Processo nº 255/2011
Data do Acórdão: 14JUN2012
Assuntos:
contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal
SUMÁRIO
1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.
2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.
3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 255/2011
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I
A, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.
Citada a Ré, contestou deduzindo excepção de prescrição, pugnando pela improcedência da acção e deduzindo o pedido reconvencional com fundamento no enriquecimento sem causa.
Proferido o despacho saneador, pelo qual foi julgada parcialmente procedente a invocada excepção da prescrição, declarando-se prescrito o direito invocado pela Autora relativamente à compensação por trabalho prestado em data anterior a 29JUL1989 e não foi admitido o pedido reconvencional.
Não se conformando com o mesmo segmento do despacho saneador em que não foi admitido o pedido reconvencional, dele interpôs o recurso interlocutório a Ré mediante o requerimento e as motivações constantes das fls. 133 a 144 dos p. autos. concluindo e pedindo em síntese que se deve admitir e julgar procedente o pedido reconvencional com fundamento no enriquecimento sem causa da Autora à custa da Ré.
Ao que não respondeu a Autora.
Admitido o recurso interlocutório e fixado a ele o regime de subida diferida, continuou a marcha processual na sua tramitação normal, e veio a final a acção julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar à Autora a quantia de HKD$8.490,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar nos termos consignados na página 13 da sentença (fls. 238 dos autos).
Inconformada com a decisão final, recorreu a Autora alegando em síntese que:
A - O Pedido Reconvencional formulado teria que ter sido indeferido, por falta de cumprimento dos requisitos previstos no art. 17º do Código de Processo de Trabalho, sendo o Despacho que o admitiu nulo - cfr. art. 417º, nº 4 e 571°, nº 1 alínea b) do C.P.C..
B - O MMº Juiz ad quo, por que o pedido reconvencional não cabe dentro do âmbito do Processo Comum de Trabalho interposto, nem em nada se relaciona com os Direitos e Deveres do A. e a relação laboral estabelecida com a ora recorrida, deveria tê-lo desentranhado e remetido para os meios comuns, sendo incompetente para o julgar - cfr. art. 17º do C.P.T. e 30 e ss. do C.P.C., com o que a Sentença está ferida da nulidade prevista no art. 571°, nº 1 alínea d) do C.P.C..
C - Ao abrigo do disposto no art. 25° do RJRT, as gorjetas são parte integrante do salário do recorrente, sob pena de, não o sendo, o salário não ser justo;
D - A Sentença recorrida viola o Princípio da Igualdade, pois os direitos dos trabalhadores nas mesma circunstâncias do recorrente têm vindo a ser acauteladas pelos Tribunais da R.A.E.M., existindo sobre a questão Jurisprudência Assente e que considera serem as gorjetas parte integrante dos salário dos trabalhadores da recorrida.
E - Ao não considerar as gorjetas parte integrante do salário do recorrente, a Sentença proferida viola o constante do art. 25° do RJRT, o art. 23°, nº 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o art. 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, entre outros, com a consequente abertura de portas à violação do direito a uma existência decente e minimamente digna, sujeitando os trabalhadores a uma subsistência miserável, indigna, semelhante a uma possível “ escravatura moderna” .
F - Tendo considerado provado que a R., recorrida, pagava à recorrente quantias nas quais se incluíam as gorjetas recebidas e distribuídas aos trabalhadores pela própria, não pode vir o MMo Juiz ad quo, a posteriori e em sede de Sentença, decidir que, afinal, tais montantes não integram o seu salário.
G - Inexiste qualquer identidade ou paralelismo entre a situação dos trabalhadores dos casinos em Portugal e os de Macau, porque aqueles recebem, desde logo, da entidade patronal um salário justo, i.e., que permite a sua normal subsistência, nunca inferior ao salário mínimo Nacional, sendo que caso as gorjetas não fizessem parte integrante do salário dos trabalhadores de Macau, seria o seu salário miserável e incapaz de prover à sua alimentação, quanto mais às restantes necessidades do ser humano.
H - Também, em Portugal, as gorjetas não são recebidas e distribuídas ao belo prazer da entidade patronal, segundo regras e critérios desconhecidos dos trabalhadores, sendo a questão clara e transparentemente regulada por Lei.
I - A Lei nº 7/2008 veio, e bem, regular estas situações em que se integra o recorrente, prevendo claramente que o sistema de recebimento de “gorjetas” criado pela R. e a que A. esteve sujeita, não foge do que se vem alegando, sendo certo que as gorjetas são parte integrante do salário dos trabalhadores.
J - De acordo com o disposto no art. 17º, nºs 1, 3 e 6 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula correcta de cálculo da indemnização do recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de descanso semanal é 2 x valor da remuneração média diária x número de dias de descanso semanal vencidos e não gozados e não a constante da Douta Sentença proferida.
L - De acordo com o disposto nos arts. 20°, nº 1 e 19º, nºs 2 e 3 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula de cálculo da indemnização do recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de feriado obrigatório é 3 x valor da remuneração média diária x os feriados obrigatórios vencidos e não gozados e não qualquer outra fórmula.
M - A Douta Sentença proferida padece da nulidade prevista no art. 571°, nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil.
N - Atento o inderrogável Princípio do Favor Laboratoris, elaborado atentas as especificidades do Direito de Trabalho e a necessidade de proteger o trabalhador, encontrando-se a solução jurídica que lhe seja mais favorável, uma vez que é a parte débil em qualquer relação laboral, deve sempre encontra-se a solução que mais favorável seja ao ora recorrente.
Termos em que, nos melhores de Direito, sempre com o mui Douto suprimento de V.Exªs, Venerando Juízes, deverá ser declarada nula a Sentença proferida, designadamente, não ser admitido o pedido reconvencional, devendo ser desentranhado e remetido para os meios comuns e declarado incompetente para o julgar o MMº Juiz ad quo, bem como quanto à não integração das gorjetas no salário do recorrente, devendo ainda computar-se correctamente as indemnizações devidas pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios, assim se fazendo a esperada e mais sã
JUSTIÇA!
Ao que respondeu a Ré pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
A fim de nos habilitar a apreciar as questões levantadas nos recursos, passam-se a transcrever infra os factos que ficaram provados na primeira instância:
1. A Ré teve por objecto até 31 de Março de 2002 a exploração de jogos de fortuna e azar em casino, e a indústria hoteleira, de turismo, transportes aéreos, marítimos e terrestres, construção civil, operações em títulos públicos e acções nacionais e estrangeiras, comércio de importação e exportação.
2. A Autora A, exercendo as funções de croupier, começou a trabalhar para a Ré STDM, em 1 de Fevereiro de 1964 e deixou de trabalhar para a mesma Ré em data posterior a 09 de Maio de 1998.
3. O rendimento da Autora era constituído por uma quantia fixa diária e por uma quantia variável correspondente a uma quota-parte das gratificações ou gorjetas diárias recebidas dos clientes do casino e distribuídas pela ré de acordo com critérios por esta estabelecidos.
4. A Autora, entre os anos de 1989 e 1998, recebeu as seguintes quantias:
a)1989: 155.524,00;
b) 1990: 179.814,00;
c) 1991: 169.808,00;
d) 1992: 185.297,00;
e) 1993: 195.512,00;
f) 1994: 185.880,00;
g) 1995: 219.344,00;
h) 1996: 209.410,00;
i) 1997: 193.992,00;
j) 1998: 56.700,00.
5. A Autora prestou serviços em turnos, conforme horários fixados pela entidade patronal.
6. Os turnos eram os seguintes:
1. 1° e 6° turnos, das 07h00, às 11h00 e das 03h00 até às 07h00:
2. 3° e 5° turnos, das 15h00 às 19h00 e das 23h00 às 03h00 (do dia seguinte);
3. 2° e 4° turnos, das 11 h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00.
7. Enquanto esteve ao serviço da Ré, esta nunca autorizou a Autora a gozar descansos semanais remunerados.
8. A Ré também não autorizou a Autora a gozar os feriados obrigatórios remunerados.
9. E também nunca a autorizou a gozar, naquele período, descansos anuais remunerados.
10. Nunca a ré pagou à autora qualquer acréscimo salarial.
11. Autora e ré acordaram que aquela auferia uma remuneração diária fixa por cada dia de trabalho efectivo, de valor simbólico e uma quota nas gorjetas doadas pelos clientes da ré, de montante imprevisível.
12. A referida quantia fixa foi de MOP$4,10 por dia, desde o início da relação laboral até 30/06/1989, de HKD$10,00 por dia, desde 01/07/1989 até 30/04/1995, e de HKD$15,00 por dia, desde 01/05/1995 até ao fim da relação laboral.
13. Acordaram ainda Autora e Ré que caso o trabalhador pretendesse gozar dias de descanso ou se por qualquer motivo não pudesse prestar o seu trabalho, perdia o direito aos montantes referidos em 11.
14. Acordaram ainda que a Ré apenas se responsabilizava pelo pagamento do montante simbólico.
15. A relação laboral entre a A. e a R. cessou em 11 de Maio de 1998.
16. As gratificações dos terceiros/clientes dos casinos que as ofereciam se quisessem eram recebidos pelos croupiers e diariamente reunidas, contabilizadas e guardadas por uma Comissão Paritária com a seguinte composição: um funcionário do Departamento da Inspecção e Jogos de Fortuna e Azar, um membro do Departamento de Tesouraria da Ré, um gerente de Andar ou Floor Manager e um ou mais Trabalhadores/croupiers da Ré a operar nas mesas de jogo.
Considerando a natureza das questões suscitadas pelos recorrentes, Autora e Ré, as consequências a decorrer da eventual procedência e o sentido da jurisprudência já afirmada nesta instância no que diz respeito ao pedido reconvencional deduzido pela Ré com fundamento no enriquecimento sem causa, passemos a conhecer os recursos pela seguinte ordem:
1. O recurso principal da sentença da Autora; e
2. O recurso interlocutório da Ré
II
O recurso principal da Autora
De acordo com o alegado nas conclusões dos recursos, as questões levantadas que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória são a de saber se as chamadas gorjetas são ou não parte integrante do salário para efeitos de compensações ora reclamadas pela Autora e os multiplicadores para o cálculo da compensação do trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios remunerados.
Da materialidade fáctica assente resulta que:
* o trabalhador recebia uma quantia fixa (MOP$4,10, HKD$10,00 e HKD$15,00 por dia), desde o início até à cessação da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM; e
* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são contabilizados e distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a categoria dos beneficiários.
1. Natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;
Tanto o Decreto-Lei nº 101/84/M como o Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei impõe que o salário seja justo.
Diz o artº 27º do Decreto-Lei nº 101/84/M que “pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”.
Ao passo que o D. L. nº 24/89/M de 03ABR estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, paga-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.
A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.
A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.
In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.
Se levássemos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, esta quantia “tão diminuta” (MOP$4,10, HKD$10,00 e HKD$15,00 por dia) ser-nos-ia obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.
Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.
Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa do rendimento que o trabalhadora auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.
Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste nas quantias denominadas “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.
Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa tão diminuta como seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.
Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.
2. Os factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.
Pelo que vimos, fica decidida a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.
a) compensação do trabalho em descansos anuais
Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 101/84/M em 01SET1984, vigorava plenamente o princípio da liberdade contratual e da autonomia privada, sem quaisquer condicionalismos garantísticos legais, não havia lugar a quaisquer compensações senão as contratualmente convencionadas.
Já na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, ou seja, no período compreendido entre 01SET1984 e 02ABR1989, já foram estabelecidas algumas garantias aos trabalhadores, nomeadamente a compensação obrigatória pelo trabalho prestado em dias do descanso anual – artºs 24º/2 e 23º/1 (que são 6 dias).
Acerca do descanso anual, os artºs 23º e 24º prescrevem:
Artigo 23.º (Aquisição do direito a descanso anual)
1. O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios.
2. Nos casos em que a duração da relação de trabalho for inferior a 12 meses, mas superior a 3 meses, o período de descanso anual a que o trabalhador tem direito é o proporcional, na medida de 1/2 dia por cada mês ou fracção de duração da relação de trabalho.
3. Para os efeitos do disposto no número anterior, cada mês considerar-se-á completo às 24 horas do correspondente dia do mês seguinte; mas se no último mês não existir dia correspondente ao inicial, o prazo finda no último dia desse mês.
Artigo 24.º (Marcação do período do descanso anual)
1. O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2. No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual vencidos mas não gozados, a fórmula é:
1 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados.
Nos termos do disposto no artº 21º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada ano civil.
Nos termos do disposto no artº 24º do mesmo diploma, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar.
In casu, não resulta da matéria de facto provada que o trabalhador foi impedido pela entidade patronal de gozar os seus descansos anuais, não se deve aplicar assim a forma de multiplicação a que se refere o citado artº 24º.
E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual mas sem impedimento por parte da entidade patronal, afigura-se-nos correcto aplicar por analogia o regime previsto para a situação análoga no caso de descanso semanal, prevista no artº 17º/5 e 6.
Isto é, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de descanso anual, sem constrangimento da entidade patronal, deve dar analogicamente ao trabalhador o direito de ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, vencidos mas não gozados, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados, caso o trabalhador não tenha sido impedido pela entidade patronal de os gozar.
b) compensação do trabalho em descanso semanal
Como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, não há lugar à compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
Ao passo que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei já regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
Diz o artº 17º deste diploma que:
1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
c) compensação do trabalho em feriado obrigatório
Tal como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, só é de compensar o trabalho prestado naqueles três dias de feriados obrigatórios remunerados (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro), mas apenas nas situações previstas no artº 21º/1-b), já não também na hipótese prevista no artº 21º/1-c), que é justamente a situação dos presentes autos, ou seja, a prestação do trabalho seja indispensável para garantir a continuidade do funcionamento da entidade patronal.
Portanto, in casu, como a entidade patronal, enquanto concessionária da exploração dos jogos, obrigava-se por lei e pelos termos do contrato de concessão a manter em funcionamento contínuo, não há lugar a compensações do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios na vigência da Lei nº 101/84/M.
No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:
1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.
Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).
Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.
Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.
A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.
Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:
3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).
Foram fixados na sentença recorrida os multiplicadores X 1, X 3 e X 2 para o cálculo das compensações do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, de descanso anual e de feriado obrigatório remunerado, respectivamente, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M.
Não tendo sido objecto de impugnação o multiplicador X 3 adoptado para os descansos anuais e tendo a Autora pedido em sede de recurso que sejam adoptados os multiplicadores X 2 e X 3 para o cálculo das compensações do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e de feriado obrigatório remunerado, respectivamente, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, é de adoptar infra, por força do princípio dispositivo, os multiplicadores X 2, X 3 e X 3 para o cálculo das compensações do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, de descanso anual e de feriado obrigatório remunerado, respectivamente, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M.
E em face do acima concluído, há que revogar a sentença recorrida na parte que diz respeito aos quantitativos do salário diário médio para efeitos do cálculo da compensação do trabalho prestado pela Autora nos dias de descansos semanal e anual e de feriado obrigatório remunerado, assim como os multiplicadores para o cálculo da compensação do trabalho prestado pela Autora nos dias de descansos semanal e de feriado obrigatório, e passar a condenar a Ré no pagamento da compensação à Autora conforme os mapas infra:
Trabalho em descanso semanal
Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
29/07/1989 - 31/12/1989
MOP432,01
52
432,00 x 52 x 2
MOP44.929,04
1990
MOP499,48
52
499,48 x 52 x 2
MOP51.945,92
1991
MOP471,69
52
471,69 x 52 x 2
MOP49.055,76
1992
MOP514,71
52
514,71 x 52 x 2
MOP53.529,84
1993
MOP543,09
52
543,09 x 52 x 2
MOP56.481,36
1994
MOP516,33
52
516,33 x 52 x 2
MOP53.698,32
1995
MOP609,29
52
609,29 x 52 x 2
MOP63.366,16
1996
MOP581,69
52
581,69 x 52 x 2
MOP60.495,76
1997
MOP538,87
52
538,87 x 52 x 2
MOP56.042,48
01/01/1998 - 09/05/1998
MOP439,53
18
439,53 x 18 x 2
MOP15.823,08
TOTAL:
MOP505.367,72
Trabalho em descansos anuais
Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
29/07/1989 - 31/12/1989
MOP432,01
6
432,00 x 6 x 3
MOP7.776,18
1990
MOP499,48
6
499,48 x 6 x 3
MOP8.990,64
1991
MOP471,69
6
471,69 x 6 x 3
MOP8.490,42
1992
MOP514,71
6
514,71 x 6 x 3
MOP9.264,78
1993
MOP543,09
6
543,09 x 6 x 3
MOP9.775,62
1994
MOP516,33
6
516,33 x 6 x 3
MOP9.293,94
1995
MOP609,29
6
609,29 x 6 x 3
MOP10.967,22
1996
MOP581,69
6
581,69 x 6 x 3
MOP10.470,42
1997
MOP538,87
6
538,87 x 6 x 3
MOP9.699,66
01/01/1998 - 09/05/1998
MOP439,53
2
439,53 x 2 x 3
MOP2.637,18
TOTAL:
MOP87.366,06
Trabalho em feriado obrigatório
Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
29/07/1989 - 31/12/1989
MOP432,01
6
432,00 x 6 x 3
MOP7.776,18
1990
MOP499,48
6
499,48 x 6 x 3
MOP8.990,64
1991
MOP471,69
6
471,69 x 6 x 3
MOP8.490,42
1992
MOP514,71
6
514,71 x 6 x 3
MOP9.264,78
1993
MOP543,09
6
543,09 x 6 x 3
MOP9.775,62
1994
MOP516,33
6
516,33 x 6 x 3
MOP9.293,94
1995
MOP609,29
6
609,29 x 6 x 3
MOP10.967,22
1996
MOP581,69
6
581,69 x 6 x 3
MOP10.470,42
1997
MOP538,87
6
538,87 x 6 x 3
MOP9.699,66
01/01/1998 - 09/05/1998
MOP439,53
5
439,53 x 5 x 3
MOP6.592,95
TOTAL:
MOP91.321,83
Sendo o valor do somatório das quantias apuradas nos mapas supra (MOP$505.367,72 + MOP$87.366,06 + MOP$91.321,83 = MOP$684.055,61) superior ao valor do pedido (MOP$683.241,00), o valor da condenação deve ser reduzido a este montante por força do princípio do pedido.
IV
Recurso interlocutório da Ré
Pelo que ficou decidido, não pode deixar de improceder o recurso interlocutório da Ré, uma vez que tendo em conta o decidido em relação à natureza das gorjetas que foram julgadas parte integrante do salário, cessa logo qualquer argumento deduzido pela Ré para sustentar a sua tese do enriquecimento sem causa da Autora.
V
Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso principal da Autora e improcedente o recurso interlocutório da Ré, passando a condenar a Ré no pagamento à Autora do somatório de MOP$683.241,00, com juros moratório calculados de acordo com a forma definida pelo TUI no seu douto Acórdão de 02MAR2011, tirado no processo nº 69/2010.
Custas pela Ré no decaimento do recurso interlocutório.
Custas pelas partes na proporção de decaimento em ambas as instâncias.
RAEM, 14JUN2012
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Choi Mou Pan
(Subscrevo a decisão da parte que não estão em desconformidade com a nova posição assumida após o acórdão proferido no processo nº 780/2007.)