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Processo nº 132/2012
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 14 de Junho de 2012

ASSUNTO:
- Contrato a favor de terceiro
- Trabalhadores não residentes

SUMÁRIO:
- A celebração de um “contrato de prestação de serviços” entre uma empresa fornecedora de trabalhadores não residentes na RAEM e a entidade patronal desses trabalhadores, no qual esta assume as condições de trabalho a estabelecer com os trabalhadores não residentes que vier a contratar, condições essas que foram aprovadas pela Administração ao abrigo dos Despachos nºs 12/GM/88 e 49/GM/88, representa para os trabalhadores não residentes um contrato a favor de terceiro, cuja violação por parte da entidade patronal origina um correspondente direito de indemnização a favor dos trabalhadores não residentes.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 132/2012
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 14 de Junho de 2012
Recorrentes: - A (Autor)
- Guardforce (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. (Ré)
Recorridos: Os mesmos

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
Por despacho de 26/10/2011, foi decidido admitir, em sede de audiência de discussão e julgamento, o aditamento de três factos à base instrutória apresentado pela Ré.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Da localização sistemática - Secção IV - Discussão e julgamento da causa - do art. 41.º do Código de Processo de Trabalho, e da sua ratio legis, resulta que tão-só os factos que tenham surgido no decurso da produção da prova permitem uma ampliação da base instrutória;
2. Porém, no caso sub judice os factos que a Ré requereu que fossem aditados à base instrutória não surgiram no decurso da produção da prova, mas antes em sede de articulados;
3. De onde, a ampliação da douta base instrutória carece de fundamento legal e, como tal, em caso algum poderia ser admitida;
4. Por outro lado, salvo melhor entendimento, o requerimento oralmente apresentado pela Ré, com vista à ampliação da base instrutória, configura antes um articulado superveniente destinado a modificar ou extinguir o direito do Autor, tal qual o mesmo foi apresentado na sua Petição Inicial;
5. Porém, o conjunto de factos aditados à douta base instrutória nada têm de superoenientes porquanto, não ocorreram depois dos articulados, nem a Ré fez mínima prova de que só teve conhecimento dos mesmos depois de findar o prazo dos articulados (art. 425.°, n.º 2 do CPC) e, como tal, devem os "novos" factos aditados serem retirados da douta base instrutória, por falta de fundamento legal para o seu aditamento;
6. Mesmo que assim se não entenda, tão-só e apenas factos controvertidos poderiam ter sido aditados à douta base instrutória (art. 433.° do CPC);
7. Porém, atento o teor dos articulados não se vê como se poderia ter considerado como controvertidos os factos ora aditados;
8. Bem vistas as coisas, os factos aditados à douta base instrutória nem se revelam necessários, nem são pertinentes à boa resolução do caso, tendo em conta o já aceite e confessado pelas partes em sede de articulados;
9. E mesmo que pertinentes os factos aditados em nada se revelam necessários, porquanto não são controvertidos;
10. No entanto, mesmo que fossem controvertidos, nunca os factos poderiam ter sido aditados à base instrutória, porque a sua junção seria extemporânea tendo em conta as mais elementares regras do direito processual civil ou laboral;
11. Numa breve síntese, o Autor alegou ter sido trabalhador da Ré e que a sua contratação ocorreu posteriormente à celebração pela Ré de um contrato de prestação de serviços, tal qual determinava, ao tempo, o Despacho n.º 12/GM/88;
12. O Autor requereu na sua Petição Inicial que a Ré juntasse aos autos cópia dos «contratos de prestação de serviços» celebrados com a Sociedade de XXX de Macau, Lda. e, em especial, do «contrato de prestação de serviço» e respectivos Despachos de Autorização que permitiram a importação e contratação do Autor para prestar trabalho para a Ré;
13. Com a sua Contestação a Ré juntou o contrato de prestação de serviços n.º 29/94, sem fazer a mínima referência à existência de quaisquer outros contratos de prestação de serviço que tivesse permitido a contratação do Autor e a sua permanência na RAEM;
14. Apenas bem mais tarde, em vésperas de audiência de discussão e julgamento, a Ré fez juntar aos presentes autos um conjunto de contratos de prestação de serviços que a mesma celebrou há mais de uma dezena de anos com a Sociedade XXX de Macau, Limitada;
15. Os referidos contratos sempre estiveram na disponibilidade da Ré, porquanto a mesma é uma dos seus outorgantes;
16. A Ré requereu que os referidos contratos fossem admitidos aos presentes autos, mas nada requereu a respeito da necessidade ou conveniência de uma ampliação da base instrutória, nem muito menos do conjunto de factos que, em concreto, pretendia vir a aditar à mesma;
17. Tão-só depois de declarada aberta a audiência, a Ré requereu que fossem aditados 10 (dez) novos factos à douta base instrutória;
18. Ora, descontada a manifesta falta de colaboração processual por parte da Ré, sempre se deixa ver que o conjunto dos 10 (dez) factos que a Ré pretendeu ver aditada à douta base instrutória, diz respeito a matéria que já há muito o deveria ter sido suscitada, maxime em sede de defesa por excepção aquando da sua Contestação apresentada em Maio de 2009;
19. Por outro lado, tão-só a Ré está em condições de fazer prova dos quesitos que a mesma pretendeu aditar à base instrutória;
20. De onde, a Ré se serve dos seus "próprios erros" para em sede de audiência e julgamento conseguir o que não alegou, não contraditou ou não apresentou em sede de Contestação;
21. Para além do aditamento de novos quesitos, a Ré requereu ainda ao Tribunal a quo que solicitasse oficiosamente aos Serviços de Migração no sentido de clarificar que contratos de prestação de serviço a própria Ré celebrou com a Agência de emprego Sociedade XXX de Macau, Lda;
22. Isto é, a Ré serve-se do próprio Tribunal a quo para "lhe fazer o trabalho de casa", escudando-se no magno princípio da descoberta da verdade material;
23. Para que possam ser formulados novos quesitos sobre factos não articulados pelas partes, é necessário que: a) tenham surgido no decurso da produção da prova; b) que o tribunal os declare com interesse para a decisão da causa; c) que sobre tal matéria tenha incidido discussão;
24. Nos presentes autos, nem o primeiro, nem o terceiro dos referidos requisitos se encontra verificado e, como tal, em caso algum o facto de o tribunal a quo ter considerado que os mesmos seriam relevantes para a boa decisão da causa seria, por si só, suficiente para ter procedido à ampliação da base instrutória nos moldes em que o fez;
25. Os três novos quesitos aditados à douta base instrutória fazem referência a matéria que jamais esteve em discussão nos presentes autos;
26. Com efeito, dos articulados, em lugar nenhum se faz referência à existência dos contratos de prestação de serviços n.ºs 1/1 ou 14/1, ao facto de as vagas dos contratos n.º 9/92, 6/93, 2/94, 1/96 se terem fundido naqueles, ou que os mesmos foram sucessivamente renovados até 15 de Março de 2006;
27. Se é certo que a Ré se serve do conteúdo do doc. 2, junto pelo Autor na sua Petição Inicial, para fundamentar o seu pedido, não deixa de ser estranho que a Ré somente procure extrair do mapa da DSAL o que lhe parece mais favorável;
28. E mais grave ainda é o facto de a Ré nem sequer juntar aos presentes autos a totalidade de contratos de prestação de serviços que a mesma celebrou com a Sociedade XXX de Macau Lda. e que constam do referido doc. 2;
29. Ora, a junção aos autos de determinados contratos e a omissão de outros, deixa revelar a má-fé da Recorrente nos presentes autos e a sua contínua e reiterada falta de colaboração processual.
*
A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 429 a 448, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
  Por sentença de 30/11/2011, foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi a Ré condena a pagar ao Autor a quantia de MOP$417,195.04 acrescida dos juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão final vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, em 30 de Novembro de 2011, e pela qual foi a ora Recorrente condenada a pagar ao Autor, ora Recorrido, os seguintes montantes:
* MOP$198,480,00 a título de diferenças salariais;
* MOP$63,830.04 a título de diferença retributiva por trabalho extraordinário;
* MOP$75,315.00 a título de subsídio de alimentação;
* MOP$71,940.00 a título de subsídio de efectividade;
* MOP$7,630.00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
* juros moratórios sobre cada uma das aludidas quantias, à taxa legal a contar do trânsito em julgado desta sentença.
II. O Autor, ora Recorrido, foi efectivamente contratado pela Ré, ora Recorrente, em Setembro de 1994 ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços 40/94 e posteriomente manteve-se o serviço da Ré por conta do contrato de prestação de serviços 1/96, cuja última renovação, pelo período de um ano, ocorreu em 25 de Junho de 1999, e cuja renovação subsequente necessitava do acordo das partes e precedente acordo do Governo.
III. Nos presentes autos não se apurou se o contrato de prestação de serviços 1/96 decorrido um ano após a sua renovação em 25 de Junho de 1999, foi ou não novamente renovado, por quantas vezes, e até quanto vigorou.
IV. Sem prova de tal facto, o douto tribunal a quo apenas poderia ter tido em conta a duração prevista em tal contrato, não a extrapolando e dando também como provado que esse contrato, com as condições salariais nele inicialmente previstas, justificou a subsistência do vinco laboral que ligou a Recorrente ao Recorrido por mais 8 anos após o prazo da sua última renovação.
V. A decisão é em si mesma contraditória porquanto parte de um contrato de prestação de serviços com uma duração limitada de um ano, para fundamentar a preterição do pagamento de quantias que com base nesse mesmo o Autor teria direito durante os posteriores 8 anos que durou ainda a relação laboral.
VI. O facto constante do ponto 4) da fundamentação fáctica da decisão reporta-se a matéria que intrinsecamente é incompatível com o período de trabalho a que a sentença se reporta, pelo que a sentença padece de nulidade, nos termos do 571 nº 1 al. c) do C.P.C., por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão.
VII. O Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro não constitui a fonte das normas especiais que regem as relações laborais que se estabeleçam entre empregadores de Macau e trabalhadores não residentes, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 24/89/M.
VIII. As normas específicas constantes do Despacho n.º 12/GM/88 regulam apenas o procedimento administrativo para admissão em Macau de trabalhadores não residentes e não determinam um regime jurídico regulador das relações laborais que se estabeleçam entre o empregador e um trabalhador não residente, porquanto, tratando-se de um Despacho, nos termos do então vigente Estatuto Orgânico de Macau, o mesmo foi proferido pelo Governador no âmbito das suas funções executivas, (cfr. artigo 16.º, n.º 2 do Estatuto Orgânico de Macau).
IX. O Despacho do Secretário para a Economia e Finanças mais não é do que um acto administrativo proferido no âmbito do procedimento previsto no Despacho 12/GM/88, de 01 de Fevereiro.
X. O Despacho 12/GM/88 estabelece um processo e um conjunto de condições administrativas para efeitos de obtenção de autorização de contratação de mão-de-obra estrangeira que culmina na prolação de um Despacho de Autorização, mas deste processo e condições administrativas não resulta a obrigatoriedade para a Requerente de contratar em determinadas condições, uma vez que o diploma em apreço carece da imperatividade subjacente ao direito do trabalho.
XI. E, ainda que resultasse de tais condições administrativas aquela obrigatoriedade, por estarmos perante um puro processo administrativo, também as consequências da sua violação se poderiam apenas reflectir no campo administrativo, não tendo qualquer reflexo na relação contratual de trabalho celebrada entre a Recorrente e o Recorrido.
XII. Face à natureza jurídica do Despacho 12/GM/88 não poderá o mesmo, ou qualquer acto administrativo ao abrigo do mesmo praticado, coarctar a liberdade contratual das partes, e gerar na esfera jurídica de qualquer delas direitos ou deveres que não tenham sido livre e reciprocamente acordados.
XIII. Nem as normas do Despacho n.º 12/88/GM, que o douto Tribunal a quo considerou tratarem-se das normas especiais a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-lei 24/89/M, de 03 de Abril, e nem as condições constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade XXX de Macau, Lda. e sobre o qual recai o Despacho de Aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, são passíveis de regular o conteúdo das relações laborais que se venham a estabelecer na sequência da contratação autorizada.
XIV. A relação laboral que se estabeleceu entre a ora Recorrente e o Recorrido rege-se somente pelo princípio da liberdade contratual, princípio esse que foi devidamente observado aquando da celebração do contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido, o qual foi integralmente cumprido pela ora Recorrente.
XV. A Sentença ora em recurso padece do vício de erro na aplicação do direito, tendo incorrectamente interpretado e aplicado as disposições constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro, sendo que deveria ter considerado que tal diploma legal, ou qualquer acto ao abrigo do mesmo praticado, não constitui o regime especial regulador da relação laboral que se estabeleceu entre a Recorrente e o Recorrido (entidade empregadora de Macau e trabalhador não residente).
XVI. Não obstante o devido respeito pelo entendimento que vem sendo sufragado por este douto Tribunal ad quem, e que é também invocado na sentença em recurso, a ora Recorrente não pode deixar de discordar com a classificação como contrato a favor de terceiro do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade XXX de Macau, Lda.
XVII. Na verdade, conforme consta do também douto Acórdão 1026/2009 de 15 de Dezembro de 2009 proferido por este douto Tribunal de Segunda Instância:"[...] Voltando ao caso dos autos a Ré/Recorrente é parte do referido contrato de prestação de serviços, mas o Autor (...) desta acção não é parte do mesmo, como talo contrato não o vincula, por força do disposto no artigo 400º/2 do CCM (correspondente ao artigo 406º/2 do CC de 1996), que prescreve: "2. Em relação a terceiros o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei." (...) tal contrato não é convenção colectiva de trabalho, muito menos acordo tipo que vincula os trabalhadores (...) Aliás, o contrato de trabalho individual assinado pelo Autor, em lado nenhum remete para o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e o terceiro [...]"
XVIII. À celebração do referido contrato de prestação de serviços não está, nem nunca esteve, subjacente a criação de direitos/deveres na esfera jurídica de outrem que não os seus originais outorgantes, sendo que a aprovação administrativa a que foi sujeito não lhe conferiu tal virtualidade.
XIX. Por força do contrato a favor de terceiro, e segundo a definição legal e doutrinal, o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não a de celebrar um outro contrato.
XX. Através do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade XXX de Macau, a ora Recorrente não se obrigou a prestar ou atribuir a um terceiro uma vantagem patrimonial imediata, mas antes a celebrar um outro contrato, concretamente, de trabalho, ao abrigo do qual nasceriam na esfera jurídica do terceiro não só direitos, mas também obrigações, como seja a prestação de trabalho e todas as demais inerentes à relação laboral.
XXI. Não resultam dos autos quaisquer elementos que permitissem concluir que os contraentes - ou seja a Recorrente e a Sociedade XXX de Macau - agiram com a intenção de atribuir directamente ao Autor uma vantagem patrimonial, intenção essa que constitui um elemento essencial do contrato a favor de terceiro e que permite ao este mesmo terceiro exigir o cumprimento da promessa.
XXII. De contrário, sempre se estará perante uma figura próxima, mas distinta do contrato a favor de terceiro, como será o caso dos contratos a que a doutrina alemã denomina de autorizativos de prestação a terceiro, em que, apesar de a prestação se destinar ao terceiro beneficiário, este não adquire a titularidade dela, isto é, não assume a posição de credor e por conseguinte não pode exigir do obrigado a satisfação da prestação.
XXIII. Assim, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade XXX de Macau vincula apenas as partes contratantes, não podendo beneficiar directa ou indirectamente o Autor, e não tem interferência na validade e eficácia do contrato celebrado entre este e a Recorrente, nem no seu concreto conteúdo.
XXIV. Em todo o caso, e ainda que V. Exas. entendam que o contrato de prestação de serviços 01/96, ao abrigo foi possível a manutenção da relação laboral entre as partes a partir de 25 de Junho de 1999, (quer por força do Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro, ou por se tratar de um contrato a favor de terceiro), sempre se diga que da factualidade apurada em sede dos presentes autos e transcrita na decisão sob Recurso não é permitido concluir-se que tal contrato de prestação de serviços 01/96, com um prazo renovação por 1 ano, foi renovado sucessivamente por iguais períodos até ao ano de 2008.
XXV. A simples previsão da possibilidade de renovação, sujeita ao acordo das partes e à aprovação do Governo, não permite, salvo devido respeito por melhor opinião, ao douto Tribunal a quo presumir, sem base legal que lho permitisse, que o contrato de prestação de serviços 01/96, ou qualquer outro mencionado na decisão recorrida, foi sendo objecto de renovações sucessivas até Maio de 2008.
XXVI. A ora Recorrente não confessou_que foi este contrato de prestação de serviços 1/96, ou aquele ao abrigo do qual o Autor foi inicialmente contratado, aquele fundamentou a manutenção da relação laboral entre as partes até 31 de Maio de 2008, e_nem que tenha sido um dos contratos mencionados no ponto 3) da fundamentação de facto da sentença recorrida a fundamentar a manutenção de tal vinculo laboral.
XXVII. O Autor não alegou ter estado todos os anos que durou a relação laboral ao abrigo de um único contrato de prestação de serviços, limitando-se a alegar que foi contratado ao abrigo de um deles e procurando estender as cláusulas desse contrato a todo o período da relação laboral, não tendo produzido qualquer prova de que assim tenha sido, prova essa que lhe cabia, por invocar tal contrato como fonte do seu direito, e que não fez.
XXVIII. O teor da factualidade apurada e transcrita na decisão sob recurso é o espelho dessa falta de prova, sendo visível o esforço argumentativo avançado pelo douto Tribunal a quo para justificar a condenação da Ré, ora Recorrente, a pagar ao Autor diferenças salariais durante todo o período que durou a relação laboral uma vez que não se retira de nenhum ponto da matéria de facto apurada que o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor foi inicialmente contratado tenha sido objecto renovações até 31 de Maio de 2008.
XXIX. Ao beneficiário de um contrato a favor de terceiro ou aceita ou não aceita o beneficio que lhe é concedido, não lhe sendo lícito extrapolar o período pelo qual lhe foram atribuídas as vantagens previstas nesse contrato e nem modificar os termos em que a mesma foi feita, caso não prove que a promessa foi renovada, em que termos foi renovada e por que período adicional o foi.
XXX. Assim, na falta de prova da renovação da promessa de atribuir ao Autor, por um período de um ano a contar de 25 de Junho de 1999, as condições mencionadas no referido contrato de prestação de serviços, o direito do Autor, ora Recorrido, a ver-lhe atribuídos tais condições/benefícios apenas se contém dentro de tal período pelo qual foi realizada a promessa, nos seguintes valores MOP$102,230.00 a título de diferenças salariais, MOP$50,761.16 a título de diferenças salariais referentes ao trabalho extraordinário, MOP$31,785.00 por conta do subsidio de alimentação e MOP$25,200.00 a título de subsidio de efectividade, tudo no total de MOP$209,976.16 (duzentas e nove mil, novecentas e setenta e seis patacas e dezasseis avos).
XXXI. Pelo que, ao ter extrapolado as condições da promessa de que o Autor era beneficiário, nomeadamente, extravasando largamente o período temporal pelo qual os benefícios prometidos o foram, o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 437.º e 438.º, ambos do Código Civil.
*
O Autor respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 491 a 505, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
*
II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores.(A)
2. Desde o ano de 1993, a Ré tem sido sucessivamente autorizada o contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior».(B)
3. Desde 1992, a Ré celebrou com a Sociedade XXX de Macau Lda., os«contratos de prestação de serviços»: n.º 9/92, de 29/06/1992; nº 6/93, de 01/03/1993; nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994; nº 45/94, de 27/12/1994.(C)
4. O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o "Contrato de Prestação de Serviços n.º 40/94 e, posteriormente foi Contrato de prestação de serviços n.º 1/96, ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 Dezembro de 1994, de admissão de novos trabalhadores vindos do exterior.(D)
5. Do contrato aludido em 4. resultava que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$109,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau.(E)
6. A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviços» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes.(F)
7. Entre 03 de Setembro de 1994 e 31 de Maio de 2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”.(G)
8. Trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré.(H)
9. Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades.(I)
10. Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor.(J)
11. A Ré e o Autor acordaram nos termos constantes dos documentos juntos aos autos a fls. 80 a 90, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.(K)
12. Entre 01 de Setembro de 1994 e 30 de Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,500.00 mensais. (L)
13. Entre 01 de Outubro de 1995 e 30 de Junho de 1997 como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,700.00 mensais. (M)
14. Entre 01 de Julho de 1997 e 31 de Março de 1998 como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00 mensais.(N)
15. Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais.(O)
16. Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais.(P)
17. Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais.(Q)
18. Entre 01 de Setembro de 1994 e 31 de Junho de 1997 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora.(R)
19. Entre 01 de Julho de 1997 e 30 de Junho de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora.(S)
20. Entre 01 de Julho de 2002 e 31 de Dezembro de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10.00 por hora.(T)
21. Entre 01 de Janeiro de 2003 e 28 de Fevereiro de 2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.00 por hora.(U)
22. Entre 01 de Março de 2005 e 28 de Fevereiro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora.(V)
23. Entre 01 de Março de 2006 e 31 de Dezembro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.50 por hora.(W)
24. O Autor só teve conhecimento do efectivo e concreto conteúdo de um «contrato de prestação de serviços» assinado entre a Ré e Sociedade XXX de Macau, já depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), a pedido do Autor em Julho de 2008.(1.º)
25. Entre Setembro de 1994 e 30 de Junho de 1997, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia, prestando 4 horas de trabalho extraordinário diárias durante 1033 dias.(2.º)
26. Entre 01 de Julho de 1997 e 30 de Junho de 1999, o Autor prestou 4 horas de trabalho extraordinário por dia, durante 730 dias.(3.º)
27. Entre 01 de Julho 1999 e 30 de Junho de 2002 o Autor prestou 3376 horas de trabalho extraordinário.(4.º)
28. Entre 01 de Julho de 2002 e 31 de Dezembro de 2002 o Autor prestou 216 horas de trabalho extraordinário.(5.º)
29. Entre 01 de Janeiro de 2003 e 28 de Fevereiro de 2005 o Autor prestou 2628 horas de trabalho extraordinário.(6.º)
30. Entre 01 de Março de 2005 e 28 de Fevereiro de 2006 o Auotr prestou 1252 horas de trabalho extraordinário.(7.º)
31. Entre 01 de Março de 2006 e 31 de Dezembro de 2006 o Autor prestou 1264 horas de trabalho extraordinário.(8.º)
32. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.(9.º)
33. Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia Ré – deu qualquer falta ao trabalho.(10.º)
34. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias».(11.º)
35. Entre 08 de Setembro de 2000 e 16 de Julho de 2001 o Autor gozou apenas 10 dias descanso semanal.(12.º)
36. Pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo.(13.º)
37. Não lhe tendo a Ré concedido um dia de descanso compensatório.(14.º)
38. Foi por declaração de vontade do próprio Autor, que durante o período compreendido entre 08 de Setembro de 2000 e 16 de Julho de 2001 trabalhou voluntariamente nos dias de descanso semanal.(15.º)
*
III – FUNDAMENTOS
1) Do recurso final da Ré:
1.1 – Da nulidade da sentença
  Para a Ré, uma vez que não ficou provado que o contrato de prestação de serviços 1/96 decorrido um ano após a sua renovação em 25 de Junho de 1999, foi ou não novamente renovado, por quantas vezes, e até quando vigorou, o Tribunal a quo apenas poderia ter tido em conta a duração prevista em tal contrato, não a extrapolando e dando também como provado que esse contrato, com as condições salariais nele inicialmente previstas, justificou a subsistência do vinco laboral que ligou a Recorrente ao Recorrido por mais 8 anos após o prazo da sua última renovação.
  Nesta conformidade, a sentença ora recorrida é em si mesma contraditória porquanto parte de um contrato de prestação de serviços com uma duração limitada de um ano, para fundamentar a preterição do pagamento de quantias que com base nesse mesmo contrato o Autor teria direito durante os 8 anos posteriores, que durou a relação laboral, pelo que é nula nos termos do 571 nº 1 al. c) do C.P.C., por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão.
  Quid iuris?
  O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão pela forma seguinte:
  “...Não podemos, no entanto, deixar de analisar a pretensão manifestada pela Ré, através do requerimento de fls. 303, onde a mesma vem defender que os contratos de prestação de serviços que estavam em causa nesta acção (cuja existência e respectivo conteúdo já tinha sido dado como assente em C), não foram os únicos a regular a relação jurídica entre as partes, dado que em 15.01.2001, esses contratos deixaram de vigorar e as respectivas vagas passaram a estar agrupadas nas vagas previstas nos contratos de prestação de serviços n.ºs 1/1 e 14/1, com condições de contratação mínimas diferentes daqueles outros.
  Ora, nessa sequência, o tribunal decidiu admitir a junção aos autos do contrato de prestação de serviços n.º 1/1, com as suas sucessivas renovações e decidiu ampliar a base instrutória para esclarecer esta nova factual idade e aquilatar se o Autor esteve ao serviço da Ré, entre 03 de Setembro de 1994 e 31 de Maio de 2008, ao abrigo de outros contratos de prestação de serviços, para além dos já mencionados na alínea C) dos factos assentes, bem como para apurar se as vagas desses contratos se fundiram nos contratos n.ºs 1/1 e 14/1 e se, por força dessa fusão, todos os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré passaram a estar abrangidos pelas novas condições mínimas desses contratos.
  Conforme se extrai da factualidade supra exposta, nada se apurou para além da realidade já confessada pela Ré e, nessa sequência, dada como assente pelo tribunal aquando da selecção da matéria de facto.
  Sabemos, pois, (atento o acordo das partes quanto a este ponto), que foram os contratos de prestação de serviços n.ºs 40/94 e, posteriormente, o 1/96, que estiveram na base da autorização concedida à Ré para admitir o Autor como seu trabalhador, e que esses contratos estabeleceram o tal conteúdo substantivo mínimo da futura relação laboral a favor do trabalhador.
  E não se apura, ao contrário do que defendia a Ré, que essas condições mínimas, constantes do contrato de prestação de serviços n.° 1/96, supra discriminadas no facto 5, tenham sido alteradas durante a vigência da relação laboral que uniu as partes.
  A prova que fica a cargo do Autor, no que concerne aos elementos constitutivos do seu direito derivados do contrato de prestação de serviços, circunscreve-se à demonstração de que a Ré foi sucessivamente autorizada a contratá-lo com base num contrato de prestação de serviços que lhe garante . determinadas prestações, tal como supra assente em 1. a 7. Enquanto titular de uma relação jurídica de trabalho, o Autor tem de provar os respectivos elementos, ou seja, que prestava a sua actividade a outra pessoa, com subordinação jurídica e económica, concretizando, quando se mostre necessário, as prestações a que tem direito como contrapartida do seu trabalho (e esses factos foram todos demonstrados pelo Autor).
  Ressalvando sempre melhor opinião, ao configurarmos o aludido contrato de prestação de serviços como um contrato a favor de terceiro, ao Autor, enquanto beneficiário das prestações nele previstas, incumbia provar o conteúdo dessas prestações e provar que a Ré as assumiu a seu favor, constituindo ónus da Ré, demonstrar em juízo, que tais obrigações se extinguiram ou se modificaram.
  Em conclusão, em face da matéria de facto apurada, julgamos que ao caso serão aplicáveis os valores reclamados pelo Autor com base no contrato de prestação de serviços n.º 1/96, durante todo o período em que durou a relação laboral (tendo em mente que está igualmente provado que a Ré foi sucessivamente autorizada a contratar o ora Autor, que decorre do regime legal supra exposto que o fez obrigatoriamente com base num contrato de prestação de serviços, sendo que certo que, conforme se infere do clausulado nesses contratos, a duração de cada contrato de prestação de serviços variava entre um e dois anos, com renovação por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do governo)... ”.
  Como se deve notar que a Ré procurou defender que o contrato nº 1/96 deixou de vigorar desde 15/01/2001, a partir do qual vigoravam os contratos nºs 1/1 e 14/1.
  Contudo, a sua tese não foi provada em sede da audiência de julgamento e não houve impugnação da decisão da matéria de facto.
  Assim sendo, não tendo a Ré feito prova que a validade do contrato de prestação de serviços nº 1/96 caducou em 25/06/2000, antes ficaram provados que:
* o contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o contrato de prestação de serviços n.º 40/94 e posteriormente o nº 1/96, bem como,
* o Autor continuou a trabalhar para a Ré para o mesmo posto até 31/05/2008,
é lógico e correcto para o Tribunal a quo concluir que a relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré foi sucessivamente renovada ao abrigo do contrato nº 1/96, até ao seu termo.
Não se verifica, portanto, a alegada nulidade da sentença, pelo que é de julgar improcedente o recurso nesta parte.
1.2 – Do mérito da causa
O objecto do recurso da Ré nesta parte consiste em apurar:
1. A qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau, Lda.;
2. O regime jurídico aplicável à relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré; e
3. O quantum compensatório
Sobre as primeiras duas identificadas questões, este Tribunal já se pronunciou de forma unânime em vários processos do mesmo género (cfr. Procs. nºs 722/2010, 876/2010, 805/2010, 837/2010, 574/2010, 774/2010, 838/2010, etc, de 07/07/2011, 02/06/2011, 30/06/2011, 16/06/2011, 12/05/2011, 19/05/2011 e 16/06/2011, respectivamente) no sentido de que:
- O acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade XXX de Macau, Lda é um contrato a favor de terceiro;
- Este contrato é aplicável à relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré.
Com a devida vénia e a propósito de situação igual à que ora nos ocupa, transcreve-se a jurisprudência fixada no Ac. do Proc. nº 838/2010:
“…
  2. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade XXX de Macau, Limitada.
  A propósito dessa mesma questão de direito, o Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou, de forma unânime, em vários processos congéneres, sobre a natureza jurídica do negócio celebrado entre a ora Ré Guardforce e a Sociedade XXX de Macau, Limitada - ct. e.g. os Acórdãos do TSI tirados em 12MAI02011, 19MAI02011 e 02JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010 e 876/2010.
  Não se vê razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.
  Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de XXX de Macau Lda ..
  Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade XXX de Macau Lda., foram definidas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade XXX de Macau Lda. e a serem afectados ao serviços à Ré.
  E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade XXX de Macau Lda. e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.
  O Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade XXX de Macau Lda. como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437° e s.s. do Código Civil.
  Ao passo que a Ré, ora recorrente, não concorda a tal qualificação, sustentando antes que o Autor não poderia reivindicar mais do que o estipulado no contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré.
  Então vejamos.
  Reza o art° 437° do Código Civil que:
 1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
  2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
  O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como "aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)" - Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s ..
  ln casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade XXX de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.
  Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade XXX de Macau Lda.(promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor do Autor (trabalhador) estranho ao contrato (beneficiário), que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao "direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias".
  Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no art° 437°/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.
  Finalmente nem se diga o sufragado no Acórdão do TSI tirado em 15DEZ2009 no processo nº 1026/2009 contraria o acima preconizado por nós, pois nesse Acórdão o Colectivo se limitou a dizer que a cláusula compromissória de competência do tribunal arbitral abrange apenas a relação entre o promitente (a Guardforce) e o promissário (a sociedade XXX de Macau Lda,) e não já a relação entre o promitente e o terceiro (o trabalhador), uma vez que este, o trabalhador enquanto terceiro beneficiário da prestação promitida, tem o direito à prestação que nasce imediatamente na sua esfera jurídica, naturalmente beneficia da autonomia na escolha do meio de tutela, judicial ou arbitral, que lhe se mostra mais conveniente, para o defender, quando o seu direito tiver sido violado ou estiver posto em perigo. Portanto, a cláusula com promissória nunca poderia vinculá-lo.
  O que em nada se mostra incompatível com a circunstância de o Autor, enquanto terceiro beneficiário no âmbito do contrato a favor de terceiro celebrado entre a Ré e aquela Sociedade, poder adquirir, por efeito desse contrato, o direito a ser contratado nas condições que a Ré se comprometeu garantir.”
É a jurisprudência que aponta a boa solução do caso com a qual concordamos na sua íntegra e cujo conteúdo aqui, respeitosamente, fazemos nosso.
Cumpre agora verificar se o quantum compensatório determinado pelo tribunal a quo está correcto, a saber:
1. Diferenças salariais: MOP$198.480,00,
2. Subsídio de alimentação: MOP$75.315,00
3. Subsídio de efectividade: MOP$71.940,00
4. Horas extraordinárias: MOP$63.830,04
5. Compensação de descanso semanal: MOP$7.630,00
Os montantes descritos nos pontos nº 1 a 4 foram calculados com base no contrato de prestação de serviços nº 1/96 e como já chegamos à conclusão, pelas razões acima expostas, de que aquele contrato é aplicável para o caso até ao termo da relação laboral, nada a alterar os valores encontrados.
Quanto ao montante compensatório do descanso semanal, também é de manter porque não foi objecto de impugnação efectiva da Ré, pois limitou-se a dizer ter cumprido aquilo a que estava sujeita no contrato individual de trabalho celebrado entre ela e o Autor, não sendo aplicável ao caso o contrato celebrado entre ela e a Sociedade XXX de Macau, Lda.
Pelo exposto, se conclui que o recurso da Ré também improcede nesta parte.
2) Do recurso interlocutório do Autor:
Face à improcedência do recurso final da Ré, fica prejudicado o conhecimento do recurso interlocutório do Autor.
*
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
* negar provimento ao recurso final da Ré, confirmando a sentença recorrida;
* não conhecer o recurso interlocutório do Autor, por prejudicado.
*
Sem custas para o recurso interlocutório.
Custas do recurso final pela Ré.
Notifique e D.N.
*
RAEM, aos 14 de Junho de 2012.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong





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132/2012