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Processo nº 131/2012
(Recurso Laboral)

Data: 31/Maio/2012

   Assuntos:
- Erro de julgamento
- Contrato de trabalho de não residentes
- Regime mais favorável decorrente de um contrato celebrado entre e empregador e uma empresa agenciadora de mão de obra
- Contrato a favor de terceiro
    
    
    SUMÁRIO :
    
    1. Não há erro de julgamento nem se devem quesitar factos não alegados na contestação quando a ré empregadora reconhece e identifica que o trabalhador foi contratado ao abrigo de um determinado contrato, pretendendo sem justificação e sem razão para qualquer superveniência vir depois dar o dito por não dito e dizer que afinal o trabalhador foi contratado ao abrigo de outro contrato, para mais se resulta até que esse contrato respeita a uma realidade diferente.
    
    2. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
    
    3. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
    
    4. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais
    
    5. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
    
    6. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
    
    7. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
    
    8. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
    
    9. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere.
    
    10. Nada obsta que da relação entre o promitente e o terceiro (agência prestadora de serviços e mão de obra), para além do assumido nesse contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).


O Relator,

               
                (João Gil de Oliveira)

Processo n.º 131/2012
(Recurso Laboral)
Data: 31/Maio/2012

RECORRENTES :
Recurso Principal
Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda.

Recurso Interlocutório
A

RECORRIDOS :
Os mesmos

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. Vêm interpostos dois recursos:
    - um recurso do despacho que aditou três quesitos à base instrutória em sede de julgamento, interposto pelo autor, o trabalhador A;

    - um segundo, da sentença proferida a final, interposto pela empregadora, Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda.
    
    2. A, autor, mais bem identificado nos autos, no primeiro recurso, alega, em síntese conclusiva:
    1. Da localização sistemática - Secção IV - Discussão e julgamento da causa - do art. 41° do Código de Processo de Trabalho, e da sua ratio legis, resulta que tão-só os factos que tenham surgido no decurso da produção da prova permitem uma ampliação da base instrutória;
    2. Porém, no caso sub judice os factos que a Ré requereu que fossem aditados à base instrutória não surgiram no decurso da produção da prova, mas antes em sede de articulados;
    3. De onde, a ampliação da douta base instrutória carece de fundamento legal e, como tal, em caso algum poderia ser admitida;
    4. Por outro lado, salvo melhor entendimento, o requerimento oralmente apresentado pela Ré, com vista à ampliação da base instrutória, configura antes um articulado superveniente destinado a modificar ou extinguir o direito do Autor, tal qual o mesmo foi apresentado na sua Petição Inicial;
    5. Porém, o conjunto de factos aditados à douta base instrutória nada têm de supervenientes porquanto, não ocorreram depois dos articulados, nem a Ré fez mínima prova de que só teve conhecimento dos mesmos depois de findar o prazo dos articulados (art. 425.°, n.º 2 do CPC) e, como tal, devem os "novos" factos aditados serem retirados da douta base instrutória, por falta de fundamento legal para o seu aditamento;
    6. Mesmo que assim se não entenda, tão-só e apenas factos controvertidos poderiam ter sido aditados à douta base instrutória (art. 433.° do CPC);
    7. Porém, atento o teor dos articulados não se vê como se poderia ter considerado como controvertidos os factos ora aditados;
    8. Bem vistas as coisas, os factos aditados à douta base instrutória nem se revelam necessários, nem são pertinentes à boa resolução do caso, tendo em conta o já aceite e confessado pelas partes em sede de articulados;
    9. E mesmo que pertinentes os factos aditados em nada se revelam necessários, porquanto não são controvertidos;
    10. No entanto, mesmo que fossem controvertidos, nunca os factos poderiam ter sido aditados à base instrutória, porque a sua junção seria extemporânea tendo em conta as mais elementares regras do direito processual civil ou laboral;
    11. Numa breve síntese, o Autor alegou ter sido trabalhador da Ré e que a sua contratação ocorreu posteriormente à celebração pela Ré de um contrato de prestação de serviços, tal qual determinava, ao tempo, o Despacho n.º 12/GM/88;
    12. O Autor requereu na sua Petição Inicial que a Ré juntasse aos autos cópia dos «contratos de prestação de serviços» celebrados com a Sociedade de XXX de Macau, Lda. e, em especial, do «contrato de prestação de serviço» e respectivos Despachos de Autorização que permitiram a importação e contratação do Autor para prestar trabalho para a Ré;
    13. Com a sua Contestação a Ré juntou o contrato de prestação de serviços n.º 4/45, sem fazer a mínima referência à existência de quaisquer outros contratos de prestação de serviço que tivesse permitido a contratação do Autor e a sua permanência na RAEM;
    14. Apenas bem mais tarde, em vésperas de audiência de discussão e julgamento, a Ré fez juntar aos presentes autos um conjunto de contratos de prestação de serviços que a mesma celebrou há mais de uma dezena de anos com a Sociedade de XXX de Macau, Limitada;
    15. Os referidos contratos sempre estiveram na disponibilidade da Ré, porquanto a mesma é uma dos seus outorgantes;
    16. A Ré requereu que os referidos contratos fossem admitidos aos presentes autos, mas nada requereu a respeito da necessidade ou conveniência de uma ampliação da base instrutória, nem muito menos do conjunto de factos que, em concreto, pretendia vir a aditar à mesma;
    17. Tão-só depois de declarada aberta a audiência, a Ré requereu que fossem aditados 10 (dez) novos factos à douta base instrutória;
    18. Ora, descontada a manifesta falta de colaboração processual por parte da Ré, sempre se deixa ver que o conjunto dos 10 (dez) factos que a Ré pretendeu ver aditada à douta base instrutória, diz respeito a matéria que já há muito o deveria ter sido suscitada, maxime em sede de defesa por excepção aquando da sua Contestação apresentada em Maio de 2009;
    19. Por outro lado, tão-só a Ré está em condições de fazer prova dos quesitos que a mesma pretendeu aditar à base instrutória;
    20. De onde, a Ré se serve dos seus "próprios erros" para em sede de audiência e julgamento conseguir o que não alegou, não contraditou ou não apresentou em sede de Contestação;
    Mas mais.
    21. Para além do aditamento de novos quesitos, a Ré requereu ainda ao Tribunal a quo que solicitasse oficiosamente aos Serviços de Migração no sentido de clarificar que contratos de prestação de serviço a própria Ré celebrou com a Agência de emprego Sociedade de XXX de Macau, Lda.;
    22. Isto é, a Ré serve-se do próprio Tribunal a quo para "lhe fazer o trabalho de casa", escudando-se no magno princípio da descoberta da verdade material;
    Ao que se diz acresce que,
    23. Para que possam ser formulados novos quesitos sobre factos não articulados pelas partes, é necessário que: a) tenham surgido no decurso da produção da prova; b) que o tribunal os declare com interesse para a decisão da causa; c) que sobre tal matéria tenha incidido discussão;
    24. Nos presentes autos, nem o primeiro, nem o terceiro dos referidos requisitos se encontra verificado e, como tal, em caso algum o facto de o tribunal a quo ter considerado que os mesmos seriam relevantes para a boa decisão da causa seria, por si só, suficiente para ter procedido à ampliação da base instrutória nos moldes em que o fez;
    25. Os três novos quesitos aditados à douta base instrutória fazem referência a matéria que jamais esteve em discussão nos presentes autos;
    26. Com efeito, dos articulados, em lugar nenhum se faz referência à existência dos contratos de prestação de serviços n.ºs 1/1 ou 14/1, ao facto de as vagas dos contratos n.º 9/92, 6/93, 2/94, 1/96 se terem fundido naqueles, ou que os mesmos foram sucessivamente renovados até 15 de Março de 2006;
    27. Se é certo que a Ré se serve do conteúdo do doc. 2, junto pelo Autor na sua Petição Inicial, para fundamentar o seu pedido, não deixa de ser estranho que a Ré somente procure extrair do mapa da DSAL o que lhe parece mais favorável;
    28. E mais grave ainda é o facto de a Ré nem sequer juntar aos presentes autos a totalidade de contratos de prestação de serviços que a mesma celebrou com a Sociedade de XXX de Macau Lda. e que constam do referido doc. 2;
    29. Ora, a junção aos autos de determinados contratos e a omissão de outros, deixa revelar a má-fé da Recorrente nos presentes autos e a sua contínua e reiterada falta de colaboração processual.
   Nestes termos, deve, em seu entender, o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser o despacho sub judice revogado e substituído por outro que indefira o aditamento de novos factos à base instrutória.
    
    Contra alega neste recurso Guardforce (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada, ré nos autos à margem referenciados, dizendo, em suma final:
    I. Veio o Recorrente interpor recurso do despacho proferido em sede de audiência de discussão e julgamento que, no seguimento de requerimento apresentado pela ora Recorrida, deferiu o aditamento de três novos factos à base instrutória.
    II. Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, em síntese, parecem ser quatro as ordens de razões que levam a Recorrente a discordar do despacho (i) falta de fundamento legal por violar o preceituado no artigo 41º do Código de Processo Trabalho, (ii) o requerimento oralmente apresentado pela ora Recorrida, com vista à ampliação da base instrutória, configura antes um articulado superveniente destinado a modificar ou extinguir os direitos do Autor, (iii) os factos aditados à base instrutória não são necessários nem pertinentes para a boa solução do caso e (iv) os três novos quesitos aditados à douta base instrutória fazem referência a matéria que jamais esteve em discussão nos presentes autos.
    III. O douto Tribunal a quo, por despacho de fls. 374, decidiu que: "Decorre do artigo 41º, n.º 1 do CPT que se no decurso da produção de prova surgirem factos que, embora não articulados, o Tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, ampliara, em conformidade, a base instrutória. Ora, os factos trazidos à discussão pela Ré através do requerimento e documentos juntos a fls. 278-298, tornam, salvo melhor opinião, relevante para a boa decisão desta causa ( ... )".
    IV. Se é certo que, ao autor cabe o ónus de alegar os factos constitutivos do direito que pretende valer na acção, ou seja, os factos que integram a causa de pedir, que ao réu cabe o ónus de alegar os factos em que baseia a sua defesa, e que o juiz, ao decidir, só pode em princípio atender a estes factos, também é certo que esse princípio não está rigidamente instituído no processo laboral, atento o vertido no número 1 do artigo 41º do Código de Processo Trabalho.
    V. Em sede de processo laboral os poderes de investigação do Juiz são mais amplos do que os estipulados em sede de processo civil, sendo que as regras contidas nos artigos 41º, n.ºs 1 e 2 e 42.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, permitem ao juiz da causa ampliar a base instrutória se no decurso da produção de prova surgirem factos que, não obstante não alegados pelas partes, sejam considerados relevantes para a boa decisão da causa, e ainda condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele.
    VI. O Juiz deve ter sempre presente que as normas processuais cumprem uma função instrumental, que não devem sobrepor-se mas sim subordinar-se ao direito substantivo, e que essa subordinação lhe impõe que faça uso deste poder-dever, até porque não existe qualquer obstáculo à ampliação da base instrutória, pois tenha ou não existido reclamação contra tal peça processual, não se forma caso julgado formal que impeça a sua alteração.
    VII. Conforme bem notou o douto Tribunal a quo tendo o Tribunal à sua disponibilidade factos relevantes, independentemente da resposta que aos mesmos venha a ser dada "o tribunal poderá apurar, sem descurar do ónus da prova, o efectivo conteúdo da relação laboral que foi estabelecida para este trabalhador não residente ..." e é disso que se ocupam os presentes autos.
    VIII. No processo laboral, o Juiz só deve terminar o julgamento quando estiver esclarecido da verdade dos factos que se afigurem necessários à solução do litígio, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, ou quando se mostrarem esgotadas todas as diligências ao seu alcance na procura dessa verdade, designadamente, exames periciais, inspecções judiciais, depoimentos de peritos e de técnicos que se mostrem necessários.
    IX. A verdade material foi proclamada como um dos valores fundamentais a prosseguir pelo processo laboral, concedendo-se por isso ao julgador amplos poderes de indagação oficiosa da verdade, quer recorrendo a meios de prova mesmo que não tenham sido requeridos, quer através da possibilidade de alargamento da base instrutória, mesmo a factos não alegados, desde que se mostrem relevantes para a decisão da causa e sobre eles tenha sido exercido o direito de contraditório, conforme resulta do artigo 41.º n.º 1 do CPT.
    X. Foi em cumprimento deste princípio e sempre sob a égide da descoberta da verdade material que o douto Tribunal a quo veio ampliar a base instrutória aditando três novos quesitos, não merecendo assim qualquer censura a douta decisão recorrida, e não se compreende, porque o Recorrente se opõe tão veementemente à ampliação da base instrutória e à consequente descoberta da verdade.
    XI. Os factos cujo aditamento se requereu, e que mereceu provimento parcial do douto Tribunal a quo, decorrem dos elementos probatórios juntos aos autos pelas partes, nomeadamente o documento número 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial, bem assim dos documentos juntos pela Ré através do requerimento datado de 07/09/2011 (após a designação da data para o julgamento), os quais, aliás o próprio Recorrente havia requerido que fossem juntos aos autos pela Recorrida, documentos esses que não foram impugnados pelas partes e sobre os quais as mesmas tiveram possibilidade de se pronunciar.
    XII. O Recorrente formulou um pedido com expressão numérica e monetária e que se encontra impugnado, sendo que a prova desse pedido (e desses valores) terá que ter em consideração elementos de prova dos quais se atinja o mesmo, pelo que, se se vier, o que não se concede, a considerar que a Recorrida está obrigada a pagar ao Autor valores resultantes do contrato de prestação de serviços celebrado entra a Ré e a Agência de Emprego e ao abrigo do qual foi inicialmente contratado, a única prova existente apenas poderá titular valores no período da sua vigência, ou seja, um ano.
    XIII. Como se apurou que o Autor foi contratado ao abrigo do contrato de prestação de serviços 45/94, contrato esse que "vigorará pelo período de 1 ano renovável por igual período mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo do Território, a obter até 3D dias antes do seu termo;" (cfr. Cláusula 11.1 do documento n.º 2 junto pela Ré na contestação.),
    XIV. Não se encontrando provado e nem alegado que o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor foi inicialmente contratado se renovou, não pode o Tribunal, em violação da Lei e da experiência, extrapolar o prazo de duração desse contrato e condenar a Ré com base na simples alegação, necessitando ao invés de título do qual resulte essa pretensa obrigação.
    XV. Sendo os factos (e a sua correlação com os documentos) insuficientes para suportar o pedido, impunha-se, não havendo oposição da Recorrida, que requereu, ampliar a base instrutória por forma a permitir a descoberta dessa verdade obscura de saber que contratos de prestação de serviços afinal vigoraram durante o período que o Recorrente esteve ao serviço da Recorrida e que valores os mesmos reflectem.
    XVI. O Autor, ora Recorrente, pretende impor aos Tribunais que façam de conta que o primeiro contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrida e a Agência de Emprego e ao abrigo do qual foi inicialmente contratado vigorou ad eternum, em manifesta contradição com o seu texto.
    XVII. Andou bem, por isso, o Tribunal a quo ao aditar os novos quesitos à base instrutória, tentando, se possível, descobrir, com base nos elementos disponíveis e os demais que forem necessários, se existem, para além do primeiro contrato que teve a duração de um ano, algum outro que titule uma qualquer diferença remuneratória e que mereça (ou não, como pugna a Recorrida) tutela jurisdicional em benefício do Autor.
    XVIII. Nos termos do artigo 41.º, n.º 1 do CPT, a ampliação da base instrutória não necessita de ser decorrente do surgimento de factos supervenientes, mas sim de factos relevantes e até ao momento permanece por explicar: se os diversos contratos de prestação de serviço não são relevantes, porque razão o Recorrente pediu a junção dos mesmos em sede de articulados.
    XIX. O resultado da pretensão do Autor é abstrusamente contra o interesse do mesmo, tanto que a proceder a tese do Autor, deverá ser proferida decisão que determine o uso do contrato que o Autor invoca mas apenas no seu período de vigência, ou seja, 1 ano, devendo a Recorrida ser absolvida no período excedente.
    XX. Aliás, quanto à relevância dos novos factos aditados, o Recorrente, certamente por falta de argumentos, preferiu invocar aqui questões de necessidade e pertinência que se colocam quanto à junção "tardia" de documentos e não quanto à relevância de factos a aditar à base instrutória!
    XXI. O requerimento de ampliação da base instrutória apresentada pela Recorrida não se trata de um articulado superveniente destinado a modificar ou extinguir o direito do Autor e nem os factos aditados à base instrutória se reputam desnecessários ou impertinentes, antes se revelam manifestamente relevantes à boa resolução do caso, tendo em conta a posição assumida pelas partes em sede de articulados, e o teor do facto dado como assente na alínea D) dos factos assentes, e, resultando os factos ora aditados de documentos juntos aos autos, tiveram as partes possibilidade de sobre os mesmos se pronunciarem.
    XXII. A determinação de novas diligência de prova na sequência da ampliação da base instrutória encontra suporte legal no n.º 2 do artigo n.º 41.º do CPT, pelo que quanto a este ponto também não merece reparo a decisão do douto Tribunal a quo.
    Nestes termos, pede, deve o presente recurso ser julgado improcedente e, consequentemente, ser determinada a manutenção do douto despacho recorrido.
    
    3. No segundo recurso da decisão final, a ré Guardforce (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada, alega em síntese conclusiva:
    I. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, em 30 de Novembro de 2011, e pela qual foi a ora Recorrente condenada a pagar ao Autor, ora Recorrido, os seguintes montantes:
    - MOP$94,420,00 a título de diferenças salariais;
    - MOP$23,297.95 a título de diferença retributiva por trabalho extraordinário;
    - MOP$68,325.00 a título de subsídio de alimentação;
    - MOP$54,720.00 a título de subsídio de efectividade;
    - MOP$8,820.00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
    - juros moratórios sobre cada uma das aludidas quantias, à taxa legal a contar do trânsito em julgado desta sentença.
    II. O Autor, ora Recorrido, foi efectivamente contratado pela Ré, ora Recorrente, em Dezembro de 1995 ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços 45/94 celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de XXX de Macau, Lda., contrato de prestação de serviços que tinha um prazo de vigência de 2 anos, renovável por igual período mediante o acordo das partes e precedente acordo do Governo.
    III. Nos presentes autos não se apurou se o contrato de prestação de serviços 45/94 ao abrigo do qual o Autor foi inicialmente contratado, decorridos os dois anos pelo qual foi celebrado, foi ou não renovado, por quantas vezes, e até quanto vigorou.
    IV. Sem prova de tal facto, o douto tribunal a quo apenas poderia ter tido em conta a duração prevista em tal contrato, não a extrapolando e dando também como provado que esse contrato, com as condições salariais nele inicialmente previstas, justificou a subsistência do vinco laboral que ligou a Recorrente ao Recorrido por mais de 10 anos.
    V. A decisão é em si mesma contraditória porquanto parte de um contrato de prestação de serviços com uma duração limitada de dois anos, para fundamentar a preterição do pagamento de quantias que com base nesse mesmo o Autor teria direito durante os 13 anos que durou a relação laboral.
    VI. O facto constante do ponto 4) da fundamentação fáctica da decisão reporta-se a matéria que intrinsecamente é incompatível com o período de trabalho a que a sentença se reporta, pelo que a sentença padece de nulidade, nos termos do 571 nº 1 al. c) do C.P.C., por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão.
    VII. O Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro não constitui a fonte das normas especiais que regem as relações laborais que se estabeleçam entre empregadores de Macau e trabalhadores não residentes, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º24/89/M.
    VIII. As normas específicas constantes do Despacho n.º12/GM/88 regulam apenas o procedimento administrativo para admissão em Macau de trabalhadores não residentes e não determinam um regime jurídico regulador das relações laborais que se estabeleçam entre o empregador e um trabalhador não residente, porquanto, tratando-se de um Despacho, nos termos do então vigente Estatuto Orgânico de Macau, o mesmo foi proferido pelo Governador no âmbito das suas funções executivas, (cfr. artigo 16.º, n.º 2 do Estatuto Orgânico de Macau).
    IX. O Despacho do Secretário para a Economia e Finanças mais não é do que um acto administrativo proferido no âmbito do procedimento previsto no Despacho 12/GM/88, de 01 de Fevereiro.
    X. O Despacho 12/GM/88 estabelece um processo e um conjunto de condições administrativas para efeitos de obtenção de autorização de contratação de mão-de-obra estrangeira que culmina na prolação de um Despacho de Autorização, mas deste processo e condições administrativas não resulta a obrigatoriedade para a Requerente de contratar em determinadas condições, uma vez que o diploma em apreço carece da imperatividade subjacente ao direito do trabalho.
    XI. E, ainda que resultasse de tais condições administrativas aquela obrigatoriedade, por estarmos perante um puro processo administrativo, também as consequências da sua violação se poderiam apenas reflectir no campo administrativo, não tendo qualquer reflexo na relação contratual de trabalho celebrada entre a Recorrente e o Recorrido.
    XII. Face à natureza jurídica do Despacho 12/GM/88 não poderá o mesmo, ou qualquer acto administrativo ao abrigo do mesmo praticado, coarctar a liberdade contratual das partes, e gerar na esfera jurídica de qualquer delas direitos ou deveres que não tenham sido livre e reciprocamente acordados.
    XIII. Nem as normas do Despacho n.º 12/88/GM, que o douto Tribunal a quo considerou tratarem-se das normas especiais a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei 24/89/M, de 03 de Abril, e nem as condições constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de XXX de Macau, Lda. e sobre o qual recai o Despacho de Aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, são passíveis de regular o conteúdo das relações laborais que se venham a estabelecer na sequência da contratação autorizada.
    XIV. A relação laboral que se estabeleceu entre a ora Recorrente e o Recorrido rege-se somente pelo princípio da liberdade contratual, princípio esse que foi devidamente observado aquando da celebração do contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido, o qual foi integralmente cumprido pela ora Recorrente.
    XV. A Sentença ora em recurso padece do vício de erro na aplicação do direito, tendo incorrectamente interpretado e aplicado as disposições constantes do Despacho n.º12/GM/88, de 01 de Fevereiro, sendo que deveria ter considerado que tal diploma legal, ou qualquer acto ao abrigo do mesmo praticado, não constitui o regime especial regulador da relação laboral que se estabeleceu entre a Recorrente e o Recorrido (entidade empregadora de Macau e trabalhador não residente).
    XVI. Não obstante o devido respeito pelo entendimento que vem sendo sufragado por este douto Tribunal ad quem, e que é também invocado na sentença em recurso, a ora Recorrente não pode deixar de discordar com a classificação como contrato a favor de terceiro do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de XXX de Macau, Lda.
    XVII. Na verdade, conforme consta do também douto Acórdão 1026/2009 de 15 de Dezembro de 2009 proferido por este douto Tribunal de Segunda Instância: "[ ... ] Voltando ao caso dos autos a Ré/Recorrente é parte do referido contrato de prestação de serviços, mas o Autor (...) desta acção não é parte do mesmo, como talo contrato não o vincula, por força do disposto no artigo 400º/2 do CCM (correspondente ao artigo 406º/2 do CC de 1996), que prescreve: "2. Em relação a terceiros o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei." ( ... ) tal contrato não é convenção colectiva de trabalho, muito menos acordo tipo que vincula os trabalhadores ( ... ) Aliás, o contrato de trabalho individual assinado pelo Autor, em lado nenhum remete para o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e o terceiro [ ... ]"
    XVIII. À celebração do referido contrato de prestação de serviços não está, nem nunca esteve, subjacente a criação de direitos/deveres na esfera jurídica de outrem que não os seus originais outorgantes, sendo que a aprovação administrativa a que foi sujeito não lhe conferiu tal virtualidade.
    XIX. Por força do contrato a favor de terceiro, e segundo a definição legal e doutrinal, o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não a de celebrar um outro contrato.
    XX. Através do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de XXX de Macau, a ora Recorrente não se obrigou a prestar ou atribuir a um terceiro uma vantagem patrimonial imediata, mas antes a celebrar um outro contrato, concretamente, de trabalho, ao abrigo do qual nasceriam na esfera jurídica do terceiro não só direitos, mas também obrigações, como seja a prestação de trabalho e todas as demais inerentes à relação laboral.
    XXI. Não resultam dos autos quaisquer elementos que permitissem concluir que os contra entes ou seja a Recorrente e a Sociedade de XXX de Macau - agiram com a intenção de atribuir directamente ao Autor uma vantagem patrimonial, intenção essa que constitui um elemento essencial do contrato a favor de terceiro e que permite ao este mesmo terceiro exigir o cumprimento da promessa.
    XXII. De contrário, sempre se estará perante uma figura próxima, mas distinta do contrato a favor de terceiro, como será o caso dos contratos a que a doutrina alemã denomina de autorizativos de prestação a terceiro, em que, apesar de a prestação se destinar ao terceiro beneficiário, este não adquire a titularidade dela, isto é, não assume a posição de credor e por conseguinte não pode exigir do obrigado a satisfação da prestação.
    XXIII. Assim, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de XXX de Macau vincula apenas as partes contratantes, não podendo beneficiar directa ou indirectamente o Autor, e não tem interferência na validade e eficácia do contrato celebrado entre este e a Recorrente, nem no seu concreto conteúdo.
    XXIV. Em todo o caso, e ainda que V. Exas. entendam que o contrato de prestação de serviços 45/94 ao abrigo do qual o Autor, ora Recorrido, foi inicialmente contratado pela Recorrente é fonte do direito reclamado pelo Autor, (quer por força do Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro, ou por se tratar de um contrato a favor de terceiro), sempre se diga que da factualidade apurada em sede dos presentes autos e transcrita na decisão sob Recurso não é permitido concluir-se que o contrato de prestação de serviços 45/94, com um prazo de validade de 2 anos, ao abrigo do qual o Autor, Recorrido, foi contratado em 12 de Dezembro de 1995, foi renovado sucessivamente por iguais períodos até ao ano de 2008.
    XXV. A simples previsão da possibilidade de renovação, sujeita ao acordo das partes e à aprovação do Governo, não permite, salvo devido respeito por melhor opinião, ao douto Tribunal a quo presumir, sem base legal que lho permitisse, que o contrato de prestação de serviços 45/94, ou qualquer outro mencionado na decisão recorrida, foi sendo objecto de renovações sucessivas até Maio de 2008.
    XXVI. A ora Recorrente não confessou que foi um e só um contrato de prestação de serviços, o mesmo que esteve na base da contratação inicial do Autor, que fundamentou a manutenção da relação laboral entre as partes desde Dezembro de 1995 e 31 de Maio de 2008, e nem que tenha sido um dos contratos mencionados no ponto 3) da fundamentação de facto da sentença recorrida a fundamentar a manutenção de tal vinculo laboral.
    XXVII. O Autor não alegou ter estado todos os anos que durou a relação laboral ao abrigo de um único contrato de prestação de serviços, limitando-se a alegar que foi contratado ao abrigo de um deles e procurando estender as cláusulas desse contrato a todo o período da relação laboral, não tendo produzido qualquer prova de que assim tenha sido, prova essa que lhe cabia, por invocar tal contrato como fonte do seu direito, e que não fez.
    XXVIII. O teor da factualidade apurada e transcrita na decisão sob recurso é o espelho dessa falta de prova, sendo visível o esforço argumentativo avançado pelo douto Tribunal a quo para justificar a condenação da Ré, ora Recorrente, a pagar ao Autor diferenças salariais durante todo o período que durou a relação laboral uma vez que não se retira de nenhum ponto da matéria de facto apurada que o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor foi inicialmente contratado tenha sido objecto renovações até 31 de Maio de 2008.
    XXIX. Ao beneficiário de um contrato a favor de terceiro ou aceita ou não aceita o beneficio que lhe é concedido, não lhe sendo lícito extrapolar o período pelo qual lhe foram atribuídas as vantagens previstas nesse contrato e nem modificar os termos em que a mesma foi feita, caso não prove que a promessa foi renovada, em que termos foi renovada e por que período adicional o foi.
    XXX. Assim, na falta de prova da renovação da promessa de atribuir ao Autor, por um período de 2 anos, as condições mencionadas no referido contrato de prestação de serviços, o direito do Autor, ora Recorrido, a ver-lhe atribuídos tais condições/benefícios apenas se contém dentro de tal período pelo qual foi realizada a promessa, nos seguintes valores MOP$12,000.00 a título de diferenças salariais, MOP$4,745.00 a título de diferenças salariais referentes ao trabalho extraordinário, MOP$5,475.00 por conta do subsidio de alimentação e MOP$4,320.00 a título de subsidio de efectividade, tudo no total de MOP$26,540.00 (vinte e seis mil, quinhentas e quarenta patacas).
    XXXI. Pelo que, ao ter extrapolado as condições da promessa de que o Autor era beneficiário, nomeadamente, extravasando largamente o período temporal pelo qual os benefícios prometidos o foram, o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 437.º e 438.º, ambos do Código Civil.
    Nestes termos entende dever o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deverá ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo e substituída por acórdão que absolva a ora recorrente do pedido, ou,
    Caso assim se não entenda, o que por mera cautela de patrocínio concede, deve a sentença em recurso ser revogada e substituída por acórdão que condene a ora recorrente a pagar ao recorrido o montante global de MOP$26,540.00 (vinte e seis mil, quinhentas e quarenta patacas).
    
    A, autor, contrapõe, em suma:
    1. É estranho que a Recorrente venha, de novo, e em sede de recurso, procurar questionar acerca da validade ou do limite temporal dos contratos de prestação de serviços por si outorgados com vista à importação de mão-de-obra não residente e, in casu, com vista à contratação do Recorrido, visto que, em momento próprio, a Recorrente nada conseguiu demonstrar a este respeito e nada mais se apurou para além da realidade já dada como assente pelo Tribunal a quo aquando da selecção da matéria de facto;
    2. Ademais, em momento nenhum a Recorrente questionou o facto de o contrato de prestação de serviços n.º 45/94 não ter sido reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e de aprovação por parte da entidade competente, a pedido da própria Recorrente, ou a seu mando, enquanto única entidade interessada na sua renovação;
    3. Ou melhor, o que resulta da matéria provada é que o contrato de prestação de serviços n.º 45/94 foi sucessivamente apresentado pela Recorrente junto da entidade competente, maxime junto da DSTE, para efeitos de contratação e renovação de mão-de-obra não residente;
    4. Por outro lado, sabido que a renovação do contrato de prestação de serviços teria de ser requerida mediante acordo das partes, in casu entre a própria Recorrente e a Sociedade de XXX Lda., salta à vista que o ónus de prova quanto à existência ou não existência de renovações ao contrato de prestação de serviço supra referido caberia à Recorrente e nunca ao Recorrido;
    5. Certo é que, em momento nenhum a Recorrente conseguiu demonstrar que as condições pelas quais o Autor/Recorrido havia sido contratado se haviam modificado ou mesmo extinto, ou que os contratos de prestação de serviços por si outorgados tinham sido substituídos por outros de igualou diferente conteúdo;
    6. De onde, não tendo a Recorrente praticado o acto processual em momento próprio, predudido está o direito de o praticar neste momento, porquanto a omissão de impugnação dos factos alegados pelo Autor e a sua aceitação expressa pela Recorrente, conforme ocorreu nos presentes autos, obstam a que estas questões sirvam agora de fundamento em sede de recurso jurisdicional;
    7. A não se entender assim, serão beliscados todos os mais elementares princípios que dão corpo ao nosso Processo Civil (Princípio do dispositivo, Princípio do contraditório, Princípio da cooperação e Princípio da preclusão).
    Ao que acresce que,
    8. Ao contrário do que avança a Recorrente, o Despacho n.º12/GM/88, de 1 de Fevereiro é, efectivamente, um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, definindo imperativamente um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à mesma contratação (cfr., neste sentido, entre muitos outros, o Ac. do TSI, de 6 de Janeiro de 2010, (Proc. n.º 739/2009);
    9. De onde, em matéria de conteúdos mínimos (quais sejam, entre outros "designadamente" - os indicados na al. d) do n.º 9 do Despacho n.º 12), o empregador - in casu a Ré - estará sempre obrigado pela norma imperativa implícita que se infere da alínea 1. e) do n.º 9 conjugada com os n'ºs 1 e 3 do Despacho n.º12/GM/88, de 1 de Fevereiro;
    10. Assim, a Recorrente tão-só poderia ter celebrado um contrato de trabalho com o Autor, desde que o fizesse ao abrigo do Despacho n.º12/GM/88, e nas condições constantes do Despacho de autorização governativa que o procede, os quais, por seu turno, se deverão incorporar no clausulado mínimo do contrato de prestação de serviços celebrado com a Agência de Emprego (cfr., neste sentido, entre outros, o Ac. do TSI, de 2 de Junho de 2011, Proc. n.º 780/2010);
    11. A “a via do simples despacho” como forma de aprovação do Despacho n.º12/GM/88, de 1 de Fevereiro é justificada pelo próprio Governador no Preâmbulo do Diploma, afirmando que a mesma se justifica face à "extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento" e que "( ... ) se introduz por via de simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha";
    Por outro lado,
    12. Do conteúdo literal do contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Lda. resulta tratar-se de um contrato a favor de terceiros, maxime de um contrato celebrado a favor dos trabalhadores não residentes que seriam recrutados pela Sociedade de XXX de Macau Lda., e que posteriormente seriam cedidos à Ré, de entre os quais se inclui o Autor (cfr. a este respeito, entre outros, o Ac. do TSI, de 16/06/2011, Proc. n.º 779/2010 ou o Proc. n.º 69/2010);
    13. Isto mesmo tem sido, aliás, concluído de forma unânime pelo douto Tribunal de Segunda Instância, para dezenas de casos similares ao presente, ao dispor-se que: "Tendo sido celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré, estamos em face de um contrato a favor de terceiro, pois se trata de um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de XXX de Macau Lda. (promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor dos trabalhadores estranhos ao contrato (beneficiários). (Cfr. entre outros, o Ac. do TSI, de 23/06/2011, Processo n.º 69/2010);
    14. De onde, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindo-se o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrido) adquire o(s) direito(s) - ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.°, n.º 1 do C.Civil de Macau) e, em consequência, poderá exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual concluiu o Tribunal a quo;
    15. De onde se conclui que, ao contrário do alegado pela Recorrente, a douta Sentença posta em crise procedeu a uma correcta interpretação dos factos e das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação da Lei e do Direito, cuja fundamentação merece, aliás, ser louvada, pelo rigor, clareza e objectividade com que o douto Juiz do 1.° Juízo do Tribunal Judicial de Base da RAEM mostrou.
    Nestes termos, deve o recurso ser julgado improcedente.
    
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II -FACTOS
    No que ao segundo recurso concerne vêm provados os factos seguintes:
    “1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores. (A)
    2) Desde o ano de 1993, a Ré tem sido sucessivamente autorizada o contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior». (B)
    3) Desde 1992, a Ré celebrou com a Sociedade de XXX de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»: n.º 9/92, de 29/06/1992; n° 6/93, de 01/03/1993; n° 2/94, de 03/01/1994; n° 29/94, de 11/05/1994; n° 45/94, de 27/12/1994. (C)
    4) O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o "Contrato de Prestação de Serviços n.º 4/45, ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 Dezembro de 1994, de admissão de novos trabalhadores vindos do exterior. (D)
    5) Do contrato aludido em 4) resultava que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (E)
    6) A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviços» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes. (F)
    7) Entre 12 de Dezembro de 1995 e 31 de Maio de 2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de "guarda de segurança". (G)
    8) Trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (H)
    9) Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (I)
    10) Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (J)
    11) A Ré e o Autor acordaram nos termos constantes dos documentos juntos aos autos a fls. 48 a 68, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos. (K)
    12) Entre 12 de Dezembro de 1995 e 30 de Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,700.00 (muito embora constasse do contracto de trabalho assinado com o Autor que esta teria direito a auferir MOP$1,500.00). (L)
    13) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00 mensais. (M)
    14) Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais. (N)
    15) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais. (O)
    16) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais. (P)
    17) Entre 12 de Dezembro de 1995 e 30 de Junho de 1997 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora. (Q)
    18) Entre 1 de Julho de 1997 e 30 de Junho de 1999 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora. (R)
    19) Entre 1 de Julho de 1999 e 30 de Junho de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora. (S)
    20) Entre 1 de Julho de 2002 e 31 de Dezembro de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10.00 por hora. (T)
    21) Entre 1 de Janeiro de 2003 e 28 de Fevereiro de 2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.00 por hora. (U)
    22) Entre 1 de Março de 2005 e 28 de Fevereiro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora. (V)
    23) Entre 1 de Março de 2006 e 31 de Dezembro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.50 por hora. (W)
    24) O Autor só teve conhecimento do efectivo e concreto conteúdo de um «contrato de prestação de serviços» assinado entre a Ré e Sociedade de XXX de Macau, já depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), a pedido do Autor em Julho de 2008. (1.°)
    25) Entre 12 de Dezembro de 1995 e 30 de Junho de 1999, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia. (2º)
    26) Entre 12 de Dezembro de 1995 e 30 de Junho de 1997, o Autor prestou 4 horas de trabalho extraordinário por dia, durante 558 dias. (3º)
    27) Entre 1 de Julho 1997 e 30 de Junho de 1999 o Autor prestou 4 horas de trabalho extraordinário por dia, durante 730 dias. (4º)
    28) Entre 1 de Julho de 1999 e 31 de Junho de 2002 o Autor prestou 4596 horas de trabalho extraordinário. (5º)
    29) Entre 1 de Julho de 2002 e 31 de Dezembro de 2002 o Autor prestou 606 horas de trabalho extraordinário. (6º)
    30) Entre 1 de Janeiro de 2003 e 28 de Fevereiro de 2005 o Autor prestou 2521 horas de trabalho extraordinário. (7º)
    31) Entre 1 de Março de 2005 e 28 de Fevereiro de 2006 o Autor prestou 340 horas de trabalho extraordinário. (8º)
    32) Entre 1 de Março de 2006 e 31 de Dezembro de 2006 o Autor prestou 368 horas de trabalho extraordinário. (9º)
    33) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (10°)
    34) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia Ré - deu qualquer falta ao trabalho. (11°)
    35) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias. (12º)
    36) Entre 18 de Maio de 2000 e 31 de Maio de 2001 o Autor não gozou qualquer descanso semanal. (13º)
    37) Pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo. (14º)
    38) Não lhe tendo a Ré concedido um dia de descanso compensatório. (15°)
    39) Foi por declaração de vontade do próprio Autor, que durante o período compreendido entre 18 de Maio de 2000 e 31 de Maio de 2001 trabalhou voluntariamente nos dias de descanso semanal. (16°)”
    
    III - FUNDAMENTOS
    A - Recurso do despacho que aditou três quesitos à base instrutória
    1. Vem o pressente recurso interposto do despacho proferido em sede de audiência de discussão e julgamento que deferiu o aditamento de três factos à douta base instrutória apresentado pela Ré.
    2. Da decisão recorrida
    A decisão recorrida foi proferida no seguimento do requerimento apresentado pela ora Recorrida nos seguintes termos:
    “Atentos os documentos recentemente juntos pela Ré e a relevância que os mesmos assumem na presente sede, vem-se, ao abrigo do principio da descoberta da verdade material e do disposto no artigo 41º do C.P.T., requer mui respeitosamente a V. Exa. se digne ordenar a ampliação da Base Instrutória por forma a nela se incluírem os seguintes factos controvertidos:
    1. Até quando esteve em vigor o contrato de prestação de serviços 45/94 ao abrigo do qual o Autor foi inicialmente contratado?
    2. Ao abrigo de que contratos de prestação de serviços se manteve o Autor ao serviço da Ré entre 12 de Dezembro de 1995 e 31 de Maio de 2008?
    3. O contrato de prestação de serviço n.º 1/1 é para 240 TNR, para 240 vagas, foi aprovado em 15 de Janeiro de 2001 pelo prazo de um ano, renovável por igual período?
    4. O contrato de prestação de serviço n.º 14/1 é de 70 vagas e foi aprovado em 3 de Abril e 7 de Junho de 2001 com duração de um ano, renovável por igual período?
    5. As condições da remuneração dos contratos acima referidos, n.ºs 1/1 e 14/1 são iguais, o salário é por hora e corresponde a um mínimo de MOP$ 2000/ para 215 horas de trabalho por mês?
    6. As vagas dos contratos n.ºs 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 45/94, 40/94 e 1/96 fundiram nos contratos n.ºs 1/1 e 14/1, passando todos os TNR ao serviço da Ré a estar abrangidos nestes contratos?
    7. Os contratos n.ºs 1/1, 14/1, 12/4, 36/5, 9/5 e 35/5 foram sucessivamente renovados até 15 de Março de 2006 nas mesmas condições inicialmente estabelecidas?
    8. O contrato de prestação de serviço n.º 1/1 foi ainda renovado em 15 de Março de 2006 para durar até 31 de Março de 2007, e previa a utilização de 340 vagas?
    9. O contrato de prestação de serviço n.º 19/SS/2006 prevê a renovação de 100 vagas até 31 de Março de 2007 ?
    10. A partir de 15 de Março de 2006, as condições de remuneração dos contratos n.ºs 1/1 e 19/55/2006 são iguais, o salário mensal é MOP$4000 e o tempo de trabalho é 312 horas?
    11. A partir de 31 de Março de 2007, as condições de remuneração dos contratos n.ºs 1/1 e 14/55/2007 são iguais, o salário mensal é MOP$5070, incluindo a remuneração por trabalho suplementar e subsídios?
    [ ... ]
    Mais requer ao Tribunal que, uma vez que não é clarificado quais os contratos de prestação de serviços celebrados entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, se solicite aos serviços de Imigração da PSP informação do mesmo.”
    
    Após o requerido veio o douto Tribunal a quo, por despacho de fls. 374, decidir que:
    
    "Decorre do artigo 41º, n.º1 do CPT que se no decurso da produção de prova surgirem factos que, embora não articulados, o Tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, ampliara, em conformidade, a base instrutória.
    Ora, os factos trazidos à discussão pela Ré através do requerimento e documentos juntos a fls. 278-298, tornam, salvo melhor opinião, relevante para a boa decisão desta causa, a matéria que a Ré pretende introduzir através dos artigos 2º, 6º e 7º supra discriminados, uma vez que tendo tal factualidade à disposição, independentemente da resposta que tais artigos venham a merece, o tribunal poderá apurar, sem descurar as regras do ónus da prova, o efectivo conteúdo da relação laboral estabelecida para estes trabalhador não residente.
    Assim sendo determino o aditamento à Base Instrutória conferindo-lhe os seguintes quesitos 17º, 18º e 19º, assim redigidos:
    Quesito nº 17) "Ao abrigo de que contrato de prestação de serviços se manteve o Autor ao serviço da Ré entre 12 de Dezembro de 1995 e 31 de Maio de 2008?
    Quesito 18º) As vagas dos contratos n.ºs 9/92, 2/94, 2/94, 29/94, 45/94, 40/94 e 1/96 fundiram nos contratos n.º 1/1 e 14/1 passando todos os TNR ao serviço da Ré a estar abrangidos nestes contratos?
    Quesito 19º) Os contratos n.º 1/1, 14/1, 12/4, 36/5,9/5 e 35/5 foram sucessivamente renovados até 15 de Março de 2006 nas condições inicialmente estabelecidas?
    No que diz respeito aos restante factos julgamento que se trata de matéria que decorre da simples analise dos próprios documentos que não merecem qualquer impugnação por parte do Autor, e como tal, não se trata de matéria controvertida, sendo desnecessária a sua inclusão na Base Instrutória, tanto mais porque o Tribunal deles se poderá servir na sentença tal como lhe permite o artigo 562º, nº 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 1º, nº do CPT.
    […]"
    Entendeu o douto Tribunal a quo que "os factos trazidos à discussão pela Ré através do requerimento e documentos juntos a fls. 303-304, tornam, salvo melhor opinião, relevante para a boa decisão da causa, a matéria que a Ré pretende introduzir através dos artigos 2.º, 6.º, e 7.º (…)" de onde foi "determinado o seu aditamento à Base Instrutória ( ... )".
    
    3. Desde logo se nos afigura estar prejudicado o recurso, em termos de resultados práticos e com relevância para o desfecho da acção, pela razão simples de que tais quesitos vieram a ser julgados não provados.
    Isto é, o desiderato da ré na ampliação da base instrutória e o efeito daí resultante, qual fosse o de pretender a regulação da relação laboral em presença com outra base contratual soçobrou perante as respostas dadas a tais quesitos, donde se nos afigurar ser uma perda de tempo ir analisar agora com profundidade dessa admissibilidade.
    
    4. Mas para não se incorrer em facilitismo não se deixarão de tecer algumas considerações sobre a questão que vinha colocada.
    E para dizer que se nos afigura que tal ampliação não devia ter lugar.
    Ainda que pertinente, quoad est demonstrandum, não deixaria de ser necessária.
    Trata-se de matéria que, na tese da ré, aqui recorrente, respeitaria à referida relação laboral e portanto não deixaria de ser pertinente.
    Ora acontece que assim não nos parece pelas seguintes razões, em termos muito sumários:
    - É a ré que alega claramente que o contrato aplicável ao caso era o 45/94- cfr. art. 44º do contestação;
    - não se percebe como, posteriormente, vem a ré alegar que afinal esse contrato foi substituído por um outro, o n.º 1/1, sendo esse aplcável ao caso;
    - alegação que sendo superveniente não corresponde a qualquer facto novo fosse em termos de decoRRência, fosse em termos de conhecimento;
    - acresce que, analisando esse contrato, dele decorre que se aplica apenas às vagas que ficaram por colocar e não às situações das vagas preenchidas ao abrigo dos contratos anteriores; daí que sá assim se compreendam as melhores condições daí decorrentes para a empregadora e que esta pretende fazer aplicar à relação sub judice;
    - a matéria quesitada em sede de julgamento deve emanar da alegação das partes nos seus articulados, o que não foi o caso – art. 553º, n.º 2, f) e 5º do CPC;
    - passe a incorrecção formal do quesito 17º, não devendo o juiz perguntar qual o contrato aplicável, antes devendo indagar se este ou aquele contrato regeu a relação laboral em presença, tal como alegado foi pelas partes;
    - se é verdade que o n.º 1 do art. 41.° do CPT dispõe que “se no decurso da produção da prova surgirem factos que (...) é ampliada a base instrutória”, ainda por aí não devia ter tido lugar tal ampliação pois que esses factos, como se frisou já, não são factos novos;

5. Donde sermos a considerar o aditamento à quesitação perfeitamente dispensável, questão, contudo, prejudicada, face às respostas, como se viu.
    
    B - Recurso da decisão final
    1. O segundo recurso, da decisão final tem por objecto:
    a) Nulidade decorrente da oposição entre os fundamentos e a decisão;
    b) Erro na aplicação do direito.
    2. Não há oposição entre os fundamentos e a decisão, pois que a partir do momento em que se definiu qual o contrato aplicável à relação laboral em concreto, foram essas as condições que serviram de base à prolação da sentença e respectivos cálculos.
    Resulta dos autos que durante o aludido tempo o trabalhador esteve ao serviço da ré, com contrato scessivamente renovado e ao abrigo do aludido contrato de prestação de serviços, contrato esse que definiu as condições de contratação.
    Caberia ao tribunal, sustenta a recorrente, decorrido o ano pelo qual o contrato foi celebrado, ter apurado da sua renovação e do tempo da sua vigência.
    Ainda aqui não anda bem a recorrente, ao invocar uma insuficiência que não invocou em sede própria, sendo certo que não pôs em causa o referido contrato enquanto fonte reguladora da relação laboral em causa.
    E mesmo a existirem diferenças para menos importa referir que não se percebe como se poderiam retirar direitos que integraram uma dada contratação e muito naturalmente se mantêm aquando das renovações, não tendo o empregador feito prova que contratou diferentemente no caso concreto, diminuindo ou retirando as regalias, dentro do princípio do favor laboratoris, para mais não tendo ele alegado essas alterações nos seus articulados.
    Importa ainda não esquecer que o aludido contrato era renovável, sendo indiscutível que após o período da sua vigência o trabalhador continuou a trabalhar, pelo que é de crer que aquele contrato se renovou, cabendo ao empregador alegar e provar que renovou noutras condições.
    Acresce que, mesmo a considerar-se o pretenso contrato de prestação de serviços n.º 1/1, a condição base da remuneração salarial aponta para um mínimo de 2.000,00 patacas mensais, o que não exclui um pagamento superior.
    Estamos aqui perante um facto que foi alegado pelo autor, referimo-nos à base contratual, ou, melhor, às condições contratuais emanadas de um dado contrato que foram reger toda a prestação de trabalho do trabalhador e que a empregadora não pôs em causa.
    Vir agora dizer que esse contrato não se aplicava durante todo o contrato afigura-se extemporâneo e não consentido pelas regras do processo.
    
    3. Do recurso da matéria de direito: da qualificação do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Limitada.
    Entende a ora recorrente que no plano do Direito aplicável ao caso a decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente as normas que lhe serviram de fundamento,
    Porquanto, nada na lei fez nascer na esfera jurídica do autor os direitos a que se arrogou e reclamou.
    Nem o Despacho 12/GM/88, nem o despacho de autorização administrativa,sustenta a recorrente, nem mesmo o contrato de prestação de serviços celebrado entre a recorrente e a entidade fornecedora de mão-de-obra geram os direitos que o Autor pretendeu ver reconhecidos na sua esfera jurídica, não tendo a virtualidade de reger a relação laboral estabelecida entre as partes, ao contrário do decidido pelo douto Tribunal a quo.
    Entende a recorrente que no plano do Direito aplicável a decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente as normas que lhe serviram de fundamento.
    
    4. A este concreto assunto e relativamente às questões identificadas, trata-se de matéria já sobejamente tratada por este Tribunal, pelo que reproduzimos aqui o já exarado noutros arestos (cfr. entre outros, o Ac. do TSI proc. n.º 574/2011, de 12 de Maio de 2012; proc. n.º 779/2010, de 16/6/011).


Passamos a transcrever a posição unanimemente aceite:
    « (...)
    2. Que se tratou de um contrato de trabalho entre o A. e a Ré parece não haver quaisquer dúvidas.
    Em face do artigo 1079.º do Código Civil, decorre, vista a factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho, em que o trabalhador, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções da entidade patronal, começou a trabalhar como guarda de segurança.
    Dispõe o artigo 1079º do CC:
    1. Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
2. O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.
    
    3. A questão está em saber qual o regime aplicável a tal relação laboral.
    Enquanto o Mmo Juiz a quo entendeu dever ser tal relação regulada apenas pelo contrato de trabalho celebrado entre o A. e Ré, defende o trabalhador ora recorrente que essa relação laboral decorre, para além do regulado nesse contrato, pelo regime legal aplicável mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre a Ré e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado, ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
    
4. Importa atentar no regime da contratação dos não residentes.
     Não sem que se observe que, em princípio, só em relação aos residentes há liberdade negocial. A contratação dos não residentes está condicionada a uma autorização administrativa e se é assim actualmente, também o foi no passado.
Esta nota é muito importante para a bordagem do caso vertente, na medida em que os termos e condicionamentos de uma contratação como a presente não dependem ou não podem depender por e simplesmente da vontade dos contratantes, empregador e trabalhador.
    Ora, na lógica do defendido pela recorrida e de certa forma com acolhimento na douta sentença recorrida este condicionalismo é marginalizado.
A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n." 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n." 3, alínea d).
Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n." 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, considerando que o Dec.-Lei n.º 101º/84(M, de 25 de Agosto, onde no capítulo VII se previa a contratação de trabalhadores estrangeiros, apátridas e no capítulo VIII a de cidadãos chineses provenientes da RPC, aí se regulando os pressupostos de contratação e, em relação ao primeiro grupo ainda um conjunto de princípios que deviam enformar essa contratação, em particular a não discriminação baseada na nacionalidade (artigo 51º), foi revogado pelo já referido Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril.

5. Convém aqui fazer um parêntisis e analisar a pretensa invalidade desse despacho Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, até porque é questão que vem colocada em sede de contra-alegações pela ora recorrida.
Defende a recorrida que esse Despacho foi proferido pelo então governador no âmbito das suas funções executivas (art. 16º, n.º 2 do estatuto Orgânico de Macau - EOM - então em vigor), que a função legislativa que ao Governador então incumbia e devia ser exercida por Decreto-Lei, conforme dispunha o artigo 13º e que a regulamentação das relações laborais, ainda que com não residentes não podiam caber dentro das funções executivas e ser regulada por um simples Despacho.
Cita até, em abono da sua tese, António dos Santos Ramos, mas o que este autor refere é uma questão algo diferente e que se prende com o facto de tal despacho ser regulamentador de uma lei, na altura, o DL 101/84/M, entretanto revogado, perdendo sentido a sua eficácia regulamentar quando já não havia lei a regular. Embora seja esse mesmo autor a reconhecer que não havia outras disposições atinentes ao regime a observar na contratação dos não residentes e que ao longo dos anos foi esse diploma que enquadrou as contratações dos não residentes.1
Bom, sobre isto, o que dizer?
Muito sumariamente que, aliás como a própria recorrida reconhece, o Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
Não se trata de um regime jurídico de determinadas relações laborais, antes de um prontuário procedimental a que devem obedecer as contratações de um determinado grupo de trabalhadores, traduzindo-se muitas das normas em condicionamentos e instruções dirigidas aos respectivos Serviços, não tendo ma natureza normativa instituidora de direitos e obrigações para os sujeitos da relação laboral.
    As normas específicas, constantes desse Despacho normativo, vigente enquanto esteve em execução o contrato de trabalho junto aos autos, regulam o procedimento para admissão em Macau de mão-de-obra não residente, impondo, nomeadamente, à Ré, enquanto empresa empregadora, elencam as condições mínimas de contratação que estava disposta a conceder ao trabalhador não residente, para obter a necessária
aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, mas esse Despacho nada refere quanto aos princípios, às condições, aos direitos, deveres e garantias a que fica sujeita essa relação de trabalho.
Esta questão não se coloca na actualidade uma vez que o artigo 20.° da Lei n.º 21/2009 de 27/Out. (Lei da contratação de trabalhadores não residentes) estabelece a aplicação subsidiária do regime geral das relações de trabalho aos contratos com trabalhadores não residentes (aplicação subsidiária essa que já é consentânea com a redacção do artigo 3.°, n." 3, 1) da Lei n." 7/2008, Lei das Relações de Trabalho), mas no âmbito do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, não existia qualquer remissão para o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.? 24/89/M, de 03 de Abril, sendo certo que este último diploma mesmo referia, como supra se consignou, que os contratos de trabalho celebrados entre empregadores e trabalhadores não residentes não seriam por ele abrangidos por estarem reguladas pelas normas especiais que se encontrem em vigor, como já acima dito.
Perante este quadro, não temos grande dificuldade em superar as críticas quanto a uma pretensa ineficácia por invalidade formal do dito Despacho, uma vez que não se trata de um diploma legislativo - no sentido estrito e formal de lei, enquanto disposição genérica provinda do órgão competente no limite da sua competência legislativa2 - e não tem razão a recorrida ao pretender ver nele força bastante para coarctar a liberdade negocial dos cidadãos pois que tal argumento não colhe pela razão simples de que a limitação e condicionamento do trabalho de não residentes em Macau resulta de diplomas legislativos próprios, sob pena de ter de se considerar que como não se podia limitar a liberdade contratual dos empregadores por essa via seria a franqueada a porta de Macau para qualquer pessoa não residente que aqui pretendesse trabalhar. Ou seja, não é esse Despacho que condiciona a admissão de não residentes. Estes não podem trabalhar, em princípio, pela razão simples de que aqui não podem residir.
Como perde alguma razão o autor citado, enquanto pretende ver no referido Despacho uma natureza regulamentadora de um outro diploma, sendo certo que tal diploma tem força autónoma relativamente aos condicionamentos e procedimentos enformadores da autorização de mão-de-obra não residente.
Temos, por conseguinte, por inabalada a eficácia do Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.

6. Importa, então, apurar sobre o regime jurídico aplicável a este contrato de trabalho, sabido que o mesmo se iniciou em (...)
Não é difícil perceber que ele deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável ao caso - contratação administrativamente condicionada -, a saber:
- o Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
- o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Lda.
- o contrato celebrado entre o A. e a Ré;
- o RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.

Tanto mais que está provado que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão de obra com a Sociedade de XXX de Macau, Lda, conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9º do Despacho n.º 12/GM/88.
Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88:
“9. O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes:
a) O requerimento da entidade interessada será presente no Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos que despachará, mandando ouvir sobre o mesmo o Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia, ou determinará a prestação dos esclarecimentos que julgue convenientes;
b) O Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia pronunciar-se-ão sobre o pedido no prazo de 10 dias úteis;
c) Obtidos os pareceres referidos na alínea anterior, será proferido despacho que decidirá da admissão solicitada, determinando à requerente que, em caso afirmativo, faça presente o contrato de prestação de serviços com entidade habilitada como fornecedora de mão-de-obra não-residente, tal como previsto no n.º 7;
d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
d.3. Assistência na doença e na maternidade;
d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);
e) Fornecidos os elementos de informação referidos na alínea anterior será proferido despacho que decidirá da aprovação das condições de contratação dos trabalhadores não-residentes, fazendo remeter o processo ao Comandante das Forças de Segurança de Macau;
f) O Comandante das Forças de Segurança de Macau proferirá despacho, determinando lhe seja presente a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar, e decidindo, posteriormente, sobre a sua entrada e permanência no Território.”
    É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre o empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
    É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”.
    Razões estas, se não apodípticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais se sublinhou o seguinte:
    “Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora, Entendeu-se assim que Q solução do problema passava por uma clara destrinça. entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas tem que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
    Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a titulo experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.”
    Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, entendido este com assento na concepção das opções legislativas pro operario e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.3
    
    7. Face à defesa, por banda da empregadora, aqui recorrida, das posições desenvolvidas na douta elaboração presente na sentença recorrida a propósito da incursão pelo Direito das Obrigações, para excluir em termos de caracterização do contrato entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Lda, a natureza ínsita a qualquer dos contratos-tipo analisados - contrato de trabalho, contrato para pessoa a nomear, contrato a favor de terceiro, contrato de cedência de trabalhadores, contrato de promessa - não nos eximiremos a algumas poucas palavras sobre o assunto.
    Antes de mais, reafirmamos que a força da vinculação a tal regime resulta das normas condicionantes da autorização de trabalho, administrativamente contempladas. Isto é, só o trabalho prestado naquele condicionalismo seria autorizado. Donde, tais clásulas, previstas nesse contrato serem condição de concessão de autorização de trabalho para aquela situação em concreto.
    Não se pode proceder a uma análise desgarrada desse enquadramento e desse condicionalismo, donde, repete-se, o regime jurídico aplicável resultar desse acervo clausulado.
    Mas, mesmo numa perspectiva de direito obrigacional puro, não somos a acompanhar, sem escolhos a leitura, aliás com mérito, que o Mmo Juiz faz dos diferentes institutos, muito particularmente no que se refere ao contrato a favor de terceiro.
    Mas antes de prosseguirmos importa referir que não poucas vezes a realidade da vida é mais rica do que a realidade conceptualizada e, assim, as soluções do legislador não são bastantes para abarcar toda a factualidade.
    Isto, para enfatizar que, por isso mesmo, os institutos previstos pelo legislador não são o bastante para regular toda a realidade negocial e daí que se devam conjugar, até em nome da liberdade contratual, diferentes contratos, surgindo-nos as situações de negócios mistos ou inominados.
    É a partir desta constatação que nos damos a perguntar a nós próprios o que impede, em termos meramente de autonomia privada e de liberdade contratual, que alguém assuma perante outrem a obrigação de dar trabalho a um terceiro, mediante certas condições e estipulações. Sinceramente que não nos ocorre nenhum obstáculo.
    Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.4
    Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
    O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um benefício ou de uma vantagem.5
    A razão excludente da configuração de um contrato a favor de terceiros, na tese do Mmo Juiz a quo, parece-nos algo limitativa.
    Porque a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um contrato, tal enquadramento não caberia ao caso.
    Não estamos certos desta aparente linearidade.
    A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
    Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assumpção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho a A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X.
    Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar de Pessoa Jorge.6
    Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.7
    As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
    Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
    O benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalhador.
    Aliás, esta possibilidade de acopulação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.8
    Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).9
    Esta aproximação encontramo-la também em Pires de lima e A. Varela, enquanto anotam que “o artigo 443º(leia-se 437º) trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas.”10
    Quanto ao argumento avançado na sentença, aliás douta, de que do contrato a favor de terceiros não podem nascer obrigações para o terceiro beneficiário, como está bem de ver, elas não resultam desse contrato, mas sim do contrato de trabalho entre o patrão e o empregado.
    
    Nem se diga que esta posição contraria o sufragado por este Tribunal quando chamado a decidir sobre a excepção relativa à competência do Tribunal, nos termos da qual a ré propugnava pelo cometimento ao tribunal arbitral.
    Como nessas decisões já se afirmou, configurar uma ou mais cláusulas do referido contrato, estranho ao trabalhador, como estipuladas a favor de terceiro (neste caso o A.), daí não decorre que essa qualificação se projecte, sem mais, sobre todo o contrato (cfr. art. 400.°, n.º 2 e 437º, n.º 1 do Código Civil).
    O Código Civil, no artigo 438.°, n.º 1, dispõe que "O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação"
    Ora o direito que se estabelece traduz-se num concreto direito à prestação, independentemente de aceitação; nada mais.
    Nem outros direitos a favor de outrem estabelecidos no contrato, muito menos deveres, encargos ou sujeições integrarão a esfera jurídica do terceiro a favor de que tenha sido concretamente instituído um determinado direito.
    Para além de que será de entender que essa cláusula compromissória de competência abrange apenas a relação de cobertura ou de provisão entre o promitente e o promissário e não já relação provisionada entre o promitente e o terceiro, ou a relação de valuta entre o promissário e o terceiro.
    
    8. Estamos, pois, em condições de aplicar ao caso os valores reclamados com base naquele contrato celebrado entre a Ré e a dita Sociedade, aliás, nos termos previstos e condicionados pela necessária autorização administrativa, normativamente enquadrada.
    Antes dos cálculos apenas uma referência quanto à aplicação do RJRL.
    Pretende-se em certas posições e decisões até que nos têm chegado que esse regime seria supletivo do regime contratualizado.
    
    Mas não é preciso, pelo menos no presente caso, pelo menos por ora, enveredar por aí, tecer tão elaborado engenho interpretativo, porquanto vem comprovado nos autos que na relação estrita e directa estabelecida entre a empregadora e o trabalhador, face aos contratos celebrados e juntos aos autos, vista a cláusula 24, em todos os outros termos e condições não expressamente ali previstas seriam reguladas de acordo com o regime legal laboral comum, ou seja, ao tempo, o Dec.-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
    
    9. Quanto às fórmulas de compensação dos descansos não gozados, considerando que se trata de matéria mais do que analisada e decidida na Jurisprudência deste TSI, vamo-nos remeter para a Jurisprudência quase uniforme deste Tribunal, com a redacção que foi dada no recente acórdão deste TSI, no proc. n.º 780/2007, de 31 de Março de 2011, onde aquela uniformidade sofreu apenas uma ligeira inflexão.
    
    Resta, pois, proceder aos cálculos em função do pedido e dos valores que lhes servirão de padrão, a partir dos montantes definidos, tendo em conta o aludido contrato entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Lda.
    
    Por outro lado, o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro é, um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, a, definindo imperativamente um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à mesma contratação (cfr., entre outros, o Ac do TSI de 6 de Janeiro de 2010, Proc. n.º 739/2009).»
    
    5. Nesta conformidade, será de aplicar à relação laboral em presença o referido contrato celebrado a favor do trabalhador com entidade terceira, contrato esse normativamente enquadrado nos termos supra vistos.
    Face ao exposto, o recurso não deixará de improceder, devendo manter-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida e sem custas o recurso interlocutório vista a prejudicialidade do seu conhecimento.
    Custas pela recorrente.
                Macau, 31 de Maio de 2012,
                João A. G. Gil de Oliveira
                Ho Wai Neng
                José Cândido de Pinho
    
1 - in Formação do Contrato Individual de Trabalho, RAPM (Rev. Edm. Pública de Macau), n.º 8/9, 343 e segs
2 - Cfr. art. 1º do CC; Oliveira Ascensão, IAED, AAFDL, 1970, 241
3 - Pedro Romano Martinez, ob. cit., 220
4 - Diogo Leite Campos, Contrato a favor de terceiro, 2ª ed., 1991, 13
5 - Leite de Campos, ob. cit., 17
6 - Obrigações, 1966, 55
7 - Menezes Cordeiro, Dto Obrig., 1980, 1º, 336 e 338
8 - Leite de Campos, ob. cit.27
9 - Leite Campos, ob. cit. 79 e 115
10 - CCAnot. 4ª ed.,1987, vol I, 426
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