Processo nº 28/2012 Data: 27.04.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “venda de produto contrafeito”.
Elementos típicos.
Absolvição.
SUMÁRIO
1. Comete o crime de “venda de produto contrafeito” do art. 292° do R.J.P.I. aprovado pelo D.L. n.° 97/99/M, “quem vender, puser em circulação ou ocultar produtos contrafeitos … com conhecimento dessa situação”.
2. Provado não estando que as arguidas tinham conhecimento que os produtos eram contrafeitos, mas tão só que os produtos “seriam, muito provavelmente, contrafeitos”, verificados não estão todos os elementos típicos do crime em questão, impondo-se a sua absolvição.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 28/2012
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se:
“- condenar a (1ª) arguida A, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de “venda de produto contrafeito”, p.p. pelo artº 292º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, aprovado pelo D.L. nº 97/99/M, de 13 de Dezembro, na pena de dois meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, sob condição de pagar, no prazo de 30 dias, MOP$8.000 a favor do Governo da RAEM; e,
- condenar a (2ª) arguida B, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de “venda de produto contrafeito”, p.p. pelo artº 292º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, aprovado pelo D.L. nº 97/99/M, de 13 de Dezembro, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de MOP$100,00, o que perfaz a multa de MOP$7.500,00 (sete mil e quinhentas patacas), ou 50 dias de prisão subsidiária”; (cfr., fls. 183 a 184-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformadas, as arguidas recorreram.
A (1ª) arguida A, conclui a sua motivação, afirmando:
“1. A Sentença Recorrida incorre em erro de direito, porque não se verificar um dos elementos integradores do tal tipo de ilícito: “o conhecimento de que os produtos são produtos com marcas imitadas” (nesse sentido, vide ac. 98/2007 TSI, datada de 31/01/2008).
2. Pois resulta da própria norma legal: “É punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa de 30 a 90 dias quem vender, puser em circulação ou ocultar produtos contrafeitos por qualquer dos modos e nas condições referidos nos artigos 289° a 291° com o conhecimento dessa situação”.
3. Dos factos dados por provados não ressalta de modo nenhum que a ora recorrente teve o conhecimento de que tais produtos são produtos com marcas imitadas.
4. Segundo depoimento da testemunha C, não se pode dar por concluído que a ora recorrente teve o conhecimento de que os referidos produtos há grande probabilidade de serem produtos com marca imitadas. Pois, o que se pode retirar da mesma é de que PHILIPS fornece para seus produtos garantia internacional. Pelo que não é nada prejudicável à recorrente proceder a garantia dos seus produtos de marca PHILIPS, enviando por razões não apuradas para Gonbei-China, uma vez que PHILIPS fornece uma garantia internacional.
5. Por outro lado, mesmo que a testemunha veio-se a alegar que se acha que a garantia internacional fornecida pelo PHILIPS é de conhecimento de todas as especialistas e até os consumidores. Porém não está provado que a ora recorrente sabe efectivamente, pois não se pode em processo criminal retirar um facto geral para condenar uma situação concreta.
6. Existirá erro notório quando, sendo usado um processo racional ou lógico se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
7. Está a recorrente convicta de que, com os elementos constantes dos autos, de onde decorre que a recorrente não praticou actividade ilícita que mereça ser enquadrada no art.° 292° da Decreto-Lei 97/99/M, pelo que deverá ser absolvido do crime.
8. Nos termos do disposto no art.° 44.° do Código Penal: “A pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses é substituída por igual número de dias de multa ou por outra não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes...”
9. Daqui decorre que a substituição da pena de prisão por multa ou por outra pena não privativa da liberdade depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: um formal - exigindo-se que a pena de prisão aplicada não exceda 6 meses -, outro material – a salvaguarda das exigências mínimas essenciais de defesa do ordenamento jurídico (prevenção geral).
10. No caso, existe sem qualquer dúvida o pressuposto formal (foi aplicada a pena de prisão de 2 meses), devendo, pois, o douto Tribunal analisar todos os factos provados para concluir se se pode dar por verificada a existência do segundo requisito.
11. Está a recorrente convicta de que, tão-só, a “prevenção geral” ou seja a salvaguarda das exigências mínimas essenciais de defesa do ordenamento jurídico poderia ser um obstáculo à aplicação da substituição da pena de prisão.
12. Assim, a ora recorrente limita-se a pedir a essa Alta Instância que se pronuncie sobre a questão de saber se existem, no caso, razões de prevenção geral que impedem a substituição da pena por outra não privativa da liberdade.
13. Nem em teoria se pode admitir que a não substituição da pena de prisão por multa se baseia em a recorrente ser empresária e daí retirar conclusão que é possível cometer novos crimes.
14. Por outro lado, no caso em apreço, são muito reduzidas as exigências de prevenção geral; não que não haja necessidade de prevenir este tipo de ilícito mas porque tal crime não tem uma natureza grave, não causa, pois, qualquer alarme social. Não se justifica, pelo que a sua pena de prisão não ser substituída por multa.
15. A douta sentença incorreu, assim, no vício de violação de lei ao condenar a arguida na pena de 2 meses de prisão, sem que tenha substituído pela multa”; (cfr., fls. 217 a 229).
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Por sua vez, a (2ª) arguida B produz as conclusões seguintes:
“1. A Sentença Recorrida incorre em erro de direito, porque não se verificar um dos elementos integradores do tal tipo de ilícito: “o conhecimento de que os produtos são produtos com marcas imitadas” (nesse sentido, vide ac. 98/2007 TSI, datada de 31/01/2008).
2. Pois resulta da própria norma legal: “É punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa de 30 a 90 dias quem vender, puser em circulação ou ocultar produtos contrafeitos por qualquer dos modos e nas condições referidos nos artigos 289° a 291°, com o conhecimento dessa situação”.
3. Dos factos dados por provados não ressalta de modo nenhum que a ora recorrente teve o conhecimento de que tais produtos são produtos com marcas imitadas.
4. Segundo depoimento da testemunha C, não se pode dar por concluído que a ora recorrente teve o conhecimiento de que os referidos produtos há grande probabilidade de serem produtos com marca imitadas. Pois, o que se pode retirar da mesma é de que PHILIPS fornece para seus produtos garantia internacional. Pelo que não é nada prejudicável ã recorrente proceder a garantia dos seus produtos de marca PHILIPS, enviando por razões não apuradas para Gonbei-China, uma vez que PHILIPS fornece uma garantia internacional.
5. Por outro lado, mesmo que a testemunha veio-se a alegar que se acha que a garantia internacional fornecida pelo PHILIPS é de conhecimento de todas as especialistas e até os consumidores. Porém não está provado que a ora recorrente sabe efectivamente, pois não se pode em processo criminal retirar um facto geral para condenar uma situação concreta.
6. Existirá erro notório quando, sendo usado um processo racional ou lógico se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
7. Está a recorrente convicta de que, com os elementos constantes dos autos, de onde decorre que a recorrente não praticou actividade ilícita que mereça ser enquadrada no art.° 292° da Decreto-Lei 97/99/M, pelo que deverá ser absolvido do Crime”; (cfr., fls. 233 a 240).
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Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público:
“1. O Tribunal a quo reconheceu que as recorrentes sabiam que as máquinas de barbear eléctricas com a marca PHILIPS seriam, muito provavelmente, produtos contrafeitos. O reconhecimento não só se baseou nos depoimentos das duas testemunhas, tal como foi dito pelas recorrentes, mas também nos elementos tais como o local onde foram encomendados os produtos em apreço, os seus preços e a qualidade, sendo estes indícios notórios pelos quais as pessoas acreditam que as mencionadas máquinas de barbear eléctricas com a marca “PHILIPS” sejam produtos contrafeitos.
2. O Tribunal a quo não incorreu em erro notório na apreciação da prova ao dar como provados os referidos factos, por isso, a sentença não padece do erro invocado pelas recorrentes.
3. Para além do facto subjectivo alegado pelas duas recorrentes, o Tribunal a quo também deu como provado o facto objectivo: “Uma vez que tais máquinas não foram encomendadas do agente representante e os preços eram muito baixos e, ainda por cima, a qualidade era baixa e as especificações nas embalagens foram mal imprimidas, as arguidas A e B já estavam bem cientes, naquela altura, de que as máquinas de barbear eléctricas com a marca “PHILIPS” seriam, muito provavelmente, produtos contrafeitos da marca notória.”
4. As recorrentes sabiam bem que tais máquinas de barbear eléctricas seriam, muito provavelmente, produtos contrafeitos duma marca de reputação. Porque apenas reconheceu que “os produtos seriam, muito provavelmente, produtos contrafeitos?” Na verdade, as recorrentes negaram saber que as máquinas eram produtos falsificados duma marca de reputação, no entanto, segundo a via de encomenda dos produtos, os seus preços e embalagens, qualquer homem médio acredita que as mencionadas máquinas sejam produtos contrafeitos. Uma vez que não fosse procedido o exame dos produtos, estes não podiam ser confirmados como produtos contrafeitos. Nesta conformidade, o reconhecimento por parte do Tribunal a quo e a descrição do facto objectivo correspondem à veracidade do facto.
5. As recorrentes já sabiam, na altura, que as máquinas de barbear eléctricas com a marca “PHILIPS” seriam, muito provavelmente, produtos contrafeitos duma marca de reputação e puseram-nas à venda em conjunto com os produtos originais. As suas condutas preencheram o requisito previsto no artigo 292º do D.L. nº 97/99/M (com conhecimento de que as máquinas eram produtos contrafeitos da marca de reputação).
6. Face ao exposto, a sentença a quo não enferma do vício de violação da lei alegado pelas recorrentes.
7. A recorrente A entende que a sentença a quo violou o artigo 44º, nº 1 do Código Penal por não substituir a pena de prisão aplicada a ela por pena de multa.
8. Mesmo que seja preenchido o requisito formal (a pena de prisão aplicada não superior a 6 meses), a pena de prisão não é necessariamente ser substituída por pena de multa, devendo, porém, ter-se em conta a necessidade de prevenção criminal.
9. A recorrente A é empresária e aufere um rendimento mensal de MOP30.000, tendo boa capacidade financeira. Todavia, ela optou por utilizar a sua capacidade financeira e profissão para exercer a actividade de compra e venda de produto contrafeito, de modo a obter directamente benefício ilegítimo. A sua conduta não só prejudicou os interesses do detentor da marca registada, mas também causou dano irreparável à imagem de Macau como cidade de turismo. A mesma deve responder pelo seu acto perante a justiça, por forma a que não sejam defraudadas as expectativas dos residentes na protecção da segurança social por lei e alertar a recorrente para não voltar a cometer crimes. Nesta causa, a pena de multa não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição quer de prevenção geral quer de prevenção especial.
10. Face à necessidade de prevenção criminal, o Tribunal a quo decidiu não substituir a pena de prisão por pena de multa. A sua decisão está em conformidade com a lei, por isso, não se verifica o vício de violação da lei invocado pela recorrente”; (cfr., fls. 244 a 247-v).
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Admitidos os recursos, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista, emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Cremos assistir alguma razão às recorrentes.
Nos termos do art° 292° do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, aprovado pelo Dec Lei 97/99/M de 13/12, “É punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa de 30 a 90 dias quem vender, puser em circulação ou ocultar produtos contrafeitos por qualquer dos modos e nas condições referidos nos artigos 289° a 291° com o conhecimento dessa situação” (sublinhado nosso).
Aquele conhecimento constitui, pois, elemento integrador do ilícito por que as recorrentes foram punidas.
Ora, na douta sentença sob escrutínio foi dado como provado apenas que as arguidas “... já estavam bem cientes na altura de que as máquinas de barbear eléctricas com a marca “Philips” seriam, muito provàvelmente, produtos contrafeitos de marca notória” (sublinhado, mais uma vez, nosso), expressão e asserção que voltaram a ser usadas no mesmo aresto quanto ao preenchimento do elemento subjectivo da infracção, bem como na motivação da convicção formada pelo tribunal “a quo”.
Nestes parâmetros, afigura-se-nos evidente que daquela conclusão não decorre o comprovativo de que se tivesse comprovado, que fosse seguro, que as recorrentes tivessem efectivo conhecimento de que os produtos em questão fossem contrafeitos, mas apenas a “muita probabilidade” que tal acontecesse.
E, a verdade é que, essa possibilidade, ainda que elevada, não basta para o preenchimento do efectivo “conhecimento da situação” a que se reporta a o normativo, sobejando sempre alguma dúvida que, por razoável e inultrapassável, haveria sempre que beneficiar as arguidas.
É que a situação, tal como se apresenta, não se reporta apenas à configuração do tipo de dolo (eventual) imputável na actuação das recorrentes, antes se prendendo directamente com o efectivo preenchimento de elemento integrador do tipo de ilícito imputado, sobre o qual, a existir dúvida (como sempre existirá, atentos os termos externados), repete-se, teria a mesma que reverter em beneficio das arguidas.
Donde, sem necessidade de maiores alongamentos ou considerações, sermos a entender merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 293 a 294).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Vem dados como provados os factos seguintes:
“No dia 17 de Setembro de 2002, abriu-se a Loja “Equipamentos Telecomunicações XX” na Avenida do Infante D. Henrique nº XX, r/c (vd. fls. 15 dos autos).
Em dia indeterminado, a arguida A foi nomeada responsável da loja “Equipamentos Telecomunicações XX” por D, empresário de tal loja.
No dia 14 de Maio de 2009, a arguida A e E, empresário da loja “Telecom YY” sita na Avenida de D. João IV, nº XX, r/c, assinaram um acordo de cooperação (vd. fls. 59 e 60 dos autos), em que combinaram que a arguida A seria a responsável da “Telecom YY” depois de esta ser aberta no dia 1 de Junho de 2009. Posteriormente, a arguida A contratou a arguida B como encarregada de loja da “Telecom YY” por um montante de MOP13.000 (sic). Desde o dia de abertura da Telecom YY, a arguida B ajudou a arguida A a gerir a loja “Telecom YY”, reponsabilizando pela encomenda de produtos e fixação dos preços.
A partir de um dia indeterminado, a arguida A começou a encomendar máquinas de barbear eléctricas de vários modelos, com a marca “PHILIPS”, duma loja no Centro Comercial Subterrâneo de Gongbei que se chamava “Telecom ZZ”, para serem postas à venda junto com os produtos originais nas lojas “Telecom YY” e “Equipamentos Telecomunicações XX”. A arguida B, que teve conhecimento da via de encomenda das referidas máquinas através da arguida A, começou também a encomendar máquinas de barbear eléctricas com a marca “PHILIPS”, para serem postas à venda na “Telecom YY” em conjunto com as máquinas originais.
No dia 2 de Julho de 2010, a arguida A encomendou no Centro Comercial Subterrâneo de Gongbei 24 máquinas de barbear eléctricas de modelo nº HQ46 e 25 de modelo nº HQP4688, todos com a marca “PHILIPS”, pelo preço unitário de RMB45 (vd. fls. 66 dos autos), as quais foram postas à venda na loja “Equipamentos Telecomunicações XX”, a preços que variavam entre MOP200 e MOP600, com finalidade de obter benefício ilegítimo.
Em dia indeterminado, a arguida B encomendou por duas vezes da loja “Telecom ZZ” no Centro Comericial Subterrâneo de Gongbei 9 máquinas de barbear eléctricas de modelo nº HQ46 e com a marca “PHILIPS”, pelo preço unitário de RMB48 para serem postas à venda na “Telecom YY” a preços que variavam entre HKD230 e HKD380, com finalidade de obter benefício ilegítimo.
Uma vez que tais máquinas não foram encomendadas do agente representante e os preços eram muito baixos e, ainda por cima, a qualidade era baixa e as especificações nas embalagens foram mal imprimidas, as arguidas A e B já estavam bem cientes, naquela altura, de que as máquinas de barbear eléctricas com a marca “PHILIPS” seriam, muito provavelmente, produtos contrafeitos da marca notória.
No dia 19 de Julho de 2010, pelas 14:45, o Serviço de Alfândega (SA) recebeu uma denúncia telefónica dizendo que as lojas “Telecom YY” e “Equipamentos Telecomunicações XX” vendiam máquinas de barbear eléctricas falsificadas da marca “PHILIPS” (vd. fls. 7 dos autos). Em seguida, o SA notificou C, gerente do Serviço Pós-Venda da “Philips Electronics Hong Kong Ltd.” da denúncia.
No dia 9 de Agosto de 2010, pelas 12:00, a colega de C “F” deslocou-se à loja “Equipamentos Telecomunicações XX” para efectuar investigação e comprou uma máquina de barbear eléctrica de modelo HQP4688, com a marca “PHILIPS”, pelo preço de HKD550 (ora apreendida nos autos, vd. o auto de apreensão de fls. 65 dos autos). A “F” exigiu ao empregado da loja para lhe emitir uma factura, cujo número era B404010 (ora apreendida nos autos, vd. fls. 65). Após o exame, revelou-se que a marca “PHILIPS” não tinha máquina de barbear eléctrica deste modelo, comprovando-se que tal máquina era um produto contrafeito. No dia 25 de Agosto do mesmo ano, pela manhã, C e o examinador dos produtos da marca “PHILIPS” G apresentaram queixa ao Serviço de Alfândega de Macau.
No dia 25 de Agosto de 2010, cerca das 11:15, o SA enviou alfandegários para as lojas “Telecom YY” e “Equipamentos Telecomunicações XX” para efectuarem investigação em conjunto com G. Na “Telecom YY”, G examinou 20 máquinas de barbear eléctricas com a marca “PHILIPS”, o qual suspeitou que 7 máquinas entre outras de modelo HQ46 eram produtos contrafeitos (ora apreendidas nos autos, vd. o auto de apreensão de fls. 19 dos autos). Na loja “Equipamentos Telecomunicações XX”, o mesmo examinou 58 máquinas de barbear eléctricas com a marca “PHILIPS”. Ele suspeitou que 29 das máquinas (incluindo 14 máquinas do modelo HQ40, 7 do modelo HQ46, 7 do modelo HQP4688 e 1 do modelo HQ130) eram produtos contrafeitos (ora apreendidas nos autos, vd. o auto de apreensão de fls. 20 dos autos).
Após o exame efectuado por G, 37 máquinas de barbear eléctricas com a marca “PHILIPS”, dos modelos HQ40, HQ46, HQP4688 e HQ130, respectivamente, foram comprovadas ser produtos contrafeitos da referida marca notória (ora apreendidas nos autos, vd. o auto de vistoria de fls. 26 e 27).
“PHILIPS” é uma marca de reputação internacional, cujo registo já tenham sido requerido na RAEM.
As arguidas A e B agiram livre, voluntaria e conscientemente, exibindo e vendendo as máquinas de barbear eléctricas com a marca PHILIPS, que foram encomendadas de Gongbei, mesmo sabendo bem que elas seriam, muito provavelmente, produtos contrafeitos, no sentido de obter benefício ilegítimo.
Sabiam as duas arguidas que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei.
Foi apurada a situação económica pessoal das respectivas arguidas:
A 1ª arguida A tem o 9º ano de escolaridade, é comerciante e aufere um rendimento mensal de MOP30.000, tendo a seu cargo os pais.
A mesma confessou parcialmente os factos.
A 2ª arguida B tem o 8º ano de escolaridade, é empregada de loja.
A mesma aufere um rendimento mensal de MOP13.000, tendo a seu cargo uma filha.
A mesma confessou parcialmente os factos.
A 1ª arguida A tem um processo pendente contra ela (CR4-11-0135-PCC – Crime de fraude sobre mercadorias).
A 2ª arguida B não tem qualquer condenação averbada ao seu registo criminal”; (cfr., fls. 181-v a 182-v).
Do direito
3. Vem as 1ª e 2ª arguidas recorrer da sentença do Mmo Juiz do T.J.B. que as condenou como autoras de 1 crime de “venda de produto contrafeito” p. e p. pelo art. 292° do Regime Jurídico de Propriedade Industrial, aprovado pelo D.L. n.° 97/99/M.
Entendem que se incorreu em “erro notório na apreciação da prova” e “erro de direito”, pedindo também a (1ª) arguida A a alteração (substituição) da pena que lhe foi imposta.
–– Vejamos, começando-se pelo assacado vício da matéria de facto.
Pois bem, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que o vício de erro notório na apreciação da prova “existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 07.12.2011, Proc. n.° 656/2011 do ora relator).
No caso, dizem (ambas) as recorrentes que:
“Dos factos dados por provados não ressalta de modo nenhum que a ora recorrente teve o conhecimento de que tais produtos são produtos com marcas initadas”;
“Segundo depoimento da testemunha C, não se pode dar por concluído que a ora recorrente teve o conhecimento de que os referidos produtos há grande probabilidade de serem produtos com marca imitadas. Pois, o que se pode retirar da mesma é de que PHILIPS fornece para seus produtos garantia internacional. Pelo que não é nada prejudicável à recorrente proceder a garantia dos seus produtos de marca PHILIPS, enviando por razões não apuradas para Gonbei-China, uma vez que PHILIPS fornece uma garantia internacional”; e que,
“Por outro lado, mesmo que a testemunha veio-se a alegar que se acha que a garantia internacional fornecida pelo PHILIPS é de conhecimento de todas as especialistas e até os consumidores. Porém não está provado que a ora recorrente sabe efectivamente, pois não se pode em processo criminal retirar um facto geral para condenar uma situação concreta”.
Ora, em causa está a decisão do Tribunal a quo em dar como provado que:
“Uma vez que tais máquinas não foram encomendadas do agente representante e os preços eram muito baixos e, ainda por cima, a qualidade era baixa e as especificações nas embalagens foram mal imprimidas, as arguidas A e B já estavam bem cientes, naquela altura, de que as máquinas de barbear eléctricas com a marca “PHILIPS” seriam, muito provavelmente, produtos contrafeitos da marca notória”; e que,
“As arguidas A e B agiram livre, voluntaria e conscientemente, exibindo e vendendo as máquinas de barbear eléctricas com a marca PHILIPS, que foram encomendadas de Gongbei, mesmo sabendo bem que elas seriam, muito provavelmente, produtos contrafeitos, no sentido de obter benefício ilegítimo”.
E, em sede de fundamentação, assim consta na decisão ora recorrida:
“O Tribunal Colectivo formou a sua convicção sobre os factos provados com base na análise e em confronto, das declarações das arguidas, dos depoimentos testemunhais e da prova documental examinada em audiência e constante dos autos.
Na audiência, as duas arguidas admitiram terem encomendado os produtos em Gongbei pelo preço baixo, mas não sabiam que eles eram produtos falsificados. Quando foram inquiridas sobre os serviços de manutenção e reparação proporcionados a clientes, as duas alegaram que se os produtos tivessem problema as lojas podiam enviá-los à loja de Gongbei para manutenção e reparação. Segundo a testemunha C, todos os produtos originais da marca PHILIPS podiam ser reparados na sua oficina de reparação em Macau. Referiu o mesmo que, até os produtos comprados fora de Macau podiam ser levados, em conjunto com as facturas, à oficina em Macau para reparação desde que fossem produtos originais, acrescentando que acreditava que quase o sector todo e os clientes sabiam disso. As testemunhas C e G analisaram e identificaram a diferença entre os produtos originais e contrafeitos, o processo de reparação e o estado dos produtos. Por isso, o Tribunal não pode aceitar a alegação das arguidas de não saber que as máquinas seriam, muito provavelmente, produtos contrafeitos”.
Perante isto, evidente é que inexiste erro – muito menos – notório na apreciação da prova, pois que não violou o Colectivo a quo qualquer regra sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, regra de experiência ou legis artis, apresentando-se-nos a decisão em causa e na parte em questão, lógica e razoável.
Dito isto, continuemos.
–– Passemos para o imputado “erro de direito”.
A questão é a seguinte.
Entendem as recorrentes que a matéria de facto dada como provada não permite o enquadramento legal efectuado, isto é, a decisão da sua condenação como autoras de 1 crime de “venda de produto contrafeito”.
Vejamos.
Nos termos do art. 292° do R.J.P.I.:
“É punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa de 30 a 90 dias quem vender, puser em circulação ou ocultar produtos contrafeitos por qualquer dos modos e nas condições referidos nos artigos 289.º a 291.º, com conhecimento dessa situação”; (sub. nosso).
E, como se viu, provou-se que:
“Uma vez que tais máquinas não foram encomendadas do agente representante e os preços eram muito baixos e, ainda por cima, a qualidade era baixa e as especificações nas embalagens foram mal imprimidas, as arguidas A e B já estavam bem cientes, naquela altura, de que as máquinas de barbear eléctricas com a marca “PHILIPS” seriam, muito provavelmente, produtos contrafeitos da marca notória”; e que,
“As arguidas A e B agiram livre, voluntaria e conscientemente, exibindo e vendendo as máquinas de barbear eléctricas com a marca PHILIPS, que foram encomendadas de Gongbei, mesmo sabendo bem que elas seriam, muito provavelmente, produtos contrafeitos, no sentido de obter benefício ilegítimo”.
“Quid iuris”?
Cremos que tem as recorrentes razão.
De facto, exigindo o art. 292° como um dos seus “elementos típicos” o “conhecimento” da qualidade contrafeita dos produtos vendidos ou postos em circulação, suficiente não é (certamente) a mera “probabilidade de conhecimento” desta mesma qualidade.
E, assim, preenchidos não estando todos os elementos típicos enunciados no art. 292° em questão, só uma pode ser a solução, ou seja, a absolvição das arguidas ora recorrentes.
Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, revoga-se a decisão recorrida, absolvendo-se as arguidas do imputado crime de “venda de produto contrafeito”, p. e p. pelo art. 292° do R.J.P.I. aprovado pelo D.L. n.° 97/99/M de 13.12..
Sem tributação.
Macau, aos 27 de Abril de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 28/2012 Pág. 30
Proc. 28/2012 Pág. 1