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Processo nº 104/2010
Data do Acórdão: 26ABR2012


Assuntos:

prescrição
contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal



SUMÁRIO

1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 104/2010


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, devidamente identificada nos autos e patrocionada pelo Ministério Público, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.

Citada a Ré, contestou deduzindo excepção da prescrição e impugnando a acção contra ela intentada.

Proferido o despacho saneador, pelo qual foi improcedente a invocada excepção da prescrição.

Inconformada com essa decisão da improcedência da excepção da prescrição por ela deduzida, veio a Ré STDM interpor o recurso interlocutório dessa mesma decisão consubstanciada no despacho saneador, alegando em síntese que in casu é de aplicar o prazo especial de 5 anos e portanto no momento da citação já estavam prescritos todos créditos reivindicados pelo Autor.

Notificada a Autora, nada veio responder.

Admitido o recurso e fixado a ele o regime de subida diferida, continuou a marcha processual na sua tramitação normal, e veio a final ser a acção julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar à Autora a quantia de MOP$158.463,44, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar do trânsito em julgado da sentença até integral pagamento.

Inconformada com a decisão final, recorreu a Ré alegando em síntese:

* Não foi demonstrado o comportamento ilícito por parte da Ré para sustentar a condenação, uma vez que a Autora optou por trabalhar voluntariamente nos dias de descanso semanal, anual e em dias de feriados obrigatórios para ganhar mais, ou seja, a correspondente retribuição em singelo;

* A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria forçosamente de ser considerada válida, por se tratar de uma disposição contratual válida e eficaz por força do princípio DE liberdade contratual consagrado no RJRT;

* Vigorou o regime de salário diário entre a Autora e a Ré e não o de salário mensal como assim entendeu o Tribunal a quo; e

* As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário.

Ao que não respondeu a Autora.

Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A fim de nos habilitar a apreciar as questões levantadas nos recursos, passam-se a transcrever infra os factos que ficaram provados na primeira instância:

  A Autora começou a trabalhar para a Ré em 01 de Janeiro de 1981.
  E essa relação laboral cessou em 02 de Janeiro de 1996.
  Como contrapartida da sua actividade laboral, como empregada de casino (潔淨), desde o início da relação laboral até à data da sua cessação, a Autora recebia da Ré uma quantia fixa diária e outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por «gorjetas».
  A quantia salarial fixa da Autora era de MOP$6.60 por dia, desde do seu início do trabalho até 30 de Junho de 1989, desde 01 de Julho de 1989 até 30 de Abril de 1995, a quantia fixa que a Autora auferia era no valor de MOP$10.00 por dia, desde 01 de Maio de 1995 até à data da cessação da relação laboral, a quantia fixa que a Autora auferia era no valor de MOP$15.00.
  E as «gorjetas» eram distribuídas pela Ré a todos os trabalhadores dos seus casinos, e não apenas aos que têm «contacto directo» com os clientes nas salas de jogo, segundo um critério por esta fixado.
  Desde a data em que a Ré iniciou a actividade de exploração de jogos de fortuna e azar e até à data em que cessou a sua actividade as gorjetas oferecidas a cada um dos seus colaboradores pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas, na presença de, entre outros, um fiscal do governo, um membro do departamento de tesouraria da Ré, um "floor manager" (gerente do andar) e um ou mais trabalhadores da Ré.
  Os empregados que não trabalhavam directamente nas mesas ou os que não lidavam com os clientes tinham também direito a receber a distribuição das gorjetas.
  Na sua distribuição interna, os trabalhadores recebiam quantitativo diferente, consoante a respectiva categoria, tempo de serviço e o departamento em que trabalha, fixada previamente pela entidade patronal.
  Tanto a parte fixa como a parte variável (as gorjetas) relevavam para efeitos de imposto profissional.
  As «gorjetas» eram provenientes do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependentes do espírito de generosidade desses mesmos clientes, de cuja contabilização (do seu quantitativo) era feita exclusivamente pela Ré.
  Os rendimentos efectivamente recebidos pela Autora entre os anos de 1984 a 1996 foram de:
a) 1984=48,354.00
b) 1985=50,321.00
c) 1986=47,981.00
d) 1987=51,468.00
e) 1988=55,347.00
f) 1989=58,508.00
g) 1990=73,259.00
h) 1991=62,498.00
i) 1992=63,526.00
j) 1993=59,090.00
k) 1994=61,698.00
1) 1995=64,391.00.
  A Autora prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal, sendo a ordem e o horários dos turnos rotativamente os seguintes:
  1)1° e 6° turnos: das 07H00 até 11H00, e das 03H00 até 07H00;
  2) 3° e 5° turnos: das 15H00 até 19H00, e das 23H00 até 03H00 (dia seguinte);
  3) 2° e 4° turnos: das 11H00 até 15H00, e das 19H00 até 23H00.
  A Autora sempre prestou serviços nos seus descansos semanais.
  E não foi compensado com outro dia de descanso pela Ré por cada dia de descanso semanal não gozado.
  A Autora prestou serviços também nos feriados obrigatórios de 1 de Outubro do ano 1984, de 1 de Janeiro, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1985, 1986, 1987 e 1988, bem como de 1 de Janeiro do ano 1989.
  A Autora prestou também serviços nos restantes feriados obrigatórios, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong do ano 1984, 3 dias do Ano Novo Chinês, 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong dos anos de 1985, 1986, 1987 e 1988, bem como 3 dias do Ano Novo Chinês do ano 1989.
  A Autora prestou serviços nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1989, de 1 de Janeiro, 3 dias do ano novo chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1990, 1991, 1992, 1993, 1994 e 1995.
  A Autora prestou serviços ainda nos restantes feriados obrigatórios de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao, 1 dia de Chong Yeong e 1 dia de Cheng Meng dos anos de 1989, 1990, 1991, 1992, 1995, 1 dia de Cheng Meng, 1 dia de Chong Chao, 1 dia de Chong Yeong do ano de 1993, 1 dia de 10 de Junho e 1 dia de ChongYeong do ano de 1994.
  À Autora nunca lhe tinha sido pago qualquer compensação salarial pelos serviços prestados quer nos feriados obrigatórios remunerados quer não remunerados.
  A Autora prestou serviços à Ré nos seus descansos anuais.
  A Autora nunca gozou descansos anuais, respeitantes ao período compreendido entre 01 de Setembro de 1984 a 31 de Dezembro de 1995.
  A Ré nunca procedeu ao pagamento de qualquer quantia à trabalhadora (ora Autora) quer por descansos semanais quer por descansos anuais e feriados obrigatórios não gozados, quer remunerados quer não remunerados.
  A Autora tinha direito de pedir licença, mas essas licenças sendo concedidas, não eram remuneradas, quer no que se refere a salário diário, quer em «gorjetas».
  Sempre que um trabalhador quisesse gozar de um ou mais dias de descanso requeria junto da Ré que, caso a caso, deferia de acordo com um critério por si estabelecido.
  A Autora gozou de 53 dias de descanso em 1993, entre eles 1 dia de feriado obrigatório não remunerado de 10 de Junho de 1993, 72 dias de descanso em 1994, entre eles os 2 dias de feriado obrigatório não remunerado de 5 de Abril e 21 de Setembro de 1994, 81 dias de descanso em 1995 e 1 dia de descanso de feriado obrigatório remunerado de 1 de Janeiro de 1996.

II

O recurso interlocutório

Então começamos a debruçarmos sobre o recurso interlocutório.

O recurso interlocutório interposto pela Ré prende-se com o prazo de prescrição dos créditos ora reivindicados pela Autora.

A recorrente STDM entende que, nos termos do disposto no artº 303º/-f) do CC, é de cinco anos o prazo de prescrição dos créditos reclamados pela Autora.

Para tal alega que quando foi citada em 13DEZ2008, já estão prescritos os créditos ora reclamados.

Não tem razão a recorrente.

Estão em causa créditos que resultam do contrato de trabalho celebrado entre a Autora ora recorrida e a Ré ora recorrente, no que diz respeito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descansos semanais e anuais, assim como nos dias de feriados obrigatórios.

Trata-se de remuneração do trabalho subordinado.

Ora, ao contrário do que defende a ora recorrente, os créditos resultantes da prestação do trabalho subordinado não se integram em qualquer das alíneas do artº 303º do CC.

Mas de acordo com a jurisprudência pacífica deste Tribunal de Segunda Instância, durante o período do tempo a que se reportam os factos dos presentes autos, não existe quer no regime jurídico das relações laborais (Decreto-Lei nº 24/89/M) quer na lei geral (Código Civil) qualquer norma especial que estabelece um prazo especial da prescrição dos créditos resultantes da prestação de trabalho subordinado.

Assim, há que recorrer aos preceitos gerais consagrados no Código Civil.

Ora, o Código Civil de 1966 previa que o prazo ordinário de prescrição era de 20 anos (artº 309º), ao passo que é de 15 anos o prazo ordinário de prescrição previsto no Código Civil de 1999 (artº 302º).

Como os créditos reclamados pela Autora, ora recorrida, venceram-se parcialmente na vigência do código de 1966, há que portanto averiguar qual será a lei aplicável.

No que diz respeito aos créditos alegadamente vencidos antes da vigência do novo código, se aplicável a lei antiga que fixa o prazo de prescrição em 20 anos, obviamente não estão prescritos os mesmos créditos.

Com vimos supra, o tal prazo de 20 anos foi reduzido para 15 anos pelo código de 1999.

Assim, põe-se a questão da aplicação da lei no tempo.

Ora, a questão encontra solução no disposto no artº 290º do actual Código Civil, que reza:

1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
2. A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.
3. O disposto nos números anteriores é extensivo, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade.
Face ao preceituado nesse artº 290º, os créditos ora reclamados alegadamente vencidos antes da entrada em vigor do código de 1999, continuam a ser regidos pela lei antiga por força do artº 290º/1, in fine.

Nos termos do disposto no artº 27º/3 do CPT, a notificação do réu para a tentativa de conciliação interrompe os prazos de prescrição e caducidade.

Assim, tendo a Ré sido notificada para a tentativa de conciliação em 18NOV2008, já estão prescritos os créditos reclamados pela Autora anteriormente a 18NOV1988.

Pelo exposto, não andou bem o Mmº Juiz a quo ao julgar totalmente improcedente a excepção de prescrição deduzida pela Ré, deveria antes julgar parcialmente procedente a excepção de prescrição, julgando prescritos os créditos reclamados pela Autora anteriormente a 18NOV1988.

Assim, procede parcialmente o recurso interlocutório interposto pela Ré.

III

Perante as volumosas conclusões na motivação do recurso, é de frisar que ao tribunal de recurso não cabe debater com as partes, recorrente ou recorrida, todos os argumentos por elas deduzidos para sustentar a sua posição face às questões por elas ou contra elas levantadas, mas sim só as questões que, face à lei processual, devam e possam constituir o objecto do recurso, assim como as questões de conhecimento oficioso.

Assim, de acordo com o globalmente alegado nas conclusões do recurso, são as seguintes questões, elencadas numa relação subsidiária, que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória, para além da questão que a recorrente levantou acerca da falta da prova dos factos demonstrativos da ilicitude da acção ou omissão da Ré.

Ora, quanto a esta última questão que se prende com a matéria de facto, a ora recorrente não fez mais do que sindicar a livre apreciação de prova feita pelo Tribunal a quo.

Atendendo às provas produzidas e examinadas no julgamento da matéria de facto e tendo em conta a regra estabelecida no artº 558º/3 do CPC, não se vê que existe erro grosseiro na apreciação de prova nem violação de quaisquer regras da prova legal.

Improcede assim essa parte.

Passemos então a apreciar as seguintes questões de direito.

1. da existência do contrato de trabalho;
2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios;
3. da natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;
4. do salário diário ou mensal; e
5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

1. da existência de contrato de trabalho

A noção do contrato de trabalho encontra-se legalmente definido como “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” – cf. artº 1152º do CC de 1966 e artº 1079º do CC de 1999.

São portanto elementos essenciais de uma relação de trabalho, objecto de um contrato de trabalho, a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

Globalmente interpretada a matéria de facto assente, verifica-se a demonstração dos factos susceptíveis de integrar no conceito desses três elementos constitutivos de uma relação de trabalho estabelecida entre o trabalhador e a entidade patronal STDM.

De facto, dessa relação resulta por um lado que, o trabalhador se obrigava a prestar uma actividade (exercício das funções no âmbito das actividades de exploração dos casinos) ou pelo menos se encontrava à disposição da entidade patronal para o exercício dessa actividade, sob as ordens, directivas e instruções da entidade patronal, e por outro lado que a entidade patronal STDM organizava e dirigia essa actividade a prestar pelo trabalhador, mediante a emissão dessas ordens, directivas e instruções, com vista a um resultado que está fora da relação entre eles travada, que é justamente a exploração dos casinos e obtenção de lucros.

Verificam-se assim os elementos da prestação do trabalhador e a subordinação jurídica.

Quanto ao elemento de retribuição, vimos na matéria de facto assente que em troca da actividade por ele prestada ou da disponibilidade da força do seu trabalho, o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, como contrapartida dessa actividade ou disponibilidade uma retribuição pecuniária, consubstanciada no pagamento periódico de uma quantia fixa e de uma outra variável (as gorjetas, qualificadas como parte integrante do salário por razões que se expõem infra).

Verificados os três elementos essenciais de uma relação de trabalho, é evidente que estamos perante um contrato de trabalho celebrado entre a entidade patronal STDM e o trabalhador.

Cremos assim que as questões a ser apreciadas infra deverão ser enquadradas no âmbito de aplicação dos diplomas reguladores das relações de trabalho então vigentes, que são o Decreto-Lei nº 101/84/M e o Decreto-Lei Nº 24/89/M, consoante a localização temporal dos factos com relevância à solução das questões que delimitam o objecto da presente lide recursória.

2. do direito de gozo de descansos semanais e anuais, e de feriados obrigatórios

Aqui, para excluir a sua responsabilidade pelas compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios remunerados, a entidade patronal invocou a renunciabilidade do direito de gozo desses descansos e feriados para sustentar a ausência da ilicitude do seu comportamento no âmbito da execução do contrato de trabalho celebrado com o trabalhador.

Ora, independentemente da qualificação ou não das “gorjetas” como parte integrante do salário, o trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios na vigência do Decreto-Lei nº 24/89/M deve ser sempre compensado pelo pagamento de retribuição correspondente nos termos fixados na lei.

E no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, deve ser compensado apenas o trabalho prestado em dias de descanso anual, assim como o trabalho prestado somente nos 3 dias de feriados obrigatórios (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro) nas situações previstas no artº 21º/1-b).

Todavia, atendendo à natureza contínua inerente ao funcionamento dos casinos explorados pela entidade patronal onde prestava serviço o trabalhador, o trabalho por ele prestado não lhe confere o direito a qualquer acréscimo salarial, por força do artº 21º/1-c), a contrario.

Não tendo o trabalhador recebido da entidade patronal STDM as correspondentes retribuições pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios, tal como imperativamente consagrados na lei, tem agora o trabalhador direito a reclamar, por via da acção cível, da entidade patronal as compensações devidas.

Pois, mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal STDM, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a esses descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa dessas normas que confere ao trabalhador o direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º do Decreto-Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

O que é gerador da nulidade do acordo, por violação da lei imperativa – artº 274º do CC de 1999 e artº 281º do CC de 1966.

Eis a ilicitude do comportamento da entidade patronal, que a faz incorrer na responsabilidade de indemnizar o trabalhador.

3. da natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado

Da materialidade fáctica assente resulta que:

* o trabalhador recebia uma quantia fixa, no valor de MOP$6,60, MOP$10,00 e MOP$15,00 por dia, desde o início até à cessação da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM;

* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são contabilizados e distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a categoria dos beneficiários;

Tanto o Decreto-Lei nº 101/84/M como o Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei impõe que o salário seja justo.

Diz o artº 27º do Decreto-Lei nº 101/84/M que “pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”.

Ao passo que o D. L. nº 24/89/M de 03ABR estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, pagar-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.

A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.

In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.

Se levássemos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, esta quantia “tão diminuta” ser-nos-ia obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.

Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa do rendimento que a trabalhadora auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.

Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste nas quantias denominadas “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.

Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa tão diminuta como seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.

Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.

4. do salário diário ou mensal

A entidade patronal defende que o trabalhador auferiu salário diário e não salário mensal.

Como a determinação da natureza diária ou mensal do salário que auferiu influi nos cálculos das compensações em causa, temos de nos debruçar sobre ela.

Ao contrário do que foi decidido na primeira instância, a recorrente defende que o trabalhador auferiu um salário diário e não mensal.

Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas.

Ora, para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é a única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço.

Sem mais considerações, improcede assim o argumento defendido pela entidade patronal de que o trabalhador auferia um salário diário.

5. dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

Pelo que vimos, ficam decididas a irrenunciabilidade dos descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios, a responsabilidade de indemnização por parte da entidade patronal pelo trabalho prestado nos dias de descansos e de feriados, a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário e a natureza mensal do salário que o trabalhador auferia, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.

a) compensação do trabalho em descansos anuais

Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 101/84/M em 01SET1984, vigorava plenamente o princípio da liberdade contratual e da autonomia privada, sem quaisquer condicionalismos garantísticos legais, não havia lugar a quaisquer compensações senão as contratualmente convencionadas.

Já na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, ou seja, no período compreendido entre 01SET1984 e 02ABR1989, já foram estabelecidas algumas garantias aos trabalhadores, nomeadamente a compensação obrigatória pelo trabalho prestado em dias do descanso anual – artºs 24º/2 e 23º/1 (que são 6 dias).

Acerca do descanso anual, os artºs 23º e 24º prescrevem:
Artigo 23.º (Aquisição do direito a descanso anual)
1. O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios.
2. Nos casos em que a duração da relação de trabalho for inferior a 12 meses, mas superior a 3 meses, o período de descanso anual a que o trabalhador tem direito é o proporcional, na medida de 1/2 dia por cada mês ou fracção de duração da relação de trabalho.
3. Para os efeitos do disposto no número anterior, cada mês considerar-se-á completo às 24 horas do correspondente dia do mês seguinte; mas se no último mês não existir dia correspondente ao inicial, o prazo finda no último dia desse mês.
Artigo 24.º (Marcação do período do descanso anual)
1. O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2. No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual vencidos mas não gozados, a fórmula é:

1 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados.

Nos termos do disposto no artº 21º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada ano civil.

Nos termos do disposto no artº 24º do mesmo diploma, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar.

In casu, não resulta da matéria de facto provada que o trabalhador foi impedido pela entidade patronal de gozar os seus descansos anuais, não se deve aplicar assim a forma de multiplicação a que se refere o citado artº 24º.

E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual mas sem impedimento por parte da entidade patronal, afigura-se-nos correcto aplicar por analogia o regime previsto para a situação análoga no caso de descanso semanal, prevista no artº 17º/5 e 6.

Isto é, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de descanso anual, sem constrangimento da entidade patronal, deve dar analogicamente ao trabalhador o direito de ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, vencidos mas não gozados, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados, caso o trabalhador não tenha sido impedido pela entidade patronal de os gozar.

b) compensação do trabalho em descanso semanal

Como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, não há lugar à compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.

Ao passo que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei já regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

c) compensação do trabalho em feriado obrigatório

Tal como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, só é de compensar o trabalho prestado naqueles três dias de feriados obrigatórios remunerados (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro), mas apenas nas situações previstas no artº 21º/1-b), já não também na hipótese prevista no artº 21º/1-c), que é justamente a situação dos presentes autos, ou seja, a prestação do trabalho seja indispensável para garantir a continuidade do funcionamento da entidade patronal.

Portanto, in casu, como a entidade patronal, enquanto concessionária da exploração dos jogos, obrigava-se por lei e pelos termos do contrato de concessão a manter em funcionamento contínuo, não há lugar a compensações do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M.

No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:

1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.

Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).

Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.

Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.

A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.

Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar o trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:

3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).

Verificando-se que os factores de multiplicação aqui enunciados por nós são exactamente os que foram aplicados na sentença ora recorrida.

Apesar do decidido no recurso interlocutório interposto pela Ré, isto é, julgados prescritos os créditos reclamados pela Autora anteriores ao mês de Novembro de1988, o certo é que nenhum reparo a fazer no dispositivo da sentença recorrida, uma vez que, estranhamente, não foram atribuídas pela sentença recorrida quaisquer compensações vencidos anteriormente ao mês de Novembro de 1988.

Portanto, é de manter na íntegra a sentença de 1ª instância

IV

Pelo exposto, acordam em:

* julgar parcialmente procedente o recurso interlocutório da Ré; e
* julgar improcedente o recurso da sentença final, mantendo-se na íntegra a sentença de 1ª instância.

Custas pela Ré na proporção do decaimento do recurso interlocutorio.

Custas pelas partes na proporção do decaimento em ambas as instâncias.

RAEM, 26ABR2012


Lai Kin Hong
(enquanto relator, fiquei vencido apenas quanto às custas a cargo da Autora, que na minha óptica, deve estar isento por força do espírito subjacente ao artº 2º/1-f) do RCT)

João A. G. Gil de Oliveira

Choi Mou Pan
(Subscrevo a decisão da parte que não estão em disconformidade com a nova posição assumida após o acórdão proferido no processo nº 780/2007.)