Processo n.º 139/2011 Data do acórdão: 2012-4-26 (Autos de recurso penal)
Assuntos:
– revogação da suspensão da pena
– art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal
– prática de novo crime doloso
– condução automóvel
S U M Á R I O
A comprovada perpetração de um novo crime doloso por acto de condução automóvel no período da suspensão da execução da pena de prisão então aplicada a um crime doloso também por acto de condução automóvel, frustrou já todo o juízo de prognose favorável judicialmente formado aquando da inicial determinação da suspensão da execução da pena de prisão, pelo que é de revogar a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal, mesmo que o condenado tenha a sua família a seu cargo.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 139/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A (A)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial que lhe revogou a suspensão da execução da pena de quatro meses de prisão imposta no âmbito do Processo Comum Singular n.o CR2-10-0007-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) pela autoria material de um crime consumado de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da vigente Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio (Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), sobretudo em face do superveniente conhecimento da sentença condenatória do novo Processo Sumário n.o CR4-10-0168-PSM pelo crime de desobediência qualificada (devido à condução durante o período de inibição de condução), veio o arguido condenado A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação daquele despacho, com consequente manutenção da suspensão da execução da pena de prisão, ou, pelo menos, prorrogação do período dessa suspensão, tendo para o efeito chegado a alegar o seguinte, na sua essência, na sua motivação de recurso (apresentada a fls. 76 a 85 dos presentes autos correspondentes):
– desde a condenação no Processo Sumário n.o CR4-10-0168-PSM em nova pena de suspensão, ele já interiorizou a gravidade do crime e a importância de cumprir a lei;
– antes de tomar decisão da revogação da suspensão, o M.mo Juiz autor do despacho ora recorrido não formou a imagem geral sobre o próprio recorrente, não tendo avaliado, nomeadamente, a situação profissional e económica da família do recorrente, integrada também pelos pais e um irmão mais novo que é estudante, cujo sustento depende tudo do recorrente;
– o legislador pretendeu ao máximo evitar que as penas de prisão de curta duração fossem efectivamente executadas, sem que antes se esgotassem outros meios não privativos da liberdade;
– o despacho recorrido, com os seus fundamentos, não reúne nem satisfaz os requisitos legais e fácticos impostos por lei para fundamentar a revogação da suspensão da pena de prisão a que fora condenado o recorrente anteriormente;
– dos factos provados não se colhe que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas;
– discorda assim o recorrente da posição do M.mo Juiz a quo que negou em dar-lhe uma oportunidade, depois de ponderadas todas as razões atinentes à prevenção geral e especial;
– daí que o despacho recorrido enferma do vício de erro notório na apreciação da prova e do vício de violação do disposto no art.o 54.o, n.o 1, do vigente Código Penal (CP).
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido no sentido de improcedência da argumentação do recorrente (cfr. a resposta de fls. 87 a 89).
Subido o recurso para esta Segunda Instância, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer (a fls. 99 a 100v), pugnando pela improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, decorrem os seguintes elementos pertinentes à decisão do recurso:
1. Por sentença proferida no seio do Processo Comum Singular n.o CR2-10-0007-PCS, subjacente à presente lide recursória, o arguido A foi condenado como autor material de um crime doloso consumado de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da LTR (e praticado em 3 de Janeiro de 2009, pelas 03:45 horas, à taxa de 2 g/l de álcool no sangue), na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por dezoito meses, e na inibição de condução por um ano (cfr. a sentença de fls. 41 a 43v dos presentes autos).
2. Ulteriormente, veio junta aos autos a certidão da sentença proferida, e já transitada em julgado, no Processo Sumário n.o CR4-10-0168-PSM do 4.o Juízo do TJB, condenatória do mesmo arguido como autor material de um crime doloso consumado de desobediência qualificada devido à condução durante o período de inibição de condução, p. e p. pelo art.o 92.o, n.o 1, da LTR e pelo art.o 312.o, n.o 2, do CP (e praticado em 24 de Agosto de 2010, cerca da 00:45 hora), na pena de seis meses de prisão (suspensa na sua execução por dois anos, sob a condição de o arguido prestar, no prazo de trinta dias, oito mil patacas de contribuição pecuniária a favor da Região Administrativa Especial de Macau) e na cassação da licença de condução (cfr. a certidão de fls. 61 a 65 dos presentes autos).
3. Em face disso, foi promovida pelo Ministério Público a audição do arguido para efeitos de ponderação da eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão (cfr. o teor de fl. 66).
4. Após ouvido assim o arguido (cfr. a acta de fls. 70 e seguintes), foi proferido o seguinte despacho, revogatório da suspensão da execução da pena de prisão:
– <
-----E por decisão de 26 de Abril de 2010, foi condenado nos presentes autos na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez.--------------------------------------
-----Na pendência da suspensão, por factos de 24 de Agosto de 2010, foi condenado pela prática dum crime de desobediência qualificada prvista e punido pelo artº 92º da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de seis meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de dois anos, com o dever de paga à R.A.E.M. no montante de MOP$8.000,00 como indemnização dentro trinta dias após transito da sentença. E vai ainda punido com pena acessória de cessação da carta de condução.------------
-----O arguido é solteiro e não tem filhos, ora trabalha como empregado de Bar e aufere o salário mensal de MOP$7,000.-----------------------------------------------------
-----Vive com a sua família e tem a sua família e o seu irmão a seu cargo.-------------
-----Visto o exposto no artº 54º, nº 1 do C.P.M., o cometimento de um crime na pendência da suspensão da execução da pena, pode determinar a revogação caso estas finalidades das penas não poderem por meio dessa suspensão da execução ser alcançadas.---------------------------------------------------------------------------------------
-----Nas condenações nos autos de comum singular nº CR1-08-0429-PCS e nos presentes autos, ao arguido foi concedido a suspensão da execução da pena. Entretanto, o arguido não valorizou as oportunidades concedidas e cometeu outro crime. Tal circunstância evidencia que as finalidades das penas não poderem ser alcançadas por meio da suspensão da execução.-------------------------------------------
----Assim, o ribunal determina a revogação da suspensão da execução da pena aplicada nos presentes autos e o arguido terá de cumprir a pena de quatro (4) meses de prisão efectiva.------------------------------------------------------------------------------
[...]>> (cfr. o teor literal de fls. 71v a 72 dos autos).
5. É deste despacho judicial que veio recorrer agora o arguido para este TSI.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000, no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, é de ver que no fundo, o arguido assacou material e concretamente ao despacho judicial recorrido a violação do disposto no art.o 54.o, n.o 1, do CP, por causa da inadequação da decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão, já que segundo alega o próprio arguido na motivação de recurso, dos factos provados não se colhe que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Por isso, a solução do recurso consiste em saber se o Tribunal recorrido violou esse n.o 1 do art.o 54.o do CP, e não na indagação do vício de erro notório na apreciação da prova, arguido abstractamente pelo recorrente.
Pois bem, dos elementos já acima coligidos dos autos, resulta evidente que na plena vigência do período de dezoito meses de suspensão da execução da pena de quatro meses de prisão por que fora condenado no subjacente processo penal pela prática de um crime doloso consumado de condução em estado de embriaguez e também na plena vigência do período de um ano de inibição de condução, praticou o arguido um novo crime doloso consumado, qual seja, de desobediência qualificada devido à condução durante o período de inibição de condução, e veio a ser condenado pelo mesmo.
Sendo esse novo crime também doloso e ligado também ao acto de condução automóvel, andou bem o M.mo Juiz a quo ao revogar – sob a égide do art.o 54.o, n.o 1, do CP – o benefício de suspensão da execução da pena então concedido ao recorrente no processo subjacente, mesmo que este tenha a sua família e o seu irmão a seu cargo, porquanto se verificou in casu todo o postulado na alínea b) do n.o 1 desse artigo para esse efeito: a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Na verdade, a comprovada perpetração de um novo crime doloso por acto de condução automóvel no período da suspensão da execução da pena de prisão então aplicada a um crime doloso também por acto de condução automóvel, frustrou já todo o juízo de prognose favorável judicialmente formado aquando da inicial determinação da suspensão da execução da pena de prisão à luz do art.o 48.o, n.o 1, do CP, qual seja, o de a simples censura do facto e a ameaça da prisão poderem realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mormente em sede de prevenção especial.
Termos em que há que concluir que o despacho revogatório da suspensão ora posto em crise pelo recorrente encontra alicerce sólida nos elementos fácticos decorrentes dos autos e como tal está também legalmente fundado, o que compromete irremediavelmente toda a tese sustentada pelo recorrente para pedir a revogação dessa decisão do M.mo Juiz a quo.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo arguido, com três UC de taxa de justiça e duas mil patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa, honorários esses a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Passe mandados de detenção contra o arguido, para efeitos de execução da pena de prisão.
E comunique a presente decisão ao Processo Sumário n.o CR4-10-0168-PSM do 4.o Juízo do TJB.
Macau, 26 de Abril de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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