Proc. nº 788/2011
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
“A”, na acção de condenação com processo ordinário que intentou contra “B”, veio invocar a nulidade do acórdão de fls. 266/277.
Fê-lo nos seguintes termos:
“A, recorrida nos autos à margem referenciados, notificada do acórdão de 03 de Maio de 2012, vem, nos termos do artigo 571.º, n.º 1, al. d) do C.P.C. requerer a nulidade do mesmo,
Porquanto:
1. O acórdão em apreço concedeu provimento ao recurso, essencialmente porque deu como “provados” os quesitos 23.º, 39.º, 42.º, 43.º e 46.º da base instrutória, os quais haviam sido dados como “não provados” pelo Tribunal “a quo”.
Ora,
2. Como disse a recorrida na resposta às alegações, a recorrente limitou-se a fazer uma impugnação genérica dos factos que impugnou, não indicando concretamente quais os depoimentos em que fundamenta a sua impugnação.
3. Essa não indicação impossibilitou a recorrida de, nos termos do n.º 3 do artigo 599.º do C.P.C., exercer o contraditório.
De facto,
4. A mera indicação de umas passagens dos depoimentos gravados não cumpre manifestamente o disposto no n.º 1 do citado artigo do CPC.
5. Até porque, com diz o acórdão em apreço, apenas foi ouvida a gravação do depoimento das “duas testemunhas da ré”, presume-se que ao abrigo “dos poders de investigação oficiosa do tribunal”
Ora,
6. Entende a recorrida que o Tribunal de recurso - ao cingir a audição dos depoimentos gravados, apenas às testemunhas da ré - tomou uma decisão “coxa” (passe a expressão) porque, não ouvindo os depoimentos das testemunhas da A., teve uma visão parcial dos factos.
7. E o certo é que, como refere e bem o Tribunal “a quo”:
“No que diz respeito a eventual mora da A., embora provado que houve lapso e atraso no preenchimento do certificado sanitário para efeitos alfandegários quanto à primeira tranche de mercadorias, mas nada nos permite chegar a conclusão que houve mora por parte da A. na preparação e elaboração do respectivo certificado relativo à segunda tranche de mercadorias, tendo em consideração que foi a própria R. quem recusou do recebimento dessa segunda tranche de mercadorias, invocando a recusa de aceitação destas pelo seu cliente da Itália.”
E, mais à frente:
“foi a própria R. quem se recusou a levantar as mercadorias já devidamente armazenadas pela A. e proceder à importação (segunda tranche),”
8. E esta parte decisória provém dos quesitos relacionados com a matéria alegada pela A., ora recorrida.
9. É, pois, convicção da recorrida que, para alterar a matéria dada “como provada” na 1 a Instância, ao abrigo de uma “investigação oficiosa”, o Tribunal de recurso deveria ter tomado em consideração - procedendo, então, à audição do depoimento de todas as testemunhas arroladas - toda a prova produzida em audiência e não apenas o depoimento das duas testemunhas da Ré.
10. Seria esta, salvo o devido respeito, a única forma de abalar aquelas referências supra descritas constantes do acórdão proferido em 1ª Instancia,
Assim sendo,
11.O acórdão em apreço, ao violar manifestamente o princípio do contraditório em prejuízo da recorrida, conheceu “de questões de que não podia tomar conhecimento”. Alterou a matéria de facto assente apenas com base no depoimento de duas testemunhas, as da ré, quando seria essencial que o depoimento das demais fosse levado em conta, nomeadamente, para afastar a matéria de facto assente em beneficio da A. que permitiu ao Tribunal “a quo” julgar a acção procedente.
É, pois, com base no disposto no artigo 571.º, n.º 1, al. d) (segunda parte) que se requer a nulidade do acórdão.
*
Respondeu a parte contrária do seguinte modo:
B, recorrente nos autos supra referenciados, notificada da petição apresentada pela recorrida, vem, nos termos do art.º 3º do Código de Processo Civil, expor os seguintes:
1. Entende a recorrente (sic) que o acórdão do Tribunal de Segunda Instância violou o disposto no art.º 571º, n. º1, segunda parte da alínea d) do Código de Processo Civil, ou seja o acórdão apreciou as questões de que não podia tomar conhecimento e, pelo que, é nulo.
2. Com o fundamento de que: “ o acórdão em apreço, ao violar manifestamente o princípio do contraditório em prejuízo da recorrida, conheceu “de questões de que não podia tomar conhecimento.”, Alterou a matéria de facto assente apenas com base no depoimentos de duas testemunhas, as da ré, quando seria essencial que o depoimento das demais fosse levado em conta, nomeadamente, para afastar a matéria de facto assente em beneficio da A. que permitiu ao Tribunal “a quo” julgar a acção procedente.”
Quanto ao entendimento da recorrida, a recorrente não está de acordo, urna vez que,
3. Nos termos do art.º 629º, n.º l, al. a) do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599.º, a decisão com base neles proferida.
4. Urna vez que, na audiência de julgamento realizada no Tribunal Judicial de Base, já foi feita a gravação dos depoimentos, e a recorrente, na petição de recurso, também deduziu impugnação da decisão da matéria de facto, bem corno já indicou qual a parte das passagens da gravação em que se funda, ao abrigo do art.º 599º, n.º 2 do Código de Processo Civil (vd. art.º 15º e 23º da petição de recurso e art.º 6º a 8º da conclusão).
5. Quanto à impugnação indicada nos art.ºs 17º e 22º da petição do recurso da recorrente, a recorrida, na contestação, não indicou qual a parte da gravação dos depoimentos que negou a conclusão da recorrente.
6. Contudo, o Tribunal de Segunda Instância, nos termos do art.º 629º, n.º2 do Código de Processo Civil, já tinha reapreciado as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham servido de fundamento à decisão de facto impugnada.
7. Pelo que, o que o Tribunal de Segunda Instância alterou a decisão da meteria de facto proferida pelo Tribunal Judicial de Base, totalmente observou o disposto no art.º 629º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, e não violou o princípio do contraditório nem conheceu das questões de que não podia tomar conhecimento.
8. Face ao exposto, o acórdão do Tribunal de Segunda Instância não incorreu no supracitado vício, ou seja não existe a situação de nulidade.
Por fim, pede que seja rejeitado o pedido de nulidade da decisão formulado pela recorrida e declarado que o acórdão do Tribunal de Segunda Instância é válido e produz efeitos.
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Cumpre decidir, com dispensa de vistos.
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II- Apreciando
A questão que move a arguente da nulidade deriva da circunstância de, como se vê acima da sua peça transcrita, o tribunal de recurso ter dado como provada a matéria dos artigos 23º, 39º, 42º, 43º e 46º da Base Instrutória, que o tribunal “a quo” tinha dado por não provada.
Em sua opinião, a recorrente B tinha-se limitado a uma impugnação genérica da matéria de facto que considerava mal julgada, não cumprindo o ónus de especificação imposto pelo art. 599º do CPC. Isso teria impossibilitado a arguente de exercer o contraditório nos termos do nº3, do art. 599º do CPC.
Por fim, entende a arguente que não podia o tribunal de recurso dar por provada aquela factualidade ouvindo apenas as duas testemunhas da ré.
Não tem razão.
A recorrente Impresa, para cada um daqueles factos, apresentou o seu juízo de discordância de forma suficiente, apontando as respectivas razões do seu desagrado. Basta ler com atenção as alegações do recurso para se concluir que para cada resposta àqueles ele se insurgiu, ora dando as indicações dos documentos ou dos depoimentos das testemunhas de onde isso se podia retirar, ora remetendo até para a prova adquirida de outros factos que, em sua óptica, deveria ter levado o tribunal de 1ª instância a uma apreciação global diferente.
Além disso, a recorrente não deixou de fazer um reporte especial a testemunhas por si oferecidas, fazendo a indicação das passagens da gravação onde se encontrariam registadas as declarações que iriam ao encontro da sua tese factual.
Dito isto, a ora arguente teve oportunidade de dirigir a cada uma daquelas imputações (erro de julgamento) a mais cristalina das críticas. Tanto assim, que as suas alegações de resposta mostram ter sido produzidas sem qualquer “coxalgia”, perdoe-se a metáfora.
A verdade é que o aresto fez um trabalho de apreciação aturado de cada um dos referidos pontos da Base Instrutória, porque da sorte de cada um poderia estar dependente a sorte do próprio desfecho da acção. Fez-se o que tinha que ser feito!
Foi um trabalho de compreensão holística e de concatenação desses com outros factos já contidos na Especificação e nas respostas a outros artigos da Base Instrutória.
De resto, quando o acórdão, a certa altura, asseverou que as testemunhas da ré disseram isto ou aquilo, foi porque o tribunal previamente teve o cuidado de as ouvir (“Resulta da prova…”, disse). E não só ouviu as passagens indicadas pela recorrente, como acabou por ouvir toda a prova testemunhal gravada, que encadeou com a documental existente nos autos.
Portanto, em vão a arguente invoca o princípio do contraditório, se todas as provas consideradas pelo TSI estavam já recolhidas nos autos, limitando-se o tribunal de recurso a fazer delas uma análise e ponderação diferente da efectuada pela 1ª instância.
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III- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em indeferir a arguida nulidade.
Custas pela arguente.
TSI, 28 / 06 / 2012
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan