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Processo nº 220/2012-I Data: 26.04.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “ofensa à integridade física”.
Renovação da prova.



SUMÁRIO

1. O pedido de renovação da prova é objecto de decisão interlocutória, e a sua admissão depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- que tenha havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o Tribunal recorrido;
- que o recurso tenha por fundamento os vícios referidos no nº 2 do artº 400º do C.P.P.M.;
- que o recorrente indique, (a seguir às conclusões), as provas a renovar, com menção relativamente a cada uma, dos factos a esclarecer e das razões justificativas da renovação; e
- que existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio do processo para novo julgamento, ou seja, que com a mesma, se consiga, no Tribunal de recurso, ampliar ou esclarecer os factos, eliminando os vícios imputados à decisão recorrida;

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 220/2012-I
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A INSURANCE (INTERNACIONAL) LIMITED”, (A保險(國際)有限公司澳門分行), demandada no pedido de indemnização civil pelo demandante, B (B), enxertado nos presentes autos, vem recorrer do segmento decisório ínsito no Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B., com o qual se fixou em MOP$500.000,00, a indemnização pelos danos não patrimoniais pelo dito demandante sofridos com o acidente de viação matéria dos autos.

*

Em sede das suas conclusões, diz o que segue:

“1ª O presente recurso vem interposto do douto Acórdão, proferido pelo Tribunal Colectivo nos vertentes autos, que condenou a Recorrente no pagamento ao Demandante civil da quantia de MOP$ 500,000.00 a título de Danos Não Patrimoniais.
2ª Entende a Recorrente que o Tribunal Colectivo errou ao apreciar a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, bem como a prova documental que se encontra junto aos autos de forma a fixar tal quantia a título de Danos Não Patrimoniais, daí não concordar com a Decisão do Tribunal a quo nesta parte, já que resulta claramente que a decisão recorrida, interpretada de per si, com a experiência comum e com os elementos dos autos nela acolhidos, se encontra inquinada do vício constante do art. 400°, n° 2 alínea c) do Código de Processo Penal - erro notório na apreciação da prova, e que após a reapreciação da prova por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância, deverá ser proferido douto Acórdão que considere como excessiva a atribuição ao ofendido de MOP$ 500,000.00 a título de Danos Não Patrimoniais.
3ª No presente processo, existe suporte de gravação, o que permitirá ao douto Tribunal de Segunda Instância melhor avaliar, e decidir, sobre o ora invocado erro notório na apreciação da prova, requerendo-se expressamente a renovação da prova, nos termos admitidos no art. 415° do Código de Processo Penal.
4ª Ora, tendo em atenção os factos dados por provados pelo Digno Tribunal Colectivo na douta sentença e o conteúdo das declarações transcritas da testemunha dos autos C, não se entende como é que se consignou que durante o internamento e os tratamentos clínicos, o ofendido tem sentido dores inexprimíveis. Os sentimentos de angústia, de desespero e de medo só entendem aqueles que os sofreram. Por causa do acidente o ofendido ficou desempregado. Pior ainda anda a precisar de gastar mais dinheiro e sofreu de stress e mal disposição.
5ª Do depoimento da Testemunha C não se inferem tais factos, pois nunca de tal falou. E tais factos só poderão ser provados por alguém próximo ao ofendido e que tenha sentido que o mesmo experimentou tais sensações. E tal nunca foi dito ou demonstrado pela testemunha.
6ª Isto porque das declarações da supra citada testemunha, esta declarou que o ofendido fracturou a perna direita e que durante os tratamentos o ofendido estava um pouco em baixo. E que por não conseguir andar normalmente isso influenciou a sua vida. Mas que agora está totalmente recuperado. Mais declarou que o ofendido depois de ter recuperado continuou a trabalhar para o Venetian durante 9 meses e que depois deixou a Venetian por iniciativa própria e regressou a Hong Kong. Salientando que o ofendido lhe tinha dito que presentemente estava totalmente recuperado (Transcrição da nossa responsabilidade e constante da gravação junto aos autos).
7ª E mesmo dos documentos médicos junto aos autos e dos relatórios médicos que o demandante civil junta ao seu pedido cível e que se encontram identificados como fls. 142 e 143 dos autos, pode - se concluir que em 24 de Fevereiro de 2009 o ofendido já pode trabalhar normalmente e em 12 de Junho de 2009 o doente já se recuperou e não tem dificuldade nos movimentos da articulação, salvo uma dor moderada, não lhe sendo identificada nenhuma deficiência.
8ª Sendo por isso de todo incompreensível que o Douto Tribunal a quo tenha dado como provados os factos acima descritos, incluindo o facto de que o ofendido tenha ficado desempregado por causa do acidente e que, para tanto, tenha fixado a indemnização a título de Danos Não Patrimoniais no montante de MOP$ 500.000,00.
9ª Ocorrendo assim o invocado erro notório na apreciação da prova previsto no art. 400°, n° 2 alínea c) do Código de Processo Penal, deve ser a decisão ora em crise revogada pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância no que ao Dano Não Patrimonial diz respeito e proferido douto Acórdão que determine a atribuição de uma indemnização mais adequada e equitativa, baseada nas regras da experiência comum, nos documentos juntos aos autos e ainda nas declarações da testemunha C.
10ª E tal indemnização não deverá, no modesto entendimento da ora Recorrente ser superior a MOP$ 200,000.00, pois tomando como exemplo o processo 533/2010, deste Venerando Tribunal, cuja data do Acórdão é de 16/06/2011, podemos verificar que numa situação com repercussões bem mais graves, segundo as quais, apesar de a ofendida ter ficado 180 dias impossibilitada para trabalhar, mas em que a ofendida teve que receber longos e dolorosos tratamentos de fisioterapia e acupunctação e continuar a receber ainda hoje por conselho médico, o seu membro superior direito até hoje sente dor, não é capaz de levantar o braço a um ângulo de 90°, o sofrimento é agravado pela debilidade da força muscular da mão e do braço direito, ocorrido após o acidente e a ofendida foi obrigada a abandonar o trabalho referido anteriormente foi considerado como adequado pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância fixar a quantia de MOP$200,000.00 destinada à reparação de danos não patrimoniais da demandante (Cfr. Pago 12 do supra referenciado Acórdão).
11ª Mas mesmo que não se entenda que existe o vício de erro notório na apreciação da prova, face ao já acima exposto se pode aferir que mesmo assim não foi produzida prova bastante em audiência de julgamento para suportar o que o Tribunal Colectivo considera que o demandante sofreu, designadamente as dores inexprimíveis, a angustia, o desespero e o medo que só entendem aqueles que sofreram, bem como o facto de o Demandante ter ficado desempregado por causa do acidente, nem tais factos são aferidos dos documentos médicos que se encontram junto aos autos.
12ª E muito menos para atribuir uma indemnização a título de Danos Não Patrimoniais no valor de MOP$ 500,000.00., já que para o Tribunal Colectivo atribuir tal quantia, no modesto entendimento da Recorrente, terá que o Tribunal a quo que ter provas bem mais sustentadas e fundamentos bem mais criterioso e descritivos do que as que dispõe no presente Acórdão.
13ª Encontrando-se, por isso, a Douta sentença inquinada com o vício de previsto no artigo 400°, n°2, alínea a) do Código de Processo Penal, face à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, requerendo-se a renovação da prova nos termos do disposto no artigo 415° do Código de Processo Penal”; (cfr., fls. 513 a 531).

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Respondendo, pugna o demandante recorrido pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 540 a 543).

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos
2. Estão provados os factos elencados no Acórdão do T.J.B. ora recorrido, a fls. 479-v a 480-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a demandada seguradora recorrer do segmento decisório ínsito no Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B., com o qual se fixou em MOP$500.000,00, a indemnização pelos danos não patrimoniais pelo demandante B sofridos com o acidente de viação matéria dos autos.

Resulta das conclusões pela recorrente produzidas a final da sua motivação de recurso que é a mesma de opinião que o dito Acórdão recorrido está inquinado com o vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo, a renovação da prova e a redução do montante arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais.

É verdade que na sua “13ª conclusão” refere-se a ora recorrente ao vício de “insuficiência da matéria de facto dada como provada para a decisão”, porém, atenta a motivação do recurso e a forma como é feita a referência a tal vício, leva-nos a crer tratar-se de mero lapso, sendo de notar também que, seja como for, inexiste qualquer “insuficiência”, já que o Tribunal a quo não deixou de emitir pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo; (Ac. de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 15.12.2011, Proc. 796/2011).

Dito isto, vejamos do pedido de renovação da prova.

Preceitua o art. 415° do C.P.P.M. que:

“1. Quando tenha havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o tribunal singular ou o tribunal colectivo, o Tribunal Superior de Justiça admite a renovação da prova se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 400.º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo.

2. A decisão que admitir ou recusar a renovação da prova é definitiva e fixa os termos e a extensão com que a prova produzida em primeira instância pode ser renovada.

3. Se for determinada a renovação da prova, o arguido é convocado para a audiência.

4. Salvo decisão do tribunal em contrário, a falta de arguido regularmente convocado não dá lugar ao adiamento da audiência”.

Sobre a questão da “renovação da prova”, recentemente reafirmou este T.S.I. que:

“O pedido de renovação da prova é objecto de decisão interlocutória, e a sua admissão depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- que tenha havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o Tribunal recorrido;
- que o recurso tenha por fundamento os vícios referidos no nº 2 do artº 400º do C.P.P.M.;
- que o recorrente indique, (a seguir às conclusões), as provas a renovar, com menção relativamente a cada uma, dos factos a esclarecer e das razões justificativas da renovação; e
- que existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio do processo para novo julgamento, ou seja, que com a mesma, se consiga, no Tribunal de recurso, ampliar ou esclarecer os factos, eliminando os vícios imputados à decisão recorrida; (cfr., v.g., o Ac. de 20.01.2011, Proc. n° 729/2010 e de 29.03.2012, Proc. n.° 122/2012 do ora relator).

E, no caso, cabe dizer que motivos não existem para a pretendida renovação da prova, pois que cremos inexistir o assacado “erro notório na apreciação da prova”.

Eis o porque deste nosso entendimento.

Diz a recorrente que deu o Tribunal a quo como provado:
- que “durante o internamento e os tratamentos clínicos, o ofendido tem sentido dores inexprimíveis”;
- que “os sentimentos de angústia, de desespero e de medo só entendem aqueles que os sofreram”;
- que “por causa do acidente o ofendido ficou desempregado”; e que,
- “ainda anda a precisar de gastar mais dinheiro e sofreu de stress e mal disposição”, (cfr. concl. 4ª).

E considera que assim não devia ser, dado que “do depoimento da Testemunha C não se inferem tais factos, pois nunca de tal falou. E tais factos só poderão ser provados por alguém próximo ao ofendido”; (cfr., concl. 5ª).

Porém, e sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, cabe dizer que na audiência de julgamento foram ouvidas as declarações do arguido e de duas testemunhas, (e não só da testemunha C indicada pela ora recorrente), não nos parecendo existirem motivos para se confirmar que os factos em questão “só poderão ser provados por alguém próximo ao ofendido”.

Com efeito, e como temos afirmado, “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 07.12.2011, Proc. n.° 656/2011 do ora relator).

In casu, não se vislumbra onde, como ou em que termos terá o Tribunal a quo violado as regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência e as legis artis, não sendo assim de acolher o pedido de renovação da prova deduzido pela ora recorrente.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, acordam indeferir o pedido de renovação da prova.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Macau, aos 26 de Abril de 2012

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa



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