Processo n.º 57/2012
(Recurso cível)
Data : 26/Abril/2012
ASSUNTOS:
- Competência dos tribunais de Macau para a regulação do poder paternal de menor nascido em Macau e filho de residente
SUMÁRIO:
Se
uma cidadã chinesa viveu em união de facto, em Macau, com um residente permanente de Macau e dele teve uma menina, em 31 de Dezembro de 2000, aqui em Macau, possuindo BIR da RAEM;
pouco tempo depois, o pai da menor abandonou mãe e filha e saiu da residência onde vivia o casal. Desde então, a recorrente não mais ouviu notícias sobre ele, sabendo-se até que o pai da criança, residente de Macau, daqui se ausentou em 25/6/2006;
do seu actual paradeiro nada se sabe;
a menina entretanto cresceu, educada pela mãe, convivendo e acarinhada pela família desta e, embora esteja, nesta altura, a viver com a mãe e a frequentar uma escola no Interior da China, tem direitos e expectativas que a ligam à terra onde nasceu, à terra e aos interesses do pai, e onde carece de tratar de documentação, para já não falar na regulação do poder paternal, situação agravada com a posição das autoridades da China Interior que terão reencaminhado a mãe para Macau, terra de nascimento da criança;
havendo uma causa de pedir complexa com fortes conexões ao ordenamento da RAEM os tribunais de Macau são competentes para conhecerem da regulação do poder paternal aqui requerida.
Relator,
(João Gil de Oliveira)
Processo n.º 57/2012
(Recurso Civil
Data: 26/Abril/2012
Recorrente: A
Objecto do Recurso: Despacho que declarou incompetentes
os Tribunais da RAEM
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Tendo A, inconformada com o douto despacho que considerou incompetentes os tribunais de Macau para conhecerem da regulação de poder paternal em relação à sua filha menor, B, dele vem recorrer, alegando, fundamentalmente e em síntese:
1. A recorrente não se conforma com o despacho recorrido, entendendo que o referido não teve em consideração que os factos determinantes da causa de pedir estão em conformidade com o disposto no al. a) do artº 15º do CPC. De facto, o referido direito não pode tornar-se efectivo se a recorrente não intente a acção em Macau.
2. Sendo cidadã chinesa, a recorrente viveu com um residente permanente de Macau (ou seja, o pai da menor) (vd. Anexo 1) por um período de tempo e deu luz à filha B (a menor) em 31 de Dezembro de 2000, em Macau.
3. Pouco tempo depois, o pai da menor abandonou a recorrente e a filha e saiu da residência onde vivia o casal. Desde então, a recorrente não ouve mais notícias sobre ele.
4. A menor nasceu em Macau, possuindo o bilhete de identidade de residente permanente de Macau, a qual tem direito a residir em Macau, segundo a lei, ou seja, goza do direito a entrar e sair livremente da RAEM, não podendo ser expulsa ou obrigada a permanecer na Região.
5. Embora a menor esteja, nesta altura, a viver com a mãe e frequentar escola no Interior da China, a mesma tem direito a escolher viver e frequentar o ensino secundário em Macau quando ela acabar o ensino primário, sendo isso a esperança da recorrente e da menor.
6. Segundo o artº 1765º, nº 3 do CC, se os progenitores viverem em união de facto, o exercício do poder paternal pertence a ambos quando declarem, perante o funcionário do registo civil, ser essa a sua vontade. Nesta conformidade, o poder paternal relativo à menor é exercido, na vertente legal, pela recorrente e pai.
7. Devido a que se desconhece a residência do pai da menor, o qual também nunca cumpriu os deveres do pai sobre a menor, a recorrente tem de confrontar sozinha os problemas decorrentes da impossibilidade de exercer individualmente o poder paternal respeitante à menor, tais como a renovação do bilhete de identidade, salvo-conduto para deslocação à China, matrícula escolar, tendo a mesma constituído advogado da China para intentar acção no Interior da China.
8. Após analisado o caso, o referido advogado concluiu que só os Tribunais de Macau têm competência para a acção intentada sobre o poder paternal da menor. De acordo com a legislação do Interior da China, a menor não preenche os requisitos para obter o registo de residência permanente na China, a qual é considerada residente de Macau mesmo que viva no Interior da China. Por outro lado, como o pai da menor é residente permanente de Macau e reside habitualmente na Região, a acção de alteração do poder paternal deve ser intentada junto do Tribunal de Macau, não sendo competentes os Tribunais do Interior para a acção de regulação do exercício do poder paternal da menor (vd. Anexo 2).
9. Posteriormente, o advogado constituído consultou o Tribunal do local onde vive a recorrente e foi-lhe dito verbalmente que o Tribunal do Interior da China não tinha competência para conhecer da acção de regulação do exercício do poder paternal da menor.
10. Segundo o artº 22º da Lei de Processo Civil da RPC, a acção em matéria civil intentada por cidadão é julgada pelo Tribunal Popular do local onde reside o réu.
11. Ademais, conforme o artº 1º, nº4 da “Opinião às Questões sobre a Aplicação da Lei de Processo Civil da RPC”: O local de residência habitual do cidadão significa o local registado como residência permanente do cidadão. O domicílio da pessoa colectiva é o lugar onde a pessoa colectiva exerce as suas actividades ou o seu principal lugar de trabalho.
12. Uma vez que a residência permanente do pai da menor (ora recorrido) foi registada em Macau, esta Região deve ser tratada, conforme a lei anteriormente indicada, como local de residência habitual do pai da menor, ora recorrido, assim, não sendo competente o Tribunal da RPC.
13. Nestes termos, os factos que servem de causa de pedir ou os factos que a integram ocorreram em Macau, estando em conformidade com o princípio do nexo de causalidade. Em virtude de proteger e salvaguardar da melhor maneira possível o interesse da menor, os Tribunais de Macau têm jurisdição.
14. Além disso, dispõe o artº 15º, al. c) do CPC: “Não poder o direito tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em tribunal de Macau, desde que entre a acção a propor e Macau exista qualquer elemento ponderoso de conexão pessoal ou real.” Nesta causa, o Tribunal do Interior da China não admitiu a acção de regulação do exercício de poder paternal por o pai da menor ser residente de Macau, assim sendo, a recorrente tem de intentar acção no Tribunal de Macau.
15. Importa referir que a interposição da acção em Macau é a última escolha da recorrente, porquanto o pai da menor é residente permanente de Macau e tem residência nesta Região. Segundo o artº 17º, als. a) e b) do CPC, pode convocar-se o pai, através do lugar e procedimentos adequados, para intervir na acção. O direito relativo ao exercício do poder paternal não pode tornar-se efectivo se a recorrente não intente a acção em Macau.
16. Face ao exposto, o Sr. Juiz do TJB entende que os Tribunais de Macau não têm competência mas sim o Tribunal do local de residência da menor, porquanto o mesmo não considerou suficientemente que os factos determinantes da causa de pedir ou os factos que a integram foram praticados em Macau. O Tribunal do Interior da China não admitirá o processo sobre a regulação de exercício do poder paternal da menor porque o pai é residente de Macau. Nesta situação, a recorrente tem de intentar acção no Tribunal de Macau.
Por todo o exposto, solicita se julgue procedente o recurso interposto e, em consequência, se anule o despacho recorrido por não ter considerado suficientemente as disposições dos art.º 15º, als. a) e c), e artº 17º, als. a) e b) do CPC.
Notificado das alegações do recurso a fls. 63 a 79 dos autos, vem a Dignao Magistrada do Ministério Público apresentar resposta nos termos dos artigos 56º, 2, al. 1), e 60º, nº 2, al. 2) da Lei nº 9/1999, alegando em síntese:
O despacho recorrido rejeitou o recurso com base nos termos do artigo 33º, nº 2, 412º, nº 2 do CPC.
Segundo a conclusão das alegações do recurso, a recorrente entende que, por um lado, o facto que serve de causa de pedir ocorreu em Macau e, por outro lado, o advogado no Interior da China, a quem ela pediu opinião jurídica, indicou que o Tribunal do Interior da China não tem competência para conhecer deste caso. Caso não intentasse a acção em Macau, não poderia exercer o direito a pedir a regulação de exercício do poder paternal sobre a menor. Nesta conformidade, entende, com base nas disposições do artigo 15º, als. a) e c) do CPC, que os Tribunais de Macau têm competência para a presente acção.
Salvo o devido respeito e melhor opinião, entendemos que os Tribunais de Macau são competentes para conhecer desta causa, segundo o artigo 15º, al. a) do CPC.
O Tribunal é competente desde que o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum dos factos que a integram tenha sido praticado em Macau.
In casu, a recorrente pede ao Tribunal de Macau a regulação do exercício do poder paternal respeitante à menor B, solicitando que o exercício daquele lhe seja atribuído.
Segundo os artigos 1650º, 1729º a 1766º do CC, o poder paternal traduz-se num conjunto de direitos e deveres que envolvem a relação entre pais e filhos. Na regulação do exercício de poder paternal e para decidir a quem é distribuído o poder paternal devem envolver uma causa de pedir complexa, sob o pressuposto de que o interesse do menor pode ser protegido.
Com certeza que o facto que integra a causa de pedir mais fundamental entre outros é o estabelecimento da filiação entre a recorrente (a requerente), o recorrido (o requerido) e a menor.
De acordo com o artigo 1650º do CC, não se pode reconhecer a existência do poder paternal nem regular o exercício de tal poder antes de a filiação se encontrar legalmente estabelecida.
Conforme a certidão de nascimento junta aos autos a fls. 7, a menor B nasceu em Macau no dia 31 de Dezembro de 2000. A filiação entre a menor, a recorrente e o recorrido foi estabelecida na Conservatória do Registo Civil de Macau através da declaração de maternidade e da perfilhação do pai.
Aparentemente, um dos factos relevantes integram a causa de pedir – o estabelecimento da filiação da menor – foi praticado em Macau.
Assim sendo, pode reconhecer-se que os Tribunais de Macau têm jurisdição sobre a presente causa, conforme o artigo 15º, al. a) do CPC.
Importa referir que, segundo o artigo 100º do Decreto-Lei nº 65/99/M, é aplicada subsidiariamente a disposição do artigo 1208º do CPC. A acção de regulação do exercício de poder paternal é jurisdição voluntária que não visa resolver um verdadeiro conflito de interesses, mas para procurar uma maneira mais adequada e oportuna para proteger o interesse do menor.
Nesta causa, a menor e o recorrido são residentes de Macau, segundo o documento 2 a fls. 71 dos autos. Assim, do ponto de vista da lei pessoal, conclui-se que ambos têm residência habitual em Macau, podendo viver em Macau, proceder ao regime de visita ou exercer o poder paternal.
Dos factos mencionados que foram praticados em Macau, verifica-se, nos termos do artigo 15º, al. a) do CPC, que os Tribunais de Macau têm competência para julgar esta causa.
Por fim, embora não se aplique neste caso a Convenção relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores publicado pelo Aviso do Chefe do Executivo nº 44/2004, do espírito da Convenção e na vertente internacional, o exercício de poder paternal deve, quando possível, ser atribuído e regulado pelo Tribunal do país do menor, local em que reside habitualmente e ficam os seus bens, no sentido de melhor salvaguardar o interesse pessoal e bens do menor.
Para verificar se os Tribunais de Macau têm ou não a jurisdição sobre causas respeitantes a menor (incluindo a de regulação de exercício de poder paternal), deve interpretar bem as disposições do artigo 15º do CPC, sob o pressuposto de garantir o interesse do menor.
Por todo o exposto, solicita se julgue procedente o recurso interposto e, em consequência, se anule o despacho recorrido.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto neste Tribunal emitiu o seguinte douto parecer:
Compulsando os presentes autos, afigura-se-nos que o recurso interposto pela recorrente merece de provimento pelas seguintes razões :
Em primeiro lugar, é de louvar a posição da nossa colega junto ao tribunal “a quo”, manifestada na sua resposta constante a fls. 83 e 84 dos autos.
Não há muito possa ser acrescentado, e procuramos não repetir tudo aquilo que já foi dito.
Na verdade, diferentemente da disposição constante no Decreto n.º 417/71 (lei antiga onde se regulava a questão de regulação do poder paternal e onde havia norma expressa, determinando o elemento relevante de atribuição da competência era a residência efectiva do menor), a competência do tribunal na acção de regulação do poder paternal é determinada, actualmente, só de acordo com as normas constantes no C.P.C., uma vez na lei nova (D/L n.º 65/99/M) é totalmente omissa nesta matéria.
Por outro lado, tal como se afirmava na decisão recorrida, o critério atribuidor de competência no caso de regulação do poder paternal deveria ser a residência do menor, pois, só assim o tribunal fica habilitado em conhecer a vida real do menor, facilitando assim uma decisão mais consentânea com os interesses deste.
Pois, não se esquece que o processo de regulação do poder paternal tem a natureza de jurisdição voluntária nos termos do art. 95º, n.º 1, l), e do art. 100º, ambos do D/L n.º 65/99/M, significa que não está em causa um litígio verdadeiro entre duas partes com posição oposta, antes é o interesse do menor que domina todo o processo, constituindo este interesse como finalidade última e a razão de ser do processo.
Ora, na falta de disposição adjectiva e expressa neste sentido, somos obrigados de procurar outro critério (embora seja secundário ou residual) de atribuição de competência para a resolução do caso ao abrigo das disposições aplicáveis constante no C.P.C., funcionando este como lei subsidiária na presente situação.
Por conseguinte, a procura da competência tem de ser iniciada com o art. 15º do CPC, por ser a regra básica de determinação da competência.
Pois, tal e qual como foi mencionado na resposta do Ministério Público, a regra básica é o critério de causalidade, dependendo a competência dos factos que servem de causa de pedir ou alguma dos factos que a integram. (art. 15º al. a) do C.P.C.).
E na acção de regulação do poder paternal, é inegável que o estabelecimento de filiação se constitui, lógica e facticamente, como um dos fundamentos que integram a causa de pedir daquela.
Acresce que a menor é residente de R.A.E.M., no sentido de a mesma possuir o estatuto legal de residente de Macau.
E uma vez adquirido este direito do estatuto, torna-se irrelevante se a menor aqui reside efectivamente no momento de propositura da acção, pois, já se estabelece um elemento importante de conexão entre a menor e Macau.
Conjugando tudo acima ficou dito, concluímos que os tribunais de R.A.E.M. são competentes para a resolução da presente acção.
Consequentemente, o recurso merece de provimento.
Eis o nosso parecer.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Com pertinência, resultam provados os factos seguintes:
A menor B nasceu em Macau no dia 31 de Dezembro de 2000.
A filiação entre a menor, a recorrente e o recorrido, C, foi estabelecida na Conservatória do Registo Civil de Macau através da declaração de maternidade e da perfilhação do pai (vd. Documento 1).
A requerente, A, cidadã chinesa residente na China continental, alega ter vivido em união de facto com o requerido e com ele ter uma filha que se encontra a residir com a requerente na China continental.
Intentou a presente acção de regulação do exercício do poder paternal relativo à sua filha menor. Disse ainda que o requerido é titular do BIR n° XXX, não sendo a requerente nem a sua filha titular de tal documento.
O pai da criança ausentou-se de Macau, sem mais dar notícias, em 25/6/2006.
A requerente disse desconhecer a actual residência, paradeiro ou domicílio do requerido.
Efectuadas diligências para localizar a residência do requerido, as mesmas resultaram infrutíferas, tendo-se apurado que se ausentou de Macau em 25/06/2006 e não mais regressou.
A menina entretanto cresceu, educada pela mãe, convivendo e acarinhada pela família desta, pelos avós maternos, nomeadamente, e, encontra-se a viver com a mãe e frequentar escola no Interior da China.
III - FUNDAMENTOS
1. O caso
Uma cidadã chinesa, A, viveu em união de facto, em Macau com um residente permanente de Macau e dele teve uma menina B, em 31 de Dezembro de 2000, aqui em Macau, possuindo BIR da RAEM.
Pouco tempo depois, o pai da menor abandonou mãe e filha e saiu da residência onde vivia o casal. Desde então, a recorrente não mais ouviu notícias sobre ele, sabendo-se até que o pai da criança, residente de Macau, daqui se ausentou em 25/6/2006.
Do seu actual paradeiro nada se sabe.
A menina entretanto cresceu, educada pela mãe, convivendo e acarinhada pela família desta e, embora esteja, nesta altura, a viver com a mãe e frequentar escola no Interior da China, tem direitos e expectativas que a ligam à terra onde nasceu, à terra e aos interesses do pai, e onde carece de tratar de documentação, para já não falar na regulação do poder paternal, situação agravada com a posição das autoridades da China Interior que terão reencaminhado a mãe para Macau, terra de nascimento da criança.
2. O Mmo Juiz, escudado em excessivo rigor formal, entendeu que os tribunais da RAEM não eram os competentes para regular o poder paternal, com o argumento de que, embora reconhecendo que de jure condendo, tribunal competente devesse ser o da residência dos menores, não deixou de optar pelo critério residual legal do domicílio do ré - art. 17º, al. a) do CPC -, donde, desconhecendo-se o mesmo, incompetentes os tribunais de Macau.
3. Não se acompanha este douto entendimento pelas razões que se passam a explicar.
Desde logo o instituto da regulação do poder paternal visa proteger a criança. Bem basta a situação de abandono a que foi relegada, para se impor a legitimação a quem de si vela e cuida, o que só por via daquele regime se pode lograr.
A criança nasceu em Macau, donde resulta uma expectativa forte de ligação a este ordenamento.
Dentro desse quadro as autoridades chinesas remetem a mãe para Macau para tratar aqui daquela legitimação que urge.
Tanto quanto basta para nos começarmos a interrogar sobre a forma de, ainda nos termos permitidos pela lei, prover à situação de ajuda, protecção e legitimação da educação daquela criança que, entretanto foi crescendo e as necessidades não param.
É assim que nos deparamos com a argumentação que vai no sentido contrário ao douto entendimento do Mmo Juiz e que não deixa de encontrar melhor eco na argumentação expendida pelos magistrados do MP ao nível de ambas as instâncias.
Na verdade, os Tribunais de Macau são competentes para conhecer desta causa, segundo o artigo 15º, al. a) do CPC.
4. Não existe uma norma expressa em termos do Regime de Menores, no DL 65/99/M, de 25 de Outubro, que defina um critério de competência, como o fazia o artigo do Dec. n.º 417/71, de 29/Set/71 em função da residência efectiva do menor - artigo 88º -, mas é interessante ter presente que, se no momento em que o processo fosse instaurado, o menor não residisse no país, já era competente o tribunal da residência do requerente ou do requerido.
Tratava-se aí, contudo, da competência territorial, o que não se aplica ao caso, estando aqui em causa uma questão relativa a competência inter-regional.
5. O artigo 15º, al. a) do CPC prevê: “Os tribunais de Macau são competentes quando se verifique alguma das seguintes circunstâncias: a) Ter sido praticado em Macau o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum dos factos que a integram; (…)” Esta norma que regulamenta a jurisdição chama-se critério de causalidade.
6. O Mmo Juiz afastou este critério considerando:
“a causa de pedir consiste no facto de onde deriva o direito que o autor pretende fazer valer (art. 417º, n.º 4 do Código de Processo Civil) e tal facto não se pode considerar ter sido praticado em Macau, pois que, sendo complexo no caso em apreço, consiste na relação de parentesco/coabitação entre a autora (requerente), o requerido e a filha de ambos e na separação de facto enquanto facto de duração continuada no tempo e de verificação espacial também exterior a Macau, uma vez que a requerente reside na China continental e se desconhece a residência do requerido. Por outro lado, desconhece-se se haveria reciprocidade em relação à competência dos tribunais da China continental. Desta forma não se verifica a previsão das als. a) e b) do art. 15° do CPC (cfr. tb. art. 341° do Código Civil) ”
7. Resulta dos artigos 1650º, 1729º a 1766º do CC que o poder paternal se traduz numa situação jurídica que se concretiza num conjunto de direitos e deveres que envolvem a relação entre pais e filhos, situação jurídica que, é certo, não deixa de ser complexa.
Desde logo importa o nascimento da criança; depois, o estabelecimento da filiação; sem desprezar o concreto relacionamento dos pais com a criança, bem como a situação dos e entre os progenitores.
De acordo com o artigo 1650º do CC, não se pode reconhecer a existência do poder paternal nem regular o exercício de tal poder antes de a filiação se encontrar legalmente estabelecida.
Ora, a menina nasceu em Macau, é, para todos os efeitos residente de Macau, o pai, ainda que se desconhecendo o se paradeiro é residente em Macau, foi aqui que os pais se conheceram, conviveram, viveram em união de facto e geraram a criança. Tudo elementos de sobra em termos de conexão com o nosso ordenamento para que se negue a regulação que urge e se impõe.
Assim sendo, pode reconhecer-se que os Tribunais de Macau têm jurisdição sobre a presente causa, conforme o artigo 15º, al. a) do CPC, não esquecendo como bem frisa a Digna Magistrada do MP que, “segundo o artigo 100º do Decreto-Lei nº 65/99/M, é aplicada subsidiariamente a disposição do artigo 1208º do CPC, donde a acção de regulação do exercício de poder paternal ser uma jurisdição voluntária que não visa resolver um verdadeiro conflito de interesses, mas para procurar uma maneira mais adequada e oportuna para proteger o interesse do menor. Ainda que a natureza da jurisdição voluntária não possa interferir com as regras da competência, o certo é que a chamada de atenção para tal natureza alerta para uma flexibilização em termos de tramitação e da regulação não atinente a uma legalidade estrita, antes à satisfação dos superiores interesses da criança
Donde, se pudermos conexionar a génese da situação de facto integrante da causa de pedir com o ordenamento de Macau, não nos devemos furtar a considerá-lo competente, tendo em vista a regulação requerida.
Ao decidir a quem é atribuído o poder paternal e regular o exercício do poder paternal, temos de ter em conta todos os aspectos da vida do menor, de modo a tomar uma decisão mais favorável ao menor.
8. Nesta causa, a menor e o requerido são residentes de Macau, segundo o documento 2 a fls. 71 dos autos. Assim, do ponto de vista da lei pessoal, conclui-se que ambos têm residência habitual em Macau, podendo viver em Macau, implementar aqui um regime de visitas e concretizar aqui pelo menos parcelarmente o poder paternal pelo menos em relação a um dos progenitores.
Chama-se até atenção para o facto de que flui dos autos que a recorrente tentou tratar do documento e da matrícula em escola da menor, a fim de esta poder viver e frequentar escola em Macau, mas não conseguiu fazê-los por não poder exercer individualmente o poder paternal.
Mais uma razão a impor a regulação neste ordenamento.
9. Por fim, há ainda um argumento aflorado pela Digna Magistrada do MP em 1º Instância, em que se reforça a argumentação expendida e que se extrai do regime resultante da Convenção Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores concluída na Haia, em 5 de Outubro de 1961 e publicada pelo Aviso do Chefe do Executivo nº 44/2004, do espírito da Convenção e na vertente internacional, o exercício de poder paternal deve, quando possível, ser atribuído e regulado pelo Tribunal do país do menor e não já do local em que reside habitualmente e ficam os seus bens, tal como resulta do artigo 4º da convenção, se se entender que dessa forma melhor se acautelam os seus interesses.
Posto isto, decidir-se-á no sentido da procedência do recurso.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revogando a decisão recorrida, considera-se serem os tribunais de Macau competentes para regular o poder paternal no caso presente.
Sem custas por não serem devidas.
Macau, 26 de Abril de 2012,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
57/2012 1/18