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Processo n.º 518/2011
(Recurso Laboral)
Data: 17/Maio/2012

Recorrente: A

Recorrido: Instituto Politécnico de Macau (澳門理工學院)

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
   1. A, mais bem identificado nos autos, instaurou a presente acção de processo comum do trabalho contra
   Instituto Politécnico de Macau com domicilio em Macau, Rua de Luis Gonzaga Gomes nº 1455.
   Para tanto alegou o A. que trabalhou para o R. de 03.03.2006 a 16.10.2008 e que no período de 03.12.2007 a 14.09.2008 prestou trabalho extraordinário por não lhe ter sido permitido ausentar-se das instalação da entidade patronal durante a meia hora para refeições.
   Mais alegou que embora fosse considerado pela entidade patronal como trabalhador por turnos o A. prestava trabalho em horário fixo e não por turnos, pelo que, tendo-lhe sido pago o subsidio de turno tem o A. direito a receber a compensação pelo trabalho prestado nos dias de descansos semanal e dia de descanso complementar ou se assim não se entender o subsidio de turno referente a Março 2008 a Junho de 2008.
   Concluindo, pediu a condenação do R. a pagar ao A. a quantia de MOP$154.949,76 ou se não se entender que a natureza do trabalho é nocturna fixa a quantia de MOP$21.882,54.
   
   O R. contestou defendendoo-se por impugnação e concluindo pela improcedência da acção.
   
   Procedeu-se a julgamento e veio a ser julgada improcedente a acção.
   
    
    2. A, autor nos autos supra referenciados, inconformado com o teor da respectiva decisão, nos termos dos art.º s 110º, 111º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, dela veio interpor recurso ordinário, alegando fundamentalmente e em síntese:

     1. O recorrente não se conforma com os seguintes fundamentos expostos na decisão recorrida que foi julgado improcedente o seu pedido de compensação junto ao recorrido, relativa ao pagamento do subsídio de turno no período de Março e Junho de 2008:
     “Face ao que consta da alínea j) o A. a partir de 7 de Junho deixou de trabalhar por turnos.
     Não se alega que ao A. não tenha sido pago o subsídio de turno no período referido. Foi dado como assente que o A. recebeu o subsídio de turno.
     Destarte, por falta de fundamento, só pode nesta parte improceder, também, a acção.”
     2. Indicou-se no ponto 45 da petição inicial: “A partir de 11 de Março de 2008, o representante do réu disse que já não organizou ao recorrente a prestação de turno, pelo que, a partir daí, cancelou o seu subsídio de turno.”. Pelo que, há um erro notório no fundamento de facto segundo consta da decisão recorrida: “Não se alega que ao A não tenha sido pago o subsídio de turno no período referido”, constituindo assim a nulidade prevista no art.º 571º, al. c) do Código de Processo Civil.
     3. Por outro lado, conforme consta do facto provado K) da decisão recorrida, já se provou que “Antes de Junho de 2008 o A. prestava trabalho ora no turno diurno ora no turno nocturno”, pelo que, o recorrente tem o direito a receber o subsídio de turno prestado por si no período entre 11 de Março e 6 de Junho de 2008 que não lhe foi pago até à presente data.
     4. Na decisão recorrida só se provou que “O A. recebeu o subsídio de turno”, não tendo, contudo, o Tribunal a quo, através da audiência de julgamento, dado por provado qual o período concreto em que recebeu o subsídio de turno, nem o recorrido, através dos dados constantes dos autos e dos depoimentos prestados na audiência de julgamento pelas testemunhas, confirmado um período concreto em que tivesse pago efectivamente ao recorrente o subsídio de turno, em particular, não tinha apresentado o documento que conseguisse provar o recebimento do subsídio de turno por parte do recorrente. Nos termos do art.º 335º, n.º2 do Código Civil, compete ao recorrido o ónus da prova do facto de extinção do direito do recorrente.
     5. Sendo assim, quanto à parte dada por provada pelo Tribunal Recorrido: “A. recebeu o subsídio de turno”, uma vez que não proferiu decisão que se mostra desfavorável à parte sobre a qual recai o ónus da prova (ou seja, o recorrido), ao abrigo do art.º 335º, n.º2 do Código Civil, existe o vício de erro na apreciação da prova ou falta na apreciação dos factos considerados relevantes para a decisão.
     
    Pelo exposto, requer seja julgada procedente a motivação do recorrente, revogando assim a decisão a quo, novamente condenando o recorrido no pagamento ao recorrente dos respectivos montantes compensatórios.

    3. O Instituto Politécnico de Macau, recorrido nos autos à margem identificados, contra alega:
    (A) O Recorrido entende que a sentença revidenda julgou correctamente o referido ponto da matéria de facto, não merecendo deste modo qualquer censura.;
    (B) O Recorrente pretende convencer este Tribunal que ficou por provar, na audiência de julgamento, que o R. tivesse pago o subsídio de turno referente aos meses de Março a Junho de 2008;
    (C) A testemunha B, refere claramente que o subsídio de turno deixou de ser pago ao Recorrente quando deixou de trabalhar por turnos (Pasta "translator 1", 2.º ficheiro áudio, minuto 30 em diante);
    (D) O Tribunal a quo deu por provado que o Recorrente deixou de trabalhar por turnos a partir de 7 de Junho de 2008, entendimento que já transitou em julgado;
    (E) Como tal, o Tribunal a quo julgou correctamente ao ter declarado improcedente o pedido do Recorrente quanto ao pagamento do subsídio de turno referente aos meses de Março a Junho de 2008.
    Nestes termos, deverá o recurso interposto pelo recorrente ser julgado totalmente improcedente.
    
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
   a) O Autor e o Réu celebraram um “Contrato de Prestação de Serviços” em 02 de Fevereiro de 2006, e a partir desta data até 02 de Março de 2006, o Autor manteve, por meio de prestação de serviços, a relação de trabalho com o Réu.
   b) Durante o período entre 03 de Março de 2006 e 16 de Outubro de 2008, alterou-se a relação de trabalho entre o Autor e o Réu, tendo aquele passado a ser contratado pelo Réu para trabalhar como auxiliar, 5º escalão, que prestava 42 horas de trabalho semanais, auferindo um salário mensal correspondente ao índice 140.
   c) Em 17 de Outubro de 2008, o Réu desligou-se do serviço para efeitos de aposentação.
   d) Durante o período em que prestava serviço, o Autor foi destacado para trabalhar no interior do Pavilhão Polidesportivo do Instituto Politécnico de Macau, cabendo-lhe garantir a vigilância, disposição e a arrumação do Pavilhão Polidesportivo.
   e) O Autor foi de vez em quando colocando nos Pavilhões de Mong-Há a prestar trabalhos relativos à disposição dos equipamentos para que os estudantes pudessem aí praticar exercícios ou actividades de desporto, bem como arrumar, depois de prática de desporto pelos mesmos, os referidos pavilhões.
   f) Aquando do ingresso do Autor no serviço, foi-lhe expressamente dado conhecimento de que, para além dos referidos trabalhos, tinha que aceitar e obedecer às demais ordens e indicações impostas pelo Réu referentes à distribuição dos trabalhos e do pessoal e que estava sujeito ao horário de trabalho que lhe fosse imposto.
   g) De acordo com a distribuição dos trabalhos, os auxiliares trabalhavam em dois turnos, sendo um diurno fixo, em que o horário de trabalho semanal foi de 08H00 a 16H30 para 4 dias semanais e de 08H00 a 16H00 para 1 dia semanal.
   h) No turno onde o A. foi maioritariamente colocado a prestar trabalho o horário de trabalho era das 14H30 a 23H00 ou de 15H00 a 23H30 para 4 dias semanais e de 15H00 a 23H00 ou de 15H30 a 23H30 para 1 dia semanal.
   i) Nas referidas 42 horas de trabalho semanais do Autor estava incluído o descanso diário de meia hora para tomar refeições.
   j) A partir de 7 de Junho de 2008, o Autor prestou sempre trabalho no turno das 08.00 às 17.00 horas quatro vezes por semana e uma vez por semana das 08.00 às 16.30 horas.
   k) Antes de Junho de 2008 o A. prestava trabalho ora no turno diurno ora no turno nocturno.
   l) Após 3 de Dezembro de 2007 ambos os turnos foram alterados para os seguintes horários.
   - turno de manhã início às 8h00 e fim às 17h00, 4 dias por semana, sendo das 8h00 até as 16h30 uma vez por semana.
   - turno de manhã início às 14h00 ou às 14h30 e fim às 23h00 ou 23h30, respectivamente, 4 dias por semana, sendo que um dia por semana o turno começava às 14h30 ou às 15h00 e terminava às 23h00 ou 23h30, respectivamente, estando incluído em todos eles meia hora de intervalo para almoço.
   m) O A. recebia subsidio de turno.
   n) Ao Autor foi concedido apenas um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho no sábado (descanso complementar) ou domingo (descanso semanal).
   o) No ano de 2006, o A. trabalhou 33 dias no turno da manhã e 173 dias no turno de tarde e gozou 102 dias a título de descanso semanal, férias e feriados.
   p) No ano de 2007, o A. trabalhou 39 dias no turno da manhã e 213 dias no turno de tarde e gozou 113 dias a título de descanso semanal, férias e feriados.
   q) No ano de 2008, o A. trabalhou 99 dias no turno da manhã, 110 dias no turno de tarde e gozou 81 dias a título de descanso semanal, férias e feriados.
    III - FUNDAMENTOS
    1. Na sequência do nosso despacho de fls 360, prenunciando o não conhecimento do recurso por o valor discutido não permitir recurso da decisão proferida foram ouvidas as partes e nada foi avançado no sentido de infirmar o raciocínio que levou à sua prolação.
    Na verdade, manifestamente, o que está em causa no recurso interposto pelo recorrente A é o valor de MOP$2470,00, relativo ao pagamento de turno de Março a Junho de 2008.
    É o que resulta das alegações de recurso, não só do corpo das alegações como das conclusões de recurso. Para melhor esclarecimento veja-se o alegado nos artigos 2º, 5º e 10º.
    
    2. Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 598, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

    Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 589º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 589º).

    Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

    Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

    Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 567º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 631º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 563º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 631º, nº 2).

    3. Posto isto vamos concentrar-nos no objecto do recurso e na única questão que vem colocada.
    Prende-se ela com o pedido de compensação junto ao recorrido, como acima se disse já, relativa ao pagamento do subsídio de turno no período de Março e Junho de 2008, pedido este que foi formulado a título subsidiário, não vindo impugnado o que decidido foi quanto ao trabalho extraordinário e quanto às compensações pela prestação de trabalho em dias de descanso semanal e de descanso complementar.
    Tal pedido tem o valor de MOP$2470,00.
    
    4. Ora para que possa haver recurso é necessário satisfazer duas condições nos termos do artigo 583º do CPC: que a causa seja superior à alçada do tribunal de que se recorre, situação esta que se verifica no caso presente, pois que a acção tem o valor superior a MOP$50.000,00, valor da alçada do tribunal de que se recorre – art. 18º, n.º 1 da Lei 9/99, de 20/dez.; que a decisão impugnada seja desfavorável à pretensão do recorrente em valor superior a metade da alçada, condição esta que não se verifica, sabendo-se, como se sabe , que a alçada do tribunal recorrido.
    
    5. Face ao exposto este recurso não deixará de ser indeferido.
    Nem se diga, como diz o recorrente na sua resposta, - aquando ouvido a fim de se pronunciar sobre a decisão que então já se perspectivava -, que o recurso já fora anteriormente recebido e que esta questão também passou ao filtro do despacho liminar do Relator na 2ª Instância. É certo que o Mmo Juiz da 1ª Instância recebeu o recurso, que a questão também não foi detectada inicialmente pelo relator, mas é consabido que esses despachos não podem vincular o Tribunal Superior,1 como expressamente flui do n.º 4 do artigo 594º do CPC.
Tudo visto e ponderado, resta decidir.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em não conhecer o recurso por inadmissibilidade do mesmo.
    Custas pelo recorrente.
                  Macau, 17 de Maio de 2012,
                  João A. G. Gil de Oliveira
                  Ho Wai Neng
                  José Cândido de Pinho
1 - Como anota Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 5ª ed., 2004, 155
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