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Processo n. 58/2012 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 26 de Abril de 2012
Descritores:
- Reconvenção
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios


SUMÁRIO:

I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.

II- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).

III- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).

IV- Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante os dias de descanso anual, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).



Proc. Nº 58/2012


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.


I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$135.892,29, como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início ao termo da relação laboral entre ambos.
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Na sua contestação, a ré STDM suscitou a excepção de prescrição e, deduziu impugnação.
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Foi na oportunidade proferido despacho saneador, o qual julgou prescritos os créditos salariais anteriores a 21/04/1991.
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Não houve recurso desse despacho por nenhuma das partes.
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Prosseguiram os autos os seus normais trâmites, vindo a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a STDM a pagar ao autor a indemnização de Mop$2.880,00, acrescida de juros legais.
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É dessa sentença que, inconformado, ora recorre jurisdicionalmente o autor da acção, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“A. Com interesse para a caracterização da parte variável da remuneração como salário do A. ficaram provados os factos indicados nas alíneas B) a G), J) e K) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.º,6.º a 9.º da Base Instrutória.
B. A quase totalidade da remuneração do A. era paga pela Ré a título de rendimento variável (cfr. nas alíneas B) a G), J) e K) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.º, 6.º a 9.º da Base Instrutória), o qual integra o salário.
C. Ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, o legislador de Macau recortou o conceito técnico jurídico de salário nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL.
D. É o salário tal como se encontra definido nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL que serve de base ao cálculo de inúmeros direitos dos trabalhadores, designadamente do acréscimo salarial devido pelo trabalho prestado nos períodos de descanso obrigatório.
E. A interpretação destas normas não deverá conduzir a um resultado que derrogue, por completo, a sua finalidade, a qual consiste em fixar, de forma imperativa, a base de cálculo dos direitos dos trabalhadores.
F. A doutrina invocada na douta sentença recorrida não serve de referência no caso “sub judice” por ter subjacente diplomas (inexistentes em Macau) que estabelecem o salário mínimo, e definem as regras de distribuição pelos empregados das salas de jogos tradicionais dos casinos das gorjetas recebidas dos clientes.
G. Em Portugal quem paga as gorjetas aos trabalhadores dos casinos que a elas têm direito não é a própria Concessionária, que nunca tem a disponibilidade do valor percebido a título de gorjetas, mas as Comissões de distribuição das gratificações (CDG), as quais, sendo distintas e autónomas da empresa concessionária são moldadas como entidades equiparáveis a pessoas colectivas, sujeitas a registo, com sede em cada um dos casinos.1
H. Ao contrário, em Macau, quem paga aos trabalhadores a quota-parte a que eles têm direito sobre o valor das gorjetas é a própria concessionária que o faz seu, e não a comissão responsável pela sua recolha e contabilização.
I. O primitivo carácter de liberalidade das gorjetas diluiu-se no momento e na medida em que as gorjetas dadas pelos clientes não revertiam directamente para os trabalhadores mas, ao invés, eram reunidas, contabilizadas e distribuídas pela Ré, segundo um critério por ela fixado (alínea B) dos Factos Assentes).
J. Distribuição essa, sublinhe-se, que, como ficou provado, era feita por todos os trabalhadores da Ré e não apenas por aqueles que contactavam com os clientes - nas alíneas B) a G), J) e K) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.º,6.º a 9.º da Base Instrutória.
K. No caso dos autos, as gorjetas que se discutem não pertencem aos trabalhadores a quem são entregues pelos clientes dos casinos (nas alíneas B) a G), J) e K) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.º,6.º a 9.º da Base Instrutória).
L. Estas gorjetas pertencem à Ré que com elas faz o que entende, nomeadamente o especificado alíneas B) a G), J) e K) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.º, 6.º a 9.º da Base Instrutória.
M. A Ré tinha o dever jurídico de pagar ao A. quer a parte fixa, quer a parte variável da remuneração do trabalho (alínea B) a G), J) e K) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.º,6.º a 9.º da Base Instrutória).
N. O pagamento da parte variável da retribuição do A. - que corresponde à quase totalidade da contrapartida do seu trabalho - traduziu-se numa prestação regular, periódica, não arbitrária e que sempre concorreu durante todo o período da relação laboral para o orçamento pessoal e familiar do trabalhador (Quesitos 10.º a 17.º da Base Instrutória).
O. Tais gratificações sendo de montante superior à remuneração-base são tidas como parte integrante da retribuição, dada a sua regularidade e o seu carácter de permanência, independentemente de quem as atribua.2
P. Assim, nos termos do disposto nos artigos 7.º, b) e 25.º, n. º 1 e 2 do RJRL, a parte variável da retribuição do A. deverá considerar-se como salário para efeitos do cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de dispensa e descanso obrigatório.
Q. As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos e, em especial as auferidas pelo A. durante todo o período da sua relação laboral com a Ré, em ultima ratio devem ser vistas como «rendimentos do trabalho», porquanto devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não necessariamente como correspectivo dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que, na sua base, é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho.
R. Acaso se entenda que o salário do A. não era composto por duas partes: uma fixa e uma variável, então o mesmo será manifestamente injusto - porque intoleravelmente reduzido ou diminuto - e, em caso algum, preenche ou respeita os condicionalismos mínimos fixados no Regime Jurídico das Relações Laborais da RAEM, designadamente nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 desse diploma.
S. De tudo quanto se expôs resulta que, a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, na parte em que não aceita que a quantia variável auferida pelo A. durante toda a relação de trabalho com a Ré seja considerada como sendo parte variável do salário do A., terá feito uma interpretação incorrecta do disposto nos artigos 5.º; 7.º, n.º 1, al. b); 25.º; 26.º e n.º do art. 27.º todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
T. Nesta parte, a douta sentença deve ser alterada com as legais consequências, designadamente no que respeita à base de cálculo e ao cômputo da indemnização pelo trabalho prestados nos períodos de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
U. Os croupiers dos casinos não são remunerados em função do volume de apostas realizadas na mesa de jogo, nem são eles que fixam o seu período e horário de trabalho, sendo-lhes vedado trabalhar quando e quanto lhes convém, conforme resulta também das alíneas L) e M) dos Factos Assentes e das respostas aos quesitos 10.º a 17.º da Base Instrutória.
V. O salário diário destina-se a remunerar os trabalhadores nas situações em que não é fácil, nem viável, prever, com rigor, o termo do trabalho a realizar, como sucede, e.g., nas actividades sazonais, irregulares, ocasionais e/ou excepcionais, bem como na execução de trabalho determinado, precisamente definido e não duradouro, ou na execução de uma obra, projecto ou outra actividade definida e temporária.
W. O salário diário é, pois, próprio dos contratos de trabalho onde a prestação do trabalho não assume carácter duradouro, o que não sucede com o desempenho da actividade de croupier, que consiste num trabalho continuado e duradouro, a que, automaticamente, corresponde o estatuto de trabalhador permanente no termo do primeiro ano de trabalho consecutivo.
X. O entendimento de que a remuneração dos croupiers da Ré, e o do A. em particular, consiste num salário diário, não ficou provado por se tratar de matéria de direito, nem se coaduna com este tipo de funções, nem com as condições de trabalho, nem com estatuto de trabalhador permanente definido no artigo 2.º, t) do RJRL), o qual pressupõe o exercício de uma determinada função dentro da empresa, de forma continuada e duradoura no tempo.
Y. Assim, a decisão relativa ao montante da compensação por descanso semanal deverá ser revogada por interpretação incorrecta do disposto nos art.os 7.º, n. º 1, al. b); 17.º, n.º 6, a), 25.º, n.º 2; e 27.º, n.º 2, todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, fixando-se esse valor em MOP$62,842.80, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 2).
Z. A decisão relativa ao montante da compensação por descanso anual dos anos de 1991 a 1994 deverá ser revogada por violação do disposto quanto ao salário nos art.º 7.º, n.º 1, al. b); 25.º, n.º 2; e 27.º, n.º 2 do RJRL, e do disposto quanto à formula de cálculo nos art.º 21.º, n.º 1, 22.º, n.º 2, e 26.º, n.º 1 do mesmo diploma, devendo fixar-se em MOP$11,122.37, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 3).
AA. A decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 2) de cálculo do montante da compensação dos restantes feriados obrigatórios remunerados deverá ser revogada por violação do disposto no art.º 20.º, n.º 1 do RJRL, fixando-se esse valor em MOP$9,810.42, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 3) e, por conseguinte, condenando-se a Ré no pagamento do valor total de MOP$83,775.59.
NESTES TERMOS, e nos demais de direito que V. Exas. se encarregarão de suprir, deverá ser revogada a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, pois só assim se fará a já costumada JUSTIÇA”.
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Respondeu a STDM que, em recurso subordinado, que foi aceite, concluiu as suas alegações do seguinte modo:

“1. Não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo que entendeu que as gorjetas oferecidas pelos clientes de casino da Recorrida não constituem remuneração ou salário do Recorrente.
2. Resulta provado nos presentes autos que o rendimento global auferido pelo Recorrente durante a vigência do seu contrato de trabalho era composto por duas partes - “uma fixa, de MOP$12,80 por dia desde o início da relação laboral e até à data da sua cessação, e outra variável, em função do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependente do espírito de generosidade destes, vulgarmente designado por gorjetas”.
3. Não se verifica na legislação de Macau qualquer especificidade que possa levar o julgador a um entendimento diverso do conceito de salário daquele que é seguido pela doutrina e jurisprudência em geral, nomeadamente a portuguesa.
4. A retribuição caracteriza-se por quatro elementos essenciais e cumulativos, a saber:
(i) é uma prestação regular e periódica;
(ii) realizada em dinheiro ou em espécie;
(iii) a que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
(iv) como contrapartida do seu trabalho.
5. As gratificações suportadas por terceiros (e não pela entidade empregadora) não constituem o salário ou a retribuição de um trabalhador porquanto não correspondem a um dever jurídico da entidade patronal perante o trabalhador, mas sim a uma liberalidade efectuada por um terceiro.
6. Um trabalhador não pode exigir judicialmente à sua entidade empregadora o pagamento de gorjetas quando não o mesmo não ocorra voluntariamente.
7. “Dar gorjetas” não cabe (nem pode caber) à Recorrida, não se enquadrando tal prestação na relação sinalagmática típica de um contrato de trabalho e não sendo a Recorrida obrigada a substituir-se ao Cliente que não deu uma gorjeta ou deu uma gorjeta de menor valor.
8. O pagamento de gorjetas não tem carácter de obrigatoriedade.
9. Afirmar o contrário poderá levar ao extremo de, deixando os Clientes de casinos da Recorrida de “dar gorjetas”, os trabalhadores virem exigir desta o pagamento de uma quantia que não existe, que não tinha carácter de obrigatoriedade, que a Recorrida não tinha recebido por qualquer forma ou meio e da qual não podia, mesmo querendo, dispor.
10. É pacífico o entendimento de que as gorjetas dadas por terceiros aos empregados de casino não constituem retribuição ou salário porquanto não correspondem a uma prestação do empregador, mas sim de um terceiro, e não são juridicamente obrigatórias, tendo uma natureza eventual.
11. Estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por terceiros, estas dependem do seu recebimento do animus donandi desses terceiros, aos quais a Recorrida é alheia e que são estranhos à relação jurídico-laboral estabelecida entre A. e R., só se pode entender que tais quantias não constituem salário.
12. Atenta a factualidade provada nos autos, o contexto normativo e a doutrina existente, a verdade é que a Recorrida nada mais era do que uma intermediária, que apenas geria o dinheiro das gorjetas e, na ausência de regulamentação legislativa, criou as linhas orientadoras para a sua distribuição por todos os seus trabalhadores.
13. O mero facto de haver um processo de distribuição das gorjetas definido pela Recorrida - quando não existe um procedimento definido por lei - não pode implicar a descaracterização das mesmas enquanto gorjetas.
14. Dispõe o n.º 1 do art. 25.º do RJRTCT que os trabalhadores têm direito a um salário justo pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, conceito que se encontra plasmado em outros normativos legais, nomeadamente na al. b) do n.º 1 do art. 7.º e no n.º 2 do art. 27.º do RJRTCT, no art. 23.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no art. 7.º do Pacto sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, tendo como base a dignidade da pessoa humana.
15. Se em países como Portugal - e mais recentemente na RAEHK - existe um quantitativo imposto por lei como retribuição mínima garantida, em Macau o salário é fixado sempre por acordo entre empregador e trabalhador.
16. Há que olhar para cada relação laboral individualmente e, in casu, analisar em concreto a situação do Recorrente.
17. O Recorrente acedia a uma atribuição patrimonial muito elevada em virtude de trabalhar para a Recorrida, sendo-lhe garantida uma simbólica retribuição fixa, mas uma importante oportunidade de ganho, que efectivamente se concretizava.
18. O rendimento total do Recorrente decorrente da execução do seu contrato de trabalho com a Recorrida é um salário justo para efeitos do n.º 1 do art. 25.º do RJRTCT.
19. Andou bem o Tribunal a quo ao considerar, tal como o Tribunal de Última Instância da RAEM o tem vindo a fazer, que as gorjetas recebidas pelos empregados de casino, em Macau, não fazem parte do salário.
20. Não merece qualquer censura a fórmula de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apurar os montantes eventualmente devidos ao Recorrente.
Por outro lado, conclui-se também, em relação ao Recurso Subordinado ora apresentado do seguinte modo:
21. Assim, na eventualidade de vir a ser confirmada a obrigação de indemnizar o Recorrente, devem ser aplicadas as seguintes as fórmulas para o cálculo do quantum indemnizatório a título de trabalho em dias de descanso anual:
i. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (porque uma parcela já foi paga);
ii. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x2 (porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o A. de gozar quaisquer dias de descanso);
iii. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o A. de gozar quaisquer dias de descanso).
22. Caso assim não se entenda, devem ser aplicadas as fórmulas adoptadas nos Acórdãos do Tribunal de Última Instância proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente;
23. Conforme resulta da posição defendida e mantida pela ora Recorrente Subordinada nestes autos, não merece qualquer censura a fórmula de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apurar os montantes putativamente devidos ao ora Recorrido Subordinado, na parte em que a mesma faz relevar para efeito do cálculo apenas a remuneração fixa (ou base) deste.
24. No entanto, atenta a factualidade assente nos autos e o Direito ao qual é subsumível tal factualidade, andou mal o Tribunal a quo quando determinou os multiplicadores aplicáveis ao cálculo do quantum indemnizatório a título de descansos anuais.
25. Assim, na eventualidade de vir a ser confirmada a obrigação de indemnizar o ora Recorrido Subordinado, devem ser os seguintes os multiplicadores aplicáveis na fórmula destinada ao cálculo do quantum indemnizatório:
iv. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (porque uma parcela já foi paga);
v. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x2 (porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o A. de gozar quaisquer dias de descanso);
vi. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o A. de gozar quaisquer dias de descanso).
26. Caso assim não se entenda, devem ser aplicadas ao referido cálculo as fórmulas adoptadas nos Acórdãos do Tribunal de Última Instância proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
27. Salvo melhor entendimento e posições doutrinais e jurisprudenciais em contrário, a ora Recorrente subordinada entende que não se encontra em mora relativamente a quaisquer compensações enquanto o crédito reclamado não se tomar líquido, com o trânsito em julgado da decisão condenatória, e que ainda que “apenas pela ré [fosse] interposto [recurso] e [este] [viesse] a ser julgado improcedente ou não a [viesse] a condenar a pagar [uma] quantia inferior”, os juros só seriam devidos a partir do trânsito em julgado de uma eventual decisão condenatória que a final viesse a ser proferida.
28. É que, como se sabe, nos termos do disposto no número 4 do artigo 794º do CC, se o crédito for ilíquido não há mora enquanto não se tomar líquido e, no entendimento da ora Recorrente subordinada, tal iliquidez não lhe é imputável.
29. Quanto à natureza ilíquida do crédito não restam dúvidas, pois logo na P. I. e na Contestação, A. e R. deixaram bem patente que não estão de acordo quanto ao quantum de um montante indemnizatório eventualmente devido.
30. Quanto à origem de tal iliquidez, resulta claro que a mesma reside na diferente interpretação que as partes (e o próprio Tribunal a quo, necessariamente) fazem das normas jurídicas aplicáveis ao caso dos autos, não devendo a aqui Recorrente subordinada ser prejudicada por contestar e defender-se dos processos jurisdicionais que contra si lhe são movidos pelos AA., nas respectivas lides.
31. Assim, em qualquer caso, considerando que a aqui Recorrente subordinada e o ora Recorrido subordinado, não estão de acordo quanto ao quantum indemnizatório eventualmente devido, este apenas se toma líquido com o trânsito em julgado da decisão condenatória.
32. E porque o montante da indemnização apenas foi definido no âmbito da presente acção, aquele só poderá ser considerado líquido com trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo,
33. Como pacificamente está, há muito, assente pelo douto Tribunal recorrente, o TSI.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o recurso apresentado pelo Recorrente ser julgado improcedente por não provado, procedendo o recurso subordinado, deste modo fazendo Vossas Excelências a habitual e costumada Justiça”.
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Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
“O A. trabalhou para a R. entre 1 de Setembro de 1986 e 28 de Janeiro de 1994. (A)
   O A. foi admitido como empregado de casino (糾察), recebendo de dez em dez dias da entidade patronal, como contrapartida da sua actividade laboral, desde o início da relação contratual até à sua cessação, duas quantias, uma fixa, no valor de MOP$ 12,80/dia, e ainda outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casino vulgarmente designado por gorjetas. (B)
   As gorjetas eram distribuídas pela entidade patronal segundo critério por esta fixado. (C)
   As gorjetas eram distribuídas por todos os empregados de casino da R., e não apenas aos que têm “contacto directo” com clientes nas salas de jogo. (D)
   Os empregados que não trabalhavam directamente nas mesas ou os que não lidavam com clientes tinham também direito a receber a distribuição das gorjetas. (E)
   Os empregados recebiam quantitativo diferente das gorjetas, consoante a respectiva categoria profissional, tempo de serviços e o departamento onde trabalha, fixada previamente pela entidade patronal. (F)
   As gorjetas eram provenientes do dinheiro recebido dos clientes dos casinos. (G)
   Dependentes, pois, do espírito de generosidade desses mesmos clientes. (H)
   Pelo que o rendimento dos trabalhadores da R. tinha um componente quantitativamente incerto. (I)
   O A. foi admitido como empregado de casino (糾察), foi expressamente avisada pela R. que era proibido guardar com quaisquer gorjetas entregues pelos clientes de casinos. (J)
   As gorjetas oferecidas a cada um dos seus trabalhadores pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas diariamente pelos seguintes indivíduos: um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar, um membro do departamento de tesouraria da R., um “floor manager” (gerente do andar) e trabalhadores das mesas de jogo, e depois distribuídas, de dez em dez dias, por todos os trabalhadores dos casinos da R. (K)
   O A. prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela R. (L)
   A ordem e o horário dos turnos são os seguintes:
1) 1º e 6º turnos: das 07h00 até 11h00, e das 03h00 até 07h00;
2) 3º e 5º turnos: das 15h00 até 19h00, e das 23h00 até 03h00 (dia seguinte);
3) 2º e 4º turnos: das 11h00 até 15h00, e das 19h00 até 23h00. (M) O A. podia pedir à R. o gozo de dias de descanso, nos quais não auferia qualquer remuneração. (N)
   Durante o período em que prestava serviço à R., o A. recebeu nos anos de 1986 a 1994 (doe. n.º2 junto com a p.i.), os seguintes rendimentos:
a) 1986 = MOP$ 12.501,00;
b) 1987 = MOP$ 46.609,00;
c) 1988 = MOP$ 49.250,00;
d) 1989 = MOP$ 66.378,00;
e) 1990 = MOP$ 71.227,00;
f) 1991 = MOP$ 77.254,00;
g) 1992 = MOP$ 78.866,00;
h) 1993 = MOP$ 79.694,00;
i) 1994 = MOP$ 5.553,00 (1º)
   O A. e a R. acordaram verbalmente, aquando da sua contratação, que o salário do primeiro fosse conforme descrito em B). (6º)
   Nele foi acordado que o A. tem direito a receber as gorjetas conforme o método vigente na sua entidade patronal. (7º)
   E foi considerado, do ponto de vista do A., o recebimento das gorjetas uma das suas expectativas da remuneração do próprio trabalhador. (8º)
   E o tal modo de pagamento (do rendimento variável) foi sempre regular e periodicamente cumprido pela R., o que se evidencia que, de ponto de vista da R., nunca deixou de considerar, quer a parte fixa quer a parte variável da remuneração do A., como contrapartida do serviço por este prestado. (9º)
   Durante a vigência da relação contratual, o A. nunca gozou os seus descansos semanais. (10º)
   Nem a R. pagou ao A. qualquer compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (11º)
   Nem a R. lhe concedeu outro dia de descanso. (12º)
   Durante a vigência da relação contratual, o A. nunca gozou os seus descansos anuais. (13º)
   Nem a R. pagou ao A. qualquer compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (14º)
   Durante a vigência da relação contratual, o A. prestou serviços nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1989, de 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1990, 1991, 1992 e 1993, bem como 1 de Janeiro do ano 1994. (15º)
   Nem a R. pagou ao A. qualquer compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (16º)
   Até ao momento, a R. ainda não procedeu ao pagamento das quantias em dívida ao A. referentes aos dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios não gozados. (17º)
   O A. era livre de pedir o gozo de dias de descanso sempre que assim o entendesse, desde que tal gozo não pusesse em causa o funcionamento da empresa da R.. (22º)”.
***
III- O Direito
1- Recurso independente do trabalhador
O que está em causa é a composição do salário, do qual a sentença recorrida excluiu as gorjetas, e as fórmulas de cálculo utilizadas na 1ª instância para cálculo do valor indemnizatório, pois o autor não se conforma com os factores aplicados na sentença.
Então, o que se discute em 1º lugar é se as gorjetas devem ou não fazer parte do salário. A sentença recorrida considerou que não; vejamos se acertadamente.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até á cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.

Ora, tal como o TSI tem dito e redito, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.

Socorramo-nos do aresto proferido neste TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
*
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 03h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, por recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06/2011, 924/2010, de 20/10/2011, por exemplo.
Significa isto que a sentença não pode manter-se e deverá ser revogada.
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2- Recurso independente e subordinado
Para a hipótese de o TSI considerar que o salário é composto também pelas gorjetas, elevando assim o valor da remuneração diária a integrar a fórmula de cálculo da indemnização, recorre subordinadamente a STDM, dirigindo a sua crítica aos factores utilizados na sentença recorrida na referida fórmula.
Esta parte, porém, na medida em que é comum ao recurso apresentado pelo autor da acção, pois também ele se insurge contra a fórmula da sentença recorrida, será apreciada conjuntamente.
Dito isto, avancemos para a atribuição da indemnização, cientes agora de que o valor médio remuneratório não é aquele que a sentença considerou (limitando-o à parte fixa do salário), mas o que resulta da soma das componentes fixa (salário base) e variável (gorjetas) que o autor da acção recebia mensalmente, e tendo presente, por outro lado, que os créditos anteriores a 21/04/1991 foram declarados prescritos (sem que tivesse havido recurso da decisão tomada no despacho saneador), o que significa que somente haveremos de considerar aqueles que se desenvolveram sob a égide do DL nº 24/89/M.

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a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 24/89/M
A sentença entendeu que o factor multiplicador era o 1 na fórmula AxBx1 (em que A é o número de dias vencidos e não gozados e B o valor do salário diário), enquanto o autor entende que deve ser o factor 2 e a STDM dá o seu apoio à sentença.
E tem razão o recorrente autor.
Com efeito, vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, e não x1, como concluiu a sentença recorrida.
Assim sendo, atendendo ao rendimento anual consignado na resposta ao quesito 1º da Base Instrutória, temos que os valores do salário médio diário são de MOP$ 214,59, 219,07, 221,37, 198,32, nos anos de 1991, 1992, 1993, 1994, respectivamente.

De modo que, a este título, a indemnização a atribuir, face ao quadro de fls. 41 e 42 da sentença recorrida (no apenso “traduções”) é aquele que a seguir se discrimina:
Ano
Nº de dias de descanso semanal
Salário médio diário
Factor:
X2
Valor da indemnização
1991
36
214,59

15.450,48
1992
52
219,07

22.783,28
1993
52
221,37

23.022,48
1994
4
198,32

01.586,56
TOTAL: 62.842,80
*
b) Descanso anual
- Na vigência do DL n. 24/89/M

São seis os dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2.

No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar” (bold nosso).

O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.

Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?

A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.

Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).

Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.

Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1.

Ora, acontece que a sentença aplicou o factor 3, com o que o recorrente concordou. Todavia, tendo a STDM recorrido da sentença subordinadamente, e defendido que o factor aplicável era o 1, somos a dar-lhe razão. A indemnização será a que resulta do mapa que segue:

Ano
Nº de dias de descanso anual
Salário médio diário
Factor:
X1
Valor da indemnização
1991
4,5
214,59

0965,65
1992
6
219,07

1.314,42
1993
6
221,37

1.328,22
1994
0.5
198,32

0099,16
TOTAL: 3.707,45
*
c) Feriados obrigatórios
- Na vigência do DL n. 24/89/M

Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.

Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao
dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior?
Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser
superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.

Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.

1ª Perspectiva (pagamento do devido)

O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).

Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.

2ª Perspectiva (pagamento do prestado)

Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.

Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário, e não 2, como o decidiu a 1ªinstância.

Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas as hipóteses, salário diário x 3, tal como o defende o recorrente trabalhador, contra o que defende a recorrente subordinada STDM, que acha dever ser o factor 1.
O que equivale a dizer que a indemnização a atribuir será a que resulta do mapa que segue:

Ano
Nº de dias de descanso semanal
Salário médio diário
Factor:
X3
Valor da indemnização
1991
2
214,59

1.287,54
1992
6
219,07

3.943,26
1993
6
221,37

3.984,66
1994
1
198,32

0594,96
TOTAL: 9.810,42

Face ao que vem de ser dito, o montante indemnizatório global é de Mop$76.360,67.
***

IV- Decidindo

Face ao exposto acordam em:

1- Conceder provimento ao recurso interposto pelo autor da acção;
2- Conceder parcial provimento ao recurso subordinado interposto pela STDM nos sobreditos termos e, em consequência,
3- Revogar a sentença e condenar a STDM a pagar a A a quantia indemnizatória de Mop$76.360,67, acrescida de juros legais calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo nº 69/2010.

Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção de decaimento.

TSI, 26 / 04 / 2012

José Cândido de Pinho
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong (com declaração de voto)





Processo nº 58/2012
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 26ABR2012

O juiz adjunto


Lai Kin Hong

1 Despacho Normativo n.º 24/89 que revogou o Despacho Normativo n.º 82/85, de 28 de Agosto junto à Contestação.
2 Vidé Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa supra citado.

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