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Processo nº 220/2012-II Data: 17.05.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “ofensa à integridade física”.
Indemnização por danos não patrimoniais.



SUMÁRIO

1. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, inadequados sendo “montantes miserabilistas”, devendo-se também evitar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados.


O relator,

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José Maria Dias Azedo



Processo nº 220/2012-II
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A INSURANCE (INTERNACIONAL) LIMITED”, (A保險(國際)有限公司澳門分行), demandada no pedido de indemnização civil pelo demandante, B (B), enxertado nos presentes autos, vem recorrer do segmento decisório ínsito no Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B., com o qual se fixou em MOP$500.000,00, a indemnização pelos danos não patrimoniais pelo dito demandante sofridos com o acidente de viação matéria dos autos.
Em sede das suas conclusões, diz o que segue:

“1ª O presente recurso vem interposto do douto Acórdão, proferido pelo Tribunal Colectivo nos vertentes autos, que condenou a Recorrente no pagamento ao Demandante civil da quantia de MOP$ 500,000.00 a título de Danos Não Patrimoniais.
2ª Entende a Recorrente que o Tribunal Colectivo errou ao apreciar a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, bem como a prova documental que se encontra junto aos autos de forma a fixar tal quantia a título de Danos Não Patrimoniais, daí não concordar com a Decisão do Tribunal a quo nesta parte, já que resulta claramente que a decisão recorrida, interpretada de per si, com a experiência comum e com os elementos dos autos nela acolhidos, se encontra inquinada do vício constante do art. 400°, n° 2 alínea c) do Código de Processo Penal - erro notório na apreciação da prova, e que após a reapreciação da prova por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância, deverá ser proferido douto Acórdão que considere como excessiva a atribuição ao ofendido de MOP$ 500,000.00 a título de Danos Não Patrimoniais.
3ª No presente processo, existe suporte de gravação, o que permitirá ao douto Tribunal de Segunda Instância melhor avaliar, e decidir, sobre o ora invocado erro notório na apreciação da prova, requerendo-se expressamente a renovação da prova, nos termos admitidos no art. 415° do Código de Processo Penal.
4ª Ora, tendo em atenção os factos dados por provados pelo Digno Tribunal Colectivo na douta sentença e o conteúdo das declarações transcritas da testemunha dos autos C, não se entende como é que se consignou que durante o internamento e os tratamentos clínicos, o ofendido tem sentido dores inexprimíveis. Os sentimentos de angústia, de desespero e de medo só entendem aqueles que os sofreram. Por causa do acidente o ofendido ficou desempregado. Pior ainda anda a precisar de gastar mais dinheiro e sofreu de stress e mal disposição.
5ª Do depoimento da Testemunha C não se inferem tais factos, pois nunca de tal falou. E tais factos só poderão ser provados por alguém próximo ao ofendido e que tenha sentido que o mesmo experimentou tais sensações. E tal nunca foi dito ou demonstrado pela testemunha.
6ª Isto porque das declarações da supra citada testemunha, esta declarou que o ofendido fracturou a perna direita e que durante os tratamentos o ofendido estava um pouco em baixo. E que por não conseguir andar normalmente isso influenciou a sua vida. Mas que agora está totalmente recuperado. Mais declarou que o ofendido depois de ter recuperado continuou a trabalhar para o Venetian durante 9 meses e que depois deixou a Venetian por iniciativa própria e regressou a Hong Kong. Salientando que o ofendido lhe tinha dito que presentemente estava totalmente recuperado (Transcrição da nossa responsabilidade e constante da gravação junto aos autos).
7ª E mesmo dos documentos médicos junto aos autos e dos relatórios médicos que o demandante civil junta ao seu pedido cível e que se encontram identificados como fls. 142 e 143 dos autos, pode - se concluir que em 24 de Fevereiro de 2009 o ofendido já pode trabalhar normalmente e em 12 de Junho de 2009 o doente já se recuperou e não tem dificuldade nos movimentos da articulação, salvo uma dor moderada, não lhe sendo identificada nenhuma deficiência.
8ª Sendo por isso de todo incompreensível que o Douto Tribunal a quo tenha dado como provados os factos acima descritos, incluindo o facto de que o ofendido tenha ficado desempregado por causa do acidente e que, para tanto, tenha fixado a indemnização a título de Danos Não Patrimoniais no montante de MOP$ 500.000,00.
9ª Ocorrendo assim o invocado erro notório na apreciação da prova previsto no art. 400°, n° 2 alínea c) do Código de Processo Penal, deve ser a decisão ora em crise revogada pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância no que ao Dano Não Patrimonial diz respeito e proferido douto Acórdão que determine a atribuição de uma indemnização mais adequada e equitativa, baseada nas regras da experiência comum, nos documentos juntos aos autos e ainda nas declarações da testemunha C.
10ª E tal indemnização não deverá, no modesto entendimento da ora Recorrente ser superior a MOP$ 200,000.00, pois tomando como exemplo o processo 533/2010, deste Venerando Tribunal, cuja data do Acórdão é de 16/06/2011, podemos verificar que numa situação com repercussões bem mais graves, segundo as quais, apesar de a ofendida ter ficado 180 dias impossibilitada para trabalhar, mas em que a ofendida teve que receber longos e dolorosos tratamentos de fisioterapia e acupunctação e continuar a receber ainda hoje por conselho médico, o seu membro superior direito até hoje sente dor, não é capaz de levantar o braço a um ângulo de 90°, o sofrimento é agravado pela debilidade da força muscular da mão e do braço direito, ocorrido após o acidente e a ofendida foi obrigada a abandonar o trabalho referido anteriormente foi considerado como adequado pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância fixar a quantia de MOP$200,000.00 destinada à reparação de danos não patrimoniais da demandante (Cfr. Pago 12 do supra referenciado Acórdão).
11ª Mas mesmo que não se entenda que existe o vício de erro notório na apreciação da prova, face ao já acima exposto se pode aferir que mesmo assim não foi produzida prova bastante em audiência de julgamento para suportar o que o Tribunal Colectivo considera que o demandante sofreu, designadamente as dores inexprimíveis, a angustia, o desespero e o medo que só entendem aqueles que sofreram, bem como o facto de o Demandante ter ficado desempregado por causa do acidente, nem tais factos são aferidos dos documentos médicos que se encontram junto aos autos.
12ª E muito menos para atribuir uma indemnização a título de Danos Não Patrimoniais no valor de MOP$ 500,000.00., já que para o Tribunal Colectivo atribuir tal quantia, no modesto entendimento da Recorrente, terá que o Tribunal a quo que ter provas bem mais sustentadas e fundamentos bem mais criterioso e descritivos do que as que dispõe no presente Acórdão.
13ª Encontrando-se, por isso, a Douta sentença inquinada com o vício de previsto no artigo 400°, n°2, alínea a) do Código de Processo Penal, face à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, requerendo-se a renovação da prova nos termos do disposto no artigo 415° do Código de Processo Penal”; (cfr., fls. 513 a 531).

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Respondendo, pugna o demandante recorrido pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 540 a 543).

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos elencados no Acórdão do T.J.B. ora recorrido, a fls. 479-v a 480-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a demandada seguradora recorrer do segmento decisório ínsito no Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B., com o qual se fixou em MOP$500.000,00, a indemnização pelos danos não patrimoniais pelo demandante B sofridos com o acidente de viação matéria dos autos.

Resulta das conclusões pela recorrente produzidas a final da sua motivação de recurso que é a mesma de opinião que o dito Acórdão recorrido está inquinado com o vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo, a renovação da prova e a redução do montante arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Por anterior acórdão de 26.04.2012, procedeu este T.S.I. à apreciação do invocado “erro notório na apreciação da prova”, e dada a sua inexistência, indeferiu-se o pedido de renovação de prova.

Importa assim decidir agora do quantum indemnizatório fixado pelos danos não patrimoniais do demandante recorrido.

Vejamos.

Pretende a recorrente a redução de tal quantum, fixado em MOP$500,000,00, para o de MOP$200,000,00.

Temos vindo a entender que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.”; (cfr., v.g., o Ac. de 21.04.2005, Proc. n° 318/2004 e de 07.12.2011, Proc. n° 724/2011), sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”; (cfr., v.g., o Ac. de 07.12.2011, Proc. n.° 724/2011).

Também o art. 487° do C.C.M. preceitua que: “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.

Na situação dos autos, em causa está o crime de “ofensa grave à integridade física”, p. e p. no art. 142°, n.° 3 do C.P.M. e provado está que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1.52g/l, ao mesmo cabendo a culpa (exclusiva) no acidente de viação do qual foi vítima o demandante ora recorrido.

Face ao exposto, e ponderando nas lesões em causa – nomeadamente, uma fractura da parte exterior do planalto tibial direito, deixando uma cicatriz de 13cm – e no sofrimento que teve o dito demandante, cremos que adequado é o quantum de MOP$300.000,00 a título de indemnização pelos seus danos não patrimoniais.

Consigna-se também que no Ac. deste T.S.I. de 16.06.2011, tirado no Proc. n.° 533/2010, considerou-se o montante de MOP$200,000.00 como “adequado”, sendo de notar que aí estavam em causa outro tipo de lesões e menos dias de convalescença.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, acordam julgar parcialmente procedente o recurso.

Custas pela recorrente e recorrido na proporção dos seus decaimentos.

Macau, aos 17 de Maio de 2012

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
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