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Processo nº 856/2011 Data: 27.04.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “gravação e fotografias ilícitas”.
Suspensão da execução da pena.



SUMÁRIO

1. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.

O relator,

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Processo nº 856/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar o arguido A, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de “gravações e fotografias ilícitas”, p. p. pelo art.º 191.º, n.º 2, al. a) do CPM, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, com regime de prova previsto pelo art.º 51.º do mesmo C.P.M..

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Inconformado, o Exmo. Magistrado do Ministério Público recorreu.
Na sua motivação produz as conclusões seguintes:

“1. O Ministério Público acusou o condenado de ter praticado em autoria material e na forma consumada 1 crime de gravações e fotografias ilícitas p. p. pelo art.º 191.º, n.º 2, al. a) do CPM.
2. O tribunal a quo condenou o arguido pela prática dum crime de gravações e fotografias ilícitas na pena de prisão de 8 meses, com suspensão da execução por 2 anos, e com regime de prova previsto pelo art.º 51.º do CPM e acompanhado pelo Instituto de Acção Social.
3. Na determinação da medida da pena, o tribunal a quo não violou a lei, nomeadamente os artigos 40.º, 64.º e 65.º do CPM.
4. Porém, o tribunal a quo não condenou o condenado na pena de prisão efectiva de 8 meses, e o recorrente entende que esta decisão violou o art.º 48.º do CPM.
5. O tribunal a quo atendeu à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, e entendeu que a simples censura do facto e a ameaça da prisão já realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que decidiu suspender a execução da pena acima referida com regime de prova por 2 anos.
6. O Ministério Público não está de acordo.
7. In casu, apesar de ser delinquente primário, o condenado negou desde o início a prática dos factos acusados e não manifestou arrependimento. O condenado é guarda do CPSP, e como agente de autoridade, deve exercer a atribuição de defender a lei e prevenir crimes. O condenado tem conhecimento jurídico profissional, mas ainda cometeu crime e ignorou a lei. De acordo com as circunstâncias concretas no presente processo, o condenado escolheu o Café B situado no C onde se encontra grande número de pessoas para praticar o crime, entrou na casa de banho para mulheres perante o público, pelo que é muito intenso o seu dolo. O condenado tinha plano para praticar o crime e transferiu as provas depois do crime, perturbando dolosamente o processo judicial. As condutas criminosas do condenado não só causaram prejuízo à fé pública na polícia, mas também trouxeram influência negativa à sociedade. A suspensão da execução da pena de prisão não é aceitável para o público e traz influência negativa. Atendendo à personalidade do condenado, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, é difícil crer que o condenado deixará de cometer novos crimes. Por isso, entende-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
8. Por isso, a sentença feita pelo tribunal a quo padece do vício de violação da lei previsto pelo art.º 400.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, conjugado com o art.º 48.º do CPM, e deve-se anular a referida sentença e condenar o condenado na pena de prisão efectiva de 8 meses”; (cfr., fls. 130 a 133-v e 174 a 182).

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Respondendo, afirma o arguido recorrido:

“8. A sentença recorrida não padece do vício de violação da lei indicado no recurso interposto pelo Ministério Público; e
9. Não se encontra na sentença recorrida qualquer circunstância que não foi considerada;
10. Por isso, pede-se ao tribunal superior para indeferir o recurso interposto pelo Ministério Público e manter a sentença recorrida”; (cfr., fls. 142 a 144-v e 183 a 189).

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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando pela procedência do recurso; (cfr., fls. 191).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão dados como provados os factos seguintes:

“Em 21 de Abril de 2011, pelas 18h15, o arguido A, vestindo uma camisa verde e carregando uma mochila preta, entrou no Café B situado no C. Pelas 19 horas, o arguido entrou na casa de banho para mulheres do Café e fixou com chiclete uma câmara pinhole (apreendida aos autos, vide as fotos nas fls. 5 dos autos) ao balde de lixo ao lado do vaso sanitário (vide as fotos nas fls. 6 e 7 dos autos), e depois de ajustar o ângulo e abrir a função de filmagem, puxou a descarga e saiu da casa de banho.
A lesada D entrou na casa de banho após a saída do arguido, e inconscientemente, foi filmada pela supracitada câmara pinhole, incluindo a sua aparência e a parte íntima (vide o auto de assistência nas fls. 42 e as fotos nas fls. 43 e 44 dos autos). As respectivas imagens são armazenadas no cartão de memória da referida câmara pinhole (ora apreendido aos autos).
Mais tarde, quando E usou a casa de banho, descobriu a câmara pinhole e notificou a gerente do Café e a lesada. Por a lesada suspeitar o arguido de instalação da câmara pinhole, a gerente do Café telefonou para a polícia.
Em 23 de Abril do mesmo ano, pelas 14h30, os guardas encontraram a camisa verde e a mochila preta usadas pelo arguido no dia do facto (ora apreendidas aos autos, vide as fotos nas fls. 40 dos autos) na Agência de automóveis F do amigo do arguido, situada na Avenida XX, n.º XX, rés-do-chão.
O arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária ao instalar equipamentos de filmagem secreta na casa de banho para mulheres no Café e filmou a lesada contra a vontade desta.
O arguido sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
De acordo com o CRC, o arguido é delinquente primário.
Provaram-se também as condições pessoais e a situação económica do arguido:
O arguido tem como habilitações literárias o bacharelado, aufere mensalmente cerca de MOP$25.000,00 e tem a seu cargo os pais, a esposa e dois filhos”; (cfr., fls. 164 a 165).

Do direito

3. Vem o Exmo. Magistrado do Ministério Público recorrer da sentença que condenou o arguido pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de “gravações e fotografias ilícitas”, p. p. pelo art.º 191.º, n.º 2, al. a) do CPM, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, com regime de prova previsto pelo art.º 51.º do mesmo C.P.M..

Pede a revogação da decretada suspensão da execução da pena.

Vejamos.

No caso, assim ponderou o Mmo Juiz do T.J.B.:

“De acordo com os factos provados, o arguido sabia bem que o acto de filmar secretamente outrem é ilegal, mas ainda instalou dolosamente equipamento de filmagem na casa de banho para mulheres no referido Café no dia 21 de Abril de 2011, e filmou o uso da casa de banho da lesada sem consentimento desta, pelo que este Juízo entende que as condutas do arguido reúnem os requisitos subjectivos e objectivos do respectivo tipo de crime. Por isso, o arguido praticou 1 crime de gravações e fotografias ilícitas, p. p. pelo art.º 191.º, n.º 2, al. a) do CPM.
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Depois de provar o tipo de crime e revistar a moldura penal abstracta, vamos determinar a medida da pena.
De acordo com o art.º 64.º do CPM, na escolha da pena, deve-se aplicar a pena não privativa da liberdade, a menos que esta não realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tendo em consideração as circunstâncias criminosas, o Juízo entende que a aplicação da pena de multa ao arguido não realiza de forma suficiente as finalidades da punição.
Segundo os artigos 40.º e 65.º do CPM, a determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, atente a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente,
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
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Segundo o supracitado critério da medida da pena, e considerando as circunstâncias concretas neste processo, especialmente que o arguido A é guarda do CPSP, tem como atribuição a prevenção e repressão de crime, e tem conhecimentos jurídicos profissionais, é intenso o dolo do arguido, são graves as consequências e é médio o grau de ilicitude do facto, e tendo em conta que o arguido é delinquente primário, este Juízo entende que deve condenar o arguido pela prática dum crime de gravações e fotografias ilícitas na pena de prisão de 8 meses.
Porém, ao abrigo do disposto no art.º 48.º do CPM, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, este Juízo entende que a simples censura do facto e a ameaça da prisão já realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que decide suspender a execução da pena acima referida por 2 anos, com regime de prova previsto pelo art.º 51.º do CPM e acompanhado pelo Instituto de Acção Social”

Que dizer?

Está apenas em causa o segmento decisório com o qual se decretou a suspensão da execução da pena de 8 meses de prisão aplicada ao arguido ora recorrido.

Nos termos do art. 48°:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.

4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Sobre o instituto da suspensão da execução da pena, tem este T.S.I. entendido que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, e mais recentemente, Ac. de 29.03.2012, Proc. n.° 192/2012 do ora relator).

Face ao assim estatuído e entendido, e ponderando na factualidade provada, cremos que o recurso deve proceder.
De facto, como bem salienta o Ilustre Procurador Adjunto, “atentos os circunstancialismos específicos que rodearam o ilícito e características deste, a revelar alto grau doloso por parte do recorrido, a forma de actuação do mesmo, antes e após a prática do facto, a sua condição como agente da PSP e o facto de sempre ter negado a prática dos factos imputados, afastando, assim, a contrição pelos mesmos, estamos em crer que, com tais parâmetros, se não justificará a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizarão, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, que, no caso, não poderão deixar de contemplar os efeitos altamente negativos na fé pública a depositar nos agentes policiais e os perniciosos reflexos na sensibilidade social com tal tipo de casos”.

Mostrando-se-nos de subscrever, na íntegra, o douto entendimento que se deixou transcrito, mais não é preciso dizer para se decidir pela procedência do recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que se decidiu suspender a execução da pena decretada ao arguido.

Custas pelo recorrido, com taxa que se fixa em 4 UCs.

Macau, aos 27 de Abril de 2012


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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Proc. 856/2011 Pág. 16

Proc. 856/2011 Pág. 1