Processo nº 40/2010
Data do Acórdão: 31MAIO2012
Assuntos:
Omissão da pronúncia
Ónus da exposição das razões de facto
SUMÁRIO
O ónus da exposição das razões de facto a que se refere o artº 389º/1-c) do CPC não se cumpre com a simples junção de documento.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 40/2010
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV3-09-0009-CAO, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
I. RELATÓRIO
Fundo de Garantia A, instituído junto da Autoridade Monetária de Macau, pessoa colectiva de direito público, com sede em Macau, na Calçada do ......, nºs …-…;
Veio propor a presente
ACÇÃO DECLARATIVA
COM PROCESSO COMUM ORDINÁRIO
contra
B (B), solteiro, portador do B.I.R.M. n.º X/XXXXXX/X, trabalhador da Sociedade de …… de Macau, S.A., residente em Macau, na Avenida do ......, Edifício ……, Bloco …, …° andar "…" (澳門黑沙環……大馬路…….大廈第…座…樓…室)
Alegou em síntese que:
- Por sentença, já transitada em julgado, proferida em 26 de Julho de 2007, nos autos referenciados sob o n.º CRl-06-0046-PCC que correram os seus termos pelo 1° Juízo Criminal deste Tribunal, foi o Autor condenado a pagar a quantia de MOP$123,116.00 (cento e vinte e três mil cento e dezasseis patacas) a C (C), queixoso e demandante no pedido cível formulado naquele processo, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em virtude do acidente de viação ocorrido em 3 de Outubro de 2000, cujo teor aqui se dá por reproduzido integralmente para todos efeitos legais.
- Em cumprimento da decisão judicial supra referida, o Autor pagou a dita quantia nela fixada a C (C), mediante cheque bancário n.º MB23XXXX, sacado sobre o Banco Nacional Ultramarino, S.A., datado de 10 de Agosto de 2007 e emitido em seu nome, quantia de que o dito C (C) deu plena quitação, conforme declaração que assinou em 13 de Agosto de 2007, e teve reconhecimento notarial em 13 de Janeiro de 2009.
- Nessa declaração C (C), declarou ainda "que, com a realização do pagamento referido anteriormente, se considera total e integralmente ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, passados, presentes ou futuros, emergentes do referido acidente de viação", e
- "que, não havendo quaisquer outras indemnizações a reclamar do Fundo de Garantia A, seja a que título fôr, o Declarante sub-roga o dito Fundo de Garantia A em todos os direitos que lhe cabem contra o responsável civil pelo acidente de viação."
- O Tribunal Colectivo, em face dos factos provados, concluiu que os danos sofridos pelo C (C) foram resultantes do facto ilícito praticado, com mera culpa, pelo Réu .
- Sendo o Réu responsável pelo dito acidente de viação, também o Réu devia ter sido condenado no pagamento da mencionada quantia de MOP$123,116.00 (cento e vinte e três mil cento e dezasseis patacas) a título de indemnização.
- Ora, por lapso da sentença, o Réu não foi condenado nessa parte.
- Em consequência do acima exposto, o Fundo, embora sub-rogado nos direitos do C (C), por força do disposto no artigo 25°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro (que talvez devesse referir-se, com mais propriedade, a um direito de regresso) não pode instaurar uma acção executiva contra o Réu, com base na dita sentença, pois esta não constitui título executivo bastante para o efeito, conforme o disposto no 677, alínea a), do Código de Processo Civil,
- Devendo, para o efeito acima referido, instaurar a correspondente acção declarativa de condenação contra o Réu, antes de passar à fase executiva.
- Satisfeita a indemnização, o Autor tem direito de regresso contra o Réu, relativamente à quantia de MOP$123,116.00 (cento e vinte e três mil cento e dezasseis patacas) que pagou a C (C), acrescida de juros de mora , à taxa de juro legal, até efectivo e integral pagamento, bem como ao reembolso das despesas com a cobrança judicial, que perfazem até à presente data MOP$17,200.00 (dezassete mil e duzentas patacas), conforme o disposto no artigo 25°, nºs 1 e 4, do Decreto-Lei n.º 57/94/M e deverão ser ainda acrescidas dos montantes que o Autor terá ainda de despender com esta acção declarativa e a execução que se lhe seguir.
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Conclui, pedindo que se condene o Réu a pagar ao Autor a quantia total de MOP$140,316.00 (cento e quarenta mil trezentos e dezasseis patacas, que é equivalente à soma entre MOP$123,116.00 e MOP$17,200.00), acrescida de juros de mora, à taxa de juro legal, até efectivo e integral pagamento, bem como de quaisquer outras despesas relativas à presente acção e à subsequente acção executiva, conforme comprovativos que o Autor juntará ao processo à medida que as vá liquidando.
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Regularmente citado o Réu para contestar querendo e sob a cominação de que
a falta da contestação importava a confissão dos factos alegados pelo Autor.
O Réu não contestou.
Assim, não se verificando qualquer dos condicionalismo previsto no art. 406.º do C.P.C.M., tratando-se de relação jurídica disponível, consideram-se reconhecidos os factos alegados pelo Autor, julgando a causa conforme de direito, nos termos do art. 405.°, n.º 2 do C.P.C.M ..
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III - PRESSUPOSTOS PRECESSUAIS
O Tribunal é competente em razão de Território, de matéria e de hierarquia.
As partes dispõem de personalidade e de capacidade judiciária e são legítimas.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.
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III - FACTOS
Por confissão e análise dos documento juntos aos autos, resultam provados os seguintes factos:
1. Por sentença, já transitada em julgado, proferida em 26 de Julho de 2007, nos autos referenciados sob o n.º CRl-06-0046-PCC que correram os seus termos pelo 1° Juízo Criminal deste Tribunal, foi o Autor condenado a pagar a quantia de MOP$123,116.00 (cento e vinte e três mil cento e dezasseis patacas) a C (C), queixoso e demandante no pedido cível formulado naquele processo, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em virtude do acidente de viação ocorrido em 3 de Outubro de 2000, cujo teor aqui se dá por reproduzido integralmente para todos efeitos legais.
2. Em cumprimento da decisão judicial supra referida, o Autor pagou a dita quantia nela fixada a C (C), mediante cheque bancário n.º MB23XXXX, sacado sobre o Banco Nacional Ultramarino, S.A., datado de 10 de Agosto de 2007 e emitido em seu nome, quantia de que o dito C (C) deu plena quitação, conforme declaração que assinou em 13 de Agosto de 2007, e teve reconhecimento notarial em 13 de Janeiro de 2009.
3. Nessa declaração C (C), declarou ainda "que, com a realização do pagamento referido anteriormente, se considera total e integralmente ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, passados, presentes ou futuros, emergentes do referido acidente de viação", e
4. “que, não havendo quaisquer outras indemnizações a reclamar do Fundo de Garantia A, seja a que título fôr, o Declarante sub-roga o dito Fundo de Garantia A em todos os direitos que lhe cabem contra o responsável civil pelo acidente de viação.”
5. O Tribunal Colectivo, em face dos factos provados, concluiu que os danos sofridos pelo C (C) foram resultantes do facto ilícito praticado, com mera culpa, pelo Réu.
6. Na dita sentença, o Réu não foi condenado no pagamento da mencionada quantia de MOP$123,116.00 (cento e vinte e três mil cento e dezasseis patacas) a título de indemnização.
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IV - FUNDAMENTOS
Cumpre-se, pelo exposto, a estes factos, à aplicação do direito.
Na presente acção, o Fundo de Garantia A exerce o seu direito de regresso contra o condutor e proprietário do veículo, ora causador de um acidente de viação, na ocasião não tenha efectuado seguro obrigatório.
O artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro, estabelece:
"1. Satisfeita a indemnização, o FGA fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito aos juros de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança.
2. No caso de falência da seguradora, o FGA fica sub-rogado apenas contra aquela.
3. O lesado pode demandar directamente o FGA, o qual tem a faculdade de fazer intervir no processo o obrigado ao seguro e os co-responsáveis.
4. As pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro podem ser demandadas pelo FGA, nos termos do n.º 1, beneficiando do direito de regresso contra outros responsáveis pelo acidente, se os houver, relativamente às quantias que tiverem pago. "
Assim, nos termos do disposto nos nºs 1 e 4 do citado artigo 25° do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro, satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia A tem o direitos de regresso contra as pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro ou outros responsáveis pelo acidente, se os houver, relativamente às quantias que tiverem pago.
Dos factos provados, resulta que:
- Por sentença, já transitada em julgado, proferida em 26 de Julho de 2007, nos autos referenciados sob o n.º CRI-06-0046-PCC que correram os seus termos pelo 1° Juízo Criminal deste Tribunal, foi o Autor condenado a pagar a quantia de MOP$123,116.00 (cento e vinte e três mil cento e dezasseis patacas) a C (C), queixoso e demandante no pedido cível formulado naquele processo, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em virtude do acidente de viação ocorrido em 3 de Outubro de 2000, cujo teor aqui se dá por reproduzido integralmente para todos efeitos legais.
- Na referida sentença, o Tribunal Colectivo, em face dos factos provados, concluiu que os danos sofridos pelo C (C) foram resultantes do facto ilícito praticado, com mera culpa, pelo Réu.
Ao Fundo de Garantia A não é exigível a prova de um nexo de causalidade adequada entre a conduta do condutor de veículo e a produção do acidente, com efeito, o direito de regresso do Fundo verifica-se quando a pessoa incumbida na obrigação de segurar não efectuou o seguro obrigatório, não pressupõe na verificação de certa conduta causadora do acidente praticado por intervenientes no acidente.
Ao contrário, cabe ao Réu, ora proprietário ou pessoas incumbida na obrigação de segurar ou outras pessoas responsáveis pela indemnização, alegar e provar factos que exclui a sua responsabilidade pelo acidente.
Conforme a sentença acima referida, o Réu, na ocorrência do acidente, foi condutor do veículo interveniente e proprietário do veículo, e é responsável pela produção do acidente.
Assim, é evidente, o Fundo, efectuado o pagamento da indemnização arbitrada pelo Tribunal, tem o direito de regresso contra o Réu, ora proprietário e condutor do veículo, do montante pago.
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Em relação as despesas judiciais despedidas pelo Autor, não ficou provado por não ter juntado qualquer documento comprovativo do seu pagamento.
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Em relação aos juros moratórios: só constitui mora do devedor quando for interpelado judicial ou extrajudicialmente.
No nosso caso, não ficou provado que o Réu foi interpelado extrajudicialmente o pagamento antes de ser citado nesta acção, assim, nos termos dos artigos 793º e 794º do Código Civil, os juros moratórios são contados a partir da citação, a taxa legal.
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Ponderando, resta decidir.
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V.-DECISÃO
Nos termos expostos, o Tribunal julga a acção parcialmente procedente por provada e consequentemente, condeno o Réu no pagamento ao Autor a quantia de MOP$123,116.00 (cento e vinte e três mil cento e dezasseis patacas), acrescida de juros à taxa legal, a contar desde a citação e até efectivo pagamento integral.
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Custas pelo Autor e o Réu na proporção do seu decaimento, sem prejuízo da isenção das custas gozada pelo Autor.
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Registe e notifique.
Não se conformando com o decidido, veio o Autor recorrer da mesma concluindo e pedindo:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos a fls. 36-39, na parte em que (i.) absolveu o Réu do pedido de condenação no pagamento das despesas com a cobrança judicial relativas ao pedido de indemnização cível e, bem assim, em que se absteve de conhecer do pedido de condenação do Réu no pagamento de (ii.) quaisquer outras despesas relativas à presente acção e (iii.) quaisquer outras despesas relativas à subsequente acção executiva (tudo ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro);
II. Salvo o devido respeito, trata-se de um lamentável lapso cometido pelo Tribunal a quo, uma vez que, no primeiro caso (absolvição), tendo o Réu sido citado pessoalmente e não contestado a acção, os factos articulados pelo FGAM (nomeadamente a parte final do artigo 10.° da petição inicial) foram considerados reconhecidos (cfr. fls. 32), impondo-se consequentemente a condenação do Réu ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro;
III. Padece do vício de violação de lei a sentença que, reconhecendo os factos articulados pelo autor, designadamente, as despesas com a cobrança judicial que perfazem até à presente data MOP$17.200,00, vem depois a considerar como não provadas essas mesmas despesas judiciais, absolvendo consequentemente o Réu desse pedido;
IV. Sem embargo, caso assim não se considerasse, ao Autor assistiria sempre o direito de fazer prova dos factos por si alegados, pelo que se impunha a selecção da matéria de facto relevante e a realização da base instrutória, em cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 430.° do CPC de Macau;
V. No segundo caso (omissão de pronúncia), atento o disposto no n.º 2 do artigo 563.° do CPC de Macau, o Juiz estava obrigado a decidir todas as questões suscitadas pelo Autor, designadamente no que respeita à condenação do Réu no pagamento de outras despesas relativas à presente acção e quaisquer outras despesas relativas à subsequente acção executiva;
VI. Estas violação de lei e omissões do julgador, são por si só suficientes para ferir de manifesta nulidade a sentença recorrida, atento o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 430.° do CPC de Macau e nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.° do mesmo Código, razão pela qual deverá o presente recurso ser julgado procedente;
VII. Se a Primeira Instância, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 563.° do CPC de Macau, deixa de se pronunciar sobre o pedido de condenação do Réu no pagamento de "quaisquer outras despesas relativas à presente acção e à subsequente acção executiva", essa omissão de pronúncia constitui nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.° do mesmo Código;
VIII. O Tribunal de Segunda Instância pode, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 630.° do CPC de Macau, substituir-se ao Tribunal Judicial de Base, apreciando as questões suscitadas pelas partes sempre que disponha dos elementos necessários;
IX. Assim, constando dos autos que o Réu foi citado pessoalmente e não contestou, tendo sido consequentemente reconhecidos os factos articulados pelo Autor (incluindo as despesas com a cobrança judicial "que perfazem até à presente data MOP$17.200,00" ), pode o Tribunal de Segunda Instância condenar de imediato o Réu ao pagamento dessas despesas, acrescidas de juros de mora legal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro, sem necessidade de produção de mais prova;
X. Do mesmo modo, constando dos autos o documento de quitação que prova a satisfação da indemnização, o FGAM tem direito ao reembolso das despesas relativas à presente acção e à subsequente acção executiva, atento o disposto no n.º 1 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro;
XI. Sem embargo, o Tribunal de Segunda Instância pode, por interpretação extensiva do n.º 3 do artigo 629.° do CPC de Macau, ordenar a produção de prova nessa instância, substituindo-se ao Tribunal Judicial de Base, quando este Tribunal não tenho procedido à produção de prova;
XII. Em alternativa, poderá o Tribunal de Segunda Instância, revogando ou anulando a sentença na parte identificada supra, ordenar a produção da prova na primeira instância, por aplicação mutatis mutandis do n.º 4 ou n.º 5 do artigo 629.° do CPC;
XIII. Porém, se este Tribunal remeter a produção da prova que não chegou a fazer-se para o Tribunal a quo, parece que este deverá do mesmo passo pronunciar-se sobre o pedido de que não conheceu, impondo-se-Ihe que decida no sentido de condenar o Recorrido a pagar ao Recorrente as despesas que o mesmo entretanto já realizou ou venha ainda a realizar com o presente processo e as relativas a uma execução executiva que seja preciso propor em juízo para obter o pagamento coercivo, podendo o montante de tais despesas ser apurado em execução de sentença.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, condenar-se de imediato o Réu, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 630.° do CPC de Macau, ao pagamento das despesas com a cobrança judicial relativas ao pedido de indemnização cível, no montante de MOP$17,200.00, acrescidas de juros de mora legal, nos termos do n.º 1 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro, sem necessidade de produção de mais prova; ou,
a) julgando-se necessária a produção de melhor prova, revogar-se ou anular-se a sentença em recurso na parte que decidiu não provada a efectiva realização da despesa de MOP$17,200.00, a que se reporta o trecho "Em relação as despesas judiciais despedidas pelo Autor, não ficou provado por não ter juntado qualquer documento comprovativo do seu pagamento.", e dar-se ensejo à produção de prova sobre essa matéria perante o próprio Tribunal de Segunda Instância, julgando-se a final provado o facto e condenando-se o Recorrido a reembolsar a quantia em causa ao Recorrente, por aplicação do n.º 3 do artigo 629.° do CPC de Macau, e
b) suprir-se a omissão de pronúncia, para o que basta, segundo a regra da substituição ao tribunal recorrido enunciada no artigo 630.° do CPC de Macau, que o Tribunal de Segunda Instância conheça do pedido e condene agora o Recorrido a pagar ao Recorrente as despesas que este entretanto já realizou ou venha ainda a realizar com o presente processo e as relativas a uma eventual execução que seja instaurada para obter o pagamento coercivo da dívida do Recorrido, podendo o montante de tais despesas ser apurado em execução de sentença;
ou, subsidiariamente,
i) revogar-se ou anular-se a sentença em recurso na parte que decidiu não provada a efectiva realização da despesa de MOP$17,200.00, a que se reporta o trecho "Em relação as despesas judiciais despedidas pelo Autor, não ficou provado por não ter juntado qualquer documento comprovativo do seu pagamento.", e ordenar-se a produção da prova desse facto na primeira instância, e
ii) determinar-se que o Tribunal a quo se pronuncie sobre os pedidos de que não conheceu, impondo-se-Ihe porém que decida no sentido de condenar o Recorrido a pagar ao Recorrente as despesas que este entretanto já realizou ou venha ainda a realizar com o presente processo e as relativas a uma eventual execução que seja instaurada para obter o pagamento coercivo da dívida do Recorrido, podendo o montante de tais despesas ser apurado em execução de sentença, com o que será feita, como é timbre deste Tribunal, JUSTIÇA.
Ao recurso não respondeu o Réu
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões na petição de recurso, constituem o objecto do recurso as seguintes nulidades da sentença:
1. Da absolvição do Réu do pedido de condenação no pagamento da quantia de MOP$17.200,00; e
2. Da omissão da pronúncia do pedido de condenação do Réu no pagamento de outras despesas relativa à presente acção e quaisquer outras despesas relativas à subsequente acção executiva.
Apreciemos.
1. Da absolvição do Réu do pedido de condenação no pagamento da quantia de MOP$17.200,00
Nesta primeira questão, defende o recorrente que, tendo o Réu citado pessoalmente e não contestado a acção, os factos articulados na petição inicial foram considerados reconhecidos, impondo-se consequentemente a condenação do Réu ao abrigo do disposto no artº 25º/1 do Decreto-Lei nº 57/94/M de 28NOV. E assim sendo, padece do vício de violação de lei a sentença que, reconhecendo os factos articulados pelo Autor, designadamente, as despesas com a cobrança judicial que perfazem até à presente data MOP$17.200,00, vem depois a considerar como não provadas essas mesmas despesas judiciais, absolvendo consequentemente o Ré desse pedido.
É verdade que o Réu, citado pessoalmente, não contestou.
E tendo em conta a natureza dos factos alegados na petição inicial, a não contestação implica logo a confissão – 405º/1 do CPC.
Conforme se vê na sentença recorrida, o Tribunal a quo absolveu o Ré desse pedido porque “em relação às despesas judiciais despendidas pelo Autor, não ficou provado por não ter juntado qualquer documento comprovativo do seu pagamento.
Quid juris?
Compulsados os autos, verifica-se que o Autor juntou com a petição inicial um documento que se denomina “bill” ora junto aos autos a fls. 14, que com algum esforço podemos interpretá-lo como um documento, possivelmente uma factura, relativo a umas despesas no valor total de MOP$17.200,00 a pagar relacionadas com um processo crime registado sob o número CR1-06-0046-PCC.
Será esse documento suficiente para dar como provada a realização das despesas no valor de MOP$17.200,00?
Abstemo-nos para já de responder a essa pergunta por se tratar de uma questão falsa, pois o verdadeiro problema que está em causa aqui situa-se a montante, isto é, não estamos perante uma questão da comprovação ou não de um facto alegado na petição inicial, mas sim uma questão que se prende com o cumprimento ou não pelo Autor do ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende o efeito pretendido no seu petitório – o artº 389º/1-c) do CPC.
Vejamos.
Sob a epígrafe “I – DOS FACTOS”, alegou o Autor na petição o seguinte:
1- DOS FACTOS:
1.°
Por sentença, já transitada em julgado, proferida em 26 de Julho de 2007, nos autos referenciados sob o n.º CR1-06-0046-PCC que correram os seus termos pelo 1.° Juízo Criminal deste Tribunal, foi o Autor condenado a pagar a quantia de MOP$123.116,00 (cento e vinte e três mil cento e dezasseis patacas) a C (C), queixoso e demandante no pedido cível formulado naquele processo, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em virtude do acidente de viação ocorrido em 3 de Outubro de 2000 (doc. 1, junto, que, tal como os demais, se dá aqui por inteiramente reproduzido).
2.°
Em cumprimento da decisão judicial supra referida, o Autor pagou a dita quantia nela fixada a C (C), mediante cheque bancário n.° MB23XXXX, sacado sobre o Banco Nacional Ultramarino, S.A., datado de 10 de Agosto de 2007 e emitido em seu nome, quantia de que o dito C (C) deu plena quitação, conforme declaração que assinou em 13 de Agosto de 2007, e teve reconhecimento notarial em 13 de Janeiro de 2009 (doc. 2).
3.°
Nessa declaração, C (C), declarou ainda "que, com a realização do pagamento referido anteriormente, se considera total e integralmente ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, passados, presentes ou futuros, emergentes do referido acidente de viação", e
4.°
"que, não havendo quaisquer outras indemnizações a reclamar do Fundo de Garantia A, seja a que título fôr, o Declarante sub-roga o dito Fundo de Garantia A em todos os direitos que lhe cabem contra o responsável civil pelo acidente de viação."
5.°
O Tribunal Colectivo, em face dos factos provados (cf. descritos no doc.1), concluiu que os danos sofridos pelo C (C) foram resultantes do facto ilícito praticado, com mera culpa, pelo Réu (cf. parágrafo sexto da página 9 da sentença supra mencionada).
6.°
Sendo o Réu responsável pelo dito acidente de viação, também o Réu devia ter sido condenado no pagamento da mencionada quantia de MOP$123.116,00 (cento e vinte e três mil cento e dezasseis patacas) a título de indemnização.
7.°
Ora, por lapso da sentença, o Réu não foi condenado nessa parte.
8.°
Em consequência do acima exposto, o Fundo, embora sub-rogado nos direitos do C (C), por força do disposto no artigo 25.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro (que talvez devesse referir-se, com mais propriedade, a um direito de regresso) não pode instaurar uma acção executiva contra o Réu, com base na dita sentença, pois esta não constitui título executivo bastante para o efeito, conforme o disposto no artigo 677.°, alínea a), do Código de Processo Civil,
9.°
devendo, para o efeito acima referido, instaurar a correspondente acção declarativa de condenação contra o Réu, antes de passar à fase executiva.
Da leitura do acima transcrito que corresponde à alegação dos factos na petição inicial, resulta claramente que não foi alegado nenhum facto relacionado com a alegada realização das despesas no valor de MOP$17.200,00.
Então, surge-nos logo uma pergunta: a simples junção do tal documento acima referido, ora junto aos autos a fls. 14, mesmo hipoteticamente considerado por nós como susceptível de demonstrar a realização das despesas no valor de MOP$17.200,00, tem ou não a virtualidade de substituir o ónus de alegação dos factos imposto ao Autor pelo disposto no artº 389º/1-c) do CPC?
Por razões que passamos a expor infra, a resposta não pode deixar de ser negativa.
Ora bem, na ópitca do recorrente, ao não condenar o Réu pelos factos confessados, a sentença padece da nulidade por violação da lei.
Importa saber agora se o Juiz deve levar em conta a matéria de facto, embora não alegada pelo autor, mas sim apenas resultante do documento por ele junto aos autos para decidir o pedido inserido na petição inicial.
Como se sabe, ao autor cabe formular a pretensão de tutela jurisdicional que visa obter e expor as razões de facto e de direito em que a fundamenta (artº 389º/1-c) do CPC) e sobre o réu recai o ónus de impugnação específica dos factos articulados na petição pelo autor (artº 410º/1 do CPC) .
Na matéria de facto, o juiz tem de cingir-se às alegações das partes, ao passo que na indagação, interpretação e aplicação do direito o tribunal age livremente (artº 567º do CPC).
Teceu agora o recorrente os seus argumentos com base nos factos que efectivamete não alegou e que só poderiam ser resultantes da interpretação do documento por ele apresentado juntamente com a petição, põe-se agora a questão de saber se o ónus de alegação das razões de facto, a que se refere o artº 389º/1-c) do CPC, pode ser substituído pela simples junção de documento.
É verdade que doutrina existe aceitando como forma válida de contestação a simples junção de documento.
No que respeitante às formas admissíveis de contestação pelo réu, o Saudoso Prof. Antunes Varela chegou a distinguir entre elas a contestação articulada, a contestação por negação e a contestação por mera junção de documento - cf. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª ed. Rev. e Act., pág. 285 e s.s.
A propósito dessa última que nos interesse agora, o Mestre ensina que:
“A contestação por simples junção de documentos assenta no puro oferecimento real da prova documental, desacompanhada de qualquer alegação escrita sobre os próprios factos a que o documento se refere. Não é mencionada nos textos legais, mas cabe sem dúvida no espírito da lei, como forma válida de contestação.
A mera junção de documento comprovativo de um pagamento, de uma renúncia, de uma revogação ou de outro acto jurídico, pode bem constituir um meio concludente de contrariar um facto articulado pelo autor, não mero expressivo do que a alegação do facto em contestação articulada. Um sistema processual como o português, mais empenhado na descoberta da verdade dos factos do que na observância dos puros ritos de forma, não pode recusar in limine tal forma de contestação.
Se numa acção de condenação, o réu se limita a requerer a junção aos autos do documento comprovativo do pagamento, remissão, novação ou compensação da dívida cuja cobrança lhe é exigida, não será lícito ao juiz ignorar a contrariedade dos factos articulados pelo autor, de que ele deve conhecer ex officio, nem será lícito duvidar do animus compensandi (art. 848º do Cód. Civil) do réu, no caso de o documento se referir a uma dívida compensatória.” – cf. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª ed. Rev. e Act., pág. 287 e 288.
Todavia, não encontramos quer texto legal quer doutrina em paralelo no sentido de defender a simples junção do documento é forma válida para o autor expor razões de facto como causa de pedir.
Compreende-se a admissibilidade da simples junção de documentos como forma válida da contestação e não também forma válida para expor razões de facto que constituem causa de pedir, uma vez que ao autor cabe a tarefa de mencionar os factos concretos que servem de fundamento ao efeito jurídico pretendido, por isso esses factos hão de ser articulados ponto a ponto de modo a que o tribunal possa inteirar-se da causa de pedir, ao passo que a função duma contestação-defesa se limita a repelir a pretensão do autor, negando de frente os factos já articulados pelo autor ou sem afastar a realidade desses factos, contradizendo o efeito jurídico que o autor pretende extrair dele, ou seja, repelir a pretensão do autor dentro de um contexto já traçado por factos concretamente articulados na petição.
Cremos que é por causa disso que o autor não pode substituir a exposição das razões de facto pela mera junção de documentos.
Portanto, in casu, por falta dos factos articulados pelo Autor no que diz respeito à alegada realização das despesas no valor de MOP$17.200,00, o tribunal não pode lançar mão aos simples documentos juntos aos autos, mesmo não impugnados pela parte contrária por falta da contestação, para formar a base fáctica em que se fundamenta a decisão de direito.
Assim sendo o pedido de condenação no pagamento da quantia no valor de MOP$17.200,00 não pode proceder.
Improcede assim esta parte do recurso.
2. Da omissão da pronúncia do pedido de condenação do Réu no pagamento de outras despesas relativa à presente acção e quaisquer outras despesas relativas à subsequente acção executiva.
Entende aqui o recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal recorrido é nula porque o mesmo tribunal deixou de se pronunciar sobre o pedido de condenação do Réu no pagamento de outras despesas relativa à presente acção e quaisquer outras despesas relativas à subsequente acção executiva.
É verdade que o Autor formulou o tal pedido e que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre ele.
O que constitui a nulidade de sentença por omissão de pronúncia – artº 570º/1-d) do CPC.
E por força da regra da substituição consagrada no artº 630º do CPC, temos de conhecer esse pedido cuja apreciação foi omissa na primeira instância.
Como vimos na exposição das razões de facto na petição inicial, ora transcrita supra, nenhuma referência a esses factos que agora, em sede de recurso, o recorrente alegou conclusivamente ter sido reconhecidos pelo Réu por falta da contestação.
Acontece sim que o Autor, ora recorrente, apoiou conclusivamente na exposição das razões de direito o seu pedido nos factos efectivamente não alegados na exposição das razões de facto da petição inicial.
Não tendo sido alegada na petição inicial matéria de facto no que diz respeito ao pedido de condenação do Réu no pagamento de outras despesas relativa à presente acção e quaisquer outras despesas relativas à subsequente acção executiva, esse pedido naturalmente não pode proceder.
Procedendo embora a arguição da nulidade de sentença, é de improceder o pedido de condenação em causa.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor, absolvendo todavia o Réu do pedido de condenação no pagamento de outras despesas relativa à presente acção e quaisquer outras despesas relativas à subsequente acção executiva, e mantendo inalterada a restante parte da sentença recorrida.
Sem custas, por isenção legal do recorrente – artº 2º/e) do RCT.
Registe e notifique.
RAEM, 31MAIO2012
Relator
Lai Kin Hong
Primeiro Juiz-Adjunto Choi Mou Pan
Segundo Juiz-Adjunto
João A. G. Gil de Oliveira