Processo nº 376/2012
(Recurso civil e laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 14 de Junho de 2012
Descritores:
-Contrato a favor de terceiro
-Contratação de mão-de-obra não residente
-Salário mensal
SUMÁRIO:
A celebração de um “contrato de prestação de serviços” entre uma empresa fornecedora de mão-de-obra não residente em Macau e outra empregadora dessa mão-de-obra, no qual esta assume desde logo um conteúdo substantivo mínimo das relações laborais a estabelecer com os trabalhadores que vier a contratar, tal como imposto por despacho governativo, representa para estes (beneficiários) um contrato a favor de terceiro, cuja violação por parte da promitente empregadora gera um correspondente direito de indemnização a favor daqueles.
Processo nº 376/2012
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
A, de nacionalidade filipina, com os demais sinais dos autos, intentou no TJB contra Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança – Limitada, acção de processo comum laboral pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a importância de Mop$ 301.376,00, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.
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Prosseguiram os autos até ao seu termo, tendo vindo a ser proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de Mop$ 275.159,35, acrescida de juros de mora.
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É dessa sentença que ora recorre a ré da acção “Guardforce”, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
I) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo douto Tribunal, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$275,159.35 (duzentas e setenta e cinco mil, cento e cinquenta e nove patacas e trinta e cinco avos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal.
II) A decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece de nulidade decorrente da oposição entre os fundamentos e a decisão, erro de julgamento da matéria de facto e erro na aplicação do direito.
III) Na alínea E) dos factos assentes o douto Tribunal a quo da como provado que “Foi ao abrigo do contrato n. 45/94 que o A. foi recrutado pela Sociedade de Apoio as Empresas de Macau Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a R.”
IV) O douto Tribunal a quo deu ainda como provado que: “Durante todos estes anos, a R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato celebrado com a Sociedade de Apoio as Empresas de Macau, e cujo conteúdo foi reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente; e os concretos contratos individuais que ao longo dos anos foram sendo assinados com o A.” (al. CC dos factos assentes); que “Do conteúdo do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria direito a auferir, no mínimo, a quantia de MOP$OO por dia, por 8horas de trabalho diárias, o que perfaz a quantia de MOP$2,700.00 por mês”. (al. DD dos factos assentes); e que “Enquanto a remuneração horária mínima constante do contrato aprovado pela DSTE era de MOP11.25 (MOP90:8horas) ”. (al. EE dos factos assentes); Do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria direito a auferir a quantia de MOP15.00 diárias, a título de alimentação.” (al. LL. dos factos assentes); e Do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria direito a auferir um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (al. OO dos factos assentes)”.
V) Existe, no entanto, uma contradição insanável entre estes factos e a decisão a final proferida pelo douto Tribunal a quo, uma vez que o contrato de prestação de serviços 45/94, ao abrigo do qual o Autor foi contratado, dispõe, quanto a sua validade nos seguintes termos: “11.1 Sem prejuízo do disposto no precedente no n.º 9.1., o presente contrato terá duração de 2 anos renováveis por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo do Território, a obter até 30 dias antes do seu termo;” e «11.3. Este contrato vigorará desde a data da sua aprovação até à data em que extinguir a primeira validade do título de identificação do trabalhador não residente, emitido pelas Forças de Segurança de Macau (Corpo da Policia de Segurança Pública de Macau). (…)».
VI) Ora, nos presentes autos não se apurou se o referido contrato de prestação de serviços nº 45/94, que esteve na base da contratação do Autor, decorridos os dois anos pelo qual foi celebrado, foi ou não renovado, por quantas vezes, e até quanto vigorou.
VII) Ao ter dado como provada a matéria constante da alínea CC) dos factos assentes, o douto Tribunal a quo fê-lo, sem que existisse nos autos prova de que o contrato de prestação de serviços 45/94, decorridos que foram dois anos da sua celebração e aprovação por parte das autoridades competentes, tenha sido objecto de renovação, por quantas vezes e ate quando terá vigorado.
VIII) Ademais, encontra-se nos autos referência feita pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais - documento n.º 2 junto pelo Recorrido com a petição inicial - a diversos contratos de prestação de serviços, ao abrigo dos quais foram sendo celebrados os diversos contratos de trabalhos entre a ora Recorrente e os seus trabalhadores não-residentes, o que, se demonstra perfeitamente incompatível com ao facto dado como assente pelo Tribunal na referida alínea CC).
IX) Sem a prova de que o contrato de prestação de serviços 45/94 foi ou não renovado, por quantas vezes, e até quanto vigorou, o douto Tribunal a quo apenas poderia ter tido em conta a duração prevista em tal contrato, não a extrapolando, e com base nas condições desse mesmo contrato 45/94, seguindo a tese de que tal contrato é fonte de direitos para o Autor (o que não se concebe), o douto Tribunal de Primeira Instância poderia apenas ter condenado a Ré, ora Recorrente, no pagamento de diferenças salariais vencidas somente no período de duração de tal contrato.
X) O douto Tribunal a quo nunca poderia ter condenado a Recorrente a pagar ao Recorrido as diferenças salariais vencidas num período superior a 10 anos - de 1995 a 2006 -, com base num contrato de prestação de serviços com uma duração de 2 anos - de 1994 a 1996.
XI) Assim, a decisão é em si mesma contraditória porquanto parte de um contrato de prestação de serviços, o contrato 45/94, com uma duração limitada de dois anos, para fundamentar a preterição do pagamento de quantias que com base nesse mesmo o Autor teria direito a receber durante os 10 anos que durou a relação laboral.
XII) Ou seja, o ponto E) da fundamentação fáctica da decisão reporta-se a prova que intrinsecamente é incompatível com o período de trabalho a que a sentença se reporta, pelo que a sentença padece de nulidade nos termos do 571 nº 1 al. c) do CPC, por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão.
XIII) Partindo dos meios de prova existentes nos autos, nomeadamente do documento n.º 2 junto com a petição inicial, e dos factos alegados pelas partes, a ora Recorrente considera incorrectamente julgado o facto constante da alínea CC) dos factos provados.
XIV) No entendimento do douto Tribunal a quo o referido contrato 45/94 terá sido reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente, a ponto de ter justificado as sucessivas celebrações de contratos de trabalho entre a ora Recorrente e o Recorrido. No entanto,
XV) O douto Tribunal a quo não estava habilitado a fazer tal afirmação porquanto, para além de não existir nos autos um único meio de prova que lho permita, tal raciocínio não corresponde à verdade e entra em manifesta contradição com o teor do documento numero 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial.
XVI) O referido documento 2 trata-se de uma análise comparativa das condições de remuneração estabelecidas nos vários contratos de prestação de serviços celebrados entre a Guardforce (Macau) Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada e as condições de remuneração estabelecidas nos contratos de trabalho celebrados entre a Ré e os trabalhadores não residentes, dentre eles o Autor.
XVII) Deste documento, junto pelo Autor e não impugnado pela Recorrente, resulta que a ora Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes, tendo celebrado para o efeito, desde 1992, diversos contratos de prestação de serviços com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., os quais vêm sendo aprovados pelo Governo da RAEM, dentre eles o contrato 45/94.
XVIII) Mais resulta de tal documento que, o Contrato de Prestação de Serviços n.º 45/94, ao abrigo do qual foi contratado o Recorrido, vigorou até 15 de Janeiro de 2001, data a partir da qual “As vagas dos contratos nºs 9/92,6/93,2/94,29/94,45/94,40/94 e 1/96 fundiram-se nos contratos nºs 1/1 e 14/1”.
XIX) É então óbvio que, se o Autor se tivesse mantido ao serviço da Recorrente por força do contrato de prestação de serviços 45/94, teria deixado de trabalhar para a Ré, ora Recorrente, quando o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual foi contratado chegou, definitivamente, ao seu termo, ou seja, de acordo com o referido documento numero 2, em 15 de Janeiro de 2001.
XX) O Douto Tribunal a quo não poderia nunca ter dado como assente a matéria constante da alínea CC) e com base no contrato de prestação de serviços 45/94 que terá vigorado apenas até 2001, conforme resulta do documento n. 2 junto pelo Autor na petição inicial, condenar a ora Recorrente a pagar ao Autor diferenças salariais que alegadamente se verificaram no período compreendido entre 1995 e 2006.
XXI) No que respeita à matéria vertida na alínea CC) dos factos assentes, apenas poderia o douto Tribunal a quo ter dado como provado que “A R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato 45/94 celebrado com a Sociedade de Apoio as Empresas de Macau, que vigorou entre 21 de Dezembro de 1994 e 21 de Dezembro de 1996, e os concretos contratos individuais que, durante esse período, foram assinados com o A..”, ou que “CC) A R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato 45/94 celebrado com a Sociedade de Apoio as Empresas de Macau, cujo conteúdo foi reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente entre 21 de Dezembro de 1994 e 15 de Janeiro 2001, data em que definitivamente deixou de vigorar, e os concretos contratos individuais que, durante esse período, foram assinados com o A..”
XXII) Ao ter dado como assente naqueles termos os factos constantes da alínea CC) incorreu o douto Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto, o que, caso se venha a aderir à solução de direito avançada na decisão ora em crise - o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe -, a alteração do julgamento do Tribunal de Primeira Instância relativamente a este facto, irá acarretar, necessariamente, para além de uma solução conforme à verdade material, que se impõe, importantes alterações no que respeita ao valor da indemnização em que foi a ora Recorrente condenada a pagar ao Recorrido.
XXIII) Salvo devido respeito entende a ora Recorrente que no plano do Direito aplicável ao caso a decisão Recorrida interpretou e aplicou incorrectamente as normas que lhe serviram de fundamento, porquanto, nada na Lei fez nascer na esfera jurídica do Autor os direitos a que se arrogou e reclamou.
XXIV) Nem o Despacho 12/GM/88, nem o despacho de autorização administrativa, nem mesmo o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a entidade fornecedora de mão-de-obra geram os direitos que o Autor pretendeu ver reconhecidos na sua esfera jurídica, não tendo a virtualidade de reger a relação laboral estabelecida entre as partes, ao contrário do decidido pelo douto Tribunal a quo.
XXV) O Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro não constitui a fonte das normas especiais que regem as relações laborais que se estabeleçam entre empregadores de Macau e trabalhadores não residentes, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, porquanto regulam apenas o procedimento administrativo para admissão em Macau de trabalhadores não residentes.
XXVI) O referido diploma ora trata-se de um Despacho, nos termos do então vigente Estatuto Orgânico de Macau, o mesmo foi proferido pelo Governador no âmbito das suas funções executivas (cfr. artigo 16.º, n.º 2 do Estatuto Orgânico de Macau), ao passo que a função legislativa era exercida por meio de Decreto-Lei, conforme dispunha o artigo 13.º do mesmo Estatuto, e
XXVII) A regulamentação das relações laborais - quer elas se estabeleçam entre residentes ou entre residentes e não residentes - não pode nunca caber dentro das funções executivas de um órgão de soberania, nem ser regulada através de um simples despacho.
XXVIII) Parece pois claro que o Despacho 12/GM/88 veio apenas definir os requisitos formais para a contratação de trabalhadores não residentes e não o regime legal a que os respectivos contratos estão sujeitos, curando, tão-somente, do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes, e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
XXIX) Por seu turno o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças mais não é do que um acto administrativo proferido no âmbito do procedimento previsto no Despacho 12/GM/88, de 01 de Fevereiro, pelo que nunca poderia obrigar a Recorrente nos termos em que o Autor pretende.
XXX) Ou seja, o Despacho 12/GM/88 e o acto administrativo subsequente - Despacho de Autorização - carecem de imperatividade.
XXXI) Face à natureza jurídica do Despacho 12/GM/88 não poderá o mesmo, ou qualquer acto administrativo ao abrigo do mesmo praticado, coarctar a liberdade contratual das partes, e gerar na esfera jurídica de qualquer delas direitos ou deveres que não tenham sido livre e reciprocamente acordados.
XXXII) Nem as normas do Despacho n.º 12/88/GM, que o douto Tribunal a quo considerou tratarem-se das normas especiais a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei 24/89/M, de 03 de Abril, e nem as condições constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda. e sobre o qual recai o Despacho de Aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, são passíveis de regular o conteúdo das relações laborais que se estabeleceram na sequência da contratação autorizada.
XXXIII) A relação laboral entre a ora Recorrente e o Recorrido rege-se somente pelo princípio da liberdade contratual, princípio esse que foi devidamente observado aquando da celebração do contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido, o qual foi integralmente cumprido pela ora Recorrente.
XXXIV) Assim, a Sentença ora em recurso padece do vício de erro na aplicação do direito, tendo incorrectamente interpretado e aplicado as disposições constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro e a alínea c) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei 24/89/M, de 03 de Abril.
XXXV) No contrato a favor de terceiro, segundo a definição legal e doutrinal, o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, e a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não a de celebrar um outro contrato, porém,
XXXVI) O que resulta do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau é que esta se comprometia a recrutar determinado número de pessoas para virem a ser contratadas pela Ré para lhe prestarem determinada actividade manual ou intelectual mediante o pagamento de determinada retribuição e outras condições.
XXXVII) Através do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, a ora Recorrente não se obrigou a prestar ou atribuir a um terceiro uma vantagem patrimonial imediata, mas antes a celebrar um outro contrato, concretamente, de trabalho, ao abrigo do qual nasceriam na esfera jurídica do terceiro não só direitos, mas também obrigações, como seja a prestação de trabalho e todas as demais inerentes à relação laboral.
XXXVIII) Também, nunca poderia o douto Tribunal a quo interpretar e qualificar a relação jurídica como contrato a favor de terceiro, porquanto não resultam dos autos quaisquer elementos que permitissem concluir que os contraentes - ou seja a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau - agiram com a intenção de atribuir directamente ao Autor uma vantagem patrimonial.
XXXIX) Para que o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau pudesse ser qualificado como um verdadeiro contrato a favor de terceiro, sempre seria necessário que resultasse dos autos a intenção dos contratantes de atribuir directamente ao Autor (terceiro beneficiário) um crédito ou uma vantagem patrimonial, de tal modo que esta adquirisse o direito à prestação prometida de forma autónoma, por via directa e imediata do contrato, podendo, por isso, exigi-la do promitente, de contrário, sempre se estará perante uma figura próxima, mas distinta do contrato a favor de terceiro, como será o caso dos contratos a que a doutrina alemã denomina de autorizativos de prestação a terceiro, em que, apesar de a prestação se destinar ao terceiro beneficiário, este não adquire a titularidade dela, isto é, não assume a posição de credor e por conseguinte não pode exigir do obrigado a satisfação da prestação.
XL) Resulta, assim, que o(s) contrato(s) de prestação de serviços celebrado(s) entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, não poderá(ão) produzir quaisquer efeitos na esfera jurídica do Autor, que do(s) mesmo(s) não é parte, e não sendo o Autor parte do(s) contrato(s) de prestação de serviços celebrado(s) entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, só com base no contrato de trabalho celebrado entre as partes é que o Autor poderia reclamar da Recorrente quaisquer eventuais direitos, mas esse contrato foi integralmente cumprido pela Recorrente.
XLI) Nestes termos, também quanto a este ponto a sentença recorrida incorre no vício de erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artigos 400º e 437º do Código Civil. I. Caso se adira aos fundamentos de direito da Sentença ora em crise e se entenda que o Recorrido tem direito as diferenças remuneratórias existentes entre o contrato de prestação de serviços 45/94 e o contrato individual de trabalho, terá sempre que ser devidamente levado em conta o período em que o contrato de prestação de serviços 45/94 esteve em vigor, ou seja, até 21 de Dezembro de 1996, ou maxime, até 15 de Janeiro de 2001, caso V. Exas. entendam ter elementos suficientes para tanto, nomeadamente tendo em conta o teor do documento n.º 2 junto com a petição inicial.
XLII) Caso se entenda que dos autos só seria possível apurar que o contrato de prestação de serviços 45/94 apenas teve uma duração até 21 de Dezembro de 1996, o Autor, ora Recorrido, teria apenas direito a auferir as seguintes quantias, a título de diferenças salariais: MOP$19,930.00 e a título de diferenças retributivas por Horas Extraordinárias: MOP$7,989.00;
XLIII) Caso se entenda que dos presentes autos seria possível apurar que o contrato de prestação de serviços 45/94 apenas teve uma duração até 15 de Janeiro de 2001, o Autor, ora Recorrido, teria apenas direito a auferir as seguintes quantias a título de Diferenças salariais: MO.P$65,663.00 e a título de Diferenças retributivas por Horas Extraordinárias: MOP$21,202.00.
XLIV) No que respeita ao subsídio de alimentação e de efectividade, o douto Tribunal a quo, para condenar a ora Recorrente no pagamento dos mesmos, parte dos factos dados como assentes nas alienas L), LL) e MM) e NN) e, com base nas mesmas, procede, no caso do subsidio de alimentação, à multiplicação do número total de dias que o Autor esteve ao serviço da Ré, ora Recorrente, e, no caso do subsidio de efectividade, à multiplicação do número de meses que o Autor esteve ao serviço da Recorrente pelo valor correspondente ao salário de 4 dias. No entanto,
XLV) O subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário e
XLVI) Conforme se retira do contrato de prestação de serviços 45/94, donde resulta para o Autor o direito de receber o referido subsídio mensal de efectividade, para que se atribua de factu tal subsídio ao trabalhador necessário seria ter-se apurado que o trabalhador não deu qualquer falta ao serviço, durante o período em que a fonte de tal direito vigorou.
XLVII) Não foi feita nos presentes autos qualquer prova relativamente à assiduidade do Autor, não se tendo apurado quantos dias de trabalho efectivo ele prestou e nem se alguma vez faltou ao serviço.
XLVIII) Existe assim quanto a estes dois subsídios, é insuficiente a matéria de facto apurada nos presentes autos que permita ao Tribunal a quo sustentar a condenação da Recorrente a pagar ao Recorrido os montantes de MOP$71,895.00 e MOP$56,520.00, a título, respectivamente, de subsídio de alimentação e efectividade.
XLIX) Ainda que assim não se entenda e tendo em conta que o contrato de prestação de serviços 45/94, donde alegadamente nasce o direito do Autor em perceber tal subsídio, caducou em 21 de Dezembro de 1996, e seguindo a linha de raciocínio do douto Tribunal a quo, o Autor terá apenas direito a receber da Recorrente o montante de MOP$9,270.00 (618dias x MOP$15,00), a titulo de subsidio de alimentação,
L) Ou, se entenda que o contrato de prestação de serviços 45/94 durou até 15 de Janeiro de 2001, o Autor terá então direito a receber o valor correspondente aos subsídios de alimentação que receberia durante os 2104 dias que medeiam a data da sua contratação (13/04/1995) e 15 de Janeiro de 2011, no montante de MOP$31,560.00.
LI) Quanto ao subsidio de efectividade, caso não se concorde com o referido em XLVI, tendo em conta que o contrato de prestação de serviços 45/94, donde alegadamente nasce o direito do Autor em perceber tal subsídio, caducou em 21 de Dezembro de 1996, e seguindo a linha de raciocínio do douto Tribunal a quo, o Autor terá apenas direito a receber da Recorrente o montante de MOP$7,200.00 (20meses x MOP$90 x 4), a titulo de subsidio de efectividade,
LII) Ou, caso V. Exas. entendam que o contrato de prestação de serviços 45/94 durou até 15 de Janeiro de 2001, o Autor terá então direito a receber o valor correspondente aos subsídios de efectividade que receberia durante os 68 meses que medeiam a data da sua contratação (13/04/1995) e 15 de Janeiro de 2011, no montante de MOP$24,480.00 (68meses x MOP$90 x 4).
LIII) No que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, o douto tribunal a quo, foi para além do prazo de validade do contrato de prestação de serviços 45/94, nos termos já acima expostos e não tomou em consideração o montante que a ora Recorrente já havia pago ao Autor a título de remuneração por trabalho prestado em dia de descanso semanal.
LIV) Caso se venha a entender que dos autos só resulta prova que o referido contrato de prestação de serviços durou até 21 de Dezembro de 1996, o Autor não terá direito a qualquer montante relativo à diferença que se verifica entre o salário que recebia no período em apreço e o estabelecido num contrato de prestação de serviços que já não estava em vigor.
LV) Caso, se entenda que o contrato de prestação de serviços 45/94 durou até 15 de Janeiro de 2001, o Autor terá apenas direito a receber da Ré o valor de MOP$7,793.42 respeitante ao trabalho prestado em 84 dias de descanso semanal no período que mediou entre 14 de Janeiro de 2000 e 18 de Janeiro de 2002, ao qual se retirou já o montante que o Autor auferiu da Recorrente por força da prestação deste tipo de trabalho.
LVI) Para o caso de V. Exas. assim não entenderem e considerarem ser de aplicar a todo o período peticionado pelo Autor as diferenças salariais existentes entre o contrato de prestação de serviços 45/94 e o contrato de trabalho celebrado entre as partes, ainda assim, ao valor atingido pelo douto Tribunal a quo terá que ser deduzido o valor que pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal o Autor já havia recebido da ora Recorrente, ou seja, o correspondente a um dia de trabalho em singelo, chegando-se assim ao montante de MOP$9,521.00.
LVII) A sentença ora em Recurso violou o disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei 24/89/M, de 03 de Abril, as disposições do Despacho 18/GM188, de 1 de Fevereiro, nos artigos 399.º, 400º e 437º do Código Civil e bem assim o disposto no artigo 17º do Decreto-lei 24/89/M de 3 de Abril.
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O autor da acção respondeu ao recurso, sintetizando as suas alegações da seguinte maneira:
1. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a douta Sentença de que recorre procedeu a uma correcta interpretação dos factos e das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação da Lei e do Direito devendo, em consequência, manter-se na íntegra;
2. É, no mínimo, estranho que a Recorrente venha em sede de alegações de Recurso insurgir-se contra a validade ou limite temporal do contrato de prestação de serviços que a mesma celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, e com base no qual foram celebrados sucessivos contratos de trabalho que permitiram que o Autor tivesse permanecido legalmente em Macau ao serviço da Ré durante mais de uma dezena de anos;
3. Mais estranho se toma a indignação quando foi a Recorrente quem sublinhou na sua Contestação que: “ (…) à data de assinatura dos mesmos (isto é, dos contratos individuais de trabalho celebrados com o Autor) o contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS n.º 45/94 (...), tendo anteriormente sublinhado que: “ (...) as cláusulas dos referidos contratos de prestação de serviços ainda se encontram em vigor, designadamente aquele que diz respeito ao Autor, pelo que são válidas, eficazes e aplicáveis aos presentes autos”;
4. De onde, tendo a Recorrente aceite, sem qualquer reserva, em sede de Contestação, que as cláusulas do Contrato de Prestação de Serviço, maxime do Contrato n.º 45/94, ainda se encontram em vigor, isto é, que são válidas, eficazes e aplicáveis aos presentes autos e que foi com base nas mesmas que outorgou os contratos individuais de trabalho com o Autor, não poderá agora vir a “dar o dito por não dito”, impugnando factos assentes com base nas suas próprias confissões;
5. Ademais, se a Recorrente entendesse que a questão do prazo de validade do contrato de prestação de serviços n.º 45/94 (que a própria Recorrente juntou aos autos como estando ou tendo estado em vigor até ao termo da relação laboral com o Autor) configurava uma questão controvertida, já há muito que o haveria de ter suscitado, maxime em sede de matéria de excepção aquando da apresentação da sua Contestação em Maio de 2009;
6. Acontece, porém, que sabido que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2 do art. 335.º do Código Civil), caberia à Recorrente provar os factos modificativos ou extintivos dos direitos contra si invocados e, em concreto, o facto de na sua opinião o contrato de prestação de serviços que esteve na base da contratação do trabalhador não residente não ter sido o mesmo que terá fundamentado a subsistência da relação laboral que se estabeleceu entre as partes desde o seu começo e até ao seu termo;
7. Não o tendo feito, tendo inclusivamente a Recorrente junto aos autos cópia do contrato de prestação de serviços n.º 45/94 afirmando expressamente tratar-se do contrato com base no qual foram celebrados os contratos individuais de trabalho com o Recorrido (cfr. uma vez mais o art. 38.º da Contestação), a consequência de tal incumprimento de tal ónus de prova é a decisão ter de ser desfavorável à parte onerada... ;
8. A não se entender assim, serão beliscados todos os mais elementares princípios que dão corpo ao nosso Processo Civil (Princípio do dispositivo, Princípio do contraditório, Princípio da cooperação e Princípio da preclusão);
9. De onde não existe qualquer contradição, porquanto foi a própria Recorrente quem invocou e apresentou aos autos o contrato de prestação de serviços n.º 45/94, como tendo sido aquele com base no qual a Recorrente outorgou os contratos individuais de trabalho com o Recorrido;
10. Contradição existiria somente na situação de a Recorrente ter demonstrado que o conteúdo do contrato de prestação de serviços n.º 2/94, não se aplicar à relação laboral em questão ou não ter sido reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e de aprovação por parte da entidade competente.
Por outro lado,
11. No que ao doc. 2 junto pelo Autor na sua Petição Inicial diz respeito é, no mínimo, estranho que a Recorrente venha agora pretender prevalecer-se do conteúdo, quando até hoje e em sede contravencional nunca concordou com o seu teor;
12. Mais estranho se torna, quando se deixa ver que a Recorrente somente procura extrair do doc. 2 o que lhe parece mais favorável...;
13. A mera referência constante do doc. 2 junto pelo Autor na sua Petição Inicial à existência de outros contratos de prestação de serviços, em caso algum poderia afastar, por si só, o ónus de prova que recaía sobre a Recorrente, no sentido de trazer aos autos todos os elementos que pudessem demonstrar a existência ou não de outros contratos de prestação de serviços, tal qual, aliás, a seu tempo requerido pelo próprio Recorrido;
14. De onde, também por aqui, a Recorrente não pode pretender beneficiar das suas “próprias falhas” para, em sede de recurso, procurar atingir o que não consegui alcançar em sede de instrução e produção de prova;
15. Assim, em face do alegado e aceite por ambas as partes, em sede de articulados, em caso algum o Tribunal a quo poderia ter chegado a outra conclusão que não a constante da douta Sentença e, como tal, a mesma não enferma de qualquer vício, ou erro de julgamento da matéria de facto devendo, antes, manter-se na íntegra, o que desde já e para os devidos efeitos se requer.
Quanto à matéria de Direito,
16. Resulta do próprio conteúdo literal do contrato celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio, que o mesmo - na sua quase totalidade - não se destinava a regular as relações jurídicas dos outorgantes mas antes de terceiros, maxime dos trabalhadores que seriam recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e posteriormente cedidos à Recorrente (de entre os quais se inclui o Recorrido);
17. Assim, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindo-se o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrido) adquire o(s) direito(s) - ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.º, n.º 1 do Código Civil de Macau) e, em consequência, poderá exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual concluiu o Tribunal a quo;
18. A este respeito, veja-se, entre muitos outros, o entendimento sufragado pelo Tribunal de Segunda Instância (Processo n.º 739/2009), em muito relacionado ao dos presentes autos, quando se sublinha que: as condições de trabalho em que devem ser contratados os trabalhadores não residentes, constam do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, sendo que este torna de forma clara e expressa uma natureza assumidamente normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes (trabalhadores este que estão excluídos do Regime Geral das Relações Laborais apenas aplicável aos trabalhadores residentes - DL 24/89/M, de 3 de Abril e LRT) obrigando a uma contratação em condições mínimas acordadas com a empresa prestadora de serviços (in casu, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.);
19. Do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, resulta que o despacho (leia-se, despacho da «entidade governamental competente» que autoriza a contratação de trabalhadores não residentes) condiciona a mesma à apresentação prévia de um «contrato de prestação de serviços» celebrado entre a “entidade interessada” e uma “terceira entidade - fornecedora de mão-de-obra não residente” (cfr. n.º 3 e n.º 9 c) do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
20. In casu, quer o «despacho da autoridade governamental» quer o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, vincularam imperativamente a Recorrente a contratar os trabalhadores não residentes - e, em concreto, o Recorrido - em conformidade com as condições mínimas constantes do «contrato de prestação de serviços» celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.;
21. A fixação legal de condições tidas como mínimas, em si mesma constitui um direito que escapa à liberdade da autonomia das partes, visto terem sido consagradas por uma razão - de ordem pública - maxime de protecção dos interesses da generalidade dos trabalhadores residentes (cfr. preâmbulo do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
22. Do mesmo modo, o direito às condições mínimas fixado no despacho de autorização configura um direito indisponível e, porquanto, subtraído ao domínio da vontade das partes;
23. In extremis, nunca o Recorrido poderia ter sido admitido como trabalhador da Recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não respeitasse o disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, maxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes está sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderá ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador;
24. No demais, deve manter-se integralmente a douta decisão.
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença considerou assente a seguinte factualidade:
1. A R. é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A).
2. A R tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de “guarda de segurança”, “supervisor de guarda de segurança”, “guarda sénior”. (B)
3. A R. celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda, os contratos n.º 9/92 de 29 de Junho de 1992; n.º 6/93 de 1 de Março de 1993; n.º 2/94 de 3 de Janeiro de 1994; n.º 29/94 de 11 de Maio de 1994; n.º 45/94 de 27 de Dezembro de 1994. (e.g. doc. n.º 1 junto com a contestação) (C)
4. Os contratos supra identificados dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de recrutamento e cedência de trabalhadores; de despesas relativas à admissão dos trabalhadores; à remuneração dos trabalhadores; ao horário de trabalho e alojamento; aos deveres de assistência; aos deveres dos trabalhadores; às causas de cessação do contrato e repatriamento; a outras obrigações da R; à provisoriedade; ao repatriamento; ao prazo do contrato e às disposições finais, dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à R. (D)
5. Foi ao abrigo do contrato n.º 45/94, que o A. foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a R (E)
6. Entre 13 de Abril de 1995 e 31 de Maio de 2008, o A. esteve ao serviço da R., exercendo funções de “guarda de segurança”. (F)
7. Trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da R (G)
8. Era a R. quem fixava o local e horário de trabalho do A, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (H)
9. Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a R. quem pagou o salário ao A (I)
10. O contrato celebrado entre a R. e o A cessou em 31 de Maio de 2008, por iniciativa da R. (J)
11. A antiguidade do A ao serviço da R. foi de 13 anos, 1 mês e 18 dias. (L)
12. A R. apresentou ao A um contrato e posteriormente assinado pelo mesmo. (doc. n.º 5 junto com a p.i.) (M)
13. O A assinou outros cinco contratos. (docs. nºs 6 a 10 juntos com a p.i.) (N)
14. Os cinco contratos assinados entre o A e a R. correspondem a uma renovação do primeiro contrato assinado com a R. (O)
15. Entre 13 de Abril de 1995 e 30 de Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A, a título de salário, a quantia de MOP$1,500. (cfr. doc. n.º 5 junto com a p.i.) (P)
16. Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A, a título de salário, a quantia de MOP$1,700. (Q)
17. Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A, a título de salário, a quantia de MOP$1,800. (cfr. doc. n.º 11 junto com a p.i.) (R).
18. Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A, a título de salário, a quantia de MOP$2,000. (cfr. doc. n.º 11 junto com a p.i.) (S).
19. Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A, a título de salário, a quantia de MOP$2,100. (cfr. doc. n.º 11 junto com a p.i.) (T).
20. Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A, a título de salário, a quantia de MOP$2,288. (cfr. doc. n.º 11 junto com a p.i.) (U)
21. Entre 13 de Abril de 1995 e 30 de Junho de 1997, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A à razão de MOP$8 por hora. (V)
22. Entre Julho de 1997 e 30 de Junho de 1999, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A à razão de MOP$9.30 por hora. (W)
23. Entre Julho de 1999 e 30 de Junho de 2002, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A à razão de MOP$9.30 por hora. (X)
24. Entre Julho de 2002 e 30 de Dezembro de 2002, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A à razão de MOP$10.00 por hora. (Y)
25. Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$11.00 por hora. (Z)
26. Entre Março de 2005 e 30 de Fevereiro de 2006, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$11.30 por hora. (AA)
27. Entre Março de 2006 e 30 de Dezembro de 2006, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$11.50 por hora. (BB)
28. Durante todos estes anos, a R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato celebrado com a Sociedade de Apoio ás Empresas de Macau, e cujo conteúdo foi reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente; e os concretos contratos individuais que ao longo dos anos foram sendo assinados com o A. (CC)
29. Do conteúdo do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria o direito a auferir, no mínimo, a quantia de MOP$90 por dia, por 8 horas de trabalho diárias, o que perfaz a quantia de MOP$2,700 por mês. (DD)
30. Enquanto a remuneração horária mínima constante do contrato aprovado pela DSTE era de MOP$11.25 (MOP$90/8 horas). (EE)
31. Entre Julho de 1999 e Junho de 2002, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$40,301, que corresponde a 4333 horas de trabalho extraordinário prestadas. (FF)
32. Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$7,105, que corresponde a 710 horas de trabalho extraordinário prestadas. (GG)
33. Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$38,806, que corresponde a 3346 horas de trabalho extraordinário prestadas. (HH)
34. Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$18, 1 08, que corresponde a 1602 horas de trabalho extraordinário prestadas. (II)
35. Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$17,480, que corresponde a 1520 horas de trabalho extraordinário prestadas. (JJ)
36. Do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria direito a auferir a quantia de MOP$15 diárias, título de alimentação. (LL)
37. Ao longo de toda a relação entre a R. e o A., nunca a R. pagou ao A. qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (MM)
38. Do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria direito a auferir um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (NN)
39. Porém, durante todo o período da relação contratual entre a R. e o A., nunca a R. atribuiu ao A. qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias. (OO)
40. Entre 14 de Janeiro de 2000 e 18 de Janeiro de 2002, o A. não gozou 84 dos 105 dias de descanso semanal. (PP).
***
III- O Direito
1- Da nulidade
Considera a recorrente que a sentença padece de nulidade por alegada contradição entre fundamentação e decisão (conclusões I a XII). E isto por ter considerado que a contratação do autor da acção, aqui recorrido, decorreu do contrato de prestação de serviços nº 45/94 – que tinha a duração de dois anos - celebrado entre Guardforce e a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau” (al. E), da especificação), sem que depois desse por provado quantas vezes aquele contrato foi renovado e até quando vigorou. Assim, não podia o tribunal dar como adquirido que a subsistência do vínculo laboral que ligou a recorrente ao recorrido durou por mais de dez anos ao abrigo daquele contrato.
Não tem razão, salvo o devido respeito. Vejamos.
Como é sabido, a oposição invocada (nº1, al. c), do art. 571º do CPC) implica que os fundamentos invocados pelo julgador devessem ter conduzido logicamente a um resultado decisor oposto daquele que foi alcançado (Acs. STJ 1/06/1993, Proc. nº 003146; STJ 31/03/1998, Proc. nº 98ª265). Ou seja, tal nulidade só se dá por verificada quando se detecta um vício de raciocínio que deveria ter conduzido a uma decisão diversa daquela para a qual o raciocínio conduziu efectivamente o seu autor (TSI, de 16/02/2006, Proc. nº 156/2005).
No caso em apreço, não há esse vício, porque a coerência entre fundamentos e decisão é total. No máximo, o que pode existir é, em vez de nulidade, erro de julgamento se os pressupostos com base nos quais o julgador laborou estiverem errados. Mas, aí, a questão é já de mérito (Ac. STJ de 3/08/2001, Proc. nº 00A3277).
Ora, na situação concreta, nada obstaria à celebração de um contrato com aquela duração (2 anos), que fosse posteriormente renovado e ao abrigo do qual pudessem ser celebrados um ou vários contratos de trabalho entre a Guardforce e os trabalhadores. E isso não tinha que estar assim tão minuciosamente explicitado nos fundamentos da decisão, porque esse não era tema central que estivesse em discussão e que tivesse sido objecto de litígio.
E assim é que aquela alínea não entra em colisão com a decisão, até devido ao facto consignado na alínea CC), de que “durante todos estes anos, a R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, e cujo conteúdo foi reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente; e os concretos contratos individuais que ao longo dos anos foram sendo assinados com o A.” (negro nosso).
Ou seja, esta alínea CC) deixa muito claro que “durante todos estes anos” (os anos por que durou a relação laboral) aquele contrato a que também se refere a alínea E), ao ser reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da entidade competente, foi concomitantemente objecto de reiteradas e sucessivas renovações. Cremos que a sua literalidade não deixa margem para dúvidas quanto a isso.
Portanto, não vemos que tivesse havido controvérsia ao longo dos articulados que justificasse que o senhor juiz devesse ir ao preciosismo temporal da duração de cada um dos contratos em causa (prestação de serviço e contrato de trabalho). Na verdade, o que consta da alínea E) é o resultado factual mínimo obtido a partir da posição das partes, que acabou por ser completado com o conteúdo da alínea CC) e que viria a desaguar no resultado fáctico da alínea J), revelador do termo da relação contratual, celebrada e renovada sucessivamente entre A. e R., passando pelo esclarecimento dos 5 contratos celebrados entre as partes (factos das alíneas N) e O). E assim sendo, não podemos entrever na decisão qualquer contradição, nem entre factos, nem entre eles e a decisão.
Improcede, pois, a arguida nulidade.
*
2- Do erro de julgamento da matéria de facto
Prosseguiu a recorrente nas suas alegações, invocando agora o erro de julgamento da matéria de facto (conclusões XIII a XXII).
Para si, a alínea CC) não podia ter sido consignada daquela maneira. O tribunal “a quo”; diz, não estava habilitado a fazer tal afirmação, por nenhum elemento dos autos existir nesse sentido e, por estar em manifesta contradição com o teor do documento nº2 junto pelo autor com a petição inicial. Deste documento, continua, apenas se pode retirar que o contrato nº 45/94 vigorou até 15/01/2001 e que a partir dessa data “As vagas dos contratos nºs 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 45/94, 40/94 e 1/96 fundiram-se nos contratos nºs 1/1 e 14/1”.
Não concordamos. Efectivamente, e como a própria recorrente também reconhece, o autor da acção foi contratado “ao abrigo do contrato nº 45/94” (conclusão XVIII). A partir de 15/01/2001, o que se passaria era outra coisa, segundo o documento em causa. Todas as vagas das contratações permitidas por aqueles contratos de prestação de serviços que não tivessem sido preenchidas transitariam para o preenchimento das quotas dos contratos 1/1 e 14/1. Isto significa que não é legítimo pensar que tais contratos 1/1 e 14/1 tiveram por objectivo reunir todos os contratos anteriores com os números atrás referidos, porque tal não resulta do seu texto.
Ora, acontece que o caso do autor desta acção estava salvaguardado, digamos assim, pelo contrato 45/94 e pelas suas sucessivas renovações, tal como assente na factualidade das alíneas E) e CC). Portanto, não se pode concluir que houve erro de julgamento da matéria de facto apenas com base naquele documento nº2.
E se assim é, e mais ainda porque sem outros adicionais elementos – cuja indicação devia ser feita pela recorrente, nos termos do art. 599º, nº1, al. B), do CPC - que infirmem ou destruam a convicção com base na qual o tribunal efectuou o seu julgamento de facto, não podemos julgar procedente o recurso nesta parte.
*
3- Do mérito do recurso
Nas conclusões seguintes (XXIII e sgs.) a recorrente bate-se contra o efeito jurídico que a sentença extraiu do Despacho nº 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, que regulou a contratação de trabalhadores não residentes na RAEM, para em seguida discordar da natureza do contrato celebrado entre si e a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda”.
Apreciaremos em conjunto ambas as questões por estarem interligadas.
E para tanto, socorrer-nos-emos da solução já anteriormente tomada por este mesmo TSI (Ac. de 2/06/2011, no Processo nº 780/2010), e que passaremos a transcrever:
“1ª questão
Que tipo de relação administrativa se estabeleceu entre Guardforce e a Administração?
Quando a ora recorrida se dirigiu à Administração pedindo admissão, nos termos do Despacho nº 12/GM/88 (leia-se autorização) para contratar não residentes, fê-lo como mero interessado particular que, para ver proferido o acto permissivo, deveria observar certos requisitos.
Superados os primeiros obstáculos através dos pareceres pertinentes favoráveis (cfr. nº9, a, b, do referido Despacho), a entidade competente proferiu despacho de admissão, condicionando-a, porém, à apresentação do contrato a celebrar entre requerente (Guardforce) e entidade fornecedora de mão-de-obra não residente (Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, lda).
Aquele despacho disse ainda que a autorização implicava a sujeição da requerente a determinadas obrigações específicas: a)-manter um número de trabalhadores residentes igual à média dos que lhe prestaram serviço nos últimos três meses; b)- garantir a ocupação diária dos trabalhadores residentes ao seu serviço e manter-lhes os respectivos salários a um nível igual à média verificada nos três meses anteriores; c)- observar uma conduta compatível com as legítimas expectativas dos trabalhadores residentes).
Estamos, portanto, perante um acto administrativo cuja eficácia foi diferida para momento posterior, em virtude de os seus efeitos dependerem da verificação do requisito ulterior (arts. 117º, nº1 e 119º, al.c), do CPA): apresentação do contrato de prestação de serviço com a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente.
Ora, este contrato é, para este efeito, um contrato-norma com estipulações vinculantes para ambas as partes.
Ou seja, a Administração, satisfez-se com a celebração daquele instrumento negocial em que o futuro empregador (contratante Guardforce) declarava contratar futuros trabalhadores não residentes e prometia conceder-lhes as condições e regalias a que ali mesmo, livremente, se deixou subjugar. Claro está que, em nossa opinião, deveria ser mais natural e lógico que a condição fosse mais longe ao ponto de se exigir de todo e qualquer interessado na aquisição de mão-de-obra não residente em Macau a demonstração da efectiva contratação nos moldes em que o compromisso foi assumido perante a entidade fornecedora. Faria mais sentido, realmente, que a condição do acto não se ficasse pela realização de uma mera “declaração de intenções” ou de uma simples “promessa de facere”, que podia não ser, como não foi, cumprida. Na verdade, a vinculação entre as partes contratantes iniciais (Guardforce e Sociedade de Apoio) podia bem ser quebrada sem conhecimento do Governo, o qual assim nada podia fazer para repor as condições de trabalho que estiveram na base da autorização, ou até mesmo para a cancelar. Isto é, parece absurdo que se estabeleçam requisitos de contratação, que as partes iniciais acolheram no contrato-norma para que o despacho autorizativo adquirisse eficácia, e depois o autor do acto se desligue completamente da sorte dos contratos de aplicação dando azo a toda a sorte de incumprimentos e eventuais abusos. Não se deveria esquecer que os contratos de aplicação devem obediência não só ao contrato-norma, como ao acto autorizativo. E por isso mesmo é de questionar quais as consequências derivadas da violação dos contratos celebrados com o trabalhadores e quais os efeitos para estes (futuros e incertos) decorrentes desse contrato-norma. À primeira questão – sem sermos muito categóricos – somos de parecer que nem o Despacho 12/GM/88, nem o contrato firmado na sequência do despacho autorizativo estabelecem sanções. À segunda questão já somos obrigados a responder, e essa é tarefa que nos ocupará já de seguida.
2ª Questão
Quais os direitos para os trabalhadores contratados na sequência daquele contrato de prestação de serviços celebrado entre Guardforce e Sociedade de Apoio?
Tal como a sentença o afirma, ao caso não pode ser aplicável o DL nº 24/89/M, de 3/04, uma vez que este diploma se aplica aos trabalhadores residentes.
E também é certa, em parte, a ideia que emana da mesma decisão, segundo a qual o Despacho nº 12/GM/88 não visa estatuir sobre os contratos a celebrar entre empregadores e trabalhadores não residentes. Visa sim, e nessa medida reflecte-se sobre eles, determinar um conjunto de conteúdos mínimos que o empregador deve respeitar nos contratos a celebrar. Contudo, não desce ao pormenor dos direitos e regalias concretas, embora se refira no art. 9, d.2 ao dever de ser averiguado no contrato de prestação de serviços se se encontra satisfeita a garantia do pagamento do salário acordado com a empresa empregadora. Ora, como pode ser prestada esta garantia se depois do contrato com o trabalhador ninguém mais controla o cumprimento do clausulado! E como garantir no contrato-norma algo que só no contrato de aplicação pode ser constatado! Por conseguinte, só indirectamente se pode dizer que os contratos celebrados com os trabalhadores têm no referido despacho a sua regulação normativa.
A Lei nº 4/98/M, de 29/97, por seu turno, também não passa de um conjunto de normas programáticas inseridas naquilo que é uma Lei de Bases (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais), não preenchendo as necessidades de regulação as normas que constam do art. 9º, uma vez que aí igualmente nada é estabelecido sobre o conteúdo das relações laborais entre aqueles.
Só a Lei nº 21/2009/M de 27/10, sim, define um conjunto de regras a que deve obedecer a contratação de trabalhadores não residentes, mas escapa ao nosso raio de alcance, atendendo ao momento em que surge a lume.
De qualquer modo, assentem os contratos celebrados com os trabalhadores não residentes indirectamente no Despacho nº 12/GM/88, ou derivem eles directamente do contrato firmado entre Guardforce e Sociedade de Apoio, a verdade é que ninguém se atreve a dizer que aquele instrumento contratual e o Despacho em causa são de todo inertes e indiferentes ao clausulado que viesse a integrar o contrato entre empregador e trabalhadores. A questão só se complica na medida em que se trata de pessoas que não intervieram no referido instrumento. Daí que se pergunte a que título dele nasceram direitos para a sua esfera.
Não se pode dizer com total tranquilidade que há lacuna de regulamentação, se for de pensar que a vinculação do instrumento entre Guardforce e Sociedade de Apoio é suficiente, isto é, se for de considerar que, mesmo que por causa do despacho autorizativo e do Despacho 12/GM/88, os direitos nascem com aquele instrumento. Faltaria apurar somente a que título.
(…)
Vejamos.
Segundo o art. 437º do CC:
“1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais”.
No contrato a favor de terceiro, como se vê, existem três elementos pessoais a considerar: dois contraentes e um beneficiário; de um lado, o promitente, a pessoa que promete realizar a prestação e o promissário, a pessoa a quem é feita a promessa; do outro, o terceiro beneficiário, estranho à relação contratual, mas que adquire direito à prestação. Eis aqui um bom exemplo de desvio à relatividade dos contratos ou ao princípio do efeito relativo (inter-partes) dos contratos1.
Claro que se poderia alvitrar que, para valer perante um qualquer terceiro, este deveria ser designado no contrato como beneficiário, o que implicava desde logo a sua identificação. Todavia, este eventual obstáculo tomba sob o peso da norma criada pelo art. 439º, ao permitir que a prestação pode ser estipulada a favor de terceiro indeterminado, bastando que o beneficiário seja determinável no momento em que o contrato vai produzir efeitos a seu favor.
Regra geral, portanto, do contrato nasce um direito a uma prestação2, a uma vantagem3, não uma obrigação4. Por isso se diz que o efeito para a esfera do “beneficiário” deva ser positivo5.
A questão está, agora, em saber duas coisas:
Uma, se esse efeito positivo ou de vantagem é incompatível com a atribuição de deveres; outra, como deve esse efeito ser conferido, isto é, qual a forma de manifestação da prestação.
A primeira questão, é respondida com relativa facilidade. É certo que através de um contrato entre duas partes não pode impor-se apenas uma obrigação a outra pessoa que nele não tenha figurado, enquanto objecto único dos efeitos pretendidos em relação a ela. Isso contraria o espírito da relatividade contratual na sua essência mais pura e escapa, pela letra do preceito transcrito, à sua mais estrita previsão. Não é disso, porém que aqui se trata.
Por outro lado, a imposição de deveres, num quadro mais alargado de uma posição jurídica que também envolva vantagens, não tem qualquer eficácia se o terceiro não os aceitar dentro da sua livre determinação e no quadro do exercício da sua vontade. De resto, é hoje pacífico que podem ser fixados ónus e deveres ao terceiro, sem que com isso resulte afectada a sua margem de liberdade. As partes atribuem-lhe vantagens, se de benefícios o negócio unicamente tratar. Mas, se a atribuição do efeito positivo carecer de uma atitude posterior do beneficiário da qual resulte a assunção de deveres, através da sua adesão por qualquer facto6, não se vê em que isso contrarie o objectivo do contrato. A vantagem é, para este efeito, cindível ou autonomizável. Por conseguinte, tudo ficará cometido ao seu livre arbítrio e alto critério pessoal: o terceiro é livre de acatar ou não os deveres, sendo certo que se a sua resposta for negativa, perderá o direito à vantagem e ao efeito positivo7 resultante daquele contrato.
A segunda pode ser mais problemática, mas a solução acaba por ser pacífica, segundo se crê, se for de entender que “dar trabalho”, isto é, conceder um posto de trabalho, proporcionar emprego a alguém nas condições estipuladas no contrato-norma é uma prestação de facere ou uma prestação de facto8, mesmo que incluída numa relação jurídica a constituir. O contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre Guardforce e Sociedade de Apoio, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito.
De resto, também se não deve negar que, para além do efeito positivo traduzido no próprio emprego prometido oferecer, qualquer cláusula que ali o promitente assumiu em benefício do trabalhador a contratar (v.g, valor remuneratório, garantia de assistência, etc.) ainda representa uma prestação positiva a que Guardforce se obrigou.
Por conseguinte, os obstáculos erigidos na sentença a este respeito, salvo melhor opinião, não têm consistência. O que vale por dizer que, contra a tese da sentença sob censura, o contrato a favor de terceiro será aquele que melhor se adequa à situação em apreço e é nesse pressuposto que avançaremos para as consequências daí emergentes”.
É, como se disse, uma tese que tem vindo a ser seguida sem tergiversações e que aqui, uma vez mais, confirmamos” (no mesmo sentido, v.g., Ac. TSI, de 2/02/2012, no Processo nº 779/2011).
Razão pela qual não vemos como possa dizer-se ter sido feita errada interpretação e aplicação das disposições do Despacho nº 12/GM/88 e da alínea c), do nº3, do DL nº 24/89/M, de 3/04, ou também dos arts. 400º e 437º do CC, como o defendeu a recorrente. O que significa que também nesta parte o recurso improcede.
*
4- Da compensação
Nas conclusões XLII a recorrente labora num exercício condicional, para defender uma indemnização relativa a diferenças salariais, horas extraordinárias, subsídio de alimentação e efectividade diferente da alcançada pela sentença, conforme se entenda que o contrato de prestação de serviços nº 45/94 apenas teve uma duração até 21/12/1996 ou até 15/01/2001.
Todavia, já vimos que o invocado pressuposto da caducidade do referido contrato nº 45/94 não se verifica em nenhuma das datas adiantadas pela recorrente, face às sucessivas renovações dadas por provadas.
E por essa razão teremos que relevar todo o período por que durou a relação laboral.
4.1- Diferenças salariais e horas extraordinárias
Face ao que acabou de expor-se, porque a recorrente limitou o recurso, nesta parte, à consideração de um lapso temporal menor do que o considerado na sentença, não podemos interferir com o julgado no que respeita às diferenças salariais, cuja cifra por isso se deverá manter em Mop$ 105.240,00, nem no que concerne às horas extraordinárias, cujo montante do mesmo modo se deverá sufragar em Mop$ 26.384,35.
4.1- Subsídio de alimentação
Sobre este item, a sentença levou em conta o valor de Mop$ 15,00 diárias (ver ponto 3.1 do contrato de prestação de serviços nº 45/94, a fls. 138 dos autos), que multiplicou pelo número de dias (4793) que o autor esteve ao serviço da recorrente e obteve o resultado de Mop$ 71.895,00.
A recorrente, na mesma linha que manifestara a propósito diferenças salariais e horas extraordinárias, também aqui defende que este subsídio apenas deve ser estudado na perspectiva do limite temporal por si definida (21/12/1996 ou 15/01/2001).
Não obstante, em jeito de subsidiariedade, acaba por insurgir-se contra as contas feitas pelo julgador da 1ª instância e contra o valor obtido na sentença, por entender que para esse apuramento, exceptuando o facto da alínea (PP), ou facto 40, o tribunal não dispunha de elementos que lhe permitissem extrair a noção de que o autor trabalhou todos os dias pelos quais durou a relação laboral e, concomitantemente, condenar a recorrente em Mop$ 71.895,00.
Bem. O que a sentença fez foi multiplicar o número de dias da “antiguidade” do autor/recorrido apurada em função do texto das alíneas (F), (J) e (L), partindo da factualidade assente de que “Ao longo de toda a relação entre a R. e o A. nunca a R. pagou ao A. qualquer quantia a título de subsídio de alimentação” (MM).
Ora, este subsídio tem uma função social radicada numa despesa alimentar efectuada por causa da prestação de trabalho efectiva9. E embora tenha havido por parte da jurisprudência alguma tendência para o considerar prestação retributiva, a verdade é que nem por isso outra a associava, mesmo assim, à noção de trabalho efectivo, tal como, por exemplo, foi asseverado no Ac. da Relação de Lisboa de 29/06/1994, Proc. nº 092324 “ Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina têm vindo a entender que o subsídio de alimentação, sendo pago regularmente, integra o conceito de retribuição .... Porém, estando ligada essa componente salarial à prestação de facto do trabalho, só será devida quando o trabalhador presta serviço efectivo à entidade patronal…”. 10.
Com o art. 260º do Código do Trabalho Português, o panorama mudou de figura, pois o nº2, do art. 260º deixou claro que esse subsídio não devia ser considerado remuneração, salvo nos casos em que o seu valor excede o montante da despesa alimentar. E assim, terá ficado mais claro que ele só é assumido pelo empregador por causa da prestação efectiva de trabalho. Ele “visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade” 11. Ou “…visa compensar uma despesa na qual o trabalhador incorre diariamente, sempre que vai trabalhar…” (destaque nosso)12.
Em Macau, não está regulada a atribuição destes subsídios, mas não cremos que o sentido da sua natureza que melhor se adequa à geografia local é aquele que atrás descrevemos. Por conseguinte, por não estar regulada na lei (DL nº 24/89/M), nem no referido contrato de prestação de serviços nº 45/94 (fls. 137 e sgs. dos autos), deveremos considerá-lo como compensação pela prestação de serviço efectivo.
Logo, da mesma maneira que deverá descontar-se o subsídio nos períodos de férias ou naqueles em que a pessoa está de licença de maternidade, também ele deve ser subtraído quando o trabalhador não prestou serviço por outra qualquer razão13.
Mas, sendo assim, cremos que a sentença deixou escapar o facto de o autor não ter trabalhado todos os dias. Pelo menos, face ao facto 40 contido em (PP), não prestou serviço em 21 dias de descanso semanal. Assim, aos 4793 haveria, desde logo, que abater aquele número de dias e assim sendo apenas teremos que considerar 4772 dias. Todavia, ainda não se sabe quais os dias de descanso que o autor verdadeiramente gozou a título de descanso semanal até Janeiro de 2000 e após Janeiro de 2002, tal como se ignora quais os dias que terá gozado a título de descanso anual e de feriados obrigatórios em todo o período de duração da relação laboral. Razão pela qual terá que se relegar para execução de sentença a liquidação desta vertente indemnizatória.
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4.2- Subsídio de Efectividade
Trata-se de um subsídio que carece de uma prestação de serviço regular e sem faltas, pois assim o diz o contrato nº 45/94 (clásula 3.1: fls. 138 dos autos). Com efeito, o trabalhador teria direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta.
A sentença multiplicou o número de meses da duração da relação laboral (157) por quatro (4) e multiplicou o resultado por 90 patacas, valor de cada dia de salário. Obteve, assim, a quantia de Mop$ 56.520,00.
Ora, apesar de o quesito 16º14 ter sido dado como não provado, cremos que tal não pode obstar ao deferimento da pretensão a este título, porquanto a ausência ao serviço deveria ser matéria exceptiva (art.407º, nº2, b), do CPC) a invocar e provar pela ré demandada e mesmo assim ainda seria necessário que a recorrente demonstrasse que as faltas deveriam ser injustificadas, pois podia ter-se dado o caso de terem fundamento de justificação válida ou até terem assentado nalguma dispensa ao serviço pela ré.
Assim, é de manter o resultado indemnizatório obtido na 1ª instância.
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4.3- Descanso semanal
A este respeito, a sentença entendeu que, a partir da matéria de facto da alínea (PP), a ora recorrente não compensou como devia os dias de descanso (84) em que o aqui recorrido trabalhou, uma vez que só lhe foi pago o dia de salário em singelo.
Vejamos. Temos que considerar que o único período que aqui está em litígio é aquele que decorre entre 14/01/2000 e 18/01/2002, a que, por isso, se mostra aplicável o DL nº 24/89/M.
Ora, sendo assim, para o efeito, o que emerge do disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a), é o seguinte:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1).
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, tal como o concluiu a sentença recorrida. Nesse caso, o valor devido seria Mop$ 180 por cada um dos 84 (ou, o que desagua no mesmo resultado: Mop$ 90x84x2) dias não gozados, o que perfaz Mop$ 15.120,00.
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Em suma, a indemnização a arbitrar é a que resulta da soma de Mop$ 105.240,00 (diferenças salariais) + 26.384,35 (horas extraordinárias) + 56.520,00 (subsídio de efectividade) + 15.120,00 (Descanso semanal). Ou seja, a quantia global de Mop$ 203.264.35.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que, confirmando parcialmente a sentença recorrida, se condena “Guardforce”, ora recorrente, no pagamento:
- Da quantia de Mop$.203.264.35, acrescida de juros legais, contados pela forma referida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo nº 69/2010;
- Da quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença relativa ao subsídio de alimentação e, bem assim, nos juros respectivos a partir da sentença de liquidação.
Custas em ambas as instâncias pela recorrente e recorrido, em função do decaimento.
TSI, 14 / 06 / 2012
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José Cândido de Pinho
(Relator)
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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudos de Direito Civil, pag. 492
2 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, pag. 410;
3 Digo Leite de Campos, Contrato a favor de terceiro, 1991, pag. 13.
4 Ob. cit, pag. 417
5 Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 493. Também, E. Santos Junior, Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito, Almedina, pag. 165.
6 Inclusive pela forma que as partes contraentes entendam indicar: Autor e ob. cit, pag. 519. Nós entendemos que isso pode ser feito pela via do contrato a celebrar.
7 Neste sentido, por outras palavras, ver Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 494.
8 Neste sentido, ver Ac. do TSI no Proc. nº 574/2010, de 19/05/2011 e referências ali feitas à noção de prestar por Pessoa Jorge, in Obrigações, 1966, pag. 55, e Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1º, pag. 336 e 338.
9 Neste ponto, corrige-se a posição anteriormente tomada no proc. nº 781/2011.
10 No sentido de que só deve ser pago nos períodos de prestação efectiva de serviço, ainda Ac. R.P. de 6/05/1995, Proc. nº 9411201; É por isso que ele não deve ser pago nos subsídios de férias e de Natal (Ac. R.E., de 21/09/2004, Proc. nº 1535/04-2).
11 Luis M. Telles de Meneses Leitão, in Direito de Trabalho, Almedina, 2008, pag. 349. No mesmo sentido, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pag. 547 e Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho anotado, Coimbra Editora e Wolters Kluver, pag. 662-663.
12 Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho anotado, 5ª edição, 2007, pag. 498.
13 A não ser nas situações em que a não prestação se fica a dever a causa imputável ao empregador e em que, apesar disso, o trabalhador teve que efectuar a despesa alimentar.
14 Perguntava-se se “durante todo o período da relação contratual entre R. e A, nunca o A., sem conhecimento e autorização prévia da R., deu qualquer falta ao trabalho”
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