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Processo nº 164/2010
Data do Acórdão: 10MAIO2012


Assuntos:

contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal



SUMÁRIO

1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 164/2010


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.

Citada a Ré, contestou deduzindo excepção de prescrição e pugnando pela improcedência da acção.

Proferido o despacho saneador, pelo qual foi julgada improcedente a invocada excepção da prescrição.

Continuando a marcha processual na sua tramitação normal, veio a final a acção julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$53,30 e HKD$2.520,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar nos termos consignados na página 12v e 13 da sentença (fls. 163v e 164 dos autos).

Inconformado com a decisão final, recorreu o Autor alegando em síntese que:

1) O recorrente começou a trabalhar para a recorrida no dia 1 de Setembro de 1988 e cessou a sua relação laboral em 18 de Março de 1992;
2) Dá-se aqui por integralmente reproduzida a restante matéria de facto constante do artigo 8° destas alegações;
3) O recorrente não suspendeu o seu trabalho nos períodos de descanso semanal, de descanso anual e de feriados obrigatórios;
4) A recorrida sempre pagou ao recorrente "em singelo" por esses períodos;
5) A douta sentença recorrida condenou a STDM a pagar ao recorrente as quantias de MOP$53,30 e de HKD$2520, 00;
6) Nos termos das disposições aplicáveis do Decreto-Lei nº 101/84/M, de 25 de Agosto, e do Decreto-Lei nº 24/89/M, de 3 de Abril, o recorrente tem a receber 1 salário por cada dia de descanso semanal não gozado, 2 salários por cada dia de feriado obrigatório não auferido, e 3 salários por cada dia de descanso anual de que se viu privado;
7) O recorrente tem direito a 82 salários por ano no âmbito da vigência temporal do D.L. nº 24/89/M (246 salários) e a 6 salários no ano da cessação da relação laboral (D.L. nº 101/84/M);
8) Para os efeitos do cálculo da compensação arbitrada, a sentença recorrida tomou, apenas, em consideração a parte fixa da remuneração referida no artigo 8° destas alegações, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, desprezando a componente variável, constituída pelas gorjetas;
9) Quanto a este ponto, foi seguida a orientação adoptada pelo Tribunal da Última Instância, de acordo com a qual as gorjetas não se incluem no salário;
10) Tal orientação não pode ser acolhida por se inspirar, na sua essência, na doutrina elaborada em Portugal com base em preceitos alheios ao ordenamento jurídico de Macau;
11) As gorjetas integram o salário como muito bem tem vindo a decidir esse Venerando Tribunal, recorrendo a fundamentos transcritos nos artigos 27° e 28° destas alegações, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
12) Não se vê que a solução preconizada pelo Distinto Julgador, qual seja a da nulidade contratual decorrente da celebração do contrato contra disposição legal de carácter imperativo e a posterior modificação do conteúdo contratual de forma a comportar um salário justo, seja exequível, no plano prático;
13) Mas ainda que tal fosse possível, a eventual conversão do contrato conduziria à indesejável atribuição de salários de montantes diferentes a trabalhadores que desempenham as mesmas funções, dado poderem ser completamente diversas as suas necessidades e consequentemente os dispêndios a elas inerentes, o que estaria em oposição frontal com a directriz consagrada no artº 7° do Pacto Internacional Sobre Os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o qual procura assegurar uma remuneração igual para um trabalho igual;
14) A adopção da Jurisprudência de Interesses não conduz "ao abandono nem à superação da lei, mas à aplicação do direito positivo dentro de parâmetros socialmente adequados" (in a Jurisprudência dos Interesses, Alexandre Araújo Costa, Arcos-Informações Jurídicas);
15) Significa isto que a solução acolhida por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância não se situa fora do sistema, como conclui o Meritíssimo Julgador no aresto sub judice, estando antes bem dentro dele;
16) Para os efeitos do cômputo dos montantes a que o recorrente tem direito deve ser tomada em consideração a totalidade da remuneração ajustada com a recorrida;
17) A douta sentença recorrida, excluindo as gorjetas do salário, violou o disposto nos artº 27°, nº1 do Decreto-Lei n° 101/84/M, de 25 de Agosto, e nos artºs 25°, nº 1 e 27°, nº 2, do Decreto-Lei nº 24/89/M, de 3 de Abril, respectivamente;
18) Tendo presente aquela remuneração, conclui-se que o recorrente auferiu, em, média, as seguintes retribuições diárias:
a) no período que vai de 01/09/1989 a 31/12/1989 a quantia de MOP$197,06 patacas;
b) ao longo do ano de 1990 a quantia de MOP$295,14 patacas;
c) ao longo do ano de 1991 a quantia de MOP$294,16 patacas;
d) no período entre 01/01/1992 até 18/03/1992, data em que cessou funções, a quantia de MOP$304,03 patacas;
19) Com base nos dados que ficam referidos na conclusão que antecede e nos artigos 48° e 49° destas alegações que aqui se dão por integralmente reproduzidos, conclui-se que o recorrente tem o direito de receber a quantia global de mop$67. 898,36, a título de compensação pelos descansos não auferidos;
20) Em termos de juros sobre este valor, julga-se o ora recorrente com direito à quantia de mop$58.800, 80, computada nos termos que constam do artigo 50° das presentes alegações, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
21) Considera igualmente o recorrente que os juros deverão ser computados desde a data do pagamento dos respectivos salários (salário base mais gorjetas);
22) Resulta tal entendimento da matéria vertida nos artigos 52° a 61° das presentes alegações, que aqui se dá por integralmente reproduzida pois que, a existir qualquer i1iquidez no crédito pelo recorrente ora reclamado, tal falta de iliquidez é exclusivamente imputável ao devedor (leia-se à sua ex-entidade patronal, a S.T.D.M.).
Nestes termos,
  E nos mais de Direito aplicáveis que por V. Exªs., Senhores Juízes, forem doutamente supridos, deverá:
a) ser dado provimento ao presente recurso; e, consequentemente,
b) condenar-se a recorrida a pagar ao ora recorrente a título de indemnização pela violação dos seus direitos ao descanso semanal, anual e em dias de feriados obrigatórios, relativamente aos anos de 1988, 1989, 1990, 1991 e parte de 1992, a quantia de mop$67.898,36 (sessenta e sete mil oitocentas e noventa e oito patacas e trinta e seis avos);
c) condenar-se a requerida no pagamento dos juros legais respectivos, os quais devem ser contados a partir das datas em que ao ora recorrente eram pagos os seus salários, nos termos do disposto no artº 794º, nº 4, in fine, do C.C.
  Assim decidindo, estarão V. Exas. fazendo, para além de boa interpretação e aplicação do Direito, a administração, como se pede e espera, da necessária, desejada e sã
JUSTIÇA!

Ao que respondeu a Ré pugnando pela improcedência do recurso.

Por sua vez, a Ré, não se conformando com o decidido em relação aos multiplicadores adoptados para o efeito de cálculo das compensações e aos juros moratórios, veio interpor recurso subordinado dessa parte, alegando e concluindo que:

1- Com o devido respeito, a R., ora Recorrente Subordinada, entende que não se encontra em mora relativamente a quaisquer compensações enquanto o crédito reclamado não se tomar líquido, com o trânsito em julgado da decisão condenatória, e que ainda que "apenas pela ré [fosse] interposto [recurso] e [este] [viesse] a ser julgado improcedente ou não a [viesse] a condenar a pagar quantia inferior", os juros só seriam devidos a partir do trânsito em julgado de uma eventual decisão condenatória que a final viesse a ser proferida.
2 - É que, como se sabe, nos termos do disposto no artigo 794º, n.º 4 do Código Civil, se o crédito for ilíquido não há mora enquanto não se tomar líquido e, no entendimento da ora R., tal iliquidez não lhe é imputável.
3 - Quanto à natureza ilíquida do crédito não restam dúvidas, pois logo na Petição Inicial e na Contestação, A. e R., respectivamente, deixaram bem patente que não estão de acordo quanto ao quantum de um montante indemnizatório eventualmente devido. Quanto à origem de tal iliquidez, resulta claro que a mesma reside na diferente interpretação que as partes (e o próprio Tribunal a quo) fazem das normas jurídicas aplicáveis ao caso dos autos, não devendo a R. ser prejudicada por fazer uso do direito de defesa jurisdicional que lhe assiste, salvo mais douto entendimento.
4 - Assim, em qualquer caso, considerando que a R., aqui Recorrente Subordinada, e o(a) A., ora Recorrido(a) Subordinado(a), não estão de acordo quanto ao quantum indemnizatório eventualmente devido, este apenas se toma líquido com o trânsito em julgado da decisão condenatória.
5 - E porque o montante da indemnização apenas foi definido no âmbito da presente acção, aquele só poderá ser considerado líquido com trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso Subordinado ser julgado procedente, deste modo, fazendo V. Exas. a habitual e costumada
 JUSTIÇA!

Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A fim de nos habilitar a apreciar as questões levantadas nos recursos, passam-se a transcrever infra os factos que ficaram provados na primeira instância:

1. O autor começou a trabalhar para a Ré STDM, a 01/09/1988 e cessou a sua relação laboral em 18 de Março de 1992.
2. Foi admitido como empregado de casino, recebia de dez em dez dias, da ré, duas quantias, uma fixa, no valor de MOP$4,10 por dia, desde o seu início do trabalho até 30/06/1989, e de HKD$10,00 por dia, em data posterior até a data da cessação da relação laboral, e outra variável, em função do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependente do espírito de generosidade destes, vulgarmente designado por gorjetas.
3. As "gorjetas" eram distribuídas pela ré segundo critério por esta fixado, a todos os trabalhadores dos casinos da ré, e não apenas aos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo.
4. O autor, entre os anos de 1988 a 1992, auferiu as seguintes quantias, pagas pela ré:
a) 1988 - MOP. 14.681.00;
b) 1989 - MOP. 70.943.00.
c) 1990 - MOP. 106.252.00;
d) 1991 - MOP. 105.898.00;
e) 1992 - MOP. 27.667,00.
5. Foi acordado entre o autor e a ré que o autor tinha direito a receber as "gorjetas" conforme o método vigente na ré.
6. A ré pagou sempre regular e periodicamente ao autor a sua parte nas "gorjetas".
7. O autor, como empregado de casino, era expressamente proibida pela ré de guardar para si quaisquer "gorjetas" que lhe fossem entregues pelos clientes do casino.
8. As "gorjetas" sempre integraram o orçamento normal do autor, o qual sempre teve a expectativa do seu recebimento com continuidade periódica.
9. O autor prestou serviço por turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal.
10. A ordem e o horário dos turnos eram os seguintes:
1. 1º e 6º turnos, das 07h00, às 11h00 e das 03h00 até às 07h00:
2. 3º e 5º turnos, das 15h00 às 19h00 e das 23h00 às 03h00 (do dia seguinte);
3. 2º e 4º turnos, das 11h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00.
11. O autor podia pedir licença para ter dias de descanso sem qualquer remuneração.
12. O autor gozou os dias de descanso que solicitou à ré para gozar e esta autorizou.
13. A ré nada pagou ao autor pelos dias em que não trabalhou efectivamente e que apenas lhe pagou as quantias referidas em B) dos factos assentes pelos dias em que trabalhou.
14. Autor e ré acordaram que o autor poderia pedir os dias de descanso que pretendesse gozar e que pelos que lhe fossem concedidos não receberia qualquer importância.
15. Autor e ré acordaram que aquele só receberia remuneração pelos dias em que efectivamente trabalhasse.

II
Recurso principal do Autor e recurso subordinado da Ré (na parte que diz respeito aos multiplicadores)

De acordo com o alegado nas conclusões dos recursos, as questões levantadas que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória são a de saber se as chamadas gorjetas são ou não parte integrante do salário para efeitos de compensações ora reclamadas pelo Autor e os multiplicadores para o cálculo da compensação do trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios remunerados.

Da materialidade fáctica assente resulta que:

* o trabalhador recebia uma quantia fixa (MOP$4,10 e HKD$10,00), desde o início até à cessação da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM; e

* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são contabilizados e distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a categoria dos beneficiários.

1. Natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;

Tanto o Decreto-Lei nº 101/84/M como o Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei impõe que o salário seja justo.

Diz o artº 27º do Decreto-Lei nº 101/84/M que “pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”.

Ao passo que o D. L. nº 24/89/M de 03ABR estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, paga-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.

A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.

In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.

Se levássemos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, esta quantia “tão diminuta” (no valor de MOP$4,10 e HKD$10,00) ser-nos-ia obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.

Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa do rendimento que o trabalhadora auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.

Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste nas quantias denominadas “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.

Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa tão diminuta como seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.

Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.

2. Os factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

Pelo que vimos, fica decidida a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

a) compensação do trabalho em descansos anuais

Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 101/84/M em 01SET1984, vigorava plenamente o princípio da liberdade contratual e da autonomia privada, sem quaisquer condicionalismos garantísticos legais, não havia lugar a quaisquer compensações senão as contratualmente convencionadas.

Já na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, ou seja, no período compreendido entre 01SET1984 e 02ABR1989, já foram estabelecidas algumas garantias aos trabalhadores, nomeadamente a compensação obrigatória pelo trabalho prestado em dias do descanso anual – artºs 24º/2 e 23º/1 (que são 6 dias).

Acerca do descanso anual, os artºs 23º e 24º prescrevem:
Artigo 23.º (Aquisição do direito a descanso anual)
1. O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios.
2. Nos casos em que a duração da relação de trabalho for inferior a 12 meses, mas superior a 3 meses, o período de descanso anual a que o trabalhador tem direito é o proporcional, na medida de 1/2 dia por cada mês ou fracção de duração da relação de trabalho.
3. Para os efeitos do disposto no número anterior, cada mês considerar-se-á completo às 24 horas do correspondente dia do mês seguinte; mas se no último mês não existir dia correspondente ao inicial, o prazo finda no último dia desse mês.
Artigo 24.º (Marcação do período do descanso anual)
1. O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2. No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual vencidos mas não gozados, a fórmula é:

1 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados.

Nos termos do disposto no artº 21º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada ano civil.

Nos termos do disposto no artº 24º do mesmo diploma, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar.

In casu, não resulta da matéria de facto provada que o trabalhador foi impedido pela entidade patronal de gozar os seus descansos anuais, não se deve aplicar assim a forma de multiplicação a que se refere o citado artº 24º.

E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual mas sem impedimento por parte da entidade patronal, afigura-se-nos correcto aplicar por analogia o regime previsto para a situação análoga no caso de descanso semanal, prevista no artº 17º/5 e 6.

Isto é, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de descanso anual, sem constrangimento da entidade patronal, deve dar analogicamente ao trabalhador o direito de ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, vencidos mas não gozados, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados, caso o trabalhador não tenha sido impedido pela entidade patronal de os gozar.

b) compensação do trabalho em descanso semanal

Como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, não há lugar à compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.

Ao passo que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei já regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

c) compensação do trabalho em feriado obrigatório

Tal como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, só é de compensar o trabalho prestado naqueles três dias de feriados obrigatórios remunerados (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro), mas apenas nas situações previstas no artº 21º/1-b), já não também na hipótese prevista no artº 21º/1-c), que é justamente a situação dos presentes autos, ou seja, a prestação do trabalho seja indispensável para garantir a continuidade do funcionamento da entidade patronal.

Portanto, in casu, como a entidade patronal, enquanto concessionária da exploração dos jogos, obrigava-se por lei e pelos termos do contrato de concessão a manter em funcionamento contínuo, não há lugar a compensações do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios na vigência da Lei nº 101/84/M.

No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:

1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.

Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).

Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.

Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.

A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.

Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:

3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).

Foram fixados na sentença recorrida os multiplicadores X 1, X 3 e X 2 para o cálculo das compensações do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, de descanso anual e de feriado obrigatório remunerado, respectivamente, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M.

Tendo sido objecto de impugnação os tais multiplicadores pelo Autor que pede em sede de recurso que sejam adoptados os multiplicadores X 1, X 3 e X 2 para o cálculo das compensações do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, de descanso anual e de feriado obrigatório remunerado, respectivamente, no âmbito dos Decretos-Leis nºs 101/84/M e 24/89/M, é de adoptar infra, por força do princípio dispositivo, os multiplicadores X 1, X 2 e X 2 para o cálculo das compensações do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, de descanso anual e de feriado obrigatório remunerado, respectivamente, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M e multiplicador X 1 para o cálculo das compensações do trabalho prestado nos dias de descanso anual no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M.

E em face do acima concluído, há que revogar a sentença recorrida na parte que diz respeito aos quantitativos do salário diário médio para efeitos do cálculo da compensação do trabalho prestado pelo Autor nos dias de descansos semanal e anual e de feriado obrigatório remunerado, assim como os multiplicadores para o cálculo da compensação do trabalho prestado pelo Autor nos dias de descansos semanal e anual e de feriado obrigatório, e passar a condenar a Ré no pagamento da compensação ao Autor conforme os mapas infra:
Trabalho em descanso semanal


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
03/04/1989 - 31/12/1989
MOP197,06
39
197,06 x 39 x 1
MOP7.685,34
1990
MOP295,14
52
295,14 x 52 x 1
MOP15.347,28
1991
MOP294,16
52
294,16 x 52 x 1
MOP15.296,32
01/01/1992 - 18/03/1992
MOP359,31
11
359,31 x 11 x 1
MOP3.952,41



TOTAL:
MOP42.281,35





Trabalho em descansos anuais


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
01/09/1988 - 31/12/1988
MOP120,34
2
120,34 x 2 x 1
MOP240,68
01/01/1989 - 02/04/1989
MOP197,06
1,5
197,06 x 1,5 x 1
MOP295,59



TOTAL:
MOP536,27





Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
03/04/1989 - 31/12/1989
MOP197,06
4,5
197,06 x 4,5 x 2
MOP1.773,54
1990
MOP295,14
6
295,14 x 6 x 2
MOP3.541,68
1991
MOP294,16
6
294,16 x 6 x 2
MOP3.529,92
01/01/1992 - 18/03/1992
MOP359,31
1
359,31 x 1 x 2
MOP718,62



TOTAL:
MOP9.563,76





Trabalho em feriado obrigatório


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
03/04/1989 - 31/12/1989
MOP197,06
2
197,06 x 2 x 2
MOP788,24
1990
MOP295,14
6
295,14 x 6 x 2
MOP3.541,68
1991
MOP294,16
6
294,16 x 6 x 2
MOP3.529,92
01/01/1992 - 18/03/1992
MOP359,31
4
359,31 x 4 x 2
MOP2.874,48



TOTAL:
MOP10.734,32

III

Recurso subordinado da Ré (na parte que diz respeito ao juros)

Pelo que ficou decidido, fica prejudicado o conhecimento do recurso subordinado pois sendo o valor dos créditos reclamados pelo Autor agora alterado e liquidado por este Acórdão, os juros moratórios só se contam a partir do trânsito em julgado do presente Acórdão de acordo com a forma definida pelo TUI no seu douto Acórdão de 02MAR2011, tirado no processo nº 69/2010.


IV

Pelo exposto, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso principal do Autor e improcedente o recurso subordinado da Ré na parte que diz respeito aos multiplicadores, passando a condenar a Ré no pagamento ao Autor do somatório das quantias apuradas nos mapas supra, com juros moratório calculados de acordo com a forma definida pelo TUI no seu douto Acórdão de 02MAR2011, tirado no processo nº 69/2010.

Custas pelas partes na proporção de decaimento em ambas as instâncias, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido ao Autor.

RAEM, 10MAIO2012

Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Choi Mou Pan
(Subscrevo a decisão da parte que não estão em disconformidade com a nova posição assumida após o acórdão proferido no processo nº 780/2007.)