Processo n.º 859/2010 Data do acórdão: 2012-4-26 (Autos de recurso penal)
Assuntos:
– condutor profissional
– dono de restaurante
– inibição de condução
– suspensão da execução
– condução sob influência de álcool
– prevenção geral
S U M Á R I O
1. Como não resulta provado que o arguido seja motorista ou condutor profissional, mas sim um empresário comercial e dono de um restaurante, não se pode suspender a execução da sua pena de inibição de condução, porquanto só se coloca a hipótese de suspensão da interdição de condução, caso a pessoa condenada seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos.
2. São muito elevadas as exigências de prevenção geral dos delitos de condução sob influência de álcool, com ocorrência nas altas horas da noite ou da madrugada, por serem geradores, não poucas vezes, de graves acidentes de viação, pelo que a simples censura do facto e a ameaça da execução da inibição da condução não conseguirão realizar as finalidades da punição.
3. Ademais, é nos inconvenientes a resultar naturalmente da execução da inibição de condução para a vida quotidiana da pessoa condutora assim punida que consistem os efeitos próprios dessa sanção, pelo que esta não pode invocar tais inconvenientes para sustentar a pretensão de suspensão da execução da sanção, sob pena de petição de princípio.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 859/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A
Tribunal a quo: 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
A, arguido já melhor identificado no Processo Sumário n.º CR2-10-0174-PSM do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, veio recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), da sentença proferida a fls. 27v a 29v desse processo, que o condenou como autor material, na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da vigente Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio (Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), na pena de sessenta dias de prisão, substituída por igual tempo de multa, à razão de cento e cinquenta patacas por dia (perfazendo o montante de nove mil patacas), e na inibição de condução por um ano, para rogar a suspensão da execução da inibição de condução, tendo para o efeito chegado a alegar o seguinte, na sua essência, na parte das conclusões da sua motivação de recurso (apresentada a fls. 33 a 43 dos presentes autos correspondentes):
– <<[...]
V. Arguido declarou em audiência de julgamento que precisa do vencimento auferido no exercício da sua actividade profissional enquanto gerente do “Restaurante [...]” para prover ao seu próprio sustento, nomeadamente, com as despesas mensais quotidianas, tais como a renda de casa, àgua, electricidade e telefone e para prover ao sustento do seu filho de 17 anos de idade, que recentemente ingressou na universidade de medicina em Portugal, com quem as despesas são acrescidas.
VI. No exercício da sua actividade profissional o Recorrente precisa de conduzir a sua viatura diariamente para: i) se dirigir da Taipa a Macau, mais precisamente, ao mercado vermelho para comprar os produtos alimentícios frescos para colocar no Restaurante ou, ii) dirigir-se a locais de venda de produtos alimentícios, maioritatiamente, localizados em Macau; iii) ir levar e buscar os atoalhados do restaurante á lavandaria, iv) levar alguma das empregadas do Restaurante a casa, quando estas ficam até mais tarde a arrumar e a limpar o restaurante e por essa razão já não têm autocarros disponíveis, v) ir ao Jetfoil buscar os seus clientes, mais especiais, que vem de Hong Kong, propositadamente ao Restaurante por si gerido, para experienciar as iguarias culinárias que lá se confeccionam.
VII. Ao ser inibido de conduzir o Recorrente fica impossibilitado de poder assegurar os seus deveres laborais, por não poder conduzir veículos automóveis durante longos doze meses, e como tal fica sem a única fonte de rendimento, ou seja, fica sem o seu salário de MOP$13,300.00.
VIII. Consequentemente, ficará o Recorrente inibido de poder fazer face às despesas com o seu próprio sustento, e com o seu filho que ingressa este ano na Universidade e que também se encontra a seu cargo.
IX. O Recorrente não tem ninguém que o possa substituir nas tarefas por si realizadas enquanto gerente do “Restaurante ……”, - quer pelo facto dos empregados dos restaurante não estarem habilitados a conduzir na RAEM, quer pelo facto do Recorrente não poder dispor de avultadas somas de dinheiro para transitar por todo o Macau em táxis, ou alugar veículos com condutor porque se encontra inibido de exercer a sua actividade.
X. As duas testemunhas abonatórias atestaram quer sobre a integridade da personalidade do Arguido, quer sobre a sua dedicação e natureza do trabalho que desenvolve na empresa da qual é gerente, e a extrema sensatez e educação que imprime a tudo aquilo que faz na vida, com reflexos também no cuidado que põe na condução estradal.
XI. Todas as razões invocadas pelo Recorrente seriam susceptíveis de ser compreendidas no âmbito dos motivos atendíveis para a verificação da suspensão da execução da sanção de inibição de condução a que se alude no no n.º 1 do art. 109º da Lei n.º 3/2007.
[...]
XIII. As circunstâncias atinentes à vida do Recorrente, e bem assim aquelas respeitantes à sua personalidade e grau de culpa apuradas no processo, impunham que a douta Sentença recorrida desse por verificado o requisito legal previsto no n.º 1 do art. 109º da Lei nº 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário) e, em consequência, decretasse a suspensão da execução da sanção de inibição de condução a que foi o Recorrente condenado.
[…]
XV. Ao não decretar a suspensão da execução da sanção de inibição de condução aplicada ao Recorrente, nos termos admitidos no n.º 1 do art. 109º da Lei nº 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), a douta sentença recorrida incorreu no vício de violação da lei expressa, nos termos do disposto nos artigos 40º, 48º e 65º do Código Penal e do n. º 1 do artigo 109º do Código da Estrada.
[...]>> (cfr. o teor literal de fls. 39 a 43 dos autos).
Ao recurso, respondeu o Digno Representante do Ministério Público junto do Tribunal recorrido no sentido de suspensão da sanção de inibição de condução pelo período de um ano, por entender essencialmente que:
– <
Está provado que é o arguido quem abastece, pessoalmente, o restaurante e que, para tal, usa o seu automóvel.
É manifesto que a inibição de conduzir pelo período de 1 ano lhe acarretará dificuldades para o exercício do seu negócio, do qual depende o seu agregado familiar>> (cfr. a resposta de fls. 46 a 49 dos autos).
Subido o recurso para esta Segunda Instância, o Digno Procurador-Adjunto emitiu parecer (a fls. 59 a 60 dos autos), pugnando pela improcedência do recurso, por seguintes considerações, na essência:
– <
Essa asserção corresponde, efectivamente, à factualidade dada como assente.
E a posição aí assumida está em sintonia, também, com a Jurisprudência deste Venerando Tribunal.
Tem-se entendido, na verdade, que “só se coloca a hipótese de suspensão da interdição da condução, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos... até porque os inconvenientes a resultar... da execução dessa pena acessória não podem constituir causa atendível para a almejada suspensão... posto que toda a interdição da condução irá implicar naturalmente incómodos não desejados pelo condutor assim punido na sua vida quotidiana” (cfr. ac. de 19-03-2009, proc. nº. 717/2008; e, mais recentemente, ac. de 04-10-2010, proc. nº. 625/2010)>>.
Feito o exame preliminar (em que se opinou pelo julgamento do recurso em conferência) e corridos os vistos, cumpre, pois, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Para o efeito, é de relembrar aqui a seguinte fundamentação fáctica do texto decisório ora recorrido, não impugnada pelo recorrente:
– <
1º
----- No dia 08 de Setembro de 2010, cerca das 01:36 horas, na Avenida de Cantão - Taipa, junto ao poste de iluminação número 730C02, numa operação “STOP”, foi mandado parar o motociclo, de chapa matrícula nº. MG-XX-XX, conduzido pelo arguido.-------------------------------------------------------------------------------------------
2º
----- O guarda da P.S.P. procedeu ao teste de pesquisa de álcool por sopro, resultando 1.27 g/l (factura de teste de taxa alcoolemia nº 016115).------------------------------------------------------------------------------------------
3º
----- O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida.---------------------------------------------------------------------------
----- Mais se provou que:---------------------------------------------------------------------
----- O arguido é empresário comercial, trabalha por conta própria num restaurante de sua propriedade, auferindo, a título de remuneração como gerente, mensalmente cerca de treze mil e trezentas patacas (MOP$13.300,00).---------------------------------
----- O arguido tem um filho a seu cargo.----------------------------------------------------
----- O arguido vive com a ex-mulher em casa arrendada onde paga mensalmente cerca de oito mil e novecentos dólares de Hong Kong - (HKD$8.900,00).-------------
----- O arguido, no âmbito da sua actividade profissional, utiliza o veículo automóvel, nomeadamente para abastecer o restaurante----------------------------------
----- O arguido tem com o habilitações literárias o ensino superior − é licenciado em direito.--------------------------------------------------------------------------------------------
----- Confessou os factos e mostrou-se arrependido. --------------------------------------
----- O arguido não tem antecedentes criminais.--------------------------------------------
----- FACTOS NÃO PROVADOS:---------------------------------------------------------
----- Nenhum a assinalar.----------------------------------------------------------------------
[...]>> (cfr. o teor de fls. 27v a 28 dos autos).
Por outra banda, consta da fundamentação jurídica da mesma sentença o seguinte: <> (cfr. o último parágrafo da fundamentação jurídica da sentença, a fl. 29 dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000, no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, é de ver que no fundo, o arguido se limitou a atacar, no seu recurso, o juízo de valor do Tribunal a quo relativo à não suspensão da execução da sanção da inibição de condução.
Como o arguido não chegou a sindicar do resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo M.mo Juiz a quo, há que decidir da dita questão com base tão só no acervo dos factos provados descritos na sentença recorrida, e não em outras mais circunstâncias alegadas na motivação do recurso (e referidas sobretudo nas conclusões V a IX dessa motivação) que não constem materialmente da fundamentação fáctica daquela decisão condenatória.
In casu, conforme a matéria de facto provada em primeira instância:
– o arguido foi apanhado em flagrante delito pela Polícia numa operação “STOP”, a conduzir em 8 de Setembro de 2010, cerca da 01h36m, sob 1,27 g/l de taxa de álcool no sangue, detectada por sopro;
– o arguido é empresário comercial, trabalha por conta própria num restaurante de sua propriedade, e utiliza o veículo automóvel, nomeadamente para abastecer o restaurante.
Assim sendo, como não resulta provado que o arguido seja motorista ou condutor profissional, mas sim um empresário comercial e dono de um restaurante, é patente que não se pode suspender a execução da inibição de condução, sob pena de contrariar o rumo jurisprudencial até agora seguido segundo o qual só se coloca a hipótese de suspensão da interdição de condução, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos (nesse sentido, cfr., de entre outros, o acórdão do TSI, de 17 de Julho de 2008, no Processo n.o 424/2008).
Aliás, são muito elevadas as exigências de prevenção geral dos delitos de condução sob influência de álcool, com ocorrência nas altas horas da noite ou da madrugada, por serem geradores, não poucas vezes, de graves acidentes de viação, pelo que a simples censura do facto e a ameaça da execução da inibição da condução não conseguirão realizar as finalidades da punição (em sentido convergente, cfr. o acórdão do TSI de 16 de Junho de 2011 no Processo n.o 1004/2009).
Sendo de realçar, por fim, que é nos inconvenientes a resultar naturalmente da execução da inibição de condução para a vida quotidiana da pessoa condutora assim punida que consistem os efeitos próprios dessa sanção, pelo que esta não pode invocar tais inconvenientes para sustentar a pretensão de suspensão da execução da sanção, sob pena de petição de princípio.
Evidentemente infundado assim o recurso, este deve ser rejeitado em conferência, nos termos dos art.os 410.o, n.o 1, e 409.o, n.o 2, alínea a), do CPP.
IV – DECISÃO
Em harmonia com o exposto, acordam em rejeitar o recurso, por manifestamente improcedente.
Custas pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária (referida no art.o 410.o, n.o 4, do Código de Processo Penal).
Macau, 26 de Abril de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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