Processo n.º 686/2011 Data do acórdão: 2012-4-26 (Autos de recurso penal)
Assuntos:
– senhora doméstica
– inibição de condução
– suspensão da execução
– condução sob influência de álcool
– prevenção geral
S U M Á R I O
1. Como não resulta provado que a arguida seja motorista ou condutora profissional, mas sim uma doméstica, não se pode suspender a execução da sua pena de inibição de condução, porquanto só se coloca a hipótese de suspensão da interdição de condução, caso a pessoa condenada seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos.
2. São muito elevadas as exigências de prevenção geral dos delitos de condução sob influência de álcool, com ocorrência nas altas horas da madrugada, por serem geradores, não poucas vezes, de graves acidentes de viação, pelo que a simples censura do facto e a ameaça da execução da inibição da condução não conseguirão realizar as finalidades da punição.
3. Ademais, é nos inconvenientes a resultar naturalmente da execução da inibição de condução para a vida quotidiana da pessoa condutora assim punida que consistem os efeitos próprios dessa sanção, pelo que esta não pode invocar tais inconvenientes para sustentar a pretensão de suspensão da execução da sanção, sob pena de petição de princípio.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 686/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
A, arguida já melhor identificada no Processo Sumário n.º CR1-11-0167-PSM do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, veio recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), da sentença proferida a fls. 12 a 14 desse processo, que a condenou como autora material, na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da vigente Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio (Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), na pena de três meses de prisão, substituída por noventa dias de multa, à taxa diária de oitenta patacas (no total de sete mil e duzentas patacas de multa), e na inibição de condução pelo período de um ano e três meses, para rogar a redução do período da inibição de condução e a suspensão da execução da inibição de condução, tendo para o efeito chegado a alegar o seguinte, na sua essência, na sua motivação de recurso (apresentada a fls. 17 a 22 dos presentes autos correspondentes):
– ela confessou os factos na íntegra e demonstrou profundo arrependimento;
– no entanto, a manter-se a pena de inibição de condução por um período de um ano e três meses, uma vez que é o único membro da família com habilitação legal para a condução de veículos, tal circunstância irá causar profundos e graves problemas, uma vez que a escola e a creche dos seus dois filhos menores dista alguma distância da morada de família;
– pela sua personalidade, pelas boas condições da sua vida pessoal e familiar, atendendo à sua conduta anterior e posterior à prática da contravenção, a multa aplicada à arguida e a simples censura do facto já realizam de forma adequada as finalidades da punição, devendo ser suspensa a execução da sanção acessória de inibição de conduzir, condicionada à prestação de caução de boa conduta ou aos deveres ou regras de conduta a que aludem os art.os 49.o e 50.o do CP;
– face à ausência de antecedentes criminais, por um lado, e a taxa de alcoolemia, por outro, a aplicação da pena acessória deveria ter sido fixada no mínimo e, se possível, suspensa na sua execução conforme o disposto no art.o 109.o, n.o 1, da LTR;
– com efeito, a aplicação da pena acessória deveria ser proporcional à pena principal, uma vez que os objectivos de política criminal são, também eles, similares.
Ao recurso, respondeu o Digno Procurador-Adjunto junto do Tribunal recorrido no sentido de improcedência da argumentação da recorrente (cfr. a resposta de fls. 27 a 28v dos autos).
Subido o recurso para esta Segunda Instância, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer (a fls. 37 a 37v dos autos), pugnando até pela manifesta improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar (em que se opinou pelo julgamento do recurso em conferência) e corridos os vistos, cumpre, pois, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Flui da matéria de facto dada por assente na sentença recorrida (e não impugnada pela própria recorrente) o seguinte, com pertinência à solução do recurso:
– em 15 de Setembro de 2011, cerca das 03h08m da madrugada, aquando de uma operação levada a cabo pela Polícia de Segurança Pública perto do Hotel XX, foi investigado o veículo automóvel ligeiro com chapa de matrícula n.o MO-XX-XX conduzido pela arguida, na sequência do que lhe foi feito teste de alcoolemia por sopro, do qual resultou provada a taxa de 1,95g/l de álcool no sangue da arguida;
– a arguida agiu livre, voluntária, consciente e intencionalmente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei e como tal punível;
– a arguida é doméstica, sem rendimentos, e com os sogros, o pai e dois filhos menores a cargo;
– tem por habilitações literárias o 4.o ano do ensino secundário;
– e conforme o seu certificado de registo criminal, é delinquente primária.
Por outra banda, consta da acta de audiência de julgamento então realizada perante o Tribunal a quo que a arguida confessou integralmente e sem reservas os factos (cfr. em especial, o teor de fl. 11v dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000, no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, é de ver que no fundo, a arguida se limitou a atacar, no recurso, a justeza da medida concreta da sua pena de inibição de condução e o juízo de valor do Tribunal a quo no tocante à não suspensão da execução da inibição de condução.
Como a arguida não chegou a sindicar propriamente do resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo M.mo Juiz a quo, há que decidir do recurso com base apenas no acervo dos factos provados descritos na sentença recorrida (aliás por ela confessados integralmente e sem reservas, e em sintonia com os quais, ela praticou o crime de condução em estado de embriaguez indubitavelmente com dolo intencional), e não em outras mais circunstâncias alegadas na motivação do recurso que não constem materialmente da fundamentação fáctica daquela decisão condenatória.
O crime de condução em estado de embriaguez é punível nos termos do art.o 90.o, n.o 1, da LTR, com pena de prisão até um ano e inibição de condução pelo período de um ano a três anos (se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal).
In casu, o Tribunal a quo fixou a pena de prisão em três meses, dentro da respectiva moldura de um mês a um ano de prisão (cfr. também o art.o 41.o, n.o 1, do CP), embora depois substituída por noventa dias de multa, enquanto fixou o período de inibição de condução em um ano e três meses, dentro da respectiva muldura de um ano a três anos.
Assim, dessa dosemetria concretamente achada pelo Tribunal a quo para a pena de prisão “inicial” e para a pena de inibição de condução, vê-se nitidamente que esta foi encontrada em medida concretamente muito mais leve do que a medida concreta daquela, pelo que cai manifestamente por terra a pretensão da redução do período da inibição de condução, até porque a taxa de alcoolemia concretamente detectada à arguida como sendo de 1,95 g/l ultrapassou em mais do que a metade o limite mínimo de 1,2 g/l a partir do qual o acto de condução sob efeito de álcool é punível a título de crime especialmente previsto no art.o 90.o, n.o 1, da LTR.
Por outro lado, da matéria de facto provada em primeira instância, sabe-se que a arguida, que é doméstica, foi apanhada em flagrante delito pela Polícia, a conduzir sob efeito de álcool em 15 de Setembro de 2011, cerca das 03h08m.
Como não resulta provado que a arguida seja motorista ou condutora profissional, mas sim uma doméstica, é patente que não se pode suspender a execução da sua pena de inibição de condução, sob pena de contrariar o rumo jurisprudencial até agora seguido segundo o qual só se coloca a hipótese de suspensão da interdição de condução, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos (nesse sentido, cfr., de entre outros, o acórdão do TSI, de 17 de Julho de 2008, no Processo n.o 424/2008).
Aliás, são muito elevadas as exigências de prevenção geral dos delitos de condução sob influência de álcool, com ocorrência nas altas horas da madrugada, por serem geradores, não poucas vezes, de graves acidentes de viação, pelo que a simples censura do facto e a ameaça da execução da inibição da condução não conseguirão realizar as finalidades da punição (em sentido convergente, cfr. o acórdão do TSI de 16 de Junho de 2011 no Processo n.o 1004/2009).
Sendo de realçar, por fim, que é nos inconvenientes a resultar naturalmente da execução da inibição de condução para a vida quotidiana da pessoa condutora assim punida que consistem os efeitos próprios dessa sanção, pelo que esta não pode invocar tais inconvenientes para sustentar a pretensão de suspensão da execução da sanção, sob pena de petição de princípio.
Evidentemente infundado o recurso, este deve ser rejeitado em conferência (cfr. os art.os 410.o, n.o 1, e 409.o, n.o 2, alínea a), do CPP.
IV – DECISÃO
Em harmonia com o exposto, acordam em rejeitar o recurso, por manifestamente improcedente.
Custas pela arguida, com duas UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária (referida no art.o 410.o, n.o 4, do Código de Processo Penal).
Macau, 26 de Abril de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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