Processo nº 91/2012
(Recurso Laboral)
Data: 31/Maio/2012
Assuntos:
- Erro de julgamento
- Contrato de trabalho de não residentes
- Regime mais favorável decorrente de um contrato celebrado entre e empregador e uma empresa agenciadora de mão de obra
- Contrato a favor de terceiro
SUMÁRIO :
1. Não há erro de julgamento nem se devem admitir documentos respeitantes a matéria que não foi alegada na contestação, para mais quando a ré empregadora reconhece e identifica que o trabalhador foi contratado ao abrigo de um contrato, pretendendo sem justificação e sem razão para qualquer superveniência vir depois dar o dito por não dito e dizer que afinal o trabalhador foi contratado ao abrigo de outro contrato, para mais se resulta até que esse contrato respeita a uma realidade diferente.
2. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
3. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
4. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais
5. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
6. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
7. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
8. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
9. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere.
10. Nada obsta que da relação entre o promitente e o terceiro (agência prestadora de serviços e mão de obra), para além do assumido nesse contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).
O Relator,
(João Gil de Oliveira)
Processo n.º 91/2012
(Recurso Civil)
Data: 31/Maio/2012
Recorrente: Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança - Limitada
Recorrido: A
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança – Limitada, mais bem identificada nos autos, inconformada com o depacho que não lhe admitiu a junção de dados documentos e com o despacho saneador-sentença que a condenou a pagar ao seu trabalhador, autor na acção, A, a quantia de MOP$200.703,00, a título de diferenças salariais, subsídio de alimentação e subsídio de efectividade, acrescida dos juros desde a prolação da sentença, vem recorrer, alegando, em sede de conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho saneador-sentença proferido pelo douto Tribunal a quo a fls. 328 e seg. dos presentes autos, que julgou parcialmente procedente por provada a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$200,703.00 (duzentas mil, setecentas e três patacas)c, acrescida de juros de mora contados à taxa legal.
II. O presente recurso incide também sobre o despacho saneador stricto sensu de fls. 329 a 331 que indeferiu o requerimento apresentado pela ora Recorrente em 06.09.2011, solicitando ao douto tribunal a quo se dignasse admitir a junção de 14 documentos, por considerar que os factos sobre os quais os mesmos versam se encontram já assentes, sendo os mesmos, consequentemente, desnecessários.
III. O despacho de fls. 329 a 331 que incidiu sobre a junção de documentos requerida pela Ré em 06.9.2011 indeferindo-a, contém fundamentação contraditória na medida em que julga os documentos em questão pertinentes por respeitarem à causa, mas não necessários por os factos a que respeito se encontrarem já alegadamente assentes.
IV. Não se pode entender que, ao confirmar que o autor foi contratado ao abrigo de um contrato de prestação de serviços com um período de duração limitado no tempo, a ré confessou que esse mesmo contrato é fonte de direitos para o autor que se estendem por um período muito mais longo que o da sua duração.
V. Mesmo que se entendesse que o requerimento de junção de documentos apresentado pela ora ré consubstancia um verdadeiro articulado superveniente, como parece ter sido o entendimento do douto tribunal a quo, sempre se diga que, nos termos conjugados dos artigos 14.º, n.º 1, alínea 3), 33.º, n.º 3, e 41.º n.º 1, todos do Código de Processo do Trabalho, ao reconhecer tais documentos como pertinentes e ao reconhecer a importância dos motivos que justificaram o pedido da sua junção aos autos, impunha-se ao Meritíssimo Juiz de primeira instância admitir tais documentos e dele extrair as necessárias consequências,
VI. Foi o próprio autor quem requereu em sede da sua petição inicial a junção dos documentos que foram agora juntos pela ré, pelo que é inegável que os mesmos, do ponto de vista quer do autor quer da ré, assumem manifesta relevância e necessidade para a boa descoberta da verdade material, pelo que,
VII. Ao indeferir a junção dos referidos documentos, a decisão ora em recurso padece de erro na aplicação do direito por violar o disposto nos artigos 450.º; n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicado ex vi do artigo 1.º do C.P.T e artigos 14.º, n.º 1, alínea 3), 33.º, n.º 3, e 41.º n.º 1, todos do C.P.T, motivo pelo qual deve tal decisão ser revogada e substituída por uma outra que admita e ordene a junção dos documentos juntos pela ré através do seu requerimento de 06/09/2011.
VIII. Por outro lado, a ora Recorrente não se conforma com a decisão final proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância, estando em crer que a mesma padece de nulidade decorrente da oposição entres os fundamentos e a decisão, erro de julgamento da matéria de facto, e erro na aplicação do direito.
IX. De acordo com o entendimento assumido na sentença recorrida, para a decisão do presente pleito tem que ter em conta o Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de XXX de Macau, com vista à contratação de trabalhadores não residentes, tendo para o efeito reproduzido na alínea b) da especificação parte que entendeu como importante do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre Recorrente e a agência de emprego.
X. Dessa reprodução consta que o contrato "terá duração de 1 ano renováveis por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo do Território, a obter até 30 dias antes do seu termo;" e «11.3. Este contrato vigorará desde a data da sua aprovação até à data em que extinguir a primeira vaidade do título de identificação do trabalhador não residente, emitido pelas Forças de Segurança de Macau (Corpo da Policia de Segurança Pública de Macau). (...)»
XI. Nos presentes autos não se apurou se o referido contrato de prestação de serviços que o douto tribunal a quo reproduziu na referida alínea b) da especificação, decorrido o ano pelo qual foi celebrado, foi ou não renovado, por quantas vezes, e até quanto vigorou e nem o título de identificação do Recorrido à data em que o acordo foi celebrado, e sem prova adicional de tais factos, o douto tribunal a quo apenas poderia ter tido em conta a duração prevista em tal contrato, não a extrapolando e dando também como que foi ao abrigo do mesmo que o Autor permaneceu ao serviço da Ré desde 1996 a 2008.
XII. Por outro lado, encontra-se nos autos referência feita pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais - documento n.º 2 junto pelo Recorrido com a petição inicial - a diversos contratos de prestação de serviços, ao abrigo dos quais foram sendo celebrados os diversos contratos de trabalho com o trabalhador.
XIII. A decisão em recurso é em si mesma contraditória porquanto parte de um contrato de prestação de serviços com uma duração limitada de um ano, para fundamentar a preterição do pagamento de quantias que com base nesse mesmo o Autor teria direito durante os 11 anos que durou a relação laboral.
XIV. Ou seja, no ponto b) da fundamentação fáctica da decisão reporta-se a prova que intrinsecamente é incompatível com o período de trabalho a que a sentença se reporta, pelo que a sentença padece de nulidade nos termos do 571 n.º 1 al. c) do CPC, por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão.
XV. Para melhor demonstração da existência desta contradição insanável, e por referência à lista constante do referido documento n.º 2 junto com a petição inicial, atente-se no teor dos contratos de prestação de serviços juntos pela Ré no seu requerimento de 06.09.2011 e cujo despacho que indeferiu a sua junção é também objecto do presente recurso.
XVI. Cada um desses contrato, têm datas ou períodos de validade que não podem ser ultrapassados, nem sequer por via judicial, nos termos do principio geral da liberdade contratual e da prova e desses contratos resultam diferentes obrigações e diferentes montantes, pelo que, as mesmas não poderão ser estendidas para outros períodos, ou seja, para outras relações de trabalho autónomas.
XVII. A ora Recorrente, salvo devido respeito, considera incorrectamente julgados os factos constantes das alíneas b), c) e r) dos factos assentes, e considera ainda que face aos elementos probatórios existentes nos autos se impunha acrescentar um novo facto provado à selecção da matéria de facto realizada pelo douto Tribunal a quo.
XVIII. Face aos factos alegados por ambas as partes e aos documentos juntos autos e não impugnados por quaisquer das partes, deveria o douto Tribunal a quo ter acrescentado na alínea b) dos factos provados a identificação exacta do contrato de prestação de serviços e do despacho de autorização ao abrigo dos quais o Autor, ora Recorrido, foi contratado pela Ré, ora Recorrente.
XIX. Quanto a esta matéria o Autor, remetendo para mapa que sob a designação de documento 2 junta, alega que a ora Recorrente celebrou com a Sociedade de XXX de Macau, Limitada vários contratos de prestação de serviços, e que ao abrigo de um deles iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré, ora Recorrente, sem no entanto especificar qual dos contratos de prestação de serviços se reporta ao início da relação laboral que estabeleceu com a Recorrente.
XX. Já a Ré, ora Recorrente, alegou no artigo 44º da sua contestação que, à data em que celebrou com o Autor o seu contrato de trabalho, o fez ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 45/94, e ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 21 de Dezembro de 1994, de admissão de setenta trabalhadores não-residentes, juntando para o efeito cópia do referido contrato de prestação de serviços sob a designação de documento n.º 2, sendo que, em sede de réplica, o Autor, ora Recorrido, não impugnou o referido documento.
XXI. Face à posição assumida pelas partes no que respeita ao contrato de prestação de serviços que serviu de base à sua contratação, e no que respeita ao documento n.º 2 junto pela Ré na sua contestação, deveria o douto Tribunal a quo ter dado diferente redacção ao facto que deu como provado na alínea b) da matéria de facto provada, nos termos seguintes: “b) A ré contratou o autor como seu trabalhador ao abrigo do Despacho da SAEF de 21 de Dezembro de 1994, e do contrato de prestação de serviços n.º 45/94 que celebrou com a Sociedade de XXX de Macau, Limitada, que dispõe: (…)”, mantendo-se tudo o resto com excepção do ponto 11 reproduzido já que o contrato de prestação de serviços 45/94, tinha um prazo inicial de 2 anos e não de um ano.
XXII. Partindo dos meios de prova existentes nos autos, nomeadamente do documento n.º 2 junto com a petição inicial, e dos factos alegados pelas partes, a ora Recorrente considera incorrectamente julgado o facto constante da alínea c) dos factos provados.
XXIII. A expressão constante da alínea c) dos factos provados "Por assim terem acordado" reporta-se, no entender da Recorrente, ao facto que consta da alínea anterior e que diz respeito ao contrato de prestação de serviços celebrado entre a ora Recorrente e a Sociedade de XXX de Macau Limitada, ao abrigo do qual o Ré foi contratado como trabalhador do Autor.
XXIV. Não pode ser feita, nos termos em que o foi, a ligação entre os factos constantes das alíneas b) e c], porquanto a conclusão contida na alínea c) dos factos assentes apresenta uma manifesta contradição com o teor do documento número 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial.
XXV. O documento n.º 2 junto com a petição inicial trata-se de uma análise comparativa das condições de remuneração estabelecidas nos vários contratos de prestação de serviços celebrados entre a Guardforce (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada e a Sociedade de XXX de Macau, Limitada e das condições de remuneração estabelecidas nos contratos de trabalho celebrados entre a Ré e os trabalhadores não residentes, dentre eles o Autor.
XXVI. Este documento, junto pelo Autor, não foi impugnado pela ora Recorrente, pelo que, face ao teor do mesmo e à sua importância para a descoberta da verdade material que subjaz ao presente pleito, deveria ter-lhe sido dada total relevância probatória.
XXVII. Se o douto Tribunal a quo, dispensando produção adicional de prova, entendeu que o estado dos autos, sem necessidade de mais provas, era já suficiente para se conhecer do mérito da causa, cabia-lhe ter apreciado toda a prova produzida e constante do processo, prova essa que no caso dos presentes autos, e até à fase processual em questão, apenas se traduz em prova documental.
XXVIII. A fixação da matéria de facto dada como provada deve reflectir aquilo que efectivamente se apurou, após uma análise cuidada, objectiva, imparcial e desinteressada da prova produzida,
XXIX. De acordo com o teor de tal documento n.º 2 junto com a petição inicial não poderia ter sido entendido que o contrato de prestação de serviços que esteve na base da contratação do trabalhador não residente foi o mesmo que fundamentou a subsistência da relação laboral que se estabeleceu entre as partes desde o seu começo e até ao seu termo.
XXX. Ao entender dessa forma, o Tribunal a quo incorreu num manifesto erro de julgamento, o que comprometeu de uma forma gravosa a boa decisão do presente pleito, uma vez que tal facto não corresponde à verdade, conforme resulta com clareza do documento n.º 2 junto com a petição inicial.
XXXI. Na verdade, este documento expressamente refere que a ora Recorrente tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes, tendo celebrado para o efeito, desde 1992, diversos contratos de prestação de serviços com a Sociedade de XXX de Macau, Lda., os quais vêm sendo aprovados pelo Governo da RAEM e que, em 15 de Janeiro de 2001, as vagas dos contratos n.ºs 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 45/94, 40/94 e 1/96 fundiram-se nos contratos n.ºs 1/1 e 14/1, os quais vigoraram até 14 de Março de 2006, data a partir da qual, o contrato de prestação de serviços n.º 1/1 foi sendo sucessivamente objecto de renovação e aprovação pela entidade administrativa, pelo menos, até 31 de Maio de 2008.
XXXII. Não foi sempre ao abrigo do mesmo contrato de prestação de serviços que, entre Outubro de 1996 e 31 de Maio de 2008, o Recorrido trabalhou para a Recorrente, pois que, se assim fosse, e u ma vez que o Autor foi contratado em 1998 ao abrigo do contrato de prestação de serviços 45/94, o mesmo teria deixado de trabalhar para a Ré, ora Recorrente, quando o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual foi contratado chegou, definitivamente, ao seu termo, ou seja, em 15 de Janeiro de 2001.
XXXIII. Assim, a partir de 15 de Janeiro de 2001, o Autor continuou ao serviço da Ré, ora Recorrente, ao abrigo do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 e sucessivas renovações a que o mesmo foi objecto, conforme resulta alias do documento n.º 2 junto aos autos pelo Autor.
XXXIV. Conforme também resulta deste documento n.º 2, os contratos de prestação de serviços n.ºs 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, ou 45/94, que vigoraram até 15 de Janeiro de 2001 (com excepção dos contratos de prestação de serviços n.º 40/94 e 1/96, que se destinavam a engenheiros de sistemas), estabelecem todos eles condições iguais de remuneração para os trabalhadores não residentes ao abrigo dos mesmos contratados, e que os contratos prestação de serviços n.º 1/1, 14/1 que aglutinaram as vagas dos contratos n.º 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 45/94, 40/94 e 1/96, os quais, alterando as condições estabelecidas nestes últimos, também estabelecem, entre eles, iguais condições.
XXXV. Tivesse o Douto Tribunal a quo apreciado com maior profundidade a matéria probatória constante dos autos, nomeadamente do documento n.º 2 junto pelo Autor com a petição inicial, forçoso seria que na alínea c) dos factos provados o douto Tribunal a quo tivesse feito constar que:
"Por assim terem acordado, o autor permaneceu ao serviço da ré entre 03 de Outubro de 1996 e 15 de Janeiro de 2001, data a partir da qual e até 31 de Maio de 2008, o autor continuou a trabalhar para a ré, devido à celebração, aprovação e sucessivas renovações do contrato de prestação de serviços n.º 1/1."
XXXVI. A alteração do julgamento do Tribunal de Primeira Instância relativamente a este facto, irá acarretar, necessariamente, para além de uma solução conforme à verdade material, que se impõe, importantes alterações no que respeita ao valor da indemnização em que foi a ora Recorrente condenada a pagar ao Recorrido.
XXXVII. Face ao teor da impugnação do facto constante da alínea c) dos factos provados, e face à sua redacção que se reclama por via do presente recurso, impõe-se também que seja aditado um novo facto à lista dos factos dados como provados, já que resultando provado através do documento numero 2 junto com a petição inicial que “entre 15 de Janeiro de 2001 e 31 de Maio de 2008, o autor continuou ao serviço da ré por força da celebração e aprovação e renovação do contrato de prestação de serviços n.º 1/1””, deve-se apurar quais as condições remuneratórias estabelecidas nos demais contratos de prestação de serviços n.º 1/1, permitindo-se assim a justa composição do litigio e boa decisão da causa.
XXXVIII. Resulta do contrato de prestação de serviços n.º 1/1, na versão que foi aprovada em 15/01/2001 e esteve em vigor até 15.01.2003, que os trabalhadores não residentes aufeririam um salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $2,000.00 patacas mensais, para 8 horas de trabalho diário, e um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (vide doe. 12 junto junto através do requerimento da ré de 06.09.2011 e documento n.º 2 junto com a p.i.)
XXXIX. A partir de 15.01.2003, a remuneração dos trabalhadores não residentes prevista no "contrato de prestação de serviços n.º 1/1", devidamente aprovada pelo Governo, já não contemplava o subsídio de efectividade, mantendo-se as MOP$2,000.00 de salário mínimo para 8 horas de trabalho diárias. (vide doc. 13 junto junto através do requerimento da ré de 06.09.2011 e documento n.º 2 junto com a p.i.)
XL. As condições de remuneração estabelecidas no contrato de prestação de serviços n.º 1/1 foram novamente alteradas a partir de 15/03/2006 até 31/03/2007, passando a estar previsto um salário no valor de MOP$4,000.00, para 312 horas, e sendo o trabalho extraordinário pago de acordo com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes. (vide doc. 14 junto através do requerimento da ré de 06.09.2011 e documento n.º 2 junto com a p.i.)
XLI. O facto de tal matéria nunca ter sido alegada de forma suficientemente explanatória por nenhuma das partes em sede dos seus articulados, não deverá prejudicar a tarefa deste douto Tribunal em alterar a matéria de facto que se deve ter por provada e a ela aplicar o direito, só assim se alcançando a justiça em plena conformidade com a verdade material, atento nomeadamente o facto de em sede de processo laboral os poderes de investigação do Juiz serem mais amplos do que os estipulados em sede de processo civil (cfr. artigos 41.º, n.ºs 1 e 2 e 42.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho).
XLII. Assim, salvo devido respeito por opinião diversa, dispondo esse douto Tribunal de elementos necessários para o efeito, impõe-se dar por assente que: "c-1) O contrato de prestação de serviços n.º 1/1 e sucessivas renovações, estabeleciam as seguintes condições de remuneração a ser atribuídas aos trabalhadores não residentes que ao abrigo dos mesmos trabalhavam para a ré, dentre eles o autor:
De 15.01.2001 a 15.01.2003, um salário idêntico ao nível médios dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $2,000.00 patacas mensais, para 8 horas de trabalho diário, e um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço;
De 16.01.2003 a 15.03.2006, MOP$2,000.00 de salário mínimo para 8 horas de trabalho diárias;
De 16.03.2006 até 31.03.2007, salário no valor de MOP$4,000.00, para 312 horas, e sendo o trabalho extraordinário pago de acordo com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes
De 12.06.2007 e até 31.05.2008, um salário mínimo de MOP$5,070.00, o qual incluiria horas extraordinárias e subsídios."
XLIII. Salvo devido respeito por melhor opinião, o douto Tribunal a quo de forma nenhuma poderia ter dado como provado que o Autor, ora Recorrido, trabalhou todos os dias que durou a sua relação laboral com a ora Recorrente, nos termos em que o fez na alínea o) dos factos provados.
XLIV. Na verdade, não consta dos autos qualquer elemento probatório donde o douto Tribunal a quo possa retirar essa conclusão.
XLV. Não se tendo apurado se o autor trabalhou todos os dias que durou a sua relação laboral com a Recorrente, pelo que o douto Tribunal a quo não dispunha de prova suficiente para dar como provado que o Autor trabalhou para a Ré todos os 4259 dias que durou a relação laboral, nem para, com base em tal facto incomprovado, ter condenado a Recorrente a pagar ao Recorrido o valor de MOP$63,885.00 (MOP15,00 x 4259) referente ao subsídio de alimentação a que, alegadamente, o Autor teria direito.
XLVI. No que respeita ao recurso da matéria de facto, resulta que ao dar como provados, nos termos em que o fez, os factos constantes das alienas b), c), e r) e ao não incluir na matéria de facto o facto cujo aditamento se impõe sob a alínea c) 1, o julgamento da matéria de facto realizado pelo douto Tribunal a quo padece de contradições e deficiências que inquinam a decisão sob recurso do vício de erro de julgamento da matéria de facto, devendo, consequentemente a decisão sob recurso ser anulada.
XLVII. Quanto aos factos cujos elementos probatórios já existentes nos autos permitam a V. Exas. alterá-los, deve a decisão sob recurso ser substituída por outra nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 629º, n.º 1 do C.P.C., e
XLVIII. Quanto à matéria de facto que carece de ser aditada (alínea c1)) e aquela que cujos elementos probatórios não permitem a sua reapreciação por este douto Tribunal, deverá a decisão em recurso ser anulada, e ser ordenada a remessa dos presentes autos para o Tribunal de primeira instância por forma a que este profira despacho saneador stricto sensu donde conste toda a matéria relevante para a boa decisão da causa, conforme disposto no n.º 4 do artigo 629.º do C.P.C..
Sem conceder,
XLIX. O douto Tribunal a quo, remetendo para a fundamentação constante do despacho proferido a fls. 118 a 123 dos autos, qualificou o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de XXX de Macau como um contrato a favor de terceiros, e com base nesta qualificação, condenou a Ré, ora Recorrente, a pagar ao Autor a quantia global de MOP$200,703.00.
L. No contrato a favor de terceiros o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não celebrar outro contrato.
LI. O que resulta do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau é que esta se comprometia a recrutar determinado número de pessoas para virem a ser contratadas pela Ré para lhe prestarem determinada actividade manual ou intelectual mediante o pagamento de determinada retribuição e outras condições.
LII. Para que o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau pudesse ser qualificado como um verdadeiro contrato a favor de terceiro, sempre seria necessário que resultasse dos autos a intenção dos contratantes de atribuir directamente ao Autor (terceiro beneficiário) um crédito ou uma vantagem patrimonial, de tal modo que esta adquirisse o direito à prestação prometida de forma autónoma, por via directa e imediata do contrato, podendo, por isso, exigi-la do promitente.
LIII. O contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Limitada, não produz quaisquer efeitos na esfera jurídica do Autor, que do mesmo não é parte, e por não o conhecer nunca lhe criou qualquer expectativa de vir a ser beneficiário do mesmo.
LIV. Não sendo o Autor parte do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, para que o mesmo pudesse produzir efeitos na sua esfera jurídica havia que afastar o princípio "res inter alias acta aliis neque nocet neque prodest", enquadrando-o num dos "casos especialmente previstos na lei" (artigo 400º, nº 2 do CC), como seja, o contrato a favor de terceiros, o que como se alegou não poderá proceder.
LV. Afastada que está a figura do contrato a favor de terceiro, a pretensão do Autor terá necessariamente que falecer, conforme argumentação expedida no despacho proferido a fls. 118 a 123 dos autos, donde resulta claro que “[…] Adianta-se, conclusivamente embora, que se entende que quer por eficácia ao despacho, quer por eficácia do contrato de trabalho a pretensão do autor não pode proceder [...] E não se vê outra hipótese de procedência da pretensão do autor que não passe pela figura do contrato a favor de terceiros. Com efeito, o despacho enquanto acto administrativo, não obriga a ré nos termos que autor pretende; o contrato de trabalho muito menos (...) Por outro lado, o ponto 9, alínea e) por referência à alínea d) d.2 do Despacho 12/GM/88 não configura a disposição legal de carácter imperativo que, nos termos do artigo 287.º fere de nulidade o contrato que a autora celebrou com a ré. (...) "
LVI. O despacho n.º 12/GM/88 não tem uma natureza normativa e de cariz imperativo e as suas disposições não afectam a relação laboral estabelecida entre Recorrente e Recorrido porquanto o mesmo cuida, tão somente, do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes, e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
LVII. Atenta a natureza jurídica do Despacho não poderá o mesmo coarctar a liberdade contratual das partes, e gerar na esfera jurídica de qualquer delas direitos ou deveres que não tenham sido livre e reciprocamente acordados.
LVIII. Assim como, não o pode, pelas mesmas razões, o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças emitido ao abrigo e no seguimento das normas procedimentais estabelecidas no referido Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
LIX. Das condições administrativas exigidas pela Região Administrativa Especial de Macau, relativamente à contratação de mão-de-obra estrangeira não resulta a imposição de contratar nestes ou noutros termos, não tendo qualquer reflexo na relação contratual de trabalho celebrada entre o Autor e o Recorrente, pois dali não resultam imperativos legais para a entidade patronal e/ou empregador de contratar em determinados termos.
LX. Só com base no contrato de trabalho celebrado entre as partes é que o Autor poderia reclamar da Recorrente quaisquer eventuais direitos, mas esse contrato foi integralmente cumprido pela Recorrente.
LXI. Nestes termos, a sentença recorrida incorre no vício de erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artigos 400º e 437º do Código Civil.
LXII. Caso se venha a entender, o que não se concebe, que efectivamente os contratos de prestação de serviços celebrados pela Recorrente e uma empresa de importação de mão-de-obra, e ao abrigo dos quais foi contratado e permaneceu o ora Recorrido ao serviço da Ré entre 03 de Outubro de 1996 e 31 de Maio de 2008, se tratam de contratos a favor de terceiro e, que consequentemente produzem efeitos e criam direitos na esfera jurídica do Recorrido,
LXIII. Atenta a alteração da matéria de facto nos termos já expostos no presente recurso, sempre se dirá que, o ora Recorrente terá direito a auferir a compensação de MOP$93,986.60 (noventa e três mil, novecentas e oitenta e seis patacas e sessenta avos) e não de MOP$200,703.00 (duzentas mil, setecentas e três patacas) conforme decidido pelo douto Tribunal.
LXIV. Atentos os factos dados como provados nas alíneas b), c), c1) e f) a s) ,ter-se-á que concluir no período que mediou Outubro de 1996 e Junho de 1997, durante o qual o Autor trabalhou para a Ré ao abrigo do contrato de prestação de serviços 45/94, no total de 152 dias, terá direito a receber a título de subsidio de alimentação MOP$ 2,280.00, de subsidio de efectividade MOP$360 x 8 (meses) = MOP$ 2,880.00 e diferenças salariais - MOP$33,3 x 152 (dias) = MOP$ 5,061.60, totalizando neste período o seu crédito o montante de MOP$10,221.6 (dez mil, duzentas e vinte e uma patacas e sessenta avos).
LXV. No período que foi de Abril de 1998 a 15 de Janeiro de 2001, durante o qual o Autor ainda trabalhou para a Ré ao abrigo contrato de prestação de serviços n.º 45/94, num total de 1021, terá direito a receber a título de subsidio de alimentação - MOP$15,00 x 1021 (dias) = MOP$ 15,315.00, de subsidio de efectividade - MOP$360 x 33 1/2 (meses) = MOP$ 12,060.00 e de diferenças salariais - MOP$30 x 1021 (dias) = MOP$ 30,630.00, totalizando neste período o crédito do Autor o montante de MOP$58,005.00 (cinquenta e oito mil e cinco patacas).
LXVI. No período que mediou entre 15.01.2001 a 15.01.2003, de acordo com o contrato de prestação de serviços n.º 1/1 ao abrigo do qual o Autor trabalhava para a Ré, este teria direito a auferir um salário, num mínimo de $2,000.00 patacas mensais, para 8 horas de trabalho diário, e um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, pelo que, neste período, o Autor recebia efectivamente MOP$2,000.00, restando-lhe apenas um crédito relativo ao subsídio efectividade no valor de MOP$360.00 x 24 meses = MOP$8,640.00 (oito mil, seiscentas e quarenta patacas).
LXVII. No período entre 16.01.2003 a 15.03.2006, de acordo com o contrato de prestação de serviços nº 1/1 ao abrigo do qual o Autor se manteve ao serviço da Recorrente, aquele teria direito a um salário mínimo de MOP$2,000.00 para 8 horas de trabalho diárias, que corresponde ao que o Autor recebia de acordo com o contrato de trabalho estabelecido com a ré entre o período até Janeiro de 2005, passando mesmo, a partir de Fevereiro de 2005 a receber um salário superior ao estabelecido no referido contrato de prestação de serviços nº 1/1, já que auferia um salário no valor de MOP$2,100.00, pelo que durante este período não há lugar ao pagamento de qualquer diferença salarial.
LXVIII. De 16 de Março de 2006 até Dezembro de 2006, prescrevia o contrato de prestação de serviços nº 1/1 ao abrigo do qual o Autor prestava serviço para a Ré, que este teria direito a um salário no valor de MOP$4,000, para 312 horas, sendo que, de acordo com o contrato de trabalho, o Autor nesse mesmo período recebia um salário de MOP$2,288.00, pelo que, subsiste assim uma diferença de MOP$1,712.00 (mil, setecentas e doze patacas) mensais em desfavor do Autor, totalizando assim o seu crédito neste período o total de MOP$17,120.00 (dezassete mil, cento e vinte patacas).
LXIX. Assim, No período peticionado pelo Autor, no que respeita às diferenças salariais existentes entre os contrato de trabalho que celebrou com a Ré e os contratos de prestação de serviços n.ºs 45/94 e 1/1 que esta última celebrou com a empresa de importação de mão de obra não residente, e aprovados pelo Governo, o autor terá direito apenas ao montante global de MOP$93,986.60 (noventa e três mil, novecentas e oitenta e seis patacas e sessenta avos).
LXX. Caso V. Exa. não julguem procedente a parte do recurso da ora Recorrente que incidiu sobre a matéria de facto constante das alíneas b), c) e c-1), e entendam que o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e Sociedade de XXX de Macau, Lda. e ao abrigo do qual o ora Recorrido foi colocado inicialmente ao serviço da Ré, regula toda a relação laboral entre as partes, o que só por mera hipótese se concede, sempre se dirá que,
LXXI. O subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário.
LXXII. O douto Tribunal a quo andou mal ao dar como provado o facto constante da alínea r) dos factos assentes, já que não existem elementos suficientes nos autos que permitam dar como provado que o Autor trabalhou durante todos os dias que durou a relação laboral com a Recorrente, e mesmo que se entenda ser de atribuir ao Autor as prestações estipuladas no contrato de prestação de serviços celebrado entre a ora Recorrente e a Sociedade de XXX de Macau, S.A., e que fundamentou a contratação do Autor em Outubro de 1996, nunca poderia o douto tribunal a quo ter condenado a Recorrente a pagar ao Autor MOP$63,885.00 patacas a título de subsídio de alimentação pelo trabalho prestado em 4259 dias.
LXXIII. A decisão ora em Recurso violou o disposto nos 450.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicado ex vi do artigo 1.º do C.P.T e artigos 14.º, n.º 1, alínea 3), 33.º, n.º 3, e 41.º n.º 1, todos do C.P.T, no artigo 571 nº 1 al. c) do CPC e artigos 400º e 437º do Código Civil.
Nestes termos,
Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:
Ser revogado o despacho que indeferiu o requerimento da ora Recorrente que deu entrada em 06-09-2011 e substituído por um outro que admita a junção aos autos dos documentos que através desse requerimento se pretendia juntar;
Ser declarada nula da decisão sob recurso e quanto aos factos cujos elementos probatórios já existentes nos autos permitam alterá-los ser substituída por outra nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 629.º, n.º 1 do CP.C e quanto à matéria de facto que carece de ser aditada e aquela cujos elementos probatórios não permitem a sua reapreciação por este Tribunal, deverá a decisão em recurso ser anulada, e ser ordenada a remessa dos presentes autos para o Tribunal de primeira instância por forma a que este profira despacho saneador stricto sensu donde conste toda a matéria relevante para a boa decisão da causa, conforme disposto no n.º 4 do artigo 629.º do C.P.C
Caso se entenda que o processo contém já todos os elementos necessários que permitam conhecer de todas as questões suscitadas no presente recurso, deve o mesmo ser julgado procedente e em consequência ser a decisão recorrida revogada e substituída por uma outra que absolva o recorrente do pedido, ou,
Caso assim se não entenda, deve o presente recurso ser julgado parcialmente procedente e a decisão sob recurso ser revogada e substituída por uma outra que condene a ora recorrente a pagar ao autor o valor de MOP$93,986.60 (noventa e três mil, novecentas e oitenta e seis patacas e sessenta avos).
A, autor na acção, aqui recorrido, contra alega, em síntese final:
1. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o douto Despacho Saneador Sentença procedeu a uma correcta interpretação dos factos e das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação da Lei e do Direito devendo, em consequência, manter-se na integra;
2. Sabido que "toda a defesa deve ser deduzida na contestação ( ... ) (art. 409.° do CPC) e que "os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos ( ... ) devem ser apresentados com os articulados ( ... )" a entrega de 14 documentos pela Recorrente surgiu um tanto ou quanto extemporânea;
3. Ademais, tratando-se de documentos (maxime, de contratos de prestação de serviços outorgados pela própria Ré) que sempre estiveram na posse e na total disponibilidade da Ré, nada justifica que a Recorrente não os tivesse junto com os seus articulados, ao invés, de ter procurado juntar um articulado superveniente "embrulhado" na sua pertinência para a descoberta da verdade material;
4. Ao que acresce que, mesmo que os documentos trazidos pela Recorrente fossem pertinentes, por respeitarem à matéria da causa, tendo em conta a matéria já constante da douta Base Instrutória, resultante da alegado e confessado pelas partes, resulta que os mesmos não são necessários para a justa composição do litígio e para a boa decisão da causa, tal qual e bem concluiu o douto Tribunal a quo;
5. Basta ver que, que a Recorrente, na sua Contestação, juntou aos presentes autos cópia do contrato de prestação de serviço n.º 45/94, confessando ter sido com base neste contrato que o Autor havia sido contratado na qualidade de trabalhador não residente e que a relação laboral havia perdurado até 31 de Maio de 2008;
6. Mais confessou a Recorrente que: foi sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes; que celebrou com a Sociedade de XXX de Macau, Lda., os contratos de prestação de serviço que haviam sido indicados pelo Autor; que foi ao abrigo de um destes contratos de prestação de serviço que o Autor foi recrutado e posteriormente iniciou trabalho para a Ré; que a Ré apresentou junto da entidade competente cópia dos contratos de prestação de serviços para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes; que entre a Ré e o Autor foi celebrado um contrato de trabalho e que o Autor assinou outros seis contratos individuais de trabalho e que a relação de trabalho entre a Ré e o Autor durou 11 anos e 8 meses;
7. Ora, sabido que "as afirmações expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte ( ... )"; e que "a confissão é irretractável" (cfr. art. 80.° e 489.° do CPC), não pode agora a Recorrente vir a "dar o dito por não dito", e retractar o que a Lei imperativamente consagra ser irretractável, por resultante da sua própria Confissão;
8. Por outro lado, percorrendo "de lupa e de candeia" a Contestação da Ré, salta à vista que a mesma em lado nenhum se pronunciou sobre a concreta validade do contrato de prestação de serviços que permitiu ao Recorrido ter legalmente permanecido em Macau e ter estado ao serviço da Recorrente durante mais de uma dezena de anos;
9. Ademais, resultando provado que a Recorrente reconheceu que o Recorrido foi seu trabalhador e que apresentou os contratos de prestação de serviço celebrados com a Sociedade de XXX de Macau, Limitada, junto da entidade competente, tal seria quanto baste para cair por terra o argumento (tão-só agora, em sede de Recurso) trazido pela Recorrente;
10. Não existe qualquer erro de facto, nem se justificava que tivesse sido acrescentado um qualquer novo facto provado à selecção da matéria de facto, porquanto foi confessado pela própria Recorrente que terá sido ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 45/94 que o Recorrido foi contratado e prestou trabalho para a Recorrente até 31 de Maio de 2008;
11. O douto Tribunal limitou-se a transcrever de modo quase integral o contrato de prestação de serviços trazido aos autos pela própria Recorrente, dele extraindo o que demais relevante apresentava para a boa decisão da causa;
12. A mera referência constante do doc. 2 junto pelo Autor na sua Petição Inicial à existência de outros contratos de prestação de serviços, em caso algum poderia afastar, por si só, o ónus de prova que recaía sobre a Recorrente, no sentido de trazer aos autos todos os elementos que pudessem demonstrar a existência ou não de outros contratos de prestação de serviços, tal qual, aliás, a seu tempo requerido pelo próprio Recorrido;
13. De onde, também por aqui, a Recorrente não pode pretender beneficiar das suas próprias falhas e, em sede de Recurso, procurar atingir o que não conseguiu alcançar em sede de articulados e produção de prova;
14. Certo é que, em face do alegado e aceite por ambas as partes, maxime em sede de articulados, em caso algum o Tribunal a quo poderia ter chegado a outra conclusão que não a constante do douto Saneador-Sentença e, como tal, o decisão não enferma de qualquer vício, ou erro de julgamento da matéria de facto devendo, antes, manter-se na íntegra;
Quanto à matéria de Direito,
15. Tratando-se de matéria já sobejamente tratada pelo douto Tribunal de Segunda Instância, por uma questão de economia de meios e de similitude de raciocínio, remete-se para o conteúdo de tais decisões toda a fundamentação de direito que aqui se dispensa;
16. Sublinhe-se, tão-só, que resulta do próprio conteúdo literal do contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de XXX Limitada tratar de um contrato a favor de terceiros, maxime celebrado a favor dos trabalhadores que seriam recrutados pela Sociedade de XXX de Macau Lda. e que posteriormente seriam cedidos à Recorrente, de entre os quais se inclui o Recorrido (cfr. entre outros, o Ac. do TSI, de 16 de Junho de 2011, Proc. n.º 779/2010 ou Proc. n.º 69/2010, nos quais a Recorrente é Ré);
17. E que, por outro lado, o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro é, efectivamente, um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, definindo imperativamente um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à mesma contratação (cfr., entre outras o Ac. do TSI, de 6 de Janeiro de 2010, Proc. n.º 739/2009);
18. No demais, deve manter-se integralmente a douta decisão.
Nestes termos, entende, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
1. Vêm provados os factos seguintes:
“a) O autor é trabalhador não residente.
b) A ré, com vista à contratação do autor como seu trabalhador, acordou com a Sociedade de XXX de Macau, Limitada o seguinte:
"Considerando que o Governo de Macau, por Despacho do SAEF autorizou a Guardforce (Macau) Limitada (adiante designada por 1.ª outorgante) a admitir novos trabalhadores vindos do exterior;
Nos termos do Despacho acima mencionado e do Despacho n.º 12/GM/88, a 1.ª outorgante e Sociedade de XXX de Macau, Ltd. (adiante designada por 2.ª outorgante), celebram o presente contrato que integra as seguintes cláusulas e termos que ambas as partes se obrigam reciprocamente a cumprir pontual e integralmente:
1. Recrutamento e cedência de trabalhadores.
A pedido da 1.ª outorgante, a 2.ª contratou a prestação de mão-de-obra oriunda da ... num total de ... trabalhadores, com idade compreendida entre os 18 e os 60 anos, boa saúde e bom comportamento, os quais são por este contrato cedidos à 1.ª outorgante, por um período de 1 ano ....
2. Despesas relativas à admissão.
A 2.ª outorgante responsabiliza-se pelas despesas de selecção e inspecção médica dos trabalhadores a contratar, assim como pelas formalidades relativas à sua saída dos países acima referidos por seu turno a 1.ª outorgante fica responsável pelas despesas relativas á obtenção dos correspondentes títulos de identificação de trabalhadores não-residentes, bem como pelas despesas com a vinda daqueles para Macau.
3. Remuneração dos trabalhadores.
3.1. Os trabalhadores a que se refere o presente contrato auferirão salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $90.00 patacas diárias, acrescida de $15.00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação.
3.2. O salário será pago pela 1.ª outorgante directamente a cada trabalhador.
3.3 .....
3.4. Além das retribuições já mencionadas, cada trabalhador terá direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.
4. Horário de trabalho e alojamento.
4.1. O horário de trabalho é de 8 horas diárias, a prestar durante o período fixado pela 1.ª outorgante, sendo a prestação de trabalho extraordinário remunerado de harmonia com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes.
4.2. Os trabalhadores terão direito a faltar durante dez dias por ano para poderem visitar os seus familiares nos países acima referidos.
4.3. Se a 1.ª outorgante interromper a laboração por um período superior a 5 dias, por falta de encomendas ou de energia, será obrigada a pagar ao trabalhador a partir do 6° dia, a remuneração base diária de $90.00 pelo período que durar aquela interrupção. :
4.4 .....
4.5 .....
5. Assistência.
5.1 . ….
5.2. ….
5.3. ….
6. Deveres dos trabalhadores.
Os trabalhadores objecto do presente contrato estão sujeitos aos seguintes deveres:
a) ….
7. Serão causas de cessação do trabalho e imediato repatriamento:
a) ....
8. Outras obrigações da 1.ª outorgante.
9. Provisoriedade.
9.1. A 1.ª outorgante declara que a autorização de permanência ao seu serviço dos trabalhadores objecto do presente contrato foi concedida a título precário, podendo ser cancelada a qualquer tempo pelo Governo de Macau, caso em que devolverá à 2.ª outorgante, no prazo que lhe for indicado, o número de trabalhadores para o qual deixe de ter autorização bastante ou aquele cuja permanência no Território seja pela via competente declarada como indesejável.
9.2 .....
10. Repatriamento.
10.1. Verificando-se que, por qualquer motivo, alheio ao 1.ª outorgante, não é possível a continuação da prestação do serviço por parte dos trabalhadores, a 2.ª outorgante responsabiliza-se pelo repatriamento dos mesmos para os países acima referidos suportando a 1.ª outorgante as despesas relacionadas com a deslocação e, bem assim, o pagamento do subsídio de compensação cujo montante será reciprocamente acordado entre ambos os outorgantes.
10.2. O repatriamento a que se refere o presente contrato será da responsabilidade da 2.ª outorgante que se compromete a efectivá-lo imediatamente.
11. Prazo do Contrato
11.1. Sem prejuízo do disposto no precedente no n.º 9.1., o presente contrato terá duração de 1 ano renováveis por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo do Território, a obter até 30 dias antes do seu termo.
11.2. Não se verificando a sua renovação, o presente contrato caduca no seu termo ficando a 2.ª outorgante responsável pelo repatriamento para os países acima referidos dos trabalhadores, e sendo as despesas com essa deslocação suportadas pela 1.ª outorgante.
11.3. Este contrato vigorará desde a data da sua aprovação e até à data em que se extinguir a primeira validade do título de identificação de trabalhador não-residente, emitido pelas Forças de Segurança de Macau (Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau).
12. Disposições Finais.
12.1. Quaisquer litígios ou questões emergentes da sua execução, serão decididos por uma comissão arbitral, composta por 3 membros, sendo dois escolhidos por cada um das partes e o 3.º designado pelos árbitros de parte, a qual decidirá de acordo com a equidade.
12.2 .....
c) Por assim terem acordado, entre 3 de Outubro de 1996 e 31 de Maio ~ 2008, o autor esteve ao serviço da ré, exercendo funções de guarda de segurança.
d) Trabalhando sob as ordens, direcção e fiscalização da ré.
e) Nos termos e condições entre ambas acordados.
f) Entre Outubro de 1996 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP.1,700,00.
g) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a ré pagou ao autor, a título de salário, a quantia mensal de MOP.1,800,00.
h) E nos meses de Abril de 1998 a Fevereiro de 2005 a ré pagou ao autor o salário mensal de MOP. 2,000,00.
i) E nos meses de Março de 2005 a Fevereiro de 2006 a ré pagou ao autor o salário mensal de MOP.2,100,00.
j) E nos meses de Março de 2006 a Dezembro de 2006, a ré pagou ao autor o salário mensal de MOP.2,288,00.
k) Entre 3 de Outubro de 1996 e 30 de Junho de 1997 o autor trabalhou 12 horas por dia, tendo a ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário a MOP 8,00 por cada hora.
1) Entre 1 de Julho de 1997 e 30 de Junho de 1999 o autor trabalhou 12 horas por dia, tendo a ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário a MOP 9,30 por cada hora.
m) Entre 1 de Julho de 1999 e 30 de Junho de 2002 o autor prestou 7233 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 9,30 por cada hora
n) Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 o autor prestou 1433 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 10,00 por cada hora.
o) Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 o autor presto 346.5 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 11,00 por cada hora.
p) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006 o autor prestou 346.5 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 11,30 por cada hora.
q) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006 o autor prestou 657 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 11,50 por cada hora.
r) Durante os 4259 dias que trabalhou para a ré, nunca esta lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.
s) O autor nunca deu qualquer falta ao serviço durante a relação laboral, sem conhecimento e autorização prévia da ré, não lhe tendo a ré pago qualquer quantia a título de subsídio de efectividade.”
2. Na exposição dos motivos para tal fixação o Mmo Juiz fez consignar na sentença recorrida:
“Por não terem sido impugnados pela parte contra quem foram alegados estão assentes os factos com relevo para a decisão que a seguir se referem. Com efeito, nos termos do disposto nos arts. 410º e 424º de Código de Processo Civil, aplicáveis por força do art. 1º do Código de Processo do Trabalho, as partes têm de tomar posição definida sobre os factos articulados pela parte contrária. Posição definida é posição clara e firme. Além disso, se uma parte afirmar que desconhece se é verdadeiro ou falso um facto pessoal seu que outra parte alega, isso equivale a confissão do referido facto, o qual deve ser tomado como provado se for admissível a confissão. Assim, os factos em relação aos quais a parte contrária não tomou posição clara e firme ficam provados por não terem sido eficazmente impugnados, excepto se: 1- estiverem em oposição com a posição que, considerada em conjunto, a parte tomou; 2 - forem insusceptíveis de confissão; só puderem ser provados por documento. E os factos pessoais que a parte diz desconhecer ficam provados por confissão se em relação a eles for admissível tal meio de prova.
Ora, a ré reconheceu que o autor foi seu trabalhador no período que referiu na petição inicial e que como trabalhador não residente foi contratado nas condições que alegou; que celebrou com a Sociedade de XXX de Macau, Limitada, o contrato que o autor alegou na petição inicial; que apresentou tal contrato na Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego; que pagou os salários e os montantes a título de trabalho extraordinário que o autor alegou. Por outro lado, quanto ao número de horas de trabalho extraordinário que o autor diz ter prestado, a ré, no art. 28º da sua contestação diz que, juntamente com outras partes da petição inicial, "constituem meras considerações pessoais, interpretações de factos ou de direito, ou conclusões manifestamente infundadas, que … impugna para os devidos efeitos legais, designadamente para efeitos do disposto no n.° 3 do art. 410º do CPM ... ", pelo que não poderão tomar-se por eficazmente impugnados os factos em causa, por falta de posição definida e por se tratar de facto pessoal da ré ou de que deva ter conhecimento (ter tido o autor ao seu serviço fora do horário normal de serviço).”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Não admissão dos documentos
- Da contradição entre a fundamentação e a decisão
- Do pretenso erro de julgamento da matéria de facto
- Regime jurídico e contratual aplicável ao caso
- Montantes arbitrados
2. Sobre a não admissão dos documentos não tem razão a recorrente.
Desde logo porque pertinência e necessidade, ao contrário do que afirma, têm significados diferentes.
Ser pertinente significa dizer respeito a, pertencente, concernente; ser necessário significa outra coisa: ser preciso, indispensável, útil. Ora um documento pode ser pertinente e não ser necessário. Desde logo, porque e na medida em que seja repetitivo ou dispensável.
É o que mui esclarecidamente o Mmo Juiz disse no seu despacho.
Tratava-se de documentos que respeitavam à matéria dos autos, mas o que se mostrava relevante foi o contrato 45/94, contrato esse que foi aceite pela ré na sua contestação nos termos dos artigos 30, 44º e 45, em que a ré aceitou que tenha sido esse o contrato genético do direito do autor.
Esta posição da ré é afirmada clara e inequivocamente, o que não mereceu disputa nos autos.
É certo que, posteriormente, veio a ré dizer que esse contrato havia sido substituído por outro e requer a sua junção aos autos. Bom, o que desde logo se verifica é que nada que a ré não devesse conhecer desde o momento em que contestou, donde não se compreender a possibilidade de um articulado superveniente eventualmente consubstanciado no dito requerimento, face ao disposto no artigo 425º do CPC, sendo certo que toda a defesa deve ser consubstanciada na contestação, como determina o disposto no artigo 409º, n.º 1 do CPC.
Acresce que, mesmo a considerar-se que em termos de Direito Laboral, sempre seria de reconduzir o enquadramento jurídico da relação laboral operada ao verdadeiro contrato regulador da situação em apreço, não se deixa de observar que no dito requerimento não se concretizam as condições específicas que implicassem uma regulação diferente daquela que serviu de base à integração da situação jurídica operada.
Por estas razões, somos a sufragar o douto entendimento do Mmo Juiz.
3. Vamos agora analisar os alegados vícios assacados à sentença.
Da contradição entre a fundamentação e a decisão.
Caberia ao tribunal, sustenta a recorrente, decorrido o ano pelo qual o contrato foi celebrado, ter apurado da sua renovação e do tempo da sua vigência.
Ainda aqui não anda bem a recorrente, ao invocar uma insuficiência que não invocou em sede própria, sendo certo que não pôs em causa o referido contrato enquanto fonte reguladora da relação laboral em causa.
E mesmo a existirem diferenças para menos importa referir que não se percebe como se poderiam retirar direitos que integraram uma dada contratação e muito naturalmente se mantêm aquando das renovações, não tendo o empregador feito prova que contratou diferentemente no caso concreto, diminuindo ou retirando as regalias, dentro do princípio do favor laboratoris, para mais não tendo ele alegado essas alterações nos seus articulados.
Importa ainda não esquecer que o aludido contrato era renovável, sendo indiscutível que após o período da sua vigência o trabalhador continuou a trabalhar, pelo que é de crer que aquele contrato se renovou, cabendo ao empregador alegar e provar que renovou noutras condições.
Acresce que, mesmo a considerar-se o pretenso contrato de prestação de serviços n.º 1/1, a condição base da remuneração salarial aponta para um mínimo de 2.000,00 patacas mensais, o que não exclui um pagamento superior.
Estamos aqui perante um facto que foi alegado pelo autor, referimo-nos à base contratual, ou, melhor, às condições contratuais emanadas de um dado contrato que foram reger toda a prestação de trabalho do trabalhador e que a empregadora não pôs em causa.
Vir agora dizer que esse contrato não se aplicava durante todo o contrato afigura-se extemporâneo e não consentido pelas regras do processo.
4. Do pretenso erro de julgamento da matéria de facto
Considera a recorrente terem sido incorrectamente julgados os factos constantes das alíneas b), c) e r) da matéria de facto assente e, bem assim, que deveria ter sido acrescentado um facto novo provado à selecção da matéria de facto, devendo o Tribunal ter identificado de forma exacta o contrato de prestação e serviços e despacho de autorização ao abrigo dos quais o autor foi contratado pela recorrente.
Esta questão já foi acima respondida.
Como se deixou dito, foi a própria recorrente quem juntou aos autos cópia do Contrato de Prestação de Serviços n.º45/94, confessando ter sido com base nele que o autor havia sido contratado e terá prestado trabalho para a recorrente até 31 de Maio de 2008.
O Mmo Juiz mais não fez do que servir-se da matéria que foi alegada pela própria recorrente como base contratual da relação havida com o trabalhador em causa.
A matéria alegada nas alíneas b), c) e r) resulta ou da exacta transcrição dos termos contratuais ou dos factos alegados e não impugnados pela ré, não se vendo em que medida tenha havido erro de julgamento. Trata-se, além do mais, de matéria que não deixa de ser corroborada pela documentação junta aos autos (registos da DSAL) e para os quais a recorrente não deixou de contribuir.
A este propósito não se deixa aqui de acolher a reflexão do recorrente enquanto diz que o doc. 2 junto pelo autor com a petição inicial foi-lhe fornecido pela DSAL e faz parte de um conjunto de documentos que integraram o Processo n.º 5498/2007 e Processo n.º 2713/2008 que correram seus trâmites naquela Inspecção do Trabalho, e que culminaram na condenação da Ré no pagamento ao Autor (e aos seus ex-colegas de trabalho) de uma determinada indemnização que, como é sabido, a Ré até hoje não cumpriu, por discordar das "conclusões" e das "formas de cálculo" utilizadas por aquele Serviço Público ...
De onde, com o devido respeito, é no mínimo estranho que a Recorrente pretenda agora prevalecer-se do conjunto de "conclusões" produzidas pela DSAL, num Processo que até hoje nunca concordou com o seu desfecho.
E mais estranho se torna, quando se deixa ver que a Recorrente somente procura extrair do mapa da DSAL o que lhe parece mais favorável ...
O certo é que, repete-se, a referência constante do doc. 2 junto pelo autor na sua petição inicial à existência de outros contratos de prestação de serviços, não afasta o ónus de prova que recaía sobre a recorrente, no sentido de trazer aos autos, no momento próprio, todos os elementos que pudessem demonstrar a existência ou não de outros contratos de prestação de serviços.
E mais estranho se mostra ao impugnar e pôr em causa os dias e horas de trabalho que lhe foram prestados, tratando-se de uma matéria que não podia deixar de controlar e ter conhecimento directo, na medida em que beneficiara do trabalho prestado.
Não deixamos contudo de produzir as seguintes observações. É certo que a ré no artigo 33º da sua contestação impugna os artigos 100º a 103º, sem que tenha tomado uma posição definida sobre esse facto, facto, como se disse, que não podia ignorar, pois que a primeira beneficiária da prestação do trabalho do autor. A admitir-se esse tipo de impugnação, bastaria contestar com uma formulação do género impugnam-se os artigos 1º e seguintes da p.i... Ora isto não é admissível, pois que o contestante tem de tomar uma posição definida sobre cada um dos factos alegados, como flui do artigo 410º, n.º 1 do CPC. Nem será de admitir as observações aduzidas e acrescidas a tal formulação, enquanto disse que tais factos constituem meras considerações pessoais, interpretações de factos ou de direito, ou conclusões manifestamente infundadas que aqui se impugnam para os devidos efeitos legais. Esta formulação é inaceitável porque inadequada em relação ao facto concreto alegado pelo autor ao dizer que nunca descansou. Esse é um facto muito concreto e não tem nada de subjectivo ou interpretativo. A ré não podia deixar de impugnar esse facto e contraditá-lo, devendo dizer que o autor mentia e que não trabalhou nos dias tais e tais. E o Mmo juiz a quo não deixou de chamar a atenção para esse aspecto na motivação da fixação da matéria de facto.
Aliás, a ora recorrente não deixa de reconhecer esse número de dias ao fazer as contas relativamente às pretensas diferenças salariais, jogando exactamente com os mesmos dias usados pelo Mmo Juiz nos seus cálculos vertidos na sentença.
Somos assim a concluir que a decisão não enferma de qualquer vício, erro de julgamento ou insuficiência da matéria de facto.
5. Do recurso da matéria de direito: da qualificação do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Limitada
Entende a recorrente que no plano do Direito aplicável "a decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente as normas que lhe serviram de fundamento", porquanto, em síntese:
i) o Tribunal a quo andou mal ao qualificar o contrato celebrado entre a ré e a Sociedade de XXX de Macau, Limitada como sendo um «contrato a favor de terceiros»;
ii) O Despacho n.º 12/GM/88 foi proferido pelo então Governador no âmbito das suas funções executivas e o mesmo não tem natureza normativa e de cariz imperativo e as suas disposições não afectam a relação laboral estabelecida entre a recorrente e o recorrido.
A este concreto assunto e relativamente às questões identificadas, trata-se de matéria já sobejamente tratada por este Tribunal, pelo que reproduzimos aqui o já exarado noutros arestos (cfr. entre outros, o Ac. do TSI proc. n.º 574/2011, de 12 de Maio de 2012; proc. n.º 779/2010, de 16/6/011).
Passamos a transcrever a posição unanimemente aceite:
« (...)
2. Que se tratou de um contrato de trabalho entre o A. e a Ré parece não haver quaisquer dúvidas.
Em face do artigo 1079.º do Código Civil, decorre, vista a factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho, em que o trabalhador, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções da entidade patronal, começou a trabalhar como guarda de segurança.
Dispõe o artigo 1079º do CC:
1. Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
2. O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.
3. A questão está em saber qual o regime aplicável a tal relação laboral.
Enquanto o Mmo Juiz a quo entendeu dever ser tal relação regulada apenas pelo contrato de trabalho celebrado entre o A. e Ré, defende o trabalhador ora recorrente que essa relação laboral decorre, para além do regulado nesse contrato, pelo regime legal aplicável mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre a Ré e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado, ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
4. Importa atentar no regime da contratação dos não residentes.
Não sem que se observe que, em princípio, só em relação aos residentes há liberdade negocial. A contratação dos não residentes está condicionada a uma autorização administrativa e se é assim actualmente, também o foi no passado.
Esta nota é muito importante para a bordagem do caso vertente, na medida em que os termos e condicionamentos de uma contratação como a presente não dependem ou não podem depender por e simplesmente da vontade dos contratantes, empregador e trabalhador.
Ora, na lógica do defendido pela recorrida e de certa forma com acolhimento na douta sentença recorrida este condicionalismo é marginalizado.
A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n." 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n." 3, alínea d).
Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n." 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, considerando que o Dec.-Lei n.º 101º/84(M, de 25 de Agosto, onde no capítulo VII se previa a contratação de trabalhadores estrangeiros, apátridas e no capítulo VIII a de cidadãos chineses provenientes da RPC, aí se regulando os pressupostos de contratação e, em relação ao primeiro grupo ainda um conjunto de princípios que deviam enformar essa contratação, em particular a não discriminação baseada na nacionalidade (artigo 51º), foi revogado pelo já referido Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril.
5. Convém aqui fazer um parêntisis e analisar a pretensa invalidade desse despacho Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, até porque é questão que vem colocada em sede de contra-alegações pela ora recorrida.
Defende a recorrida que esse Despacho foi proferido pelo então governador no âmbito das suas funções executivas (art. 16º, n.º 2 do estatuto Orgânico de Macau - EOM - então em vigor), que a função legislativa que ao Governador então incumbia e devia ser exercida por Decreto-Lei, conforme dispunha o artigo 13º e que a regulamentação das relações laborais, ainda que com não residentes não podiam caber dentro das funções executivas e ser regulada por um simples Despacho.
Cita até, em abono da sua tese, António dos Santos Ramos, mas o que este autor refere é uma questão algo diferente e que se prende com o facto de tal despacho ser regulamentador de uma lei, na altura, o DL 101/84/M, entretanto revogado, perdendo sentido a sua eficácia regulamentar quando já não havia lei a regular. Embora seja esse mesmo autor a reconhecer que não havia outras disposições atinentes ao regime a observar na contratação dos não residentes e que ao longo dos anos foi esse diploma que enquadrou as contratações dos não residentes.1
Bom, sobre isto, o que dizer?
Muito sumariamente que, aliás como a própria recorrida reconhece, o Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
Não se trata de um regime jurídico de determinadas relações laborais, antes de um prontuário procedimental a que devem obedecer as contratações de um determinado grupo de trabalhadores, traduzindo-se muitas das normas em condicionamentos e instruções dirigidas aos respectivos Serviços, não tendo ma natureza normativa instituidora de direitos e obrigações para os sujeitos da relação laboral.
As normas específicas, constantes desse Despacho normativo, vigente enquanto esteve em execução o contrato de trabalho junto aos autos, regulam o procedimento para admissão em Macau de mão-de-obra não residente, impondo, nomeadamente, à Ré, enquanto empresa empregadora, elencam as condições mínimas de contratação que estava disposta a conceder ao trabalhador não residente, para obter a necessária
aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, mas esse Despacho nada refere quanto aos princípios, às condições, aos direitos, deveres e garantias a que fica sujeita essa relação de trabalho.
Esta questão não se coloca na actualidade uma vez que o artigo 20.° da Lei n.º 21/2009 de 27/Out. (Lei da contratação de trabalhadores não residentes) estabelece a aplicação subsidiária do regime geral das relações de trabalho aos contratos com trabalhadores não residentes (aplicação subsidiária essa que já é consentânea com a redacção do artigo 3.°, n." 3, 1) da Lei n." 7/2008, Lei das Relações de Trabalho), mas no âmbito do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, não existia qualquer remissão para o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.? 24/89/M, de 03 de Abril, sendo certo que este último diploma mesmo referia, como supra se consignou, que os contratos de trabalho celebrados entre empregadores e trabalhadores não residentes não seriam por ele abrangidos por estarem reguladas pelas normas especiais que se encontrem em vigor, como já acima dito.
Perante este quadro, não temos grande dificuldade em superar as críticas quanto a uma pretensa ineficácia por invalidade formal do dito Despacho, uma vez que não se trata de um diploma legislativo - no sentido estrito e formal de lei, enquanto disposição genérica provinda do órgão competente no limite da sua competência legislativa2 - e não tem razão a recorrida ao pretender ver nele força bastante para coarctar a liberdade negocial dos cidadãos pois que tal argumento não colhe pela razão simples de que a limitação e condicionamento do trabalho de não residentes em Macau resulta de diplomas legislativos próprios, sob pena de ter de se considerar que como não se podia limitar a liberdade contratual dos empregadores por essa via seria a franqueada a porta de Macau para qualquer pessoa não residente que aqui pretendesse trabalhar. Ou seja, não é esse Despacho que condiciona a admissão de não residentes. Estes não podem trabalhar, em princípio, pela razão simples de que aqui não podem residir.
Como perde alguma razão o autor citado, enquanto pretende ver no referido Despacho uma natureza regulamentadora de um outro diploma, sendo certo que tal diploma tem força autónoma relativamente aos condicionamentos e procedimentos enformadores da autorização de mão-de-obra não residente.
Temos, por conseguinte, por inabalada a eficácia do Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.
6. Importa, então, apurar sobre o regime jurídico aplicável a este contrato de trabalho, sabido que o mesmo se iniciou em (...)
Não é difícil perceber que ele deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável ao caso - contratação administrativamente condicionada -, a saber:
- o Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
- o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Lda.
- o contrato celebrado entre o A. e a Ré;
- o RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.
Tanto mais que está provado que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão de obra com a Sociedade de XXX de Macau, Lda, conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9º do Despacho n.º 12/GM/88.
Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88:
“9. O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes:
a) O requerimento da entidade interessada será presente no Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos que despachará, mandando ouvir sobre o mesmo o Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia, ou determinará a prestação dos esclarecimentos que julgue convenientes;
b) O Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia pronunciar-se-ão sobre o pedido no prazo de 10 dias úteis;
c) Obtidos os pareceres referidos na alínea anterior, será proferido despacho que decidirá da admissão solicitada, determinando à requerente que, em caso afirmativo, faça presente o contrato de prestação de serviços com entidade habilitada como fornecedora de mão-de-obra não-residente, tal como previsto no n.º 7;
d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
d.3. Assistência na doença e na maternidade;
d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);
e) Fornecidos os elementos de informação referidos na alínea anterior será proferido despacho que decidirá da aprovação das condições de contratação dos trabalhadores não-residentes, fazendo remeter o processo ao Comandante das Forças de Segurança de Macau;
f) O Comandante das Forças de Segurança de Macau proferirá despacho, determinando lhe seja presente a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar, e decidindo, posteriormente, sobre a sua entrada e permanência no Território.”
É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre o empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”.
Razões estas, se não apodípticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais se sublinhou o seguinte:
“Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora, Entendeu-se assim que Q solução do problema passava por uma clara destrinça. entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas tem que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a titulo experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.”
Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, entendido este com assento na concepção das opções legislativas pro operario e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.3
7. Face à defesa, por banda da empregadora, aqui recorrida, das posições desenvolvidas na douta elaboração presente na sentença recorrida a propósito da incursão pelo Direito das Obrigações, para excluir em termos de caracterização do contrato entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Lda, a natureza ínsita a qualquer dos contratos-tipo analisados - contrato de trabalho, contrato para pessoa a nomear, contrato a favor de terceiro, contrato de cedência de trabalhadores, contrato de promessa - não nos eximiremos a algumas poucas palavras sobre o assunto.
Antes de mais, reafirmamos que a força da vinculação a tal regime resulta das normas condicionantes da autorização de trabalho, administrativamente contempladas. Isto é, só o trabalho prestado naquele condicionalismo seria autorizado. Donde, tais clásulas, previstas nesse contrato serem condição de concessão de autorização de trabalho para aquela situação em concreto.
Não se pode proceder a uma análise desgarrada desse enquadramento e desse condicionalismo, donde, repete-se, o regime jurídico aplicável resultar desse acervo clausulado.
Mas, mesmo numa perspectiva de direito obrigacional puro, não somos a acompanhar, sem escolhos a leitura, aliás com mérito, que o Mmo Juiz faz dos diferentes institutos, muito particularmente no que se refere ao contrato a favor de terceiro.
Mas antes de prosseguirmos importa referir que não poucas vezes a realidade da vida é mais rica do que a realidade conceptualizada e, assim, as soluções do legislador não são bastantes para abarcar toda a factualidade.
Isto, para enfatizar que, por isso mesmo, os institutos previstos pelo legislador não são o bastante para regular toda a realidade negocial e daí que se devam conjugar, até em nome da liberdade contratual, diferentes contratos, surgindo-nos as situações de negócios mistos ou inominados.
É a partir desta constatação que nos damos a perguntar a nós próprios o que impede, em termos meramente de autonomia privada e de liberdade contratual, que alguém assuma perante outrem a obrigação de dar trabalho a um terceiro, mediante certas condições e estipulações. Sinceramente que não nos ocorre nenhum obstáculo.
Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.4
Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um benefício ou de uma vantagem.5
A razão excludente da configuração de um contrato a favor de terceiros, na tese do Mmo Juiz a quo, parece-nos algo limitativa.
Porque a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um contrato, tal enquadramento não caberia ao caso.
Não estamos certos desta aparente linearidade.
A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assumpção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho a A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X.
Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar de Pessoa Jorge.6
Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.7
As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
O benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalhador.
Aliás, esta possibilidade de acopulação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.8
Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).9
Esta aproximação encontramo-la também em Pires de lima e A. Varela, enquanto anotam que “o artigo 443º(leia-se 437º) trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas.”10
Quanto ao argumento avançado na sentença, aliás douta, de que do contrato a favor de terceiros não podem nascer obrigações para o terceiro beneficiário, como está bem de ver, elas não resultam desse contrato, mas sim do contrato de trabalho entre o patrão e o empregado.
Nem se diga que esta posição contraria o sufragado por este Tribunal quando chamado a decidir sobre a excepção relativa à competência do Tribunal, nos termos da qual a ré propugnava pelo cometimento ao tribunal arbitral.
Como nessas decisões já se afirmou, configurar uma ou mais cláusulas do referido contrato, estranho ao trabalhador, como estipuladas a favor de terceiro (neste caso o A.), daí não decorre que essa qualificação se projecte, sem mais, sobre todo o contrato (cfr. art. 400.°, n.º 2 e 437º, n.º 1 do Código Civil).
O Código Civil, no artigo 438.°, n.º 1, dispõe que "O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação"
Ora o direito que se estabelece traduz-se num concreto direito à prestação, independentemente de aceitação; nada mais.
Nem outros direitos a favor de outrem estabelecidos no contrato, muito menos deveres, encargos ou sujeições integrarão a esfera jurídica do terceiro a favor de que tenha sido concretamente instituído um determinado direito.
Para além de que será de entender que essa cláusula compromissória de competência abrange apenas a relação de cobertura ou de provisão entre o promitente e o promissário e não já relação provisionada entre o promitente e o terceiro, ou a relação de valuta entre o promissário e o terceiro.
8. Estamos, pois, em condições de aplicar ao caso os valores reclamados com base naquele contrato celebrado entre a Ré e a dita Sociedade, aliás, nos termos previstos e condicionados pela necessária autorização administrativa, normativamente enquadrada.
Antes dos cálculos apenas uma referência quanto à aplicação do RJRL.
Pretende-se em certas posições e decisões até que nos têm chegado que esse regime seria supletivo do regime contratualizado.
Mas não é preciso, pelo menos no presente caso, pelo menos por ora, enveredar por aí, tecer tão elaborado engenho interpretativo, porquanto vem comprovado nos autos que na relação estrita e directa estabelecida entre a empregadora e o trabalhador, face aos contratos celebrados e juntos aos autos, vista a cláusula 24, em todos os outros termos e condições não expressamente ali previstas seriam reguladas de acordo com o regime legal laboral comum, ou seja, ao tempo, o Dec.-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
9. Quanto às fórmulas de compensação dos descansos não gozados, considerando que se trata de matéria mais do que analisada e decidida na Jurisprudência deste TSI, vamo-nos remeter para a Jurisprudência quase uniforme deste Tribunal, com a redacção que foi dada no recente acórdão deste TSI, no proc. n.º 780/2007, de 31 de Março de 2011, onde aquela uniformidade sofreu apenas uma ligeira inflexão.
Resta, pois, proceder aos cálculos em função do pedido e dos valores que lhes servirão de padrão, a partir dos montantes definidos, tendo em conta o aludido contrato entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Lda.
Por outro lado, o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro é, um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, a, definindo imperativamente um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à mesma contratação (cfr., entre outros, o Ac do TSI de 6 de Janeiro de 2010, Proc. n.º 739/2009).»
Nesta conformidade, será de aplicar à relação laboral em presença o referido contrato celebrado a favor do trabalhador com entidade terceira, contrato esse normativamente enquadrado nos termos supra vistos.
6. Quanto às diferenças salariais e subsídio de efectividade.
Nada a alterar, vista a base contratual aplicável ao caso, dando aqui por reproduzido tudo quanto acima dito.
7. Quanto ao subsídio de alimentação
Tem razão a recorrente quando diz que o subsídio de alimentação deve ser pago em função dos dias efectivos de trabalho, o que se compreende, vista a natureza do mesmo e os fins e objectivos a que se destina. Em suma, visa compensar eventual aumento na despesa com as refeições que se têm de fazer fora de casa e ao incómodo, transtorno e custo daí resultante, não sendo difícil imaginar que, não fora o trabalho, o trabalhador gastaria menos na sua alimentação, fosse porque comia em casa ou teria tempo e oportunidade para comer onde tivesse menos custos.
Só que, descendo agora à situação em concreto, o que vem provado é que o subsídio arbitrado foi calculado com base nos dias em que efectivamente trabalhou. É assim que reza a sentença e não se vê razão, como se viu, para se ter essa matéria fáctica por abalada, dando aqui por reproduzido tudo quanto acima se disse, nomeadamente nos parágrafos 11º e 12º do ponto 4 do capítulo II deste acórdão.
Face ao exposto, o recurso não deixará de improceder, devendo manter-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 31 de Maio de 2012,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - in Formação do Contrato Individual de Trabalho, RAPM (Rev. Edm. Pública de Macau), n.º 8/9, 343 e segs
2 - Cfr. art. 1º do CC; Oliveira Ascensão, IAED, AAFDL, 1970, 241
3 - Pedro Romano Martinez, ob. cit., 220
4 - Diogo Leite Campos, Contrato a favor de terceiro, 2ª ed., 1991, 13
5 - Leite de Campos, ob. cit., 17
6 - Obrigações, 1966, 55
7 - Menezes Cordeiro, Dto Obrig., 1980, 1º, 336 e 338
8 - Leite de Campos, ob. cit.27
9 - Leite Campos, ob. cit. 79 e 115
10 - CCAnot. 4ª ed.,1987, vol I, 426
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91/2012 63/63