Processo n.º 713/2010
(Recurso cível)
Data : 17/Maio/2012
ASSUNTOS:
- Preparos pela interposição de recurso
SUMÁRIO :
1. Se a ré numa dada acção pretende impugnar por via do recurso um despacho que a absolveu da instância por inutilidade superveniente da lide, condenando-a no pagamento das custas da acção, acção essa de valor bastante elevado e em que as AA. não complementaram o preparo devido, tendo anteriormente sido proferido um despacho que determinou o não prosseguimento da acção enquanto esse preparo não fosse efectuado, embora possa parecer injusto que a ré que sempre pagou o que era devido, tenha ainda de pagar avultada quantia de preparos para impugnar um despacho que lhe foi desfavorável, essa aparente injustiça cede perante a previsão normativa que impõe o pagamento desse preparo, cede ainda perante o reembolso do que foi pago no caso de sair vencedora, cede ainda perante o facto de o recurso não ter deixado de ser recebido e ser conhecido não se vislumbrando qualquer fundamento legal para a anulação das guias de tal preparo.
2. As razões em que a recorrente se escora para defender a não prolação de um despacho de absolvição de instância, numa acção em que considera estar a instância suspensa, devem ser invocadas em sede do recurso sobre o despacho, em sua opinião, indevidamente prolatado.
O Relator,
Processo n.º 713/2010
(Recurso Civil)
Data: 17/Maio/2012
Recorrente: S.T.D.M.
Recorridas: A alias A1 alias A2
B.
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, S.A., mais bem identificada pelos sinais nos autos à margem cotados, em que é ré, tendo sido notificada do despacho que admitiu o recurso da douta decisão do Tribunal a quo que, em primeira instância, indeferindo o pedido de anulação das guias de preparo inicial e para julgamento do recurso da decisão final interposto pela ora recorrente, vem interpor o presente recurso, alegando fundamentalmente e em síntese:
1. Atenta a falta de liquidação por parte das Autoras, ora Recorridas; dos preparos inicial, para julgamento e despesas, o Tribunal a quo veio, por decisão lavrada a fls. 735, determinar o não prosseguimento do processo, por força da aplicação do n.º 3 do Artigo 34.º do Regime das Custas Processuais;
2. As Recorridas, mesmo confrontadas com teor de tal decisão, jamais se dignaram ir aos autos regularizar tal situação, não tendo pago a sua quota-parte dos custos do processo, razão pela qual o processo continua suspenso em primeira instância desde então;
3. Encontrando-se a instância suspensa não podia aquele douto Tribunal praticar quaisquer actos que não i) actos urgentes destinados a evitar dano irreparável ou ii) a homologação de desistência, confissão ou transacção que lhe pudesse ter sido apresentada pelas partes, conforme rege o Artigo 225.° do Código de Processo Civil;
4. Ao invés, em manifesta contravenção com a lei e com a decisão de fls. 735, o Tribunal recorrido promoveu o andamento do processo, tendo determinado, em despacho ulterior lavrado a fls. 813, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide;
5. Ao praticar tal acto não urgente, o Tribunal a quo actuou contra legem, violando não só o regime estatuído no n.º 3 do Artigo 34.° do Regime das Custas nos Tribunais, como também o regime dos efeitos e cessação da suspensão da instância p. no Artigo 225.° do Código de Processo Civil e, bem assim, o disposto no artigo 575° do Código de Processo Civil;
6. É que, tendo o Tribunal a quo decretado a suspensão da instância por despacho de fls. 735, transitado em julgado, a lide só deveria retomar o seu curso normal e, por conseguinte, só poderiam ser tomadas decisões como a a de fls. 813 e 847, após o momento em que os preparos em falta se mostrassem liquidados pelas Autoras, ora Recorridas;
7. A Recorrida, tendo sido confrontada com a ilegalidade e falta de fundamento daquela decisão de extinção da lide, e, tomando em consideração a natureza meramente peremptória do respectivo prazo, viu-se forçada a da mesma interpor recurso, procurando evitar que, apesar de a instância estar suspensa e da consequente suspensão dos prazos processuais, o Tribunal viesse, a despeito deste entendimento, considerar que a mesma havia transitado em julgado;
8. A decisão de fls. 735 incide sobre a relação processual e não sobre o mérito da causa, razão pela qual, formando caso julgado formal, nos termos do Artigo 575.° do Código de Processo Civil, tem força obrigatória dentro do processo, vinculando não só as partes como o próprio Tribunal;
9. Deste modo, qualquer acto que tenha sido praticado posteriormente à decisão de fls. 735 sem que as Autoras tenham pago o montante dos preparos em falta e que não revista natureza urgente e se destine a evitar prejuízo irreparável não produz qualquer efeito, porquanto violador do caso julgado formal daquela decisão.
10. Nenhum dos actos praticados pelo Tribunal em momento posterior à referida decisão, entre os quais o ora recorrido, reveste natureza urgente, nem tampouco se destina a evitar dano irreparável;
11. Sendo, por isso, desprovidos de qualquer efeito juridicamente vinculante;
12. A actuação do Tribunal é, assim, contraditória com os fins que determinam a própria suspensão, na medida em que, não estando o Tribunal em condições de, plenamente, conhecer do objecto do litígio, continua a actividade do Tribunal a ser consumida sem que as Autoras tenham cumprido com as suas obrigações para com o Tribunal;
13. E continua a ora Recorrente a ter que cumprir com os avultados custos que a presente acção representa de modo a fazer valer os seus direitos em Tribunal sem que às Autoras seja imposto o mesmo regime, continuando a beneficiar gratuitamente da actividade do Tribunal;
14. Na verdade, estando a instância suspensa, o prosseguimento da marcha do processo vem apenas agravar a desigualdade das partes nos presentes autos no que ao cumprimento das respectivas obrigações tributárias diz respeito e com o qual o Tribunal vem compactuando;
15. O princípio da igualdade das partes é um princípio fundamental do direito processual civil, sendo aplicável qualquer que seja a fase processual em curso, bem como em matéria de custas;
16. É manifestamente desigual a posição das partes no que ao cumprimento das respectivas obrigações pecuniárias perante o Tribunal recorrido diz respeito, pois as Recorridas, tendo-lhes cabido o impulso processual, assistem à sua regular tramitação sem que, em contrapartida, paguem as respectivas custas;
17. É a ora Recorrente que, sendo Ré, além de se ter visto confrontada com os custos e incómodos da lide contra si iniciada, tem vindo a suportar quase na sua integralidade as custas do processo;
18. Porque assim é, atenta a ratio do regime consagrado no artigo 34.°, n.º 3 do Regime das Custas nos Tribunais, a desigualdade existente entre as partes quanto cumprimento das obrigações de preparar e, bem assim, a eficácia do despacho de fls. 735, entende a ora Recorrente que até que cesse a suspensão não deve ser onerada com o pagamento de qualquer preparo, o que agravaria ainda mais aquele estado de desigualdade, razão por que não procederá ao respectivo pagamento.
Normas jurídicas violadas pela decisão de que ora se recorre (indicação feita nos termos do disposto da alínea a) do n.º 2 do artigo 598° do Código de Processo Civil): Artigo 34.°, n.º 3 do Regime das Custas nos Tribunais, Artigos 220.°, 225° e 226.°, 575.° e 4.° do Código de Processo Civil.
Nestes termos requer seja o presente recurso julgado procedente, por legalmente fundado, e em consequência,
a) seja revogado o despacho de não anulação das guias de preparo inicial e para julgamento, porque legalmente injustificado, e substituído por outro que, reconhecendo a instância suspensa desde e por força da decisão do Tribunal recorrido de fls. 735, ordene a anulação das guias supra mencionadas, determinando, bem assim, o não prosseguimento dos autos, nos termos do n.º 3 do Artigo 34.º do Regime das Custas nos Tribunais;
E, em consequência,
b) seja ordenada a devolução à ora Recorrente das quantias pagas a título de preparo inicial e para despesas pelo recurso por si interposto da decisão de fls. 813;
e, ainda
c) seja reconhecido à ora Recorrente o direito a não proceder ao pagamento de qualquer preparo pelo presente recurso.
2. A, aliás, A1, aliás A2 e B., autoras nos autos supra referenciados, notificadas das alegações de recurso constantes de fls. 888 a 930, apresentadas pela ré nos mesmos autos, "Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A." (também simplesmente designada por STDM) , vêm, nos termos e ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 613º do Código de Processo Civil, apresentar as suas contra-alegações, dizendo em síntese:
Só com a notificação das recorridas para pagarem o remanescente dos preparos iniciais calculado pelo tribunal e o seu não acatamento definitivo, é que a Decisão de fls. 735 adquire eficácia, sendo que,tal nunca veio a suceder até ao momento em que foi proferida a sentença final (cfr. fls. 813), uma vez que a fls. 780 as Recorridas interpuseram Recurso do despacho que ordenou aquela notificação e lhes ordenou o respectivo pagamento (cfr. fls. 753), o qual nunca chegou a ser julgado, antes sendo decretado na douta sentença final de fls. 813, que a sua apreciação resultava prejudicada em função da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
7 - Voltando ao presente Recurso, a verdade é que, se quanto à primeira parte do seu objecto ele é admissível, já quanto à segunda parte é o mesmo inadmissível, devendo ser rejeitado sem necessidade de apreciação de mérito.
Na segunda parte do objecto do presente recurso a recorrente pretende demonstrar que todos os actos praticados posteriormente à decisão de fls. 735 são ineficazes (cfr. Conclusão n.º 9 do presente Recurso).
Ora, a ser assim, o momento adequado para a STDM invocar este vício surgiria, forçosamente, com a prática do primeiro acto imediatamente praticado no processo logo após o dito despacho de fls. 735.
Contudo, verifica-se que a recorrente sempre aceitou o prosseguimento do processo, contribuindo inclusivamente de forma profícua para a sua marcha.
A douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, na sua parte final resolve todas as restantes questões de direito considerando-as prejudicadas (cfr. fls. 813, último parágrafo: "Com a decisão acima proferida, afigura-se-nos também de nenhuma utilidade conhecer as restantes questões suscitadas pelas partes, por também em relação às mesmas se tornou supervenientemente inútil conhecer") .
A STDM interpôs Recurso da douta sentença supra citada, porém, nem aqui invocou que o processo estivesse parado.
Pelo que, se com uma forte dose de boa vontade se entendesse que eram essas alegações de recurso o momento certo para que a Recorrente invocasse a paragem do processo, também aqui a STDM teria deixado passar essa última oportunidade.
Acresce que a não impugnação desta última parte que sentencia prejudicadas todas as demais questões pendentes - o que inclui a do prosseguimento do processo após a Decisão de fls. 735 e 753 - significa que tal segmento decisório já transitou em julgado, sendo, portanto, inatacável.
Conclui-se, pois, que o presente recurso é, nesta parte, extemporâneo, pelo que será de o rejeitar sem necessidade de apreciação de mérito, ficando o seu objecto limitado ao pedido de anulação das guias de pagamento de preparos relativas às alegações de recurso de fls. 888 a 930.
Todavia, considerando que esse pedido de anulação se alicerça fundamentalmente na teoria de que o processo estava parado e que, como se demonstrou, tal alegação é extemporânea, fica o mesmo esvaziado da quase totalidade da sua argumentação, apenas restando apurar se a Decisão de fls. 847 viola o princípio da igualdade do tratamento das partes.
Se por remota hipótese a Recorrente visse o presente recurso receber provimento, a douta sentença final do TJB não produziria efeitos.
A consequência processual deste absurdo jurídico que só por cogitação se debate, seria a de que a decisão de fls. 753 ainda não teria transitado em julgado, acarretando igual destino para a respectiva consequência processual (paragem do processo) decidida a fls. 735.
Como tal, o despacho de fls. 847 sob recurso não poderia sofrer do vício que lhe imputa a Recorrente, qual seja, nas suas próprias palavras, a "... violação da decisão de fls. 735, já transitada em julgado" (sic).
Pelo que, o pedido formulado no presente recurso traz de arrasto a sua própria irrecorribilidade.
De qualquer modo, por mera cautela de patrocínio, sempre se acrescentam as seguintes considerações:
Não resulta da lei que a falta de pagamento seja sancionada com a suspensão da instância, não só porque nenhuma determinação neste sentido é feita, mas igualmente como se referiu supra não é concebível atribuir à parte faltosa os efeitos suspensivos e interruptivos dos prazos tanto adjectivos como substantivos que a suspensão da instância acarreta.
Pelo exposto, é-nos permitido concluir, como uma certeza férrea, que é a intenção do legislador sancionar a falta de pagamento do preparo inicial apenas com o não avançar do processo, ficando este a aguardar o decurso dos prazos previstos nos artigos 40º n.º 2 b) do RCT, 227º e 233º n.º 1. ambos do CPC, e não suspender este ad infinitum aguardando que a parte faltosa proceda ao pagamento do preparo, estando a instância, enquanto tal pagamento não é efectuado, sujeita a todos os efeitos que a suspensão da instância acarreta.
Não está vedado ao Tribunal decretar a extinção da instância, desde que o acto que opere a extinção não vise fazer andar o processo, como será o caso do despacho que julgue a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (art. 229º al. e) CPC), pois tal despacho não consubstancia qualquer julgamento sobre o mérito da causa.
No entanto, e sem conceder nesse entendimento, ainda que o Tribunal venha a ponderar na forma de suspensão não prevista na lei criada pela recorrente para servir os seus interesses, sempre haveria que considerar o impacto da sua natureza atípica na interpretação do seu regime, em particular, como veremos, na sua ineptidão para obstar à extinção da instância.
O andamento do processo implica a realização dos actos necessários à apreciação do mérito da causa.
E é igualmente líquido que a decisão sobre a inutilidade superveniente necessariamente não implica um julgamento sobre o mérito da causa.
Termos em que é seguro admitir que uma suspensão "atípica" como seria a resultante da falta de pagamento do preparo inicial, não poderá nunca obstar à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, pois que o acto que a decrete e os procedimentos subsequentes que a selam, não visam o andamento do processo, mas unicamente o seu encerramento, sem que seja apreciada a pretensão levada a juízo.
As autoras pagaram os preparos iniciais em consonância com o valor que atribuíram à acção e o processo seguiu a sua tramitação até à marcação da primeira data para audiência de julgamento e mesmo para além dessa data, só então o tribunal tendo decidido notificá-las para pagamento de um complemento aos preparos iniciais, no montante de MOP$5.751.150,00, o qual, efectivamente, não foi pago de imediato por se discordar da sua obrigatoriedade, tendo sido aplicadas as respectivas sanções legais.
As autoras, no legítimo exercício dos seus direi tos, recorreram de tal decisão (cfr. fls. 780), tendo sido essa a razão que, logicamente, as impediu de procederem ao pagamento.
Como tal, não se pode saber se as autoras seriam ou não obrigadas a pagar o complemento dos preparos iniciais arbitrado já depois de integralmente completada a marcha processual até à audiência de discussão e julgamento, nem se, caso o fossem, pagariam ou não tal "complemento".
Pelo que, é incorrecto falar em incumprimento de obrigações tributárias, como o faz a Recorrente, antes sendo correcto falar em impugnação da imputação de obrigações tributárias.
Entretanto, foi proferida sentença final que, sem julgar do mérito, extinguiu a instância, condenando a Recorrente no pagamento das custas.
Ora, se é a recorrente quem arca com as custas processuais, sempre qualquer pagamento efectuado pelas recorridas a título de preparos teria que ser reembolsado.
E é a recorrente quem é responsável por este reembolso.
Pelo que, seria um contra-senso e uma violação do princípio da economia processual obrigar as recorridas a pagar nesta adiantada fase processual um complemento aos preparos iniciais, sob pena de ficarem prejudicados os actos processuais praticados a partir da decisão de fls. 735, para mais tarde, serem reembolsadas pela recorrente, sendo mais lógico e em consonância com aquele princípio, que se remeta o pagamento do referido complemento para a conta final, nada havendo na lei que obste a tal procedimento.
O tratamento das partes pelo tribunal sempre foi o de aplicação da lei em matéria de custas, apenas se registando diferentes condutas processuais, ambas legítimas e dentro da lei, mas que motivaram, obviamente, diferentes soluções de direito, por força da diversidade de posições supra descrita.
Pelo que, o despacho de fls. 847 não encerra qualquer tratamento desigual das partes, sendo de manter a decisão no mesmo consubstanciada.
Nestes termos deve o objecto do presente circunscrever-se à impugnação da decisão de fls. 847, limitando-se a respectiva apreciação de mérito ao alegado tratamento desigual das partes. E deve ser negado provimento ao recurso mantendo-se a decisão de fls. 847, por a decisão colocada em crise não encerrar qualquer desigualdade de tratamento.
Se, por remota hipótese, for admitido o presente recurso em toda a amplitude do objecto propugnado pela Recorrente, deve ao mesmo ser negado provimento na totalidade, mantendo-se a decisão recorrida e concluindo-se pela eficácia de todo o processado em Primeira Instância.
3. Prevenindo eventual inadmissibilidade parcial do recurso foram as partes notificadas para se pronunciarem, o que fizeram nos termos de fls 347 e 358.
Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Com pertinência, resulta dos autos a factualidade seguinte:
No dia 15 de Outubro de 2006, as autoras, ora recorridas, deram entrada da petição inicial que deu início aos presentes autos, nos termos da qual atribuíram à causa o valor de MOP 1.000.001,00 (um milhão e uma pataca);
Em 24 de Outubro de 2006 (fls. 31), as ora recorridas vieram pagar o preparo inicial apurado em conformidade com o valor pelas mesmas indicado para os presentes autos, no montante de MOP 2.900,00 (duas mil e novecentas patacas);
Em 07 de Dezembro de 2006, a ora recorrente apresentou a respectiva contestação, tendo, com a mesma, impugnado o valor oferecido pelas ora Recorridas e oferecido como valor a atribuir à causa o de MOP 11.500.575.000,00 (onze mil e quinhentos milhões, quinhentas e setenta e cinco mil patacas);
Nessa mesma data, a Secretaria do Tribunal Judicial de Base procedeu à emissão de guias sobre o valor de preparos, inicial e para julgamento, do incidente de verificação de valor, pelo montante de MOP2.814.380,00, para liquidação pela ora recorrente;
No mesmo dia, a ora Recorrente procedeu à respectiva e integral liquidação;
Por despacho de fls. 236 o Tribunal julgou procedente o incidente de valor deduzido pela ora recorrente, tendo fixado o valor da presente causa em MOP 11.500.575.000,00 (onze mil e quinhentos milhões, quinhentas e setenta e cinco mil patacas). Em conformidade, foram emitidas novas guias para pagamento, pelas partes, do preparo inicial em falta, no valor de MOP 5.751.150,00 (cinco milhões, setecentas e cinquenta e uma mil, cento e cinquenta patacas - cfr. fls. 753 e ss.); Da existência de decisão quanto à fixação do valor da presente lide foi admitido, a fls. 625, recurso interposto pelas autoras.
Em 9 de Março de 2009, a ora recorrente veio proceder ao pagamento dos preparos em falta.
As Autoras, por sua vez, nunca procederam à respectiva liquidação:
Designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, a Secretaria do Tribunal Judicial de Base procedeu, no dia 07 de Maio de 2008, à emissão de guias sobre o valor de preparos para julgamento e para despesas, pelo valor de MOP5.754.750,00, para liquidação pelas ora recorridas, por um lado e, por outro, pela ora recorrente;
No dia 20 de Maio de 2008, a ora recorrente procedeu à respectiva liquidação.
Por despacho de fls. 735 o Tribunal determinou o não prosseguimento do processo, em conformidade com o disposto no artigo 34°, n.º 3 do Regime das Custas nos Tribunais nos termos que ora se citam para mera facilidade de referência por parte de Vossas Excelências:
"Não tendo as Autoras efectuado e declarado não efectuar o pagamento do preparo inicial, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 34° do Regime das Custas nos Tribunais, necessariamente, não prosseguirá o processo.
Nesta conformidade, fica sem efeito a designação da data e hora para a audiência de discussão e julgamento, agendada para o próximo dia 14 de Janeiro próximo."
Não obstante, por sentença de fls. 813 veio o Tribunal declarar extinta a instância por considerar verificada a sua inutilidade superveniente.
Não podendo conformar-se com esta decisão de extinção da instância, a ora requerente veio da mesma interpor recurso, o qual foi prontamente admitido sob a forma de recurso ordinário, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão recorrida (cfr. fls. 818).
Assim o fez porquanto, citando o já avançado a este propósito no seu requerimento de fls. 844 e 845, a ora recorrente tendo sido notificada daquela decisão "e não podendo correr o risco de que viesse a considerar-se que, não obstante o estado de suspensão da instância, a diligência de interposição de recurso devesse ainda ter prazo em curso enquanto diligência urgente" da mesma decidiu interpor recurso.
Em conformidade, a ora recorrente veio apresentar as respectivas alegações em 21 de Outubro de 2009, data na qual foi simultaneamente notificada das guias para pagamento dos preparos inicial e para julgamento do recurso, no valor de MOP 5.754.060,00 (cinco milhões, setecentos e cinquenta e quatro mil e sessenta patacas).
A ora recorrente veio requerer a respectiva anulação com fundamento na violação do caso julgado do referido despacho e que, em violação do estatuído no artigo 34° do Regime das Custas nos Tribunais, representa um tratamento injusto para a ora recorrente.
Tal despacho acha-se transitado em julgado.
Tal pretensão foi, porém, negada pelo Tribunal, por despacho de fls. 847.
Não tendo a certeza de ter compreendido integralmente o sentido da decisão proferida, veio a ora recorrente dela pedir esclarecimento, ao que o Tribunal despachou nos seguintes termos:
"A decisão de fls. 847 e verso está suficientemente clara e não contém nenhuma obscuridade ou ambiguidade, pelo que indefere-se o pedido de aclaração.
( ... )
Após, sobre os autos ao TSI oportunamente."
É do seguinte teor o despacho ora recorrido:
“Fls. 844 a 845 – Visto.
Não é verdade que existe um tratamento desigual em relação às partes.
Aliás, como a Ré muito bem sabe, o tribunal sempre emitiu guias para liquidação dos preparos em falta, seja para as Autoras seja para a Ré, por imposição legal.
O incumprimento do legalmente estatuído tem as suas consequências conforme o legalmente previsto.
O que é verdade é que o tribunal nunca dispensou nenhuma das partes essa obrigação.
O processo evoluiu com a decisão de extinção da lide, na sequência de um incidente suscitado pelas Autoras.
Teve que prosseguir porque a Ré dela interpôs recurso, razão pela qual foram emitidas novas guias para pagamento dos necessários preparos, como manda a lei.
Não vemos fundamento legal para a sua anulação, pelo que se indefere o requerimento de fls. 844 a 845.
Notifique.
RAEM, aos 06/11/2009”
III - FUNDAMENTOS
1. O presente recurso tem por objecto a decisão do Tribunal Judicial de Base que, indeferindo o requerimento da ora Recorrente de fls. 844 a 846 para anulação das guias de preparos inicial e para julgamento. vem permitir a tramitação regular do processo em violação da decisão proferida pelo Tribunal a fls. 735, já transitada em julgado e em manifesto contra-senso com o estatuído, como adiante se logrará demonstrar, no Regime das Custas nos Tribunais.
2. Vem colocada questão relativa à irrecorribilidade parcial do recurso na parte respeitante ao prosseguimento indevido do processo pretensamente suspenso por parte das AA., ora recorridas, e isto porque consideram que o presente recurso, ainda que interposto do despacho que não anulou a liquidação das guias do pagamento de preparos iniciais do julgamento do recurso interposto pela ré do despacho que julgou extinta a instância pressupõe a impugnação de toda a tramitação processual prosseguida a partir do trânsito em julgado da decisão de fls 735 e aí, sustentam as recorridas, esse despacho não transitou, uma vez que por si foi oportunamente interposto recurso desse despacho, a fla 780, recurso esse que nunca chegou a ser julgado.
Ouvidas as partes sobre esta questão específica, vieram elas pronunciar-se, resultando que a questão se complicou demasiado, o que não deixa de derivar da falta de clareza dos termos em que a ora recorrente delimita o objecto do recurso.
Isto, porque, enquanto diz que o objecto do recurso é o despacho de fls 844 a 845 que incidiu sobre o pedido de anulação de guias para pagamento dos preparos do recurso por si interposto do despacho que julgou extinta a instância, não deixa de referir e pedir o não prosseguimento dos autos nos termos do artigo 34º, n.º 3 do Regime das Custas nos Tribunais e de erigir como um dos fundamentos do seu recurso o despacho de fls 735 em que se determinou o não prosseguimento dos autos enquanto não fosse pago o montante restante do preparo calculado em função do valor que veio a ser fixado à acção.
Mas temos para nós que o desdobramento que as recorridas fazem do recurso ora interposto resulta apenas do seu engenho, não menos artificioso, procurando alargar o objecto do recurso e converter um dos fundamentos do recurso em objecto do mesmo.
3. O objecto do recurso está claramente definido: trata-se do despacho de fls 844 a 846 e não vem interposto recurso do prosseguimento do processo, o que, em bom rigor, por si só, não seria sequer passível de impugnação, desde que aquele prosseguimento não estivesse consubstanciado em qualquer despacho, este sim, impugnável.
Tanto basta para termos por improcedente esta alegada questão prévia relativa à pretensa irrecorribilidade parcial do recurso.
4. Vamos então analisar da questão relativa ao recurso do despacho que se pronunciou no sentido da não anulação das mencionadas guias.
Basicamente defende a recorrente que as guias não podiam ser passadas em liquidação do preparo para inicial e para julgamento do recurso do despacho que julgou extinta a instância pela razão simples de que por despacho de fls 735 o Mmo Juiz determinara o não prosseguimento dos autos nos termos do n.º 3 do artigo 34º do Regime das Custas e assim sendo não podia o juiz proferir despacho a julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide donde não haver lugar à tramitação que se traduziu na liquidação e emissão das respectivas guias.
Refere ainda que se afronta com este procedimento o princípio da igualdade, pois que as AA., desta feita, lograra apenas pagar até ao momento umas poucas milhares de patacas, MOP 2.900 (duas mil e novecentas patacas) relativo ao pagamento do valor de preparo inicial fixado em MOP 5.754.050, enquanto a ré teve de suportar já vinte milhões em preparos, sendo ainda penalizada com o pagamento de um preparo para recorrer de um despacho que se lhe afigura desfavorável desde logo na medida em que se lhe imputa a responsabilidade pela extinção da instância com a correspondente condenação em custas. Isto é, a ré que foi desassossegada com a acção e que sempre cumpriu com as suas obrigações tributárias, vê-se agora na obrigação de suportar os custos da impugnação de uma decisão que a prejudica e que só existiu por causa de uma acção a que não deu causa, furtando-se as AA., responsáveis por essa demanda aos inerentes custos processuais decorrente da sua inércia e passividade.
Defende a recorrente que a decisão recorrida não mais é que um exemplo do modo de actuação do douto Tribunal a quo que, fazendo tábua rasa do despacho de fls. 735 e do disposto no artigo 225.° do código de Processo Civil, vem permitindo que a lide prossiga normalmente não obstante a manutenção do incumprimento por parte das Autoras das obrigações em que ficaram constituídas pela instauração da presente lide.
5. Contrapõem as recorridas no sentido que não se furtaram ao pagamento tributário devido, tão somente sempre impugnaram as contas que lhes foram assacadas, sendo que essa matéria se mostra controvertida, nunca tendo sobrevindo decisão transitada que definisse de uma vez por todas as suas obrigações em termos de custas.
5. Quid Juris?
O artigo 34º do Regime das Custas nos Tribunais determina:
“1. A parte que não efectuar o pagamento pontual dos preparos inicial ou para julgamento é notificada para em 10 dias efectuar o pagamento do preparo em falta, acrescido de taxa de justiça de igual montante, mas não inferior a um quinto da UC nem superior a 4 UC, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2. Se o interessado não realizar o pagamento referido no n.º 1 é sancionado com multa entre o dobro e o quíntuplo das quantias em dívida, a fixar pelo juiz conforme as circunstâncias do caso, até ao máximo de 20 UC.
3. Enquanto o autor, o requerente do procedimento cautelar ou o exequente não proceder ao pagamento do preparo inicial, do sancionatório e da multa, o processo não prossegue.”
Por outro lado, o artigo 225.° do Código de Processo Civil dispõe:
“1. Enquanto durar a suspensão só podem praticar-se os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável; a parte que não possa estar presente nestes actos é representada pelo Ministério Público ou por advogado nomeado pelo juiz.
2. Os prazos processuais não correm enquanto durar a suspensão; nos casos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 220.°, a suspensão inutiliza a parte do prazo que tiver decorrido anteriormente.
3. A suspensão não obsta a que a instância se extinga por desistência, confissão ou transacção, contando que estas não contrariem a razão justificativa da suspensão."
6. Prendem-se as partes em embrenhada discussão teórica sobre a natureza daquela paragem do processo e se ela assume a natureza de uma verdadeira suspensão de instância, chamando à colação avalizada doutrina para defenderem um e outro ponto de vista, tentando a recorrente convencer de que se trata de uma verdadeira suspensão de instância, para concluir que não se mostra verificada nenhuma das excepções a que se refere o número 3 do supra citado artigo 225° do Código de Processo Civil.
E, não obstante o regime da suspensão determinar a paralisação do processo, não quis o legislador privar as partes do seu poder de autocomposição do litígio, designadamente quando as mesmas sobre o mesmo queiram confessar, desistir ou transigir.
O que significa, porém, que só nos casos em que a extinção da lide possa ter lugar por vontade das partes, conforme dispõe o artigo 229°, d) do Código de Processo Civil, é que o Tribunal pode limitar-se a homologar a vontade que a(s) parte(s) possam validamente manifestar quanto à extinção da instância e sempre que tal não contrarie a razão justificativa da suspensão.
Deste modo, declarada a suspensão da instância, o Tribunal só poderia (i) ter praticado actos urgentes destinados a evitar prejuízo irreparável ou (ii) homologar a desistência, confissão ou transacção que lhe pudesse ter sido apresentada pelas partes.
Não tendo sido esse manifestamente o caso.
7. Afigura-se-nos que não assiste razão à recorrente.
Independentemente da questão de saber se a paragem do processo se traduz numa suspensão de instância – admitamos até que sim, pelo menos não deixa de se assumir como tal nos seus contornos práticos; se não for uma suspensão de instância, o que será então?! - o certo é que, bem ou mal, o Mmo Juiz proferiu um despacho em que julgou extinta a instância.
Ora, o que tem de ser atacado é a esse mesmo despacho, seja no seu conteúdo, seja na oportunidade da sua prolação e o que se observa é que a recorrente, avisadamente, como é seu timbre, não deixou de o fazer.
Ao fazê-lo não poderá deixar de arcar com os custos dessa sua actuação/impugnação, sendo a liquidação das guias inerente a essa actuação processual.
É um princípio do Regime das Custas a taxatividade da tributação e das isenções e deste modo só o que esteja expressamente previsto estará isento do pagamento de custas.
Não se vislumbra onde quer que possa assentar a possibilidade de isenção ou não liquidação das guias dos preparos do recurso na situação presente. O que tem de ser atacado é o despacho e não a tributação do acto processual impugnatório, sob pena de serem devidos preparos sempre que se entendesse que não deveria haver lugar à prolação de determinado despacho, fosse por intempestivuidade, inadissibilidade, inoportunidade, incompetência, quiçá, por qualquer razão que excluisse o mérito. Então, aí, nessas situação, tal entendimento pressuporia que se fossem discutir as excepções ou questões prévias em sede de acerto quanto ao pagamento dos preparos.
8. Não é de chamar aqui à colação o princípio da igualdade tributária, não só porque as reputadas situações em falta por banda dos AA. não terão deixado de ser oportunamente impugnadas, como não se deixará de ter presente que, a final, não deixará de existir sempre o devido acerto. Ou seja, se a ré vier a ter ganho de causa, tudo aquilo que pagou em termos de avanço não deixará de lhe ser restituído e a parte contrária não deixará de ser penalizada nas custas respectivas.
9. Acresce ainda que, tal com tem vindo a ser interpretado o n.º 3 do artigo 34º do Regime de Custas, a falta de pagamento dos preparos em caso de recurso, não obvia ao conhecimento do recurso, donde, no caso, não se vislumbrar prejuízo para a recorrente adveniente de eventual não conhecimento do recurso, sendo que ela se limitou a pagar a multa cominada pelo não pagamento dos preparos que efectivamente deixou de realizar.
A questão relativa ao facto de o processo se encontrar suspenso, não devendo o Tribunal a quo ter apreciado o requerimento das autoras pretensamente faltosas deve, pois, ser apreciado em sede do recurso do alegado despacho indevido.
10. Há ainda um argumento que a recorrente invoca e se prende com o facto de fazer notar que o presente desenvolvimento da lide constitui uma contradição insanável com a razão justificativa da sua suspensão.
Na verdade, explicita, continua a actividade do Tribunal a ser consumida sem que as autoras tenham cumprido com as suas obrigações para com o Tribunal e continua a ora recorrente a ter que cumprir com os avultados custos que a presente acção representa de modo a fazer valer os seus direitos em Tribunal sem que às autoras seja imposto o mesmo regime, continuando a beneficiar gratuitamente da actividade do Tribunal.
E o paradoxo mostra-se ainda mais evidente se se pensar na possibilidade de vir a ser dado provimento ao recurso da ora recorrente quanto à decisão que pôs fim à lide por inutilidade superveniente pois que se suspenderia novamente à espera que as autoras cumpram com as suas obrigações.
Nesse caso importa observar que a recorrente se ganhar o recurso quem tem de pagar as custas desse recurso são as recorridas, não fazendo sentido que o vencedor não seja restituído com as despesas avançadas.
A evidência da taxatividade do disposto n.º 3 do artigo 225° não deverá deixar de ser, repete-se, esgrimido na sede própria, isto é, no recurso de que este depende.
Pelas apontadas razões o recurso não deixará de improceder.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 17 de Maio de 2012,
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)
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Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
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