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Processo nº 205/2012 Data: 26.04.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “auxílio”.
Contradição insanável.



SUMÁRIO

1. O vício de “contradição insanável da fundamentação” apenas ocorre quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

2. Não existe contradição por não se dar como provado o valor da “recompensa” do recorrente pela prática do crime de “auxílio”, provando-se, porém, que o co-autor do mesmo crime iria receber RMB$3.500,00.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 205/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar A e B, (1° e 2°) arguidos, com os restantes sinais dos autos, como co-autores de 1 crime de “auxílio”, p. e p pelo art. 14°, n.° 2, da Lei n.° 6/2004, na pena individual de 5 anos e 3 meses de prisão; (cfr., fls. 231 a 231-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o (2°) arguido B recorreu.
Motivou para, a final, produzir as seguintes conclusões:

“1. Este recurso foi interposto com fundamento de vício da contradição insanável da fundamentação do Tribunal a quo.
2. O Tribunal a quo verificou, por um lado, a existência da retribuição do recorrente e não verifica, por outro lado, quanto dessa retribuição, quanto ao primeiro arguido A, verifica tanto a existência dessa retribuição como o seu valor fixado em RMB 3.500,00.
3. Isso é mesmo a interpretação judicial da “contradição insanável existente nos factos provados”, sendo o vício previsto pelo art.º 400.º n.º 2 al. b) do Código de Processo Penal.
4. De facto, a contradição derivada resulta de que o recorrente nunca admitiu o auxílio “oneroso” e ninguém (incluindo o primeiro arguido e as testemunhas – imigrantes ilegais) pode fornecer a retribuição.
5. Caso contrário, o Tribunal recorrido deve acrescentar, pelo menos, “ainda não foi acordado o valor da retribuição de B” seguindo a frase “A poderá receber RMB 3.500,00 a título da retribuição”, para que não ocorra a contradição entre os factos provados no acórdão.
6. Além disso, in casu, a confissão do recorrente desempenha papel chave para a descoberta da verdade.
7. Sem a confissão do recorrente, será difícil verificar os respectivos factos criminosos.
8. A confissão voluntária sem reservas do recorrente reflecte-se o seu arrependimento sincero e o recorrente tem intenção de assumir a responsabilidade e as consequências do crime.
9. Para isso, segundo a atenuação especial do art.º 66.º n.º 2 al. c) do Código Penal, combinando com os art.ºs 67.º e 65.º, altera-se a pena de prisão do recorrente para a inferior a 3 anos.
10. Além disso, in casu, os dois arguidos e os sete imigrantes ilegais já foram interceptados pelos Serviços de Alfândega antes de entrar nas áreas terrestres de Macau, a parte das pessoas não entrou em Macau devido à caída no mar.
11. É de sabido, as áreas marítimas confinantes com Macau é de águas nacionais, a autoridade marítima tem apenas a jurisdição sobre essas áreas, pelo que se chama as tradicionais águas.
12. Assim, na altura, os sete imigrantes clandestinos não entraram nas áreas terrestres de Macau, não correspondendo a “entrada” indicada no art.º 2 n.º 1 al. 1) da Lei n.º 6/2004.
13. Nos termos do art.º 21.º n.º 1 do Código Penal, este “crime de auxílio” foi praticado na forma tentada.
14. Ao mesmo tempo, nos termos do art.º 22.º n.º 2 do Código Penal: a tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada.
15. Nos termos do art.º 67.º n.º 1 als. a) e b) do Código Penal, o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço e o limite mínimo é reduzido a um quinto.
16. Com base nisso, o crime de auxílio a título oneroso é punível com a pena de um ano a cinco anos e quatro meses de prisão.
17. Além disso, nos termos do art.º 65.º do Código Penal, nomeadamente, considerando as circunstâncias de que o recorrente é delinquente primário, jovem (18 anos na altura) e a sua confissão, deve aplicar-lhe a pena de prisão inferior a 3 anos.
18. Considerando as circunstâncias de que o recorrente é delinquente primário e era 18 anos quando praticou os actos criminosos, e a sua confissão e o mesmo não é residente de Macau, estamos convencido de que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, sendo correspondente aos requisitos da concessão da suspensão da execução da pena de prisão.
19. Se o TSI admita as motivações do recurso e condene o recorrente na pena de prisão inferior a 3 anos, isso é correspondente aos requisitos do regime da suspensão da execução da pena de prisão prevista pelo art.º 48.º do Código Penal.
20. Pede ao TSI que aplique ao recorrente a suspensão da execução da pena de prisão prevista pelo art.º 48.º do Código Penal.
21. Pelos expostos, o acórdão do Tribunal a quo violou o art.º 400.º n.º 2 al. b) do Código de Processo Penal, art.º 14.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 6/2004, art.º 21.º n.º 1, art.º 22.º n.º 2, art.ºs 48.º e 65.º, art.º 67.º n.º 1 als. a) e b) do Código Penal (nos termos do art.º 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal)”; (cfr. fls. 260 a 269).

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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 278 a 281).

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Admitido o recurso, e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Subscrevem-se as doutas considerações expendidas pelo Exmo colega junto do tribunal “a quo”, às quais, em boa virtude, pouco haverá a acrescentar, constatando-se que:
- O facto de o douto acórdão em crise ter consignado quantia efectiva prometida RMB3,500) relativamente ao co-arguido A, não o fazendo relativamente ao recorrente, não é, em si, contraditória, como não contradiz qualquer outra asserção a tal propósito assumida no aresto, depreendendo-se claramente da expressão “E depois de concretizado iria oferecer aos dois arguidos uma recompensa e A iria receber RMB 3,500 como recompensa” que se comprovou ter sido prometida recompensa também ao recorrente, sem apuramento do montante respectivo. Tão só. Sem qualquer contradição.
- Depois, a circunstância de o recorrente ter confessado espontaneamente e sem reservas a prática dos factos foi devidamente valorada, não se detectando, ao contrário do pretendido, que a mesma tivesse desempenhado “papel chave” no estabelecimento global dos mesmos, mas, daí a poder-se-lhe atribuir a valoração pretendida para efeitos de atenuação especial da pena, nos termos da al c) do n° 2 do art° 66°, C.P. vai um grande passo, já que, atentas até as circunstâncias em que os factos foram detectados (como soe dizer-se, praticamente com a “boca na botija”), não se poderá da confissão, em tais termos, retirar a verdadeira prática de acto demonstrativo de contrição sincera do recorrente, a justificar a aplicação do instituto em causa.
Tudo razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a entender dever manter-se o decidido, negando-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 309 a 310).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Deu o Colectivo a quo como provados os factos seguintes:

“Cerca das 6 horas da tarde de 27 de Agosto de 2011, A (arguido) encontrou -se com um indivíduo de nome “C” na residência na cidade de Zhuhai e aceitou o pedido deste no sentido de dirigir uma lancha na madrugada do dia seguinte (28 de Agosto) e trazer 7 residentes do Continente Chinês para Macau. Depois “C” apresentou um outro indivíduo B (arguido) e A (arguido) para se conhecerem e disse que os dois arguidos iriam em conjunto com as 7 pessoas para Macau. E depois de concretizado iria oferecer aos dois arguidos uma recompensa e A iria receber RMB$3,500 como recompensa.
Cerca da uma da manhã de 28 de Agosto, os dois arguidos entraram numa lancha junto à costa da cidade de Zhuhai e dirigiram-se até aos arredores da ponte Kei Ou e ficaram à espera. Pouco depois “C” chegou acompanhado por 7 indivíduos do sexo masculino e feminino de nome D, E, F, G, H, I e J e depois destes terem entrado na lancha, “C” deu instruções aos dois arguidos para que este dirigisse a lancha até à baía junto à Ponte de Amizade em Macau.
De seguida, A dirigiu a lancha e B era responsável pela indicação do caminho em direcção a Macau. Por volta das 3 horas da manhã, os dois arguidos dirigiram a lancha até a zona do Terminal Marítimo de Passageiros Provisório na Taipa e o hélice da lancha ficou enredado com entulhos e parou. B foi para a água para tentar remover os entulhos. Quando voltou a pôr a lancha a trabalhar, foram descobertos por uma lancha da alfândega. A acelerou imediatamente para tentar fugir e por fim foi interceptado pela lancha junto ao Terminal Marítimo de Passageiros Provisório na Taipa. O arguido A atirou-se para a água para fugir, o arguido B, I e J sofreram ferimentos devido ao embate entre as duas lanchas. Os agentes alfandegários detiveram o arguido A. Os dois arguidos e os 7 indivíduos do sexo masculino e feminino foram conduzidos aos Serviços de Alfândega para averiguações.
D, E, F, G e H referiram que cada um deles tinha pago RMB4,500, HKD12,500, RMB4,500, RMB3,800 e RMB8,000 ao “C” e o seu ajudante pelas despesas de imigração clandestina.
Os dois arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente. Por forma a obter interesses ilícitos e mediante a conjugação de esforços e distribuição de tarefas concordaram em trazer 7 residentes da China de barco para entrar ilegalmente em Macau. Os dois arguidos ignoraram as finalidades da formulação da Lei da Imigração ilegal e da Expulsão ajudando na prática de uma actividade ilícita de entrada ilegal e prejudicando os interesses da RAEM.
O dois arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punível nos termos da Lei.
Mais se provou:
Os arguidos confessaram integralmente e sem reservas a todos os factos imputados.
O 1° arguido A é o operário e aufere mensalmente cerca de duas mil RMB.
Tem como habilitações académicas o ensino secundário elementar incompleto e não tem ninguém a seu cargo.
O 2° arguido B está desempregado.
Tem como habilitações académicas o ensino secundário elementar e não tem ninguém a seu cargo.
Conforme consta do seu CRC, os dois arguidos são primários”; (cfr., fls. 229 a 230).

Do direito

3. Vem o (2°) arguido B recorrer da decisão ínsita no Acórdão do T.J.B. que o condenou como co-autor de 1 crime de “auxílio”, p. e p pelo art. 14°, n.° 2, da Lei n.° 6/2004, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão.

Cremos que nenhuma razão lhe assiste, mostrando-se o recurso de rejeitar, dada a sua manifesta improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Vejamos.

Imputa o ora recorrente ao Acórdão recorrido, o vício de “contradição insanável da fundamentação”, e “erro de direito” (no que toca a qualificação jurídico-penal da sua conduta) e “excesso de pena”.

–– Ora, como sabido é, o vício de “contradição insanável da fundamentação” apenas ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 29.09.2005, Proc. n° 108/2005)”; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 07.12.2011, Proc. n° 656/2011).

E, no ponto em questão, é o recorrente de opinião que ocorre tal vício, dado que “o Tribunal a quo verificou, por um lado, a existência da retribuição do recorrente e não verifica, por outro lado, quanto dessa retribuição, quanto ao primeiro arguido A, verifica tanto a existência dessa retribuição como o seu valor fixado em RMB 3.500,00”, afirmando, de seguida, que “isso é mesmo a interpretação judicial da “contradição insanável existente nos factos provados”, sendo o vício previsto pelo art.º 400.º n.º 2 al. b) do Código de Processo Penal”; (cfr., concl. 2ª e 3ª ).

Cremos que labora em equívoco.

O facto de não se provar o valor da “recompensa” quanto ao recorrente, provando-se, porém, que o co-autor do crime A iria receber RMB$3.500,00, nada tem de “contraditório”, ociosas sendo outras considerações sobre a questão.

–– Quanto aos “erros de direito”.

Diz o recorrente que a sua conduta apenas integra a prática do crime de “auxílio” na forma tentada, alegando que que os imigrantes clandestinos não chegaram a “entrar” na R.A.E.M.
Também aqui, não tem razão.
O art° 14°, n° 1 da Lei n° 6/2004 dispõe que comete o crime de “auxílio” “quem dolosamente transportar ou promover o transporte, fornecer auxílio material ou por forma concorrer para a entrada na RAEM de outrem…”
Como se vê basta “transportar ou promover o transporte”, não sendo preciso que a entrada efectivamente se concretize.
Aliás, se o ora recorrente foi surpreendido na “zona do Terminal Marítimo de Passageiros Provisório da Taipa” e foi interceptado por uma lancha dos Serviços da Alfândega, cremos também ser evidente que se encontrava em local “sob a jurisdição das autoridades da R.A.E.M.”.

Por fim, e no que diz respeito à “pena”, idêntica é a solução.

Na verdade, motivos não havendo para uma atenuação especial da pena, pois que, no caso, a confissão tem pouco valor atenuativo em virtude da detenção do recorrente em flagrante delito – certo sendo também que “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 19.01.2012, Proc. n° 795/2011) – evidente é que nenhuma censura merece a pena em questão, pois que apenas 3 meses acima do seu limite mínimo, excluída ficando também assim qualquer possibilidade de suspensão de tal pena por inverificação dos pressupostos do art. 48° do C.P.M..

Mostrando-se assim ser o recurso manifestamente improcedente, impõe-se a sua rejeição; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 26 de Abril de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa



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