Proc. nº 470/2011
(Recurso cível e laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 10 de Maio de 2012
Descritores:
-Representação em juízo das sociedades
-Suprimento da incapacidade judiciária
-Quorum
-Maioria e unanimidade
SUMÁRIO:
I- A representação das pessoas colectivas em juízo, e fora dele, cabe ao “órgão de administração”, sendo que, nos termos do art. 465º, nº1, do Cod. Comercial, a administração das sociedades anónimas cabe a um conselho de administração (órgão plural necessário).
II- Nos termos da lei, a vontade destes Conselhos manifesta-se através da regra da maioria emanada do art. 467º, nºs 3 e 4 do Cod. Comercial, “salvo disposição estatutária em contrário” (art. 468º, nº2, do Cod. Comercial).
III- Tendo os estatutos determinado a regra da unanimidade dos três membros que compõe o Conselho de Administração em matéria da sua representação em juízo, mal representada está a sociedade se a procuração a um advogado foi apenas emitida por dois deles.
IV- Estando o terceiro elemento impedido de ratificar a procuração e o processado em juízo pelo causídico, em virtude de ter sido suspenso da administração por sentença judicial, cabe ao tribunal nomear um representante especial nos termos do art. 53º, nº2 do CPC.
Proc. nº 470/2011
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
“A Desenvolvimento Hoteleiro, Ldª”, com sede em Macau, na Av. da …….., nº …, Edifício ……, …º andar, moveu acção declarativa com processo ordinário contra “Sociedade de Investimento Imobiliário B, SA”, pedindo a declaração de nulidade ou a anulação das deliberações tomadas em reunião do conselho de administração de 4/05/2009 com o consequente cancelamento de quaisquer inscrições na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis que venham a ser efectuados com base nas referidas declarações.
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Por despacho do Ex.mo Juiz do TJB de 14/09/20110 (fls. 275-278 vº) foi julgada improcedente a irregularidade do mandato outorgado a favor do mandatário da Ré.
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Desse despacho a autora da acção veio recorrer, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objecto o douto despacho de fls. 275v a 278, o qual decidiu que a R se encontra devidamente representada nestes autos por C, através de procuração forense e substabelecimento a favor da Advogada Sr.3 Dr.3 Teresa Teixeira da Silva;
2. Nos termos do art.º 53.º,n.º 1 do CPC, as pessoas colectivas são representadas em juízo por quem a lei, os estatutos ou o acto constitutivo designarem;
3. Assim, a Ré não pode ser considerada regularmente representada em juízo se a procuração forense conferindo poderes para o efeito se encontra assinada apenas por um administrador, o Sr. C, quando os seus estatutos exigem, para o efeito, a assinatura conjunta dos três administradores, como decorre do artigo 23º, nº 1, b).
4. De acordo com os artigos 25º, nº 2 e 21º, e em consonância com o 23º, nº 1, b), todos dos estatutos da Ré, a deliberação relativa à matéria de representação em juízo só é válida se tomada em reunião em que estejam presentes ou representados todos os administradores e se todos votarem favoravelmente.
5. Ora, conforme resulta da acta da reunião de 29/10/2009 - na qual se deliberou ratificar as deliberações em causa nos autos, entre elas, a que confere poderes ao Sr. C para representar a R em juízo - na mesma apenas esteve presente C, embora, alegadamente, também representasse D, outro administrador da Ré, conforme de resto já tinha, acontecido na reunião onde foram tomadas as deliberações postas em causa nos autos.
6. Assim, a acta em causa também não supre a falta de assinatura dos três administradores pois a deliberação sobre representação em Juízo (quer na reunião de Maio de 2009, quer na deliberação de ratificação ou confirmação de Dezembro de 2009) também não foi tomada de acordo com a maioria exigida pelos estatutos;
7. Não está, pois, em causa o facto de o Sr. C ser ainda administrador da sociedade R. mas apenas a sua capacidade para sozinho garantir a válida representação da R. em juízo, tendo em conta os estatutos desta, designadamente os artigos 23º, nº1, b), 25º, nº 2 e 21º;
8. Assim, uma vez que a R. se encontra representada nestes autos por mandatários com poderes forenses (substabelecidos) conferidos por apenas um administrador - quando os estatutos exigem que esses poderes sejam conferidos através de procuração outorgada directamente por três administradores ou por quem devidamente autorizado pelo CA mediante deliberação tomada em reunião em que estejam presentes e votem favoravelmente três administradores -, está-se perante uma incapacidade judiciária da Ré, na modalidade de irregularidade de representação, a qual deve ser sanada mediante a intervenção dos representantes da Ré nos termos dos estatutos, conforme dispõe o art.º 55º do CPC.
9. Não se alegou na Réplica que já tinha sido pedida a declaração de nulidade das deliberações tomadas na reunião de 29/12/2009 (através do processo CV2-I0-0047-CAO) porque, não obstante ser sócia maioritária da R., a aqui recorrente apenas tomou conhecimento dessa pseudo reunião e das deliberações nela tomadas precisamente nos autos à margem referenciados quando a Advogada, que alegadamente patrocina a R. com base na procuração outorgada por C, juntou a acta com o requerimento de resposta à Réplica, supostamente para demonstrar a validade da procuração.
10. Relativamente a essas deliberações, além de saltar a vista a sua impostura - deliberações de uma sociedade de Macau tomada no Hawai, contrariando o artigo 24º dos estatutos, por apenas uma pessoa, a mesma que por sinal havia tomado as deliberações defeituosas, sobre matérias que lhe diziam respeito, sem qualquer convocatória prévia (pois nunca se viu tal convocatória) - as mesmas padecem dos mesmos vícios das pseudo deliberações ratificadas, pois na reunião em que foram tomadas não se encontravam presentes nem representados os três administradores como exigem os estatutos, designadamente para deliberações sobre a representação em juízo;
11. Nem se diga que a necessidade dos três administradores fica prejudicada pelo facto de um dos administradores se encontrar suspenso;
12. É que, a consequência da suspensão de um administrador do CA é este órgão ficar sem condições, enquanto durar a suspensão, para passar deliberações que careçam da presença e do voto favorável dos três administradores, por falta de quorum constitutivo e deliberativo. No fundo, enquanto durar a suspensão, ou enquanto o administrador suspenso não for substituído através de uma nova eleição ou por recurso a um suplente nos termos do artigo 20º dos estatutos, a administração fica numa espécie de regime de gestão ou de poderes limitados - como acontece amiúde em situações de ausência temporária de um membro de um órgão de uma pessoa colectiva - apenas podendo praticar os actos que dois administradores possam praticar.
13. Com efeito, a suspensão temporária de um administrador não pode ter por consequência a alteração da forma de obrigar da sociedade acordada entre os sócios e consagrada nos estatutos, nem os administradores em funções passarem automaticamente a ter poderes que não tinham, designadamente, o de vincularem sozinhos a sociedade;
14. Acresce que, conforme foi alegado e o Tribunal de Primeira Instância tomou conhecimento mediante consulta do processo, o Sr. C eo outro administrador que representou na reunião, D, encontram-se impedidos de representar a R. em Juízo, por decisão judicial proferida em 19 de Fevereiro de 2010, no processo CV2-09-0191-CPE.
15. Não parece ser relevante o facto de a procuração ter sido passada antes da referida decisão. Relevante deve ser o momento em que a parte se apresenta em juízo. É esse o momento que se deve ter em conta para analisar o pressuposto processual da capacidade judiciária, isto é, se a parte que se apresenta em juízo, como autor ou como réu, está ou não representada por quem tenha capacidade para o efeito e não esteja impedido, por qualquer motivo, de o fazer.
16. De resto, a tese defendida pela decisão ora posta em crise leva a que a proibição preventiva não tenha qualquer efeito prático, pois permite que os ditos administradores continuem a representar a Ré em juízo ad eternum, bastando, para o efeito, que utilizem a procuração outorgada em data anterior à proibição.
17. A providência cautelar na qual se pediu a suspensão das deliberações em causa nos presentes autos - que são as ratificadas ou confirmadas na deliberação de 29/12/2009 - foi indeferida liminarmente, por decisão confirmada em Segunda Instância no Acórdão proferido no processo nº 98112009, com o fundamento de que não havia periculum in mora, razão pela qual, acreditando na lógica e coerência das decisões judiciais, a requerente não intentou qualquer procedimento cautelar relativamente às deliberações de 29/12/2009, já que estas limitavam-se a ratificar ou confirmar as que estão em causa nos presentes autos.
18. Uma das razões pelas quais o Tribunal, quer em primeira, quer em segunda instância, entendeu que não havia perciculum in mora foi exactamente a de que ocorrendo uma situação como a que agora ocorre - ser o próprio C a defender em juízo uma deliberação que o mesmo tomou sozinho - a recorrente poderia lançar mão do art.º 53º, nº 2, do CPC e impedir assim essa representação por conflito de interesses.
19. Assim, verificando-se exactamente a situação que o Tribunal, quer em primeira quer sem segunda instância, entendeu que poderia ser evitado por recurso ao instituto do conflito de interesses, impõe a lógica e a coerência das decisões judiciais que se decida pela existência, nos presentes autos de um conflito de interesse entre a R. e o Sr. C.
20. De resto, in casu é patente o conflito de interesses na medida em que nos autos discutem-se deliberações que visam o Sr. C e que foram tomadas pelo próprio, pelo que não pode também ser ele a representar a sociedade na defesa dessas deliberações em juízo, sob pena daquele poder defender em primeiro lugar interesses próprios que não são, ou pelo menos podem não ser, coincidentes com os da sociedade.
21. Assim, ao decidir como decidiu, com todo o respeito, o Tribunal a quo violou os estatutos da R. no que diz respeito à sua representação em juízo, nomeadamente os art.ºs 23º, nº1, b), 25º, nº 2 e 2r, a proibição dos senhores C e D representarem a Ré em juízo constante da decisão proferida em 19/02/2010 no processo de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais nº CV2-09-0191-CPE, e ainda, o art.º 53º, nº1 e 2 do CPC.
TERMOS EM QUE, dando provimento ao presente recurso, revogando a decisão que considerou a Ré regularmente representada por procuração forense e substabelecimento a favor da Advogada Sr.a Dr.a Teresa Teixeira da Silva, outorgada apenas pelo seu administrador, C, farão V. Ex. as, aliás como habitual, boa e sã Justiça.
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Houve contra-alegações da Ré (cfr. fls. 325 e sgs.).
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Foi posteriormente proferida sentença, datada de 4/03/2011, que absolveu da instância a Ré, por considerar que as deliberações do Conselho de Administração que constituíam o objecto do pedido não eram impugnáveis judicialmente (fls. 341-346).
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Dessa decisão recorre agora a autora da acção, concluindo da seguinte maneira as respectivas alegações:
1.a O presente recurso tem por objecto a douta sentença que absolveu a R. da instância por considerar que a via judical não é o meio próprio para atacar as deliberações do CA.
2.a Em causa estão as deliberações tomadas em 4/05/2009 pelo CA da R./Recorrida e que foram objecto de impugnação pela Recorrente, por entender que as mesmas são nulas ou anuláveis e se as mesmas podem ser impugnadas judicialmente ou se têm de ser impugnadas perante a AG e só das deliberações desta se podendo recorrer aos Tribunais.
3.a Na sequência dessa delimitação concluiu pela impossibilidade da A., enquanto sócia da sociedade requerida, impugnar judicialmente a deliberação do CA, configurando essa impossibilidade como uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, que, como tal, implica a absolvição da instância.
4.a Para chegar a essa conclusão, à míngua de um preceito expresso, à semelhança do que acontece no CSCP (artº. 412.º nº 1), onde se determina que a apreciação da validade das deliberações do conselho compete à assembleia-geral, o tribunal a quo socorreu-se de uma ideia de analogia de regulamentação entre o CSCP e o C.Com. de Macau em matéria societária, para aplicar em Macau a mesma solução ali consagrada.
5.a Não andou bem o Tribunal a quo ao controverter uma questão que não suscita dúvida ou ambiguidade face à lei aplicável, resultando daí também uma decisão que não encontra suporte no sistema jurídico de Macau.
6.a Como reconhece a sentença, nenhum artigo do C.Com. estipula que as deliberações do CA não possam ser judicialmente impugnadas, ou que antes de o serem, devam ser sujeitas a um controlo interno efectuado pelos órgãos sociais.
7.a Tal conclusão não resulta de qualquer interpretação extensiva ou integração analógica das leis que regulam as sociedades comerciais em Macau.
8.a É que, efectivamente, “à mingua de disposição expressa” e da qual não resulta qualquer lacuna porque suprida pelas normas gerais, o julgador não pode considerar que a solução especial consagrada noutro ordenamento jurídico, ainda que similar, “é a que se mostra mais adequada”.
9.a Da remissão do art.º 467.º nº 6 para os art.ºs 217.º, 219.º, 228.º, 229.º e 233.º do C.Com. resulta que as deliberações do CA podem ser nulas ou anuláveis nos mesmos termos em que o podem ser as deliberações da AG, isto é, nas condições previstas nos art.ºs 228.º e 229.º do C.Com..
10.a Da falta de atribuição expressa aos sócios de uma legitimidade específica e directa para impugnarem as deliberações tomadas pelo CA não pode retirar-se a conclusão de que, à semelhança do que está consagrado numa norma especial e excepcional da legislação portuguesa, os sócios não possam impugnar directamente em tribunal essas mesmas deliberações.
11.a No que se refere ao acesso directo aos tribunais, na falta de regime especial, aplica-se o princípio geral consagrado no C.P.C., segundo o qual, a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo.
12.a Assim, se a lei diz que as deliberações do CA podem ser nulas ou anuláveis e não consagra qualquer limitação ou restrição de acesso aos tribunais por parte dos interessados para as impugnarem, a conclusão lógica é a de que os interessados podem recorrer a tribunal directamente.
13.a No que se refere à legitimidade substantiva e processual para impugnar as deliberações do CA, também na falta de um regime especial, aplicam-se as regras gerais de legitimidade substantiva e processual de declaração de nulidade e anulabilidade dos negócios jurídicos, designadamente as constantes do C.C. (art. 278.º).
14.a No caso, não há dúvidas de que a recorrente tem interesse na invalidação das deliberações do CA que considera serem ilegais, interesse esse que não só decorre, de forma directa e objectiva, da sua qualidade de sócia, como também do facto de estarem seriamente ameaçados os interesses da Recorrida pela execução das deliberações em questão, designadamente a sua situação financeira, o que igualmente compromete os seus direitos decorrentes da qualidade de sócia, nomeadamente o direito aos lucros ou ao quinhão de liquidação.
15.a Ao decidir como decidiu, o tribunal ultrapassou a legalidade e os limites da territorialidade na administração da lei.
16.aAs soluções de direito português já não podem ser aqui aplicáveis a não ser que tenham sido expressamente adoptadas pelo legislador local.
17.a A similitude entre os dois ordenamentos não justifica a transposição para Macau de soluções de direito português, sobretudo de regime especial ou excepcional, que, bem ou mal, o legislador local não quis adoptar.
18.a No caso em apreço, o legislador de Macau, que bem conhecia a solução consagrada pelo CSCP, se não preconizou uma via interna para atacar as deliberações do CA, através da AG ou do próprio conselho, é porque, claramente não a quis, deixando que fosse aplicável o regime geral de acesso directo aos tribunais e de arguição de nulidades ou anulabilidades.
19.a A norma do art.º 412.º do CSCP nunca poderia ser chamada a preencher, por analogia, qualquer lacuna existente no nosso sistema, assim como nunca poderia ser chamada em Portugal para preenc /her uma lacuna nesse sistema jurídico, na medida em que limita o acesso directo aos tribunais, restringindo um princípio e direito fundamental, consagrado quer nas leis ordinárias quer nos diplomas constitucionais ou de valor constitucional, tendo de ser vista como uma norma excepcional, insusceptível de aplicação analógica, como decorre do art.º 10.º do C.C..
20.a Ainda que se entenda que a analogia de regulamentação entre o CSCP e o C. Com. de Macau justifica soluções semelhantes e, no caso de existência de uma lacuna no sistema de Macau, o recurso a uma solução prevista na lei portuguesa, tal solução nunca poderia ser adoptada se decorrente de uma norma excepcional.
21.a Também por essa via, nunca a norma do art.º 412.º do C. Com. Português poderia ser aqui chamada, mesmo que se estivesse perante uma lacuna e a regulamentação societária de Macau fosse em tudo semelhante à de Macau, o que, na verdade, nem é.
22.a Mesmo em Portugal, não resulta taxativamente da norma do art.º 412.º do CSC - usada na sentença - que os sócios não possam directamente impugnar as deliberações do CA, sendo entendido por uma certa doutrina que a atribuição pelo art.º 412.º do CSCP de competência ao próprio CA ou à assembleia para invalidação das deliberações do mesmo conselho é feita por motivos práticos, sem estar excluído o recurso a tribunal pois senão o preceito teria de ser considerado inconstitucional por limitação do acesso à justiça e aos tribunais.
23.a Mesmo em Portugal, não há dúvidas nem na Doutrina nem na Jurisprudência, que qualquer accionista tem legitimidade para intentar procedimento (judicial) cautelar especificado de suspensão de deliberações do CA.
24.a Se se admite que os sócios possam intentar uma providência judicial de suspensão das deliberações do CA, tem necessariamente de se admitir que os mesmos têm legitimidade para prosseguir com a acção principal correspondente e assim, por vezes, atacar directamente, através dos tribunais, as deliberações do CA.
25.a Mesmo na lei portuguesa existe uma norma que prevê um controlo interno das deliberações do CA, não sendo líquido que os sócios não possam impugnar directamente através dos tribunais tais deliberações, sendo que, pelo menos nos casos de existência de um procedimento cautelar, poucas dúvidas se levantam quanto a essa possibilidade.
26.a O facto de a lei consagrar, ao elencar os seus poderes e deveres, que o órgão fiscalizador tem o dever de informar a AG de irregularidades e inexactidões verificadas e que não foram corrigidas pela administração (art.º 243.º nº 2 al. d) do C.Com.) não implica, nem pode implicar, que só a AG tenha o poder de invalidar as deliberações do CA.
27.a O que está em causa nessa norma é apenas a consagração de um dever do órgão fiscalizador de, no cumprimento das suas obrigações, reportar inexactidões ou irregularidades no funcionamento da sociedade e que não forem corrigidas ao órgão representativo de todos os sócios para que estes, em assembleia ou individualmente, possam tomar as medidas necessárias e exercerem os seus direitos.
28.a Não é também aceitável o argumento da via judicial enquanto via residual ou supletiva para atacar as deliberações do CA, como forma de evitar paralisações das sociedades, na medida em que em vários artigos do C.Com. se prevê o recurso directo dos sócios a tribunal até para responsabilização dos administradores, e que pode resultar numa paralisação da sociedade (por exemplo, os art.º 463.º nº 2 e 248.º do C.Com.).
29.a Não é verdade que os sócios não fiquem prejudicados com a impossibilidade de atacarem directamente as deliberações do CA por terem a possibilidade de atacar judicialmente a deliberação da AG que venha a pronunciar-se sobre a (in)validade da deliberação do CA, como é defendido na sentença.
30.a Para que isso aconteça é preciso que a AG delibere sobre a (in)validade da deliberação do CA, pois se a AG, por qualquer razão, não tomar uma deliberação, seguindo o raciocínio da sentença, o sócio nada poderia fazer.
31.a A solução consagrada na lei portuguesa e que a sentença considerou como a melhor e aplicou por analogia de regulamentação, é dúbia e lacunosa, não permitindo, no entanto, afastar de forma taxativa, como faz a sentença, o recurso directo dos sócios a tribunal para impugnar as deliberações do CA.
32.a Assim, só pode concluir-se, com base na presunção de um legislador prudente que consagrou as melhores soluções, que o legislador de Macau nessa matéria omitiu deliberadamente a necessidade de uma sindicância prévia das deliberações do CA por parte do próprio ou da AG, como exige o ordenamento jurídico português - solução que o legislador de Macau bem conhecia - provavelmente por ter entendido que se trata de uma solução restritiva de um direito e princípio fundamental de acesso à justiça, pouco clara e que levanta mais problemas do que os que resolve.
33.a Dessa omissão deliberada não resulta qualquer lacuna legal que urge preencher, designadamente por recurso a soluções de direito comparado de um ordenamento afim, pois tratando-se essa sindicância prévia de uma regra especial e excepcional, a sua falta é suprida pelas regras gerais.
34.a Não pode entender-se, sem qualquer base legal expressa ou implícita, a todo o custo, e mesmo sem qualquer razão ponderosa que justifique a “bondade” da solução, que a fiscalização das deliberações do CA cabe em primeiro lugar à AG e que os sócios não possam atacar directamente através do tribunal tais deliberações.
35.a Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou entre outras normas, os art.ºs 36.º da LB, 1.º do C.P.C. e os 278.º e ss. do C.C .
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Não houve contra-alegações.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
O despacho de fls. 275 a 278 deu por verificada a seguinte factualidade:
a) Com base na acta de 23.04.2004, AP54/06052004, foi inscrito que os administradores da Ré eram F, G e H aliás H1;
b) Com base na acta de 06.06.2006, foram inscritos os seguintes factos:
b1) AP47/08082006 destituídos F, G e H aliás H1;
b2) AP48/08082006 reconduzido G;
b3) AP49/08082006 nomeados administradores C e D;
c) Com base na acta de 01.09.2008 foram inscritos os seguintes factos:
c1) AP77 e AP78/08092008 inscrito o cancelamento da recondução da recondução de G e que este cessa funções;
c2) AP79/08092008 inscrito a cessação de funções de C e D;
c3) AP 80 e81/08092008 inscreve a nova administração e alteração do pacto.
d) Pela AP23/19112009 foi inscrita a providência cautelar onde se pede a suspensão de todas as deliberações tomadas na assembleia ordinária de 01.09.2008. A AP20/19112009 corresponde à inscrição de que foi instaurada a acção a que se encontra apensa a providência cautelar referida a qual corre termos neste tribunal sob o nº CV3-08-0061-CAO;
e) Pela AP24/14102008 foi inscrita que foi instaurada acção em que se pede a declaração de nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária de 06.06.2006 a qual segue termos neste tribunal sob o nº CV2-08-0067-CAO na qual ainda não foi proferida decisão.
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III- O Direito
1- Do recurso do despacho de fls. 275 vº-278.
Tal despacho resolveu a favor da Ré da acção um diferendo instalado entre as partes a propósito da regularidade do mandato da Ex.ma advogada que a representa nos autos.
Para a sociedade autora, a irregularidade resultaria do facto de a procuração que conferiu poderes forenses ao Ex.mo advogado Dr. Chao Kók Keong – o qual depois substabeleceu sem reserva na Ex.ma Drª Teresa Teixeira da Silva - ter sido outorgada apenas por Sr. C na qualidade de administrador da ré, enquanto segundo os estatutos desta, para aquela representação em juízo, seria precisa a assinatura de 3 administradores.
Vejamos.
O art. 53º, nº1 do CPC, que exclui da sua previsão a RAEM, em relação à qual existe disposição específica (art. 52º, do CPC), dispõe que “As demais pessoas colectivas são representadas por quem a lei, os estatutos ou o acto constitutivo designarem”.
A representação das pessoas colectivas em juízo, e fora dele, cabe ao “órgão de administração” (art. 145º, nº2, al. c), do Cod. Civil).
No que respeita às sociedades civis, rege o art. 185º, nº2 do Cod. Civil, que manda aplicar, em princípio e no que for compatível, o que se encontra estabelecido para as sociedades em nome colectivo.
Quanto às sociedades comerciais, devemos procurar a solução que flui do Código Comercial de entre as disposições que se aplicam a cada uma das espécies: para as sociedades em nome colectivo: arts. 331º a 347º; para as sociedades em comandita, arts. 348º a 355º; para as sociedades por quotas, arts. 356º a 392º; para as sociedades anónimas: arts. 393º 472º. É então que descobrimos que também nestas sociedades comerciais, a representação cabe igualmente aos administradores: arts. 346º, 351º, 383º e 465º, nº1, respectivamente, sendo que, no caso da sociedade anónima, a administração cabe a um conselho de administração (órgão plural necessário).
No caso em apreço, a Ré é uma sociedade anónima que carece, portanto, de um órgão colegial para a vincular.
É verdade que os órgãos colegiais funcionam segundo as regras da maioria1, sendo certo até que, no que concerne ao funcionamento do Conselho de Administração, essa é a regra que emana do art. 467º, nºs 3 e 4 do Cod. Comercial. E, no que diz respeito aos poderes de representação, eles são exercidos em conjunto pelos administradores, ficando a sociedade vinculada pela intervenção da maioria deles, “salvo disposição estatutária em contrário” (art. 468º, nº2, do Cod. Comercial).
Portanto, a lei aponta para um funcionamento em maioria, mas sempre sem prejuízo de diferente forma de “quórum” deliberativo desde que os estatutos para isso expressamente apontem2. É, portanto, soberana a vontade expressa nos estatutos. Aliás, a necessidade de observar aquilo que os estatutos expressam foi já também reconhecida neste tribunal mesmo para a hipótese de “quórum” deliberativo das Assembleias Gerais a que se refere o art. 453º do Cod. Comercial3.
Ora, os estatutos da sociedade ré acolhem a regra de que a sua representação cabe a um Conselho de Administração (art. 19º: fls. 172 dos autos), nela se inscrevendo a própria representação em juízo (art. 21º, al. o): fls. 173 dos autos).
E no que respeita à forma de obrigar a sociedade, o art. 23º,nº1, dos Estatutos dispõe que “A sociedade fica obrigada…pela assinatura conjunta de três administradores nos casos previstos nas alíneas c), d), e), f), salvo…., h), l), m) e o) do artigo vigésimo primeiro” (destaque a negro nosso).
Da mesma maneira, o art. 25º preceitua que:
“Um. As deliberações do Conselho de Administração só serão válidas se se encontrarem presentes ou representados todos os seus membros.
Dois. As deliberações relativas às matérias constantes das alíneas c), d), e), f), salvo….., h), l), m) e o) do artigo vigésimo primeiro só serão válidas quando tomadas por unanimidade de votos de todos os administradores”.
Portanto, a regra da maioria, porque a matéria em causa se insere no âmbito da referida alínea o), tem que ceder à da unanimidade de todos os administradores, face à força imperativa dos Estatutos Sociais.
Assim sendo, importa ver até que ponto o quórum foi respeitado no caso concreto.
De acordo com a deliberação de 29/12/2009, apenas esteve presente C por si, pessoalmente, e em representação de D (fls. 254 dos autos). Nessa deliberação foi deliberado ratificar, com efeitos retroactivos, a procuração forense conferida pelo administrador C em 27/07/2009, constituindo mandatário da sociedade o Dr. Chao Koc Keong, bem como manifestar expressa concordância com o substabelecimento dos poderes respectivos por este advogado à Drª Teresa Teixeira da Silva. Foram ainda ratificadas todas as intervenções processuais efectuadas por Dr. Chao Koc Keong e Drª Teresa Teixeira da Silva, nomeadamente efectuadas no presente processo, e ainda atribuir poderes de representação da sociedade em juízo e fora dele ao Administrador C (fls. 256 dos autos).
Ora, nesse momento (29/12/2009), e uma vez que a deliberação datada de 1/09/2008 – na qual tinham sido nomeados novos administradores – foi suspensa judicialmente, os anteriores administradores deveriam ter retomado as funções, neles se incluindo o Sr. G. Logo, na deliberação de 29/12/2009 haveria de estar presente o Sr. G ou fazer-se representar no acto.
Qual a razão pela qual não esteve presente? Porque ele apenas se manteve em funções até 9/11/2009, data em que delas foi suspenso por sentença proferida no TJB no Proc. nº 09-0154-CPE do 2º juízo.
Agora, pergunta-se: O facto de ter sido suspenso de funções por decisão judicial implicaria que os membros do Conselho de Administração apenas passassem a ser C e D? Se a resposta for afirmativa cremos que nada há de irregular na representação em juízo por parte da mandatária substabelecida.
Ora, quando a procuração forense foi outorgada por C em 27/07/2009 (fls. 64 dos autos), já todos os anteriores administradores (C, D e G) tinham sido “repristinados” face à sentença de 17/12/2008 no Proc. de Providência cautelar nº CV3-08-0061-CAO-A. Isto significa que já então (repetimos, 27/07/2009) C não podia agir sozinho em representação da sociedade para constituir mandatário forense através da procuração de 27/07/2009 constante de fls. 64 dos autos.
Houve, é certo, uma deliberação de 4/05/2009 (impugnada nos presentes autos), na qual foram conferidos poderes a C para constituir mandatário (doc. junto a fls. 420/426).
Nessa deliberação esteve presente fisicamente C, por si e alegadamente em representação do administrador D, mas com a ausência do administrador G.
Ora, assim sendo, tendo essa deliberação de 4/05/2009 apenas sido tomada por maioria de dois terços, continua a faltar o 3º elemento da Administração para conferir o quórum próprio de unanimidade, como era exigido.
É claro que na acta de 29/12/2009 (fls. 254 dos autos) podia ser ratificada a deliberação de 4/05/2009, no caso de falta de algum membro da administração necessário ao quórum deliberativo dessa deliberação. E assim aconteceu, efectivamente. Mas para que essa ratificação fosse relevantemente eficaz e operativa, necessário seria que ela mesma fosse declarada pelos elementos necessários ao quórum. Mas, o que se verificou foi, uma vez mais, a presença do administrador C, por si, e em representação de D. Ou seja, esta ratificação sofre do mesmo mal da deliberação ratificada.
Em suma, em ambos os casos a questão é comum: saber do efeito/consequência da falta do administrador G.
Voltando aos artigos dos estatutos acima transcritos, é para nós claro que a forma de representação em juízo da sociedade só podia ser feita por unanimidade dos votos do Conselho de Administração. Quer dizer, a emissão de procuração forense feita pelo administrador C ao abrigo da dita deliberação de 4/05/2009 constitui irregularidade da representação judiciária em juízo da sociedade ré4, que deveria ter sido ratificada pela de 29/12/2009, mas que só aparentemente o foi, pois também para ela lhe faltou o quórum deliberativo necessário. É claro que nesta data (29/12/2009) o administrador G já não podia estar presente por, como se viu, ter sido suspenso por sentença proferida no TJB no Proc. nº 09-0154-CPE do 2º juízo. Mas então a ratificação deve ser obtida por um terceiro membro.
A este respeito, é de aceitar que C e D nas deliberações de 4/05/2009 e de 29/12/2009 representaram a sociedade. Com efeito, ao contrário do que defendeu a recorrente nos autos (Conclusões 14 e 15) estes elementos do Conselho de Administração apenas foram proibidos de tomar quaisquer deliberações daquele órgão da sociedade B SA que exijam unanimidade de todos os votos, por sentença de 19/02/2010 (cfr. doc. junto aos autos a fls. 436 e sgs.). Esta sentença (já transitada, de resto: fls. 464), pelo modo como está plasmada a sua dispositividade e estruturado o seu segmento decisório, apenas afecta aqueles administradores em relação ao futuro, deixando intocados os efeitos de deliberações anteriores em que tenham intervindo.
Deste modo, importa que os autos voltem à 1ª instância para que o juiz da causa, em cumprimento do disposto no art. 53º do CPC e com vista ao suprimento da incapacidade verificada, designe um representante especial para a causa - a quem deverá ser concedido prazo para ratificar a procuração e substabelecimento conferidos a Dr. Chao Koc Keong e Drª Teresa Teixeira da Silva, respectivamente, e ainda para expressamente ratificar o processado nos autos por esta causídica - cujas funções cessarão logo que a sociedade em causa possa estar devidamente representada como determinam os seus estatutos.
Os efeitos dessa irregularidade de representação, resolvendo-se pelo modo da incapacidade judiciária, podem ser ultrapassados pela via da sanação acima referida. De modo que, caso o representante nomeado venha a ratificar a procuração de 27/07/2009, o substabelecimento a favor da Drª Teresa Teixeira da Silva (fls. 64 dos autos) e o processado levado a cabo por esta digna mandatária forense, o processo prosseguirá como se o vício não existisse, logo, sem declaração de nulidade dos actos praticados; se não ratificar, então sim, ficará sem efeito todo o processado na parte respeitante à ré5, com as consequências legais.
Deve, pois, ser provido o recurso em análise, ficando prejudicado o conhecimento do recurso da sentença interposto pela mesma recorrente.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
1- Conceder provimento ao recurso interlocutório do despacho de fls. 275-278 interposto pela “A Desenvolvimento Hoteleiro, Limitada”, em consequência do que:
a) Se declara a irregularidade de representação e incapacidade judiciária da ré “Sociedade de Investimento Imobiliário B, SARL”, e
b) Se revoga o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro com vista ao suprimento da irregularidade e incapacidade nos moldes acima definidos.
2- Declarar prejudicado o conhecimento do recurso da sentença.
Custas pela recorrida por ter contra-alegado.
TSI, 10 / 05 / 2012
(Relator) José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan
1 Pedro Maia, Função e Funcionamento do Conselho de Administração de Sociedade Anónima, Coimbra, 2002, pag. 216; Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, Coimbra, 2006, pag. 592).
2 É este o sentido do Ac. da Rel. Coimbra de 6/12/2005, Proc. nº 2546/05.
3 Ac. do TSI de 13/10/2011, Proc. nº 332/2009.
4 Neste sentido, Ac. do TSI de 11/02/2010, Proc. nº 332/2009; Na jurisprudência portuguesa, Ac. da RP, de 25/06/2001,Proc. nº 0150796; R.C., de 6/12/2005, Proc. nº 2546/05.
5 Neste sentido, o citado Ac. da Relação de Coimbra.
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