Processo nº 310/2011
(Recurso Contencioso)
Data: 31/Maio/2012
Assuntos:
- Efeitos de uma condenação penal para renovação da autorização de residência
- Residência e efeitos da condenação
- Condenação em pena suspensa e seus efeitos no pedido de residência
- Reabilitação
SUMÁRIO :
1. A previsão normativa do artigo 9º, n.º 1, 1, da Lei 4/2003 prevê que na ponderação se atente nos antecedentes criminais e ao cumprimento das leis da RAEM, deixando uma margem de discricionariedade na ponderação desses elementos que não cabe ao Tribunal sindicar na medida em que extravase aquela margem de liberdade que a lei confere à Administração em ponderar ou deixar de ponderar um determinado requisito.
2. O artigo 55º do C. Penal prevê uma extinção da pena se não houver lugar à revogação por cometimento de crimes ou incumprimento de deveres ou plano de readaptação social, não se prevendo na lei a extinção dos efeitos de uma condenação sofrida.
3. A ponderação a fazer em sede de concessão da autorização ou renovação da residência não passa pela consideração autónoma dos efeitos da condenação penal e pela extinção desses mesmos efeitos, mas sim por uma outra avaliação que a Administração faz em termos comportamentais do interessado, face ao seu interesse em residir em Macau e projecção das suas atitudes, comportamentos e vivências em termos de conformação com o ordenamento jurídico.
4. A sensibilidade à diversidade das diferentes situações e dos fins visados nas diferentes ponderações em função de um determinado passado acaba por legitimar o recurso a tal elemento do passado do indivíduo. Não em termos de conditio sine qua non, mas em termos aferidores de uma personalidade que se quer conformada com o ordenamento em que se vai integrar.
O Relator,
(João Gil de Oliveira)
Processo n.º 310/2011
(Recurso Contencioso)
Data : 31 de Maio de 2012
Recorrente: A (A)
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A (177XXXXXXXXX), casada, mais bem identificada nos autos, vem nos termos das disposições dos artigos 33.° al. a) e 25.°, n.º 2 al. a), ambos do Código de Procedimento Administrativo Contencioso, conjugados com o n.º 2 da al. 8) do artigo 36.° da Lei n.º 9/1999, republicada no Boletim Oficial da RAEM, n.º 44, I Série, de 1 de Novembro de 2004, apresentar RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do acto administrativo de indeferimento do pedido de autorização para fixação de residência temporária - Acto de Indeferimento (P2008/2003/01R) - proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças de Macau poderes que lhe foram conferidos através de delegação de poderes do Chefe do Executivo da RAEM, do dia 27 de Janeiro de 2011, acto que foi notificado ao Recorrente através da notificação n.º 03292/GJFR/2011 do IPIM - (cfr. Docs. n.º 1 e 2).
Para tanto alega em síntese conclusiva:
1.ª As normas penais favoráveis ao arguido são de aplicação retroactiva, n estes termos deve ser descriminalizado a infracção que seja objecto do referido acto de descriminalização não se podendo
2.ª Deve ser aplicada a lei nova quando a situação jurídico-penal criada pela infracção na vigência da lei anterior ainda não se tenha esgotado, incluindo-se nesta expressão a pena principal, a pena acessória e os efeitos da condenação.
3.ª Na senda deste raciocínio, e a título meramente exemplificativo, de que a aplicação da lei no tempo respeita o princípio do regime legal mais favorável temos o Ac. do STJ de 11/02/98, in CJI, 1998, p.199.
4.ª De acordo com a jurisprudência recente da RAEM, temos o Ac. do TUI Proc. N.º 55/2010, o qual indeferiu o Recurso interposto pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, resultando unânime o entendimento em relação à interpretação de que o Regulamento Administrativo n.º 3/2005 é aplicado com respeito pelo Decreto-Lei n.º 14/95/M, e consequentemente pelas autorizações de residência temporária concedidas ao abrigo deste Decreto-Lei e ao pedido da respectiva renovação.
5.ª Desde que a situação jurídica que determinou a concessão anterior de autorização de residência se mantenha na altura da sua renovação.
6.ª As situações de Direito que tenham de ser alvo de Decisão da Administração deverão beneficiar de todas as circunstâncias contemporâneas favoráveis ao particular nomeadamente os movimentos de descriminalização operados por alteração da Lei e também beneficiar de todas as situações cujos efeitos jurídicos se extinguem pelo decurso do tempo como é exemplo a Reabilitação Judicial.
7.ª Deve proceder-se na ponderação de interesses da Administração invocados ou eventuais e os interesses concretos particulares nomeadamente o interesse directo, pessoal e legitimo no provimento do acto administrativo recorrido através de uma decisão proporcional através do equilíbrio do fiel da balança!
Pede seja julgado procedente o recurso.
O Exmo Senhor o Secretário para a Economia e Finanças apresentou a CONTESTAÇÃO, dizendo, em suma:
1. Não se verifica a possibilidade de a Lei n.º 7/2008 descriminalizar a conduta de emprego ilegal prevista e punida pelo art.º 16.º da Lei n.º 6/2004, seja nos significados dos artigos da Lei n.º 7/2008 ou no seu pensamento legislativo.
2. Mesmo que exista a descriminalização referida pela recorrente, aquela não obstaria ao indeferimento, pelo despacho recorrido, do pedido da renovação de autorização de residência com fundamento no facto de ela ter sido condenada a pena de prisão no tribunal de Macau.
3. Na apreciação do pedido de autorização de residência, não deve a administração considerar que qual norma penal é aplicável para a apreciação da conduta do requerente, por a administração não ser um órgão de jurisdicional criminal.
4. É uma usurpação evidente do poder judicial se a administração, na apreciação do pedido de autorização de residência, fizer decisão, favorável ou desfavorável a interessado, tendo por fundamento normas penais incriminadoras.
5. A administração pode indeferir o pedido da renovação de autorização de residência dum recorrente quando se provar, através de adequados meios de prova como uma sentença condenatória do tribunal, um facto de este não ter observado lei da RAEM.
6. Não é importante para a apreciação do pedido de autorização de residência se a pena aplicada à recorrente se extingue após decorrido o período de prova, o que é importante é que se é provado o facto de a mesma não ter observado lei da RAEM.
7. A administração pode indeferir o pedido da renovação de autorização de residência da recorrente quando se provar o facto de esta não ter observado lei da RAEM.
8. Não se importa se mantêm-se inalterados ou não o estado jurídico do(s) bem(bens) imóvel (imóveis) possuído(s) pela recorrente e o teor do seu certificado do registo criminal, por estes não ser o fundamento de que o despacho recorrido depende. O despacho recorrido indeferiu o pedido de renovação de autorização de residência da recorrente por ser provado o facto de esta não ter observado lei da RAEM.
9. Mesmo que a recorrente fosse reabilitada, não poder-se-ia apagar o facto de a mesma não ter observado lei da RAEM.
10. Como se refere no acórdão n.º 36/2006 do Tribunal de Última Instância, não é possível aplicar pura e simplesmente as disposições do regime de reabilitação para o regime de autorização de residência, por ser diferentes os interesses que se visam proteger. Naquele relevam mais os interesses de ordem pública e segurança da comunidade da RAEM, neste preocupa com a ressocialização de delinquentes condenados criminalmente.
11. Pelo que, o facto de a recorrente ter sido reabilitada não obsta ao indeferimento do pedido de renovação de autorização de residência proferido pela entidade recorrida de acordo com o art.º 9.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003 e com fundamento no facto de a recorrente ter praticado conduta violadora da lei da RAEM.
12. É improcedente o pedido da recorrente de anular o despacho recorrido.
Pronuncia-se, a final, pela improcedência do recurso.
O Digno Magistrado do MP emite o seguinte douto parecer:
Para além de não vermos configurada e caracterizada com clareza a imputação de qualquer vício específico do acto sob escrutínio, a argumentação com que a recorrente esgrime é, no mínimo, “sui generis”.
O despacho em causa, da autoria do Secretário para a Economia e Finanças, datado de 27/1/11, indeferiu o pedido e renovação de autorização de residência temporária da recorrente e respectivo agregado familiar com fundamento no preceituado nas disposições conjugadas da al. 1) do n.º 2 do art. 9° e al. 2) do n.° 2 do art. 4° da Lei 4/2003 e 11° do Dec. Lei 14/95, ou seja, por comprovado incumprimento das leis da RAEM e condenação criminal em pena privativa de liberdade pelos tribunais da RAEM, por prática de crime de contratação de trabalhadores ilegais.
Ora, a recorrente, não questionando a veracidade de tais pressupostos factuais, obstina-se em considerações atinentes a suposta "descriminilização" da sua conduta, seja por via de substituição das normas a tal atinentes, seja pelo decurso do período de suspensão da execução da pena aplicada, sem revogação e consequente reabilitação judicial, pretendendo, aparentemente, concluir que, na altura da pretendida renovação se manteria a situação jurídica que determinara a concessão da autorização de residência, isto é, ao que alcançamos, para além da manutenção do investimento, haveria que configurar a sua situação como "imaculada" em termos de antecedentes ou condenações criminais.
Não vemos como.
Desde logo, mesmo que a entrada em vigor da Lei 7/2008 tivesse descriminalizado a actividade da recorrente, anteriormente sujeita ao regime do Dec. Lei 24/88/M - o que, de todo o modo, nos não parece ser o caso - toma-se inequívoco que, à altura da condenação a ilicitude se registava, acrescendo ter aquela transitado em julgado, assim se apresentando a situação aquando da prol acção do acto.
Depois, relativamente a eventual reabilitação judicial (mesmo a valorar-se a mesma para os efeitos que agora nos ocupam, o que se revelaria contrário ao que vem sendo entendido, quer neste tribunal, quer no TUI), a verdade é que, nas próprias palavras da recorrente, o pedido dessa reabilitação foi efectuado apenas a 21/4/11 (ponto 36° da P.I.), com apresentação do CRC actualizado emitido a 27/10/11 (fls. 116), tudo, pois, a revelar que, à data da prática do despacho em crise, se não registaria a ocorrência de tal situação, pelo que sempre se revelará inócuo esse tipo de argumentação, como irrelevante se apresenta a diligência da recorrente na demonstração da permanência do investimento, já que tal matéria não constituiu fundamento do indeferimento registado.
Tudo razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a entender não merecer provimento o presente recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
É do seguinte teor o parecer em que assentou o aludido despacho que não concedeu a renovação de autorização de residência à recorrente:
“Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Parecer n.º 2008/Fixação de residência/2003/01R
Requerente: A (A)
Investimento de imóvel – renovação
É aplicável o D.L n.º14/95/M
Despacho do Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças
CONCORDO COM A PROPOSTA
Ass.) vd. original
Aos 27/1/2011
Parecer da Comissão Executiva
Ao Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças:
Após feita uma análise, verifica-se que a requerente A cometeu a lei penal em Macau e foi-lhe sido aplicada a pena de prisão, pelo que, proponho que seja indeferido o seu pedido de renovação da autorização para fixação de residência temporária a seguir:
Ordem
Nome
Relação
1
A (A)
Requerente
2
B (B)
Cônjuge
3
C (C)
Descendente
4
D (D)
Descendente
Submeto o presente parecer à consideração de V. Ex.
O Presidente: XXX
Aos 3 de Janeiro de 2011
Parecer do Chefe do Gabinete Jurídico e de Fixação Residência
CONCORDO COM A PROPOSTA
XXX
Director-Adjunto, Subst.º
Aos 31 de Dezembro de 2010
Assunto: Apreciação do pedido de fixação de residência
À Comissão Executiva
1. Dados de identificação da interessada e o respectivo prazo da autorização para fixação de residência temporária:
Ordem
Nome
Relação
Documento
/número
Prazo de validade do documento
Prazo de validade da autorização de fixação residência temporária até
1
A
Requerente
Passaporte chinês G107XXXXX
3/1/2011
16/11/2007
2
B
Cônjuge
Passaporte chinês G107XXXXX
20/4/2010
16/11/2007
3
C
Descendente
Passaporte chinês G075XXXXX
16/6/2008
16/11/2007
4
D
Descendente
Passaporte chinês G079XXXXX
20/7/2008
16/11/2007
A requerente, pela primeira vez, em 16 de Novembro de 2004, foi autorizada a fixar de residência em Macau.
2. Para o fim de renovação, a requerente apresentou os documentos de imóveis seguintes, no sentido de provar que ela detém ainda o investimento de imóvel conforme exigido na lei.
1. N.º da descrição na Conservatória do Registo Predial: 152
Rua de ......, n.º1, Edif. “……”, R/C, fracção S
Valor: MOP381.655,00.
Data de registo: 30/9/2003 (57)
2. N.º da descrição na Conservatória do Registo Predial: 12124-XX
Rua do ……, n.º54, Edif. “……”, bloco …, R/C, fracção A.
Valor: MOP670.475,00.
Data de registo: 30/9/2003 (56)
3. De acordo com o Certificado de Registo Criminal apresentado pela requerente, esta (A) possui o antecedente criminal seguinte: (vd. documentos constantes de fls.11 a 13)
Em 26/7/2005, pela prática de um crime de emprego ilegal, a mesma foi condenada pelo Tribunal Judicial de Macau na pena de 3 meses de prisão, com suspensão de execução da pena pelo período de 1 ano.
4. Face ao caso acima referido, este Instituto, por várias vezes, telefonou para a requerente e lhe enviou, em 25/2/2010, o ofício n.º3420/GJFR/2010, no sentido de solicitar-lhe a audiência escrita e apresentação do documento relativo à decisão feita pelo Tribunal. (vd. fls. 28)
5. A requerente constituiu o advogado e através do mesmo, em 9/3/2010, apresentou a contestação escrita e a decisão do Tribunal (vd. doc. constantes de fls.31 a 42). Formulou na contestação, em síntese, as seguintes conclusões:
(1) O acto ilegal praticado pela requerente A, ocorreu em 2005, altura em que, segundo o fundamento então aplicável, ou seja, o art.º 3º do D.L n.º24/89/M não excluiu a relação laboral de entre parentes, contudo, nos termos do art.º 3º da Lei n.º7/2008 ora em vigor, onde não se considera como relação laboral, a de trabalho estabelecida entre pessoas com vínculo familiar até ao segundo grau e que vivam em comunhão de mesa e habitação.
(2) A relação entre A e a interveniente é de mãe e filha, pelo que, nos termos do art.º 3º da Lei n.º7/2008, essa relação não deve ser considerada como relação laboral e o respectivo acto também é classificado como descriminalizado, pelo que, deve-se aplicar ao requerente a lei que se mostra mais favorável a ela.
(3) Desde a prática do crime até à presente data, a requerente não praticou qualquer acto ilegal, e decorrido o período de suspensão da execução, em 25/9/2007, o Tribunal declarou a extinção da aplicação da pena em causa.
(4) A requerente é uma cidadã responsável e observadora da lei.
6. Quanto aos teores acima referidos, após consulados os documentos do Tribunal, foram confirmados os seguintes:
(1) A requerente A cometeu um crime de emprego ilegal, p. p. pelo art.º 16º, n.º1 da Lei n.º6/2004 (vd. fls.41); a trabalhadora ilegal (interveniente) por si contratada é sua tia, e ambas não são parentes do segundo grau, pelo que, não é aplicável o art.º 3º do D.L n.º24/89/M ou, o art.º 3º da Lei n.º7/2008 tal como indicado na contestação escrita.
(2) Dado que entre a requerente e a interveniente não há relação de mãe e filha, nem parente do segundo grau, e mais, de acordo com os dados constantes dos documentos do Tribunal, foi pago pela requerente A à interveniente, dinheiro como recompensa do trabalho. Assim sendo, deve-se considerar que entre as duas, já foi constituída uma relação de trabalho.
(3) A, agindo de forma consciente, voluntária e livre ao praticar o acto acima referido, tinha perfeito conhecimento de que o seu acto era proibido e punido por lei.
(4) De acordo com os dados constantes dos documentos do Tribunal, confirmou-se que a requerente A efectivamente praticou acto ilegal em Macau, sendo isso um facto inegável.
7. De acordo com o disposto nos art.ºs 7º e 8º do D.L. n.º14/95/M alterado, a renovação da interessada está sujeita à verificação dos mesmos requisitos da emissão inicial do título de residência e, em caso da perda de titularidade da situação jurídica que determine a concessão de autorização de residência, a respectiva autorização deve ser cancelada. E mais, nos termos do art.º 9º, n.º2, al. 1) da Lei n.º4/2003, aplicável subsidiariamente ao caso, na concessão da autorização para fixação de residência, em particular, deve-se atender a que se o requerente tem ou não antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no art.º 4º da presente lei”, incluindo a circunstância de “o requerente ter sido condenado na RAEM ou no estrangeiro, na pena privativa de liberdade”.
8. Embora A seja primária, nos termos dos documentos por si apresentados, relativos à decisão do Tribunal Judicial de Base, verifica-se que a mesma, agindo de forma consciente, voluntária e livre ao praticar o acto, tinha perfeito conhecimento de que o seu acto era proibido e punido por lei; pelo Tribunal foi condenada na pena de prisão de 3 meses; o que mostra e confirma efectivamente que a requerente não cumpriu a lei da REAM e lhe foi aplicada a pena privativa de liberdade; pelo que, não é possível dar-lhe uma proposta positiva, face ao seu pedido de renovação.
9. Feita a apreciação, uma vez que a requerente A cometeu a lei penal em Macau e lhe foi aplicada a pena de prisão, nos termos do art.º 9º, n.º2, al. 1) da Lei n.º4/2003, aplicável subsidiariamente nos termos do art.º 11º do D.L. n.º14/95/M já alterado, propõe-se assim que seja indeferido o pedido de renovação da autorização para fixação de residência temporária, formulado pelos interessados seguintes:
Ordem
Nome
Relação
1
A (A)
Requerente
2
B (B)
Cônjuge
3
C (C)
Descendente
4
D (D)
Descendente
Submete-se o assunto à consideração de V. Exª.
O Técnico Superior,
XXX,
Aos 28 de Dezembro de 2010”
IV - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa essencialmente por saber se a Administração terá partido de pressupostos errados ao considerar que a recorrente terá violado as leis de Macau, considerando que tinha antecedentes criminais ou se violou a lei ao servir-se desse elemento na sua ponderação, isto é, se a condenação sofrida pode ou não relevar para efeitos de se considerarem preenchidos os pressupostos que levam a uma denegação da renovação da autorização de residência.
Ou, como alega a recorrente, por não se estar já perante uma relação de trabalho, se a condenação por prática de emprego ilegal em pena de prisão suspensa na sua execução, por ter dado emprego à mãe, se exclui ou não a possibilidade de se levar em linha de conta com essa condenação anterior.
Numa segunda linha argumentativa se o processo de reabilitação em curso tem a virtualidade de eliminar a possibilidade de a Administração ponderar a condenação sofrida para efeitos de autorização de residência.
2. Sustenta a recorrente que o legislador, ao introduzir o n.º 3 da Lei n.º 7/2008 e ao expressamente consagrar que não estamos no domínio de relações de trabalho, quando se está perante relações estabelecidas entre pessoas com vínculo familiar até ao segundo grau, quis proceder à descriminalização das relações laborais estabelecidas com ilegais nas relações de facto estabelecidas entre indivíduos que reunam tal requisito.
Em face da nova Lei n.º 7/2008, no seu n.º 3, a qual descriminaliza as relações de trabalho estabelecidas entre pessoas com vínculo familiar até ao segundo grau, deverá este regime ser tido em conta no procedimento administrativo in casu, não se retirando do facto de a recorrente ter sido sancionada no domínio de uma lei que não se encontra em vigor consequência mais grave que no domínio da nova lei e que veio de resto descriminalizar os factos porque a recorrente foi sancionada.
A pretensa descriminalização radicaria em sua opinião no artigo 2.° n.º 2 do Código Penal que prevê : “O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do elenco das infracções; neste caso, e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a respectiva execução e os seus efeitos penais.” - Realçado nosso.
3. Mas não vemos que tenha razão.
A Lei //2008 rege o novo regime das relações laborais e se o artigo 3º, n.º 2, al. 3 estatui que desse diploma se excluem as relações de trabalho estabelecidas entre pessoas com vínculo familiar até ao segundo grau e que vivam em comunhão de mesa e habitação, não é menos certo que o artigo 1º estabelece que aquele diploma regula o regime geral de trabalho, mas o certo é que há relações de trabalho que dele são excluídas, como as de emprego público, as estabelecidas entre cônjuges, com não residentes, trabalho marítimo e a tempo parcial.
Considerar descriminalizada uma conduta como aquela por que a recorrente foi condenada, apenas porque para efeito da regulação do regime geral de trabalho a relação em presença dela foi excluída parece despropositado, sendo que a previsão típica penal não pode deixar de abranger qualquer relação laboral, esteja ela submetida ao regime geral ou a um qualquer regime especial. Sob pena de ficar por sancionar a contratação de ilegais que não deixa de se assumir com uma outra gravidade que supera em termos de gravidade o simples acolhimento.
Somos, pois, a concluir que a argumentação da recorrente não deixa de ser artificiosa, servindo-se da exclusão de um regime laboral para estender essa exclusão à previsão típica penal actual.
Desta feita se rebate o primeiro argumento da recorrente.
4. Pretende ainda a recorrente sensibilizar para o facto de ter decorrido o período da suspensão e com tal decurso terem desaparecido os efeitos da condenação sofrida, pelo que não seria legítimo relevar uma condenação cujos efeitos desapareceram da ordem jurídica.
A decisão a que a recorrente foi sujeita não só já transitou em julgado como decorreu o período de suspensão de execução da pena, sem que a ora recorrente ou o seu agregado familiar tenham infringido a lei - conforme o seu certificado de registo criminal que consta do processo -, tendo já sido declarada extinta a pena condenatória aplicada em 28 de Setembro de 2007 - cfr. doc. n.° 3.
5. Ainda aqui não tem razão a recorrente.
A previsão normativa do artigo 9º, n.º 1, 1, da Lei 4/2003 prevê que na ponderação se atente nos antecedentes criminais e ao cumprimento das leis da RAEM, deixando uma margem de discricionariedade na ponderação desses elementos que não cabe ao Tribunal sindicar na medida em que extravase aquela margem de liberdade que a lei confere à Administração em ponderar ou deixar de ponderar um determinado requisito.
De todo o modo, importa referir que o decurso do prazo de suspensão da pena sem que tenha sido cometido outro crime torna extinta a pena cominada mas não extingue os efeitos da condenação.
O artigo 55º do C. Penal prevê uma extinção da pena se não houver lugar à revogação por cometimento de crimes ou incumprimento de deveres ou plano de readaptação social, não se prevendo na lei a extinção dos efeitos de uma condenação sofrida, para mais em sede não penal, como é o caso.
Diremos que a ponderação a fazer em sede de concessão da autorização ou renovação da residência não passa pela consideração autónoma dos efeitos da condenação penal e pela extinção desses mesmos efeitos, mas sim por uma outra avaliação que a Administração faz em termos comportamentais do interessado, face ao seu interesse em residir em Macau e projecção das suas atitudes, comportamentos e vivências em termos de conformação com o ordenamento jurídico.
6. Cabe agora analisar a questão da reabilitação.
Diz a recorrente que no dia 21 de Abril de 2011 apresentou um pedido de reabilitação judicial, junto do Tribunal Judicial de Base de Macau, representando este a prova de como se encontram reunidos os pressupostos legais para que seja deferido tal pedido com a consequência legal prevista no artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 87/99/M, ou seja, o cancelamento definitivo da transcrição da decisão que dele consta e que constitui o fundamento principal e único do indeferimento da renovação da fixação de residência da ora recorrente.
Assim, estando reunidos os requisitos legais para que nenhuma decisão conste do certificado de registo criminal da recorrente, mantém-se a situação jurídica inicial e que esteve na origem da atribuição da autorização de residência da ora recorrente.
O que dizer sobre este argumento?
7. Desde logo se constata que ainda não sobreveio reabilitação alguma, estando em curso o respectivo processo.
Em tese, é discutível se a extinção dos efeitos de uma condenação devem ou não abranger também uma avaliação para os efeitos de residência.
Vejamos então em que se traduz a reabilitação.
8. A propósito da reabilitação legal ou jurídico-penal escreve o Prof. Figueiredo Dias “Nos seus reflexos imediatos, a reabilitação jurídico-penal apresenta-se, na actualidade, como uma simples causa de cancelamento do registo criminal. Uma sua definição que se limitasse a apontar esse simples efeito deixaria de fora, contudo, a essência da figura e os critérios fundamentais que hão-de presidir à respectiva disciplina. Tomada numa acepção técnico-jurídica, a reabilitação constitui a sucessora da restitutio in integrum do direito romano e, assim o mecanismo através do qual o ex-condenado é recolocado na situação jurídica anterior à sentença. Na prática, ela traduz-se na extinção (total ou parcial) das interdições e incapacidades que, a título de efeitos das penas ou de penas acessórias decorrem da condenação para depois do cumprimento da sanção principal. Num plano mais geral, como assinala o Tribunal Constitucional Federal alemão - e Jescheck na sua esteira -, a reabilitação constitui uma tarefa da comunidade postulada pelo princípio da sociabilidade inscrito na lei fundamental”.1
Insere-se a filosofia subjacente ao pensamento acima enunciado naquela ideia garantística e hodierna de que as condenações, enquanto infamantes, logo que preenchidos os pressupostos da reabilitação de direito, só podem dar lugar à limitação da capacidade de exercício e à interdição de certas profissões em termos de política cautelar e preventiva, por referência à perigosidade do condenado, e não já por uma decorrência automática da condenação, tendo-se a reabilitação como a recuperação jurídica da imagem social de um condenado dentro da comunidade jurídica.2 Aliás, este instituto aparece com a Lei 2000 de 16/5/44, caracterizando-se exactamente como uma causa de extinção dos efeitos penais da condenação e das incapacidades daí resultantes (nº1 da Base VII).
E distingue-se da reabilitação judicial porquanto esta pode abranger a totalidade dos antecedentes penais do indivíduo, ou tão só, parte deles, para além de que esta não tem como consequência o cancelamento dos cadastros quando estejam em causa a instrução ou julgamento de processos, apenas impedindo o acesso para fins particulares e administrativos, sendo revogada automaticamente no caso de nova condenação por crime doloso e somente se convertendo em definitiva quando preenchidos os pressupostos da reabilitação legal.
9. Posto isto, estamos em condições de verificar que se podem configurar diferentes níveis em termos dos efeitos da reabilitação e que podemos desenhar como diversos círculos que se vão alargando dentro de um dado ordenamento.
Assim um círculo mais restrito respeitante às consequências penais no âmbito penal, um outro mais alargado respeitante às consequências penais no âmbito não penal, seja em termos de interdições, inabilitações, exercício profissional, quando o cadastro limpo seja um requisito de integração numa dada situação jurídica. E podemos ainda configurar, intra-ordenamento, um círculo de situações em que aquele factor, não sendo requisito legal de ponderação, jogue efectivamente ao nível da tomada de decisão, seja em função da vontade e liberdade que dominam as relações jurídicas privadas, seja em função de uma margem de liberdade e discricionariedade em certos níveis da actividade administrativa.
Tudo isto em termos de conformação e readaptação social à vivência no seio de um dado ordenamento.
Mas sempre se poderá sustentar que se reforce um nível de exigência e de adequação com o ordenamento para quem não seja residente e aqui se pretenda integrar, não sendo difícil aceitar que a Administração possa ponderar uma condenação, mesmo que extinta, para esses efeitos.
10. Repescamos a reflexão ainda recentemente exarada num processo deste Tribunal3, enquanto aí se consignou:
“Apesar da referência do art. 26º do DL nº 27/96/M, nunca chegou a ser publicado nenhum diploma regulamentador do instituto da reabilitação, pelo que o seu regime continua a ser o que decorre dos arts. 25º e 26º do citado diploma e nos arts. 52º e 53º do DL nº 86/99/M, de 22/11.
E em que medida, perguntamos nós agora, a reabilitação judicial pode interferir com os requisitos de autorização de residência previstos no art. 9º da Lei nº 4/2003?
Como é sabido, a reabilitação judicial4 - diferente da “reabilitação de direito”, em que os seus efeitos operam automaticamente uma vez decorridos os prazos estabelecidos na lei - pressupõe uma análise judicial dos pressupostos contidos no art. 25º, nº1 do citado DL nº 27/96/M, “ex vi” art. 53º, nº2 do DL nº 86/99/M. Assim sendo, ela só poderá ser decretada se o tribunal, após a análise do pedido e dos elementos instrutórios que compõem o processo, tanto oferecidos pelo interessado, como aqueles que oficiosamente o juiz deve ou pode obter, face ao art. 53º do citado DL. nº 86/99/M, concluir que está perante um cidadão que mostrou estar “readaptado à vida social” (art. 25º, nº1 cit.).
E com esta definição poderia estar exposto o mote para a solução do problema. Na verdade, dir-se-ia que, se aquilo que conta é o presente da pessoa ou a sua condição actual de readaptado à vida social, não haveria aí qualquer diferença com o que se passa na situação do criminoso que, não obstante a sua condição de “boa pessoa” no passado, não deixa de ser condenado se o seu presente estiver manchado por uma actuação ilícita. Uma vez que, num caso ou noutro, determinante é a actualidade, não se deveria mirar a reabilitação com os olhos voltados para trás, para o passado de eventual “pessoa má” do reabilitado.
E isso deverá mesmo ser encarado tal qual o acabámos de defender nalguns casos, mas noutros o assunto não pode ser entendido dessa maneira. Ou seja, essa afirmação de princípio deve ceder em função das diversas situações, como veremos.”
11. Esta sensibilidade à diversidade das diferentes situações e dos fins visados nas diferentes ponderações em função de um determinado passado acaba por legitimar o recurso a tal elemento do passado do indivíduo. Não em termos de conditio sine qua non, mas em termos aferidores de uma personalidade que se quer conformada com o ordenamento em que se vai integrar.
12. Esse o sentido da Jurisprudência já citada e que não deixou de ter eco, ao mais alto nível, na Jurisprudência do TUI, no processo n.º 36/2006, de 13/12/2007, aí se proclamando não ser possível aplicar pura e simplesmente as disposições de reabilitação de direito ao regime de entrada, permanência e autorização de residência.
No recurso contencioso, se o acto impugnado for praticado no âmbito de poderes discricionários, o tribunal só pode sindicar o mérito deste tipo de acto quando se verifica o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, ou a violação, de forma intolerável, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo.4 “Para a lei não é particularmente relevante o tempo decorrido desde a prática de crimes e as condenações. Na óptica do legislador, as condenações criminais anteriores, bem como os fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes susceptíveis de ser motivo de recusa da entrada dos não residentes na RAEM (art.º 4.º, n.º 2, al. d) da Lei n.º 4/2003), constituem sempre motivo de alarme para a ordem e segurança públicas da Região.
Em princípio, os interesses públicos de tranquilidade prevalecem sobre os interesses individuais de interessados de entrar e residir na Região.
Ou seja, os antecedentes criminais, seja qual for o período já decorrido depois da condenação, são sempre o factor a considerar na apreciação do pedido de autorização de residência.”
13. Vejamos agora, por fim, um outro argumento invocado.
Sustenta a recorrente ser uma cidadã responsável e cumpridora da Lei da R.A.E.M; a recorrente e o seu agregado familiar fixaram residência em Macau a 16/11/2004; a família da ora recorrente encontra-se perfeitamente integrada na sociedade da RAEM, tendo a filha da recorrente contraído casamento com cidadão residente permanente, tendo inclusivamente dessa união nascido já uma criança; o marido da ora recorrente iniciou em Macau uma actividade através da abertura de um estabelecimento de comidas take-away, o qual ocupa duas fracções vivendo a família numa outra tracção autónoma, desta forma tendo sido construído e explorado um negócio explorado unicamente pela sua família, o qual constitui a única fonte de rendimento e sustento da mesma.
Daí entender a recorrente reunir todas as condições para que lhe seja renovada a autorização de fixação de residência no território da RAEM a si e todo o seu agregado familiar.
Não se duvida da seriedade e da bondade das razões e do seu real interesse em continuar em Macau. Só que assim não entendeu a Administração, no âmbito da margem de apreciação que a lei lhe concede, sem que os pressupostos em que se louvou violem a lei e o certo é que este Tribunal não tem poderes para se imiscuir na esfera de actuação do Executivo dentro do princípio da separação de poderes.
Não se vislumbra fundamento que permita satisfazer o desiderato da recorrente em termos de anulação do acto praticado, pelo que o presente recurso não deixará de improceder.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com 6 UC de taxa de justiça
Macau, 31 de Maio de 2012,
Presente (Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho João Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
1 - Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 653
2 - Almeida Costa, Pólis, V, sobre Registo Criminal, 258
3 - Proc. 394/2005, de 3/5/2012
4 - Acs do TUI de 3 de Maio de 2000, 6 de Dezembro de 2002, 21 de Junho de 2006, processos n.ºs 9/2000, 14/2002, 1/2006.
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