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Processo n.º 738/2011 Data do acórdão: 2012-4-27 (Autos de recurso penal)
  Assuntos:
– lei penal avulsa
– pena de prisão sucedânea da multa estabelecida em quantia
– crime de tráfico de quantidades diminutas
– art.o 9.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M
– critério de conversão da multa em prisão
– art.o 6.o, alínea a), do Decreto-Lei n.o 58/95/M
– pena única
– cúmulo jurídico
– art.o 71.o, n.os 1, 2 e 3, do Código Penal
– pena composta de prisão e multa
– pena de prisão substituída por pena não detentiva
S U M Á R I O
1. A pena de prisão sucedânea do não pagamento da multa estabelecida em quantia em lei penal avulsa (por exemplo, da multa do crime de tráfico de quantidades diminutas do art.o 9.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro) deve ser fixada pelo critério de conversão fornecido expressamente na alínea a) do art.o 6.o do Decreto-Lei n.o 58/95/M, aprovador do Código Penal vigente.
2. Para efeito de formação da pena única em sede de cúmulo jurídico das penas parcelares nos termos do art.o 71.o, n.os 1, 2 e 3, do Código Penal, a multa provinda da “pena composta de prisão e multa” (por exemplo, do referido crime de tráfico de quantidades diminutas) entrará na formação da pena única mediante a sua prévia conversão em dias de prisão à luz do critério do art.o 6.o, alínea a), do Decreto-Lei n.o 58/95/M, enquanto a pena de prisão substituída por pena não detentiva (por exemplo, por multa) entrará na sua medida concreta inicial como pena de prisão na formação da pena única.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 738/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 112 a 115v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR3-11-0154-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de um crime de tráfico de quantidades diminutas, previsto pelo art.o 9.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro (vigente à data dos factos e concretamente aplicado como sendo a lei mais favorável nos termos do art.o 2.o, n.o 4, do vigente Código Penal (CP)), na pena de um ano e dois meses de prisão e na multa de quatro mil e quinhentas patacas (convertível em trinta dias de prisão no caso de não pagamento), e de um crime de detenção ilícita de estupefaciente para consumo pessoal, previsto e concretamente punido pelo art.o 23.o, alínea a), do mesmo Decreto-Lei, na pena de quarenta e cinco dias de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de cem patacas (perfazendo a multa o montante total de quatro mil e quinhentas patacas), e, em cúmulo jurídico, na pena única de um ano e três meses de prisão, e na multa de quatro mil e quinhentas patacas (convertível a multa em 30 dias de prisão no caso de não pagamento), suspensa a pena de prisão na sua execução por dois anos, com regime de prova do art.o 51.o do CP e sob condição de não voltar a consumir droga, veio recorrer o arguido A, aí já melhor identificado, para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar, inclusivamente, a redução da duração da sua pena de prisão do crime de tráfico de quantidades diminutas a seis a oito meses (com suspensão da execução pelo período de dois anos, com regime de prova e sujeição ao tratamento de toxicodependência), e a aplicação da pena de duas mil patacas de multa ao seu crime de detenção ilícita de estupefaciente para consumo, por entender que o Tribunal a quo ter violado sobretudo o disposto nos art.os 40.o, 64.o e 65.o do CP, aquando da medida da pena, por ele tida como exagerada e desproporcional às circunstâncias de ele ser delinquente primário, de a Ketamina detida, em 0,238 grama, ser muito diminuta, de ele ter confessado integralmente e sem reservas os factos na audiência, e ter colaborado com a investigação mesmo na fase de inquérito, e de ter demonstrado sincero arrependimento da prática dos factos (cfr. a motivação do recurso apresentada a fls. 128 a 132 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 136 a 137v) no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 163 a 163v), preconizando materialmente a manutenção da decisão recorrida.
Feito subsequentemente o exame preliminar, corridos os vistos legais, e realizada a audiência neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já descrita como provada nas páginas 2 a 3 do texto da sentença da Primeira Instância (ora a fls. 112v a 113), é de considerar a mesma como totalmente reproduzida no presente acórdão de recurso, nos termos do art.o 631.o, n.o 6, do Código de Processo Civil vigente, ex vi do art.o 4.o do actual Código de Processo Penal.
De acordo com essa fundamentação fáctica da decisão recorrida:
– em 7 de Junho de 2009, por volta de 01h55m, numa operação STOP levada a cabo pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública, a Polícia mandou parar um táxi que transportava então o arguido como passageiro;
– com consentimento do próprio arguido, a Polícia procedeu à revista dele, e encontrou um pacote de pó branco dentro da sua carteira;
– tal pó branco continha 0,238 grama líquido de Ketamina;
– o arguido deteve tal substância estupefaciente, para ser consumido por ele próprio e por gente amiga dele em conjunto;
– o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com conhecimento da natureza da substância referida, sabendo que a sua conduta era proibida por lei e punível;
– desde 2008, o arguido começou a ter hábito de consumo de droga, e está disposto a sujeitar-se ao tratamento de toxicodependência;
– o arguido tem por habilitações literárias o primeiro ano do ensino secundário, é desempregado, sem rendimentos, e não tem pessoas a cargo;
– o arguido é delinquente primário.
Outrossim, conforme a acta da audiência de julgamento feita em primeira instância, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos (cfr. em especial o teor de fl. 110v).
Segundo os dados de identificação pessoal do arguido escritos no intróito da sentença recorrida, o arguido nasceu em Janeiro de 1993 (o que está conforme com o conteúdo do Bilhete de Identidade dele, com cópia já junta aos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Da análise do teor da motivação do recurso, vê-se que o recorrente considera haver exagero na medida da pena feita pelo Tribunal a quo, especialmente na medida da pena de prisão do crime de tráfico de quantidades diminutas, sendo seu desejo também a aplicação da pena de duas mil patacas de multa ao crime de detenção ilícita de estupefaciente para consumo pessoal, em detrimento da pena de prisão, sendo certo que manifestou ele expressa concordância com a aplicação, pelo Tribunal a quo, do regime punitivo do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro, como sendo mais favorável a ele à luz do art.o 2.o, n.o 4, do CP.
Quanto à justeza da pena cumulativa de prisão do crime de tráfico de quantidades diminutas, o Tribunal a quo, dentro da respectiva moldura penal de um a dois anos de prisão prevista no art.o 9.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M, impôs ao arguido a pena de um ano e dois meses, dose concreta da pena de prisão essa que aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do CP, já não admite, no entender do presente Tribunal a quo, mais redução, mesmo que o recorrente seja delinquente primário, tenha dezasseis anos à data dos factos, a quantidade concreta de Ketamina em questão não seja grande dentro da categoria de quantidade diminuta e tenha confessado ele integralmente e sem reservas os factos, com postura colaboradora na investigação do caso.
De facto, o limite mínimo da pena de prisão em causa é de um ano, sendo líquido que in casu nem se pode atenuar especialmente a pena, devido à necessidade da pena em função das necessidades da protecção do bem jurídico ínsito no tipo legal de tráfico de quantidades diminutas.
Do exposto decorre intacta a punição principal do crime de tráfico de quantidades diminutas já decidida na sentença recorrida: um ano e dois meses de prisão e quatro mil e quinhentas patacas de multa.
Não obstante, já é de reduzir (por estar dentro da problemática da justeza da medida da pena levantada pelo recorrente) o número de dias de prisão sucedânea dessa multa.
É que o Tribunal a quo determinou que no caso de não ser paga, essa multa ficaria convertida em trinta dias de prisão. Mas, ao critério de conversão fornecido expressamente na alínea a) do art.o 6.o do Decreto-Lei n.o 58/95/M, aprovador do CP, é de passar a julgar, por ser mais equitativo, essa multa de quatro mil e quinhentas patacas convertível, no caso de não ser paga, em dez dias de prisão.
E no que ao crime de detenção ilícita de estupefaciente para consumo pessoal diz respeito, o art.o 23.o, alínea a), do mesmo Decreto-Lei prevê a sua punição ou por prisão até três meses, ou por multa de quinhentas a dez mil patacas.
Nesta parte do recurso, também não assiste razão ao recorrente, porquanto a despeito de ser ele delinquente primário, ter dezasseis anos de idade e ter confessado integralmente e sem reservas os factos do crime ora em questão, não se deve optar pela aplicação da pena de multa em detrimento da pena de prisão, precisamente porque considerando que ele começou a ter hábito de consumir droga desde 2008, não se acredita que a aplicação da multa já consiga realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a nível da prevenção especial.
Assim sendo, fica confirmado o juízo de valor já emitido em sentido convergente pelo Tribunal a quo, sendo também validada a pena de quarenta e cinco dias de prisão concretamente achada na sentença recorrida para o crime em causa (por se mostrar também justa e equilibrada em função das circunstâncias fácticas aí apuradas, e dentro da respectiva moldura penal de um a três meses de prisão – cfr. as disposições conjugadas do art.o 23.o, alínea a), do acima referido Decreto-Lei, e o art.o 41.o, n.o 1, do CP), como também intocado, aliás por força do consabido princípio da proibição de reforma para pior, o juízo de valor formado pelo Tribunal a quo no referente à substituição dessa pena de prisão por igual tempo de multa sob a égide do art.o 44.o, n.o 1, do CP.
Contudo, já é de reduzir o montante diário dessa multa, de cem para cinquenta patacas, posto que ficou provado que o arguido é desempregado sem rendimentos (art.o 45.o, n.o 2, do CP).
Por fim, e por decorrência lógica do acima analisado, é de proceder agora ao novo cúmulo das penas, nos termos ditados no art.o 71.o, n.os 1, 2 e 3, do CP.
Estão em causa agora finalmente as punições seguintes:
– do crime de tráfico de quantidades diminutas: um ano e dois meses de prisão e quatro mil e quinhentas patacas de multa, convertível esta em dez dias de prisão no caso de não pagamento;
– e do crime de detenção ilícita de estupefaciente para consumo pessoal: quarenta e cinco dias de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de cinquenta patacas, perfazendo a multa o total de duas mil, duzentas e cinquenta patacas;
– sendo de notar que para efeito de formação da pena única, há que relevar somente a pena de um ano e dois meses de prisão, a pena de dez dias de prisão e a pena de quarenta e cinco dias de prisão, três penas componentes essas que fazem com que a moldura da nova pena única seja de um ano e dois meses de prisão a um ano, três meses e vinte e cinco dias de prisão (neste sentido, cfr. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, in DIREITO PENAL PORTUGUÊS – AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME, Aequitas e Editorial Notícias, 1993, pág. 290, os três primeiros parágrafos, à luz de cujos preciosos ensinamentos a multa provinda da “pena composta de prisão e multa” entrará na formação da pena única mediante a sua prévia conversão em dias de prisão, e a pena de prisão parcelar entretanto substituída por pena não detentiva (por exemplo, por multa) entrará na sua medida concreta inicial como pena de prisão na formação da pena única; sendo certo que no caso dos presentes autos, a multa da “pena composta” correspondente ao crime de tráfico de quantidades diminutas do arguido já se encontra concretamente convertida em dez dias de prisão nos termos especialmente previstos no art.o 6.o, alínea a), do Decreto-Lei n.o 58/95/M, de 14 de Novembro).
Assim, e ponderados em conjunto os factos provados e a personalidade do arguido neles reflectida, entende-se por justo e equilibrado passar a impor a pena única de um ano e dois meses e dez dias de prisão, suspensa ainda na sua execução por dois anos, com regime de prova e sob condição de não voltar a consumir droga (art.os 48.o, 50.o, n.o 1, e 51.o do CP), por ser de concluir que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão já consigam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, passando a condenar o arguido recorrente A:
– como autor material de um crime de tráfico de quantidades diminutas do art.o 9.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro, em um ano e dois meses de prisão e quatro mil e quinhentas patacas de multa, convertível esta, no caso de não pagamento, em dez dias de prisão;
– e como autor material de um crime de detenção ilícita de estupefaciente para consumo pessoal, em quarenta e cinco dias de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de cinquenta patacas, perfazendo o total de duas mil, duzentas e cinquenta patacas;
– e, em cúmulo jurídico, na pena única de um ano e dois meses e dez dias de prisão, suspensa ainda na sua execução por dois anos, com regime de prova e sob condição de não voltar a consumir droga.
Custas pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça.
Comunique a decisão ao Instituto de Acção Social.
Macau, 27 de Abril de 2012.
______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)

Processo nº 738/2011 (Autos de recurso penal)
Data: 27/04/2012

Declaração de voto
Salvo o devido respeito, não acompanho o douto acórdão antecedente, apenas na parte sobre a formação da pena única.

Nos presentes autos, o crime de tráfico de quantidades diminutas, praticado pelo arguido recorrente, previsto no art.9º nº1 do Decreto-Lei nº 5/91/M, de 28 de Janeiro, é punido com pena de prisão de um ano e dois meses de prisão e quatro mil e quinhentas patacas de multa, convertível esta em dez dias de prisão no caso de não pagamento.

Assim, a referida pena de multa de quatro mil e quinhentas patacas é considerado como uma pena acessória e, aplica-se o regime especial previsto no art.7º do Decreto-Lei nº 58/95/M de 14 de Novembro.

Portanto, sendo esta multa uma pena acessória, não se aplica o regime de concurso das penas principais, previsto no art.71º e 72º do Código Penal, devendo ser a mesma mantida em autónoma.

A Primeira Adjunta

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Tam Hio Wa



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