Processo nº 454/2010
Data do Acórdão: 17MAIO2012
Assuntos:
Processo disciplinar
Falta injustificada
Demissão
SUMÁRIO
A não comparência ao serviço, sem qualquer justificação, durante mais de 108 dias úteis, de um funcionário público, ciente de uma ordem interna que impõe a obrigação de comunicar qualquer impedimento de comparência, dúvidas não restam que a sua conduta integra efectivamente a violação dos deveres de assiduidade e de obediência, de tal forma grave que inviabiliza a manutenção da situação jurídico-funcional.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 454/2010
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
A, ex-intérprete-tradutor chefe do quadro de pessoal da Direcção dos Serviços de Finanças, devidamente identificado nos autos, vem recorrer contenciosamente do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 12ABR2010 que lhe aplicou a pena de demissão (constante das fls. 34 e s.s. do processo instrutor e que se dá aqui por integralmente reproduzido), concluindo e pedindo:
1º
O Recorrente devido ao seu estado de saúde ausentou-se do serviço e por total impossibilidade nunca apresentou em tempo quaisquer atestados médicos justificativos das faltas injustificadas, não tendo agido de forma motivada, consciente, dolosa.
2º
A provar estes factos foi junto um relatório médico com a contestação no processo disciplinar, que apesar de junto tardiamente, é capaz de comprovar a doença do Recorrente, de demonstar a veracidade dos factos alegados, muito embora não exclua a injustificação das faltas, afasta do requisito da culpa realtivamente à falta de assiduidade.
3º
A junção do relatório médico, destinado a demonstrar a realidade dos factos alegados, não foi sequer apreciado ou valorado positivamente em sede de instrução do processo disciplinar.
4º
Este documento têm força probatória plena, só podendo fazer-se prova contrária através da arguição da falsidade do documento.
5º
Nesta parte o relatório de processo disciplinar que deu base ao acto que se impugna, está eivado de raciocínios conclusivos, e vai contra a relevância da prova documental apresentada - o relatório médico.
6º
As faltas ao serviço, só por si, não implicam que se mostrem preenchidos os pressupostos de aplicação da pena de demissão, é necessário que a conduta faltosa pela sua gravidade e pelas circunstâncias em que ocorreram mereça uma censura que conduza à possibilidade de aplicação da pena de demissão.
7º
Não constam quaisquer factos que possam fundamentar o desinteresse do Recorrente pelo serviço e muito menos o desinteresse grave, não se mostrem preenchidos os pressupostos de aplicação da pena de demissão, importando que se pondere se as circunstâncias do caso correspondem a uma verdadeira gravidade.
8º
A conduta do Recorrente, pelas circunstâncias em que ocorreram, não é suficiente para aplicação da pena de demissão.
9º
Nada indicia que da conduta do Recorrente tivesse havido perturbação do serviço, que possa ter provocado grave lesão do interesse público, quer em concreto, bem como em geral e abstracto, ou posto em causa quaisquer outros valores ou interesses, como a segurança, a ordem pública, a eficácia e o bom nome do serviço de Finanças, não se vislumbram quaisquer danos, quer patrimoniais quer morais, resultantes da sua conduta, e no que respeita à afectação da imagem do serviço e da instituição funcionou a regra da livre apreciação da prova, de acordo com a convicção e com base na percepção, mas nunca fundamentando essa convicção que tem sobre a realidade dos factos.
10º
A decisão ora recorrida aplicou uma pena inadequada, demasiado gravosa e injusta, violando o princípio da proporcionalidade, por inadequação da pena aos factos considerados como provados, incumbia à entidade administrativa que decidiu pela pena de demissão o ónus de provar as suas afirmações, tem o ónus da prova desses factos.
11º
O valor do dever de obediência é a obrigação que tem o funcionário de acatar e de cumprir as ordens emanadas dos seus legítimos superiores hierárquicos, mas o Recorrente, desconhecia a mencionada ordem interna e, não estava em condições de saúde para poder informar o serviço da sua ausência.
12º
O referido dever proveniente da mencionada ordem interna, não é susceptível de ser examinado no seu conteúdo e avaliada a sua adequação ao conjunto das normas vigorantes para a actividade, não se conhece qualquer documento relativo a uma ordem interna do serviço que possa ser objecto de discussão e apreciação, não havendo qualquer possibilidade de reflexão e de contraposição do seu conteúdo, o que não se conforma com os fins da actividade administrativa e aos fins da administração pública.
13º
Um responsável de serviço, que tem deveres mais exigentes e possui um nível hierárquico e intelectual maior, ao emanar ordens internas na forma verbal, não pode exigir do Recorrente com distintas qualificações e atribuições o mesmo grau de percepção no seu cumprimento, em especial quando este desconhecia tal dever, sendo inconcebível para quem ocupa um cargo de nível inferior, que tenha o mesmo poder de reacção e percepção de quem ocupa um lugar de nível superior.
14º
Ainda que fosse do conhecimento do Recorrente, a obrigação de obedecer a tal ordem interna não o submeteria e a uma condição de subserviência que lhe impedisse de reflectir sobre o seu conteúdo e sobre a sua adequação aos fins a que se destinavam.
15º
Concluir que o Recorrente agiu premeditadamente, com a intenção de não regressar ao serviço é infundado, conclusivo, inaceitável e não permitido em sede decisória de direito.
16º
A premeditação que se quer impor, não existiu, não está provada, é da total liberdade do Recorrente retirar os seus bens do serviço no momento em que ache mais oportuno, sendo forçoso e conclusivo decidir conforme o relatório da decisão de pena de demissão.
17º
Este facto não concorre com as faltas dadas e, muito menos traduz uma violação grosseira e dolosa do dever de assiduidade ou dever de obediência, bem como não constitui qualquer violação de princípios gerais e especiais da actividade administrativa, de premeditação, ou faz verificar um grave prejuízo para o serviço ou interesse público.
18º
A prova produzida nos autos disciplinares não se afigura suficiente para concluir pela pena de demissão, houve uma errada percepção na utilização das provas, bem como um desvio na valoração das mesmas, o que coloca em crise a credibilidade de tal prova, violando o princípio de presunção de inocência do Recorrente, fornecendo deste modo erróneos elementos para o sentido da opção da decisão.
19º
Analisados os autos de procedimento disciplinar e uma vez aferidos os elementos probatórios nele produzidos e recolhidos em sede de instrução, não se vislumbram as procedentes provas apontadas, constituindo antes um processo de raciocínios conclusivos sem certezas.
20º
O conteúdo do acto de que se recorre é de carácter geral e abstracto, acabando por não definir e justificar em concreto a conduta que o Recorrente consubstanciou para motivar a decisão de pena de demissão.
21º
A Administração deve fundamentar os seus actos, o que a obriga a procurar o acerto na decisão de forma a facilitar o controlo da legalidade do acto por parte do seu destinatário.
22º
Em violação do disposto na alínea e) do artigo 113º e dos artigos 114º e 115º do CPA, o acto ora recorrido não está plenamente justificado, não demonstra a responsabilidade do Recorrente relativamente às consequências invocadas.
23º
O acto recorrido enferma assim de falta ou insuficiência de fundamentação, o que equivale a ausência de qualquer fundamentação de facto ou de direito tal como a lei exige, não esclarecendo cabalmente a sua motivação.
24º
As razões do acto recorrido não são perceptíveis, faltando a enunciação explícita (e não genérica e abstracta) das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo, o que nos leva a um acto administrativo não fundamentado, ou pelo menos, obscuro e, consequentemente, anulável como decorre do artigo 124º do CPA.
25º
O acto de que ora se recorre está viciado de um conhecimento defeituoso por parte do órgão decisor relativamente aos factos subjacentes à prolação do acto recorrido, constituindo erro que é quanto aos pressupostos de direito, conduzindo ao vício de violação de lei.
26º
O resultado deste erro de interpretação, é o mesmo que dizer que o sentimento e a racionalidade da decisão é reveladora de erro, o que a faz constituir em acto ilegal.
27º
A Administração, ao subsumir tais pressupostos de direito relativos à suposta conduta do Recorrente, desrespeitou também os seus limites externos, o que é constitutivo de violação de lei, razão pela qual o acto de que ora se reclama está eivado dos vícios de erro nos pressupostos e de violação de lei.
28º
As faltas cometidas não foram premeditadas, aconteceram por motivos de saúde, o acto de retirar bens próprios da área de serviço é legítimo e não permite concluir mais do que isso mesmo, e aquelas faltas não comprometeram a dignidade do exercício da função nem são consequência alguma da retirada desses bens, sendo forçoso concluir desta forma.
TERMOS EM QUE, nos melhores de Direito, e com o douto suprimento de V. Excia., deve o presente Recurso ser admitido e, a final, ser-lhe dado provimento, anulando-se o acto de pena de demissão de acordo com as razões referidas, por falta ou insuficiência de fundamentação e violação lei, aplicando-se uma decisão proporcional e justa.
Citado, veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar pugnando pela improcedência do recurso.
Junta a contestação do Senhor Secretário para a Segurança e apenso o processo instrutor, prosseguindo os autos na sua tramitação normal, vieram o recorrente e a entidade recorrida apresentar as alegações facultativas, reiterando grosso modo os mesmos argumentos já deduzidos no petitório do recurso e na contestação.
Oportunamente o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pelo não provimento do presente recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
De acordo com os elementos existentes nos autos, é de dar como assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:
* o recorrente exerce funções na Direcção dos Serviços de Finanças desde 02 de Janeiro de 1996, destacado na Divisão Administrativa e Financeira com a categoria de intérprete-tradutor chefe do pessoal do quadro desta Direcção dos Serviços;
* ao recorrente, com a categoria de intérprete-tradutor, compete-lhe proceder ao trabalho de tradução escrita e simultânea (oral), de língua portuguesa para língua chinesa e vice-versa, cabendo-lhe, concretamente, fazer traduções escritas de documentos de diversa natureza, como por exemplo, informações, ofícios, comunicações internas, actas de reuniões, relatórios, e outros documentos. Mais lhe compete o trabalho de tradução simultânea (oral) em diferentes ocasiões, nomeadamente, no âmbito dos cursos de formação, dos concursos públicos e de consulta pública;
* no dia 23 de Março de 2009, o recorrente faltou ao serviço durante a totalidade do período diário de presença obrigatória;
* depois do gozo de um período de férias entre 24 de Março de 2009 e 14 de Abril de 2009, o recorrente ausentou-se do serviço ininterruptamente desde dia 15 de Abril de 2009, sem qualquer justificação, tendo o chefe do mesmo levantado o respectivo auto por falta de assiduidade em 20 de Abril de 2009, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 352.° do ETAPM;
* o recorrente, não compareceu ao serviço, sem qualquer justificação, tendo o mesmo dado, por conseguinte, 108 faltas injustificadas seguidas (até à data da conclusão da presente acusação).
* em 2009 (bem como nos anos anteriores), vigora na Divisão Administrativa e Financeira - onde se encontra destacado o recorrente - uma ordem interna dada a todos os subordinados daquela Divisão nos termos da qual qualquer impedimento de comparência ao serviço, independentemente do motivo e posterior justificação, deverá ser comunicado ao superior hierárquico ou à secretária da Divisão, ordem esta do conhecimento do arguido à data das suas ausências, conforme resulta da prova produzida nos autos.
* o recorrente não comunicou ao seu superior hierárquico nem à secretária deste, por si ou por interposta pessoa, o impedimento de comparência ao serviço, nem apresentou qualquer justificação oficial para a sua ausência inintenupta desde 15 de Abril de 2009, bem como para a falta dada no dia 23 de Março de 2009.
* relativamente ao local específico onde o recorrente desempenhava funções na Divisão Administrativa e Financeira (secretária, armários, etc.), constata-se existir uma enorme diferença, no que se prende com a respectiva arrumação, antes do dia 15 de Abril de 2009, ou seja, antes do início do aludido longo período de faltas injustificadas dadas pelo arguido, os seus bens e materiais pessoais (livros, dicionários, materiais normais de escritório, plantas, flores, etc.) existentes no seu local de trabalho (incluindo secretária, armários, etc.) foram gradualmente retirados dos respectivos lugares (esvaziando, por exemplo e por completo, o armário), restando agora apenas os materiais de escritório pertencentes à DSF.
* o que nunca aconteceu em momento anterior, nomeadamente em alturas em que o recorrente se encontrava de férias ou em que faltou por motivos de doença.
* as ausências ininterruptas do recorrente provocaram sobrecarga e acumulação de trabalho não só na intérprete-tradutora com que o recorrente directamente trabalha (afecta igualmente à DAF), mas ainda numa intérprete-tradutora não afecta à DAF (que igualmente teve de passar a efectuar trabalho de tradução próprio da DAF), como sobrecarga no trabalho de tradução simultânea de outros colegas tradutores da DSF (uma vez que todo o trabalho de tradução simultânea que originalmente fora distribuído ao recorrente, teve que ser redistribuído por outros colegas tradutores), para além ainda de retardamento e demora na conclusão do trabalho quotidiano que carece de tradução e que é volumoso, factos estes que causaram prejuízo efectivo para a eficácia e o funcionamento da DAF e, em última instância, da DSF.
* as condutas e os factos acima descritos causaram prejuízos efectivos e relevantes para o normal funcionamento do serviço onde o recorrente desempenha funções, consequência essa que o recorrente podia e devia prever como efeito necessário da sua conduta, especialmente face ao facto consabido (e do conhecimento generalizado e notório) de que a Administração Pública em geral, e a DSF em especial (onde o arguido exerce funções) se encontrar perante uma situação de grave carência de recursos humanos na área da tradução que se configura de primordial importância para o cumprimento das regras do bilinguismo a que a actividade administrativa está sujeita, circunstância esta de perfeito conhecimento do recorrente como resulta dos autos.
Atendendo ao que foi alegado e concluído no petitório do recurso e reiterado nas alegações facultativas, só com alguns esforços é que podemos sintetizar as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso:
1. Falta ou insuficiência de fundamentação; e
2. Violação da lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Apreciemos.
1. Falta ou insuficiência de fundamentação
Incompreensivelmente o recorrente acusa conclusivamente o despacho recorrido de “falta da enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar o acto recorrido”.
Pelo contrário, com uma leitura mesmo diagonal do relatório sobre o qual foi proferido o despacho punitivo que o acolheu, salta à vista que nesse relatório contém com clareza as conclusões e sugestões, precedidas da exposição exaustiva das razões de facto e de direito para a punição, nomeadamente a descrição dos factos considerados provados no âmbito de processo disciplinar, a interpretação das normas relacionadas com os deveres de obediência e de assiduidade, a subsunção da matéria de facto assente na previsão das normas em causa, assim como a justificação da determinação concreta da pena disciplinar.
Aliás o alegado pelo próprio recorrente no petitório do recurso de per si já é bem demonstrativo de que o recorrente apreendeu perfeitamente o sentido da fundamentação do despacho recorrido.
Improcede assim o recurso nesta parte.
2. Violação da lei por erro nos pressupostos de facto e de direito
Para facilitar o nosso trabalho, convém desdobrar esse vício “complexo” em erro nos pressupostos de facto e erro nos pressupostos de direito.
a) erro nos pressupostos de facto
i ) no que respeita à violação do dever de assiduidade
O recorrente confessa que de facto ele faltou ao serviço nos períodos de tempo especificados no relatório em que se apoiou o despacho recorrido.
Todavia, defende que foi devido ao seu estado de saúde que se ausentou do serviço e que por tal impossibilidade nunca apresentou em tempo quaisquer atestado médicos justificativos das faltas.
E apresentou quer no processo disciplinar quer no presente recurso contencioso um “Medical Report” (cf. fls. 119 do processo instrutor) para demonstrar o seu estado de saúde, alegadamente impeditivo de comparecer ao serviço e vir justificar a falta.
Tal como bem observou o Ministério Púbico no seu douto parecer, o tal “Medical Report” não tem a virtualidade de comprovar que as faltas do recorrente foram motivadas pelo seu estado de saúde.
Compulsando os autos, verifica-se que as faltas que levaram à punição do recorrente se deram em 23MAR2009 e ininterruptamente durante o período compreendido entre 15ABR2009 e 10AGO2009.
E o “Medical Report” que foi elaborado na sequência da primeira consulta em 16JUL2009, ou seja, já passados pelo menos os primeiros três meses após o inicio das faltas, limita-se a relatar o que o próprio recorrente e a sua mulher contaram e o que o psiquiatra, autor do relatório, pessoalmente observou durante a consulta dada ao recorrente.
Assim, se a observação directa e pessoal do psiquiatra tem a virtualidade de nos convencer sobre o estado de saúde do recorrente, já a parte do relato feito por ele com base no que lhe contaram o recorrente e a sua mulher não é mais do que uma espécie do testemunho “ouvir dizer”.
Portanto o “Medical Report” não prova o estado de saúde que alegadamente impediu o recorrente de comparecer ao serviço, pelo menos no que diz respeito às faltas registadas nos primeiros três meses.
ii) no que respeita à violação do dever de obediência
De acordo com a fundamentação do acto punitivo, um dos motivos para a aplicação da pena disciplinar de demissão é a violação do dever de obediência, uma vez que o recorrente, ciente do dever de comunicação ao chefe da Divisão Administrativa e Financeira ou à sua secretária do impedimento de comparência ao serviço, não comunicou as suas ausências.
O recorrente negou o conhecimento de uma ordem interna nos termos da qual qualquer impedimento de comparência ao serviço, independentemente do motivo e posterior justificação, deverá ser comunicado ao superior hierárquico ou à secretária da Divisão.
Todavia não logrou provar o seu não conhecimento.
Antes pelo contrário ficou provado no processo disciplinar que “em 2009 (bem como nos anos anteriores), vigora na Divisão Administrativa e Financeira - onde se encontra destacado o arguido - uma ordem interna dada a todos os subordinados daquela Divisão nos termos da qual qualquer impedimento de comparência ao serviço, independentemente do motivo e posterior justificação, deverá ser comunicado ao superior hierárquico ou à secretária da Divisão, ordem esta do conhecimento do arguido à data das suas ausências, conforme resulta da prova produzida nos autos”.
Matéria de facto essa que não foi abalada por o recorrente não ter requerido quaisquer diligências probatórias no âmbito do presente recurso contencioso.
Subsidiariamente, o recorrente defende que não estava em condições de saúde para poder informar o serviço da sua ausência.
Conforme foi dito supra na apreciação do alegado erro de pressupostos no que diz respeito à violação do dever de assiduidade, o “Medical Report” não nos permite concluir que foi devido ao estado de saúde débil do recorrente que não podia comparecer ao serviço uma vez que faltou ao psiquiatra autor do relatório a necessária imediação para avaliar e certificar correctamente o estado de saúde do recorrente pelo menos nos primeiros três meses da ausência ao serviço.
Por identidade de razão, o mesmo “Medical Report” não comprova o estado de saúde do recorrente tão débil que o não permite comunicar, por si próprio ou através da pessoa interposta.
Antes pelo contrário, o que o psiquiatra pessoalmente observou aponta, pelo menos, no momento da consulta dada ao recorrente, que este estava em condições de comunicar a sua ausência ou fazer algo no sentido de levar ao conhecimento do seu superior hierárquico do motivo da sua não comparência ao serviço, pois o mesmo psiquiatra declara que “on observation, in 16-07-2009, the patient was oriented and lucid. His behavior was adequate to the situation and he collaborated well to the interview. There were no perceptual disturbances and his memory showed no deterioration”.
Ora, basta ser um homem médio, não é preciso um especialista na psiquiatria, para poder concluir que uma pessoa, que se encontra no estado de saúde idêntico ao descrito no relatório médico, está em perfeitas condições física e mental, para fazer algo por forma a levar ao conhecimento do seu superior hierárquico o motivo da sua ausência, nomeadamente carregar algumas teclas fazendo um telefonema ou deslocar-se ao seu serviço para ir ter com o seu superior hierárquico.
iii) premeditação
Ficou provado no processo disciplinar que “no local específico onde o arguido desempenha funções na Divisão Administrativa e Financeira (secretária, armários, etc.), constata-se existir uma enorme diferença, no que se prende com a respectiva arrumação, antes do dia 15 de Abril de 2009, ou seja, antes do início do aludido longo período de faltas injustificadas dadas pelo arguido, os seus bens e materiais pessoais (livros, dicionários, materiais normais de escritório, plantas, flores, etc.) existem no seu local de trabalho (incluindo secretária, armários, etc.) foram gradualmente retirados dos respectivos lugares (esvaziando, por exemplo e por completo, o armário), restando agora apenas os materiais de escritório pertencentes à DSF”
Dessa materialidade fáctica extraiu a entidade administrativa a ilação de que as faltas foram cometidas com premeditação, isto é, as faltas foram precedidas da conduta bem demonstrativa de que o recorrente iria faltar ao serviço e não voltar a trabalhar mais.
Ora, atendendo ao que ficou provado, que o próprio recorrente não negou, entendemos que é legítimo tirar, como tirou a entidade administrativa, a tal ilação no sentido de que o recorrente agiu com premeditação, pois seria inexplicável a conduta do recorrente de esvaziar de todo em todo os seus objectivos pessoais do sítio onde trabalhava se não tivesse a intenção e estivesse preparado a ausentar-se definitivamente ao serviço.
Por razões que vimos supra, inexiste qualquer erro nos pressupostos de facto.
b) erro nos pressupostos de direito
Entende o recorrente que o despacho punitivo aplicou uma pena inadequada, demasiado gravosa e injusta, violando o princípio da proporcionalidade.
O recorrente foi punido por violação dos deveres da assiduidade e da obediência, previstos no artº 279º/2-c) e g) do ETAPM, violação essa que é considerada pela entidade recorrida susceptível de integrar no pressuposto material da aplicação da pena de demissão previsto no artº 315º/1 do mesmo Estatuto, isto é, a inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional.
Nos termos do disposto no artº 279º/2-c) e g), 5 e 9 do ETAPM, o dever de obediência consiste em acatar as ordens dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e com a forma legal e o dever de assiduidade em comparecer ao serviço dentro das horas que lhes forem designadas.
Ora, perante a matéria de facto assente, dúvidas não restam que a conduta do arguido integra efectivamente a violação dos deveres de assiduidade e de obediência, de tal forma grave que inviabiliza a manutenção da situação jurídico-funcional, pois basta olhar só para a não comparência, sem qualquer justificação, ao serviço do arguido, ciente da ordem interna que impõe a obrigação de comunicar qualquer impedimento de comparência, durante um tão longo período de tempo, já podemos afirmar com toda a segurança que a Administração não pode contar com o recorrente como um dos seus funcionários para levar a cabo as tarefas de que fica incumbida pela lei, o que naturalmente torna desnecessária e impossibilita a manutenção do recorrente ao seu serviço.
Não estamos portanto perante qualquer erro nos pressupostos de direito.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente pela improcedência do recurso, com a taxa de justiça fixada em 10 UC.
Notifique.
RAEM, 17MAIO2012
Lai Kin Hong Presente
Choi Mou Pan Vítor Coelho
João A. G. de Oliveira