi condenado no âmbito do Processo n.o CR3-08-0061-PCS, pela prática de um crime de ofensa negligente à integridade física, p. e p. pelo art.o 142.o, n.o 1, do CP e pelo art.o 66.o, n.o 1, do anterior Código da Estrada (CE), na pena de um ano e um mês de prisão, suspensa na sua execução por dezoito meses, com suspensão da validade da sua licença de condução por três meses, pena essa ainda não declarada extinta;
– em 26 de Março de 2010, o arguido foi condenado no âmbito do Processo n.o CR2-09-0279-PCS, pela prática de um crime de fuga à responsabilidade, p. e p. pelo art.o 89.o da LTR, na pena de trinta e cinco dias de multa, à taxa diária de setenta patacas (no total de duas mil, quatrocentas e cinquenta patacas de multa, convertível em vinte e três dias de prisão no caso de não ser paga), e na interdição de condução automóvel por três meses;
– o arguido confessou na audiência os factos.
Outrossim, consta de fls. 7 a 8v dos autos subjacentes à presente lide recursória a cópia da sentença referida no primeiro facto provado acima referido, então proferida em 13 de Setembro de 2007 no Processo Contravencional n.o CR1-07-0415-PCT do 1.o Juízo Criminal do TJB, da qual constando como provado que o arguido, em 9 de Janeiro de 2007, cerca da 01h10 da madrugada, conduziu um motociclo pesado na Ponte de Amizade e aconteceu um acidente de viação, na sequência do qual e em tese feito em hospital, lhe foi detectada uma taxa de álcool no sangue superior à permitida.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
São, pois, apenas as duas questões seguintes a apreciar: a questão principal de alegado erro de direito na interpretação das normas da LTR sobre a contagem do prazo de suspensão da validade da licença de condução outrora imposto na acima referida sentença de 13 de Setembro de 2007, e a questão subsidiária de almejada suspensão da execução da sanção de cassação da licença de condução.
Quanto à primeira das questões, é patente a sem razão do recorrente, uma vez que independentemente da justeza, ou não, da interpretação por ele dada às normas dos art.os 143.o, n.o 1, e 121.o, n.os 6 e 7, da LTR, o prazo de três meses de suspensão da validade da sua licença de condução, decretado naquela sentença de 13 de Setembro de 2007, por factos praticados em 9 de Janeiro de 2007, tem que continuar, aliás por força do art.o 148.o, n.o 1, da LTR, e tal como já observou perspicazmente o Ministério Público na resposta ao presente recurso e no subsequente parecer emitido, a ser contado a partir da notificação do condenado feita pela entidade encarregada de execução da suspensão da validade da licença, sob a égide da norma processual do art.o 86.o do CE, ainda aplicável ao ora recorrente, segundo a qual “A execução da sentença que suspender a validade da licença de condução ... compete ao Conselho Superior de Viação, directamente ou por intermédio das autoridades policiais fiscalizadoras do trânsito, para o que devem os tribunais remeter ao mesmo Conselho certidão das sentenças condenatórias transitadas em julgado”.
E agora no tocante à questão subsidiária de almejada suspensão da execução da sanção da cassação da licença de condução, é de naufragar também claramente esse desejo do recorrente, porquanto atenta a conduta delinquente dele (também por causa de condução) já reflectida nas decisões condenatórias de outros dois processos penais identificados na parte final da matéria de facto descrita como provada na sentença ora recorrida, é evidentemente impensável que a suspensão da execução da sanção da cassação da sua licença de condução já consiga realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mormente em sede de prevenção especial de crimes por causa de condução automóvel, daí que mesmo que ele seja condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos, não se pode formular concretamente qualquer juízo de prognose favorável (cfr. o critério material exigido no art.o 48.o, n.o 1, do CP) para efeitos de suspensão da execução dessa sanção à luz do art.o 109.o, n.o 1, da LTR.
Evidentemente infundado assim o recurso, o mesmo deve ser rejeitado em conferência, nos termos do art.o 410.o, n.o 1, e 409.o, n.o 2, alínea a), do CPP.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em rejeitar o recurso, por ser manifestamente improcedente.
Custas pelo arguido, com três UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária (referida no art.o 410.o, n.o 4, do Código de Processo Penal) e mil e quinhentas patacas de honorários a favor da Ex.ma Defensora Oficiosa que lhe motivou o recurso e quinhentas patacas de honorários a favor do seu actual Ex.mo Defensor Oficioso, honorários todos esses a adiantar por ora pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 26 de Abril de 2012.
______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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