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Processo nº 273/2012
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 21 de Junho de 2012

ASSUNTO:
- Princípio dispositivo
- Marca
- Imitação ou reprodução

SUMÁRIO:
- Hoje, apesar de o objecto do processo civil continuar a ser um litígio de interesses privados, a sua finalidade mediata é uma realização da justiça. Tende, assim, a tornar-se predominante na doutrina e na legislação uma concepção publicística, e não privatística, do processo.
- Razão pela qual o actual Código de Processo Civil de Macau (CPCM) vem acentuar a ideia de inquisitoriedade, conferindo mais poderes ao juíz para tornar pronta a justiça.
- Assim, no campo da atendibilidade dos factos, o juíz pode fundar a decisão não apenas nos factos alegados pelas partes (vide o artº 5º do CPCM).
- Verifica-se a reprodução ou imitação de uma marca anteriormente já registada por outra quando comparadas as marcas em causa sob o ponto de vista global, um consumidor médio não pode distinguir facilmente uma e outra sem recorrer a um exame ou confronto atento.
O Relator,




















Processo nº 273/2012
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 21 de Junho de 2012
Recorrente: A
Recorridas: - B Entertainment Limited
  - Direcção dos Serviços de Economia

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 07/11/2011, o Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a acção intentada pela recorrente, e, em consequência:
   a) concedeu provimento ao recurso interposto pela recorrente, em relação às marcas que tomam o N/33304, N/33305, N/33307, N/33309, N/33310 e N/33312.
   b) negou provimento ao recurso interposto pela mesma recorrente em relação às marcas que tomam o N/33303, N/33306, N/33308 e N/33311.
Dessa decisão vem recorrer a recorrente na parte que negou a sua pretensão, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. A A apresentou recurso judicial dos Despachos da Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia que recusaram o registo das marcas nominativas que consistem em C, com os n.ºs N/33303 (classe 35.ª), N/33304 (classe 39.ª) , N/33305 (classe 41.ª), N/33306 (classe 43.ª), N/33307 (classe 45.ª) e D, com os n.ºs N/33308 (classe 35.ª), N/33309 (classe 39.ª), N/33310 (classe 41.ª), N/33311 (classe 43.ª) , N/33312 (classe 45.ª) , com fundamento no disposto no artigo 9.° n.° 1, alínea c), aplicável ex vi do artigo 214.° n.º 1, alínea a), ambos do RJPI, bem como no artigo 197.° e na alínea c) do artigo 199.°, também do RJPI.
B. O Tribunal a quo considerou que as marcas N/33306 e N/33311 (para a classe 43.ª) se destinam a assinalar os mesmos serviços da marca previamente registada E (com o n.º N/21598, para a classe 42.ª), e que as marcas N/33303 e N/33308 (para a classe 35.ª) se destinam a assinalar os mesmos serviços da marca previamente registada F (com o n.° N/17105, para a classe 35.ª), semelhança que o Tribunal a quo entendeu ser susceptível de induzir um consumidor médio atento em erro quanto à proveniência dos seus serviços.
C. A Sentença Recorrida enferma, todavia, de vícios formais que determinam a respectiva nulidade.
D. Em primeiro lugar, o recurso judicial apresentado tinha como objecto a apreciação da existência de capacidade distintiva das marcas nominativas C, com os n.ºs N/33303 (classe 35.ª) e N/33306 (classe 43.ª), e D, com os n.ºs N/33308 (classe 35.ª) e N/33311 (classe 43.ª), cujo registo fora reclamado pela A.
Ao ter concluído pela (suposta) imitação das marcas registandas N/33303 e N/33308 com a marca "registada" N/17105 e a imitação das marcas registandas N/33306 e N/33311 com a marca "registada" N/21598, o Tribunal a quo conheceu de matéria de facto que lhe era vedado conhecer, ao abrigo do princípio do dispositivo.
Deve, assim, a Sentença Recorrida ser revogada por ter o Tribunal a quo dado como provados factos de que não podia conhecer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 5.º do CPC, sem os quais não podia também o Tribunal a quo concluir, como concluiu, pela existência de imitação
E. Em segundo lugar, não consta da Sentença Recorrida qualquer remissão para o meio de prova que terá sustentado a (aparente) verificação do registo das marcas G e H, ao arrepio das exigências constantes do artigo 562.º n.ºs 2 e 3 do CPC.
F. A falta de indicação de meio de prova idóneo a demonstrar os factos invocados pelo Tribunal a quo em matéria de registo de marcas constitui desrespeito pelas exigências processuais em matéria de fundamentação de facto, pelo que deve a Sentença Recorrida ser ainda declarada nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 571.º n.º 1, alínea b), do CPC.
G. Quanto ao eventual risco de confusão relativamente à proveniência dos serviços assinalados ou, pelo menos, sobre a eventual relação entre as marcas, o Tribunal a quo entendeu que a circunstância de as marcas registandas incluírem o vocábulo "plaza" seria suficiente para induzir o consumidor em erro ou confusão relativamente às marcas "registadas".
H. Por um lado, a grafia dos sinais "plaza" em cada uma das marcas cuj o registo foi requerido pela A não coincide com a grafia de qualquer das marcas F (N/17105) ou E (N/21598), pelo que, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, inexiste qualquer reprodução pelas marcas registandas, ainda que parcial, das marcas F ou E.
E, por outro, é manifesta a ausência de semelhança entre os sinais constitutivos das marcas registandas e das marcas "registadas", não sendo tais sinais susceptíveis de criar, a partir da memória que um consumir médio tenha de uma marca "registada" ou registanda - sem necessidade de confronto ou exame atento -, uma associação (i) a uma marca registanda ou "registada", respectivamente, (ii) entre serviços assinalados por tais marcas ou, sequer, (iii) entre as entidades prestadoras desses serviços.
I. A prevalecer o entendimento expresso na Sentença Recorrida, teriam de rejeitar-se todos os pedidos de registo de marcas que incluíssem a palavra "plaza", o que não tem correspondência com a realidade que nos evidencia que:
(i) há diversas marcas registadas em Macau que integram o sinal "plaza" na sua composição, prioritárias relativamente ao pedido apresentado pela A, não tendo os respectivos titulares apresentado oposição à concessão do registo de marcas requerido pela ora Recorrente;
(ii) nas jurisdições internacionais, co-existem no mercado marcas que têm na sua composição a palavra "plaza", distinguindo-se umas das outras pela utilização de expressões que são juntas a essa mesma palavra;
(iii) é possível o registo da marca composta apenas pelo sinal "plaza"; e
(iv) em Macau, qualquer marca da Recorrente é, de imediato, associada à prestação de serviços de excelente qualidade que são assinalados por marcas registadas, como é o caso da "VENETIAN", "SANDS", "PLAZA" e da "PALAZZO", todas elas consideradas marcas de prestígio pelos consumidores de Macau.
J. A negação da concessão do registo das marcas D N/33306 e N/33311 (para a classe 43.ª), e C N/33303 e N/33308 (para a classe 35.ª) viola o disposto no artigo 214.º n.º 2, alínea b), 197.º e 201.º, todos do RJPI, pelo que deverá ser concedido provimento ao presente recurso.
Pedindo no final que seja revogada a decisão recorrida, e substituída por outra que conceda o registo das marcas N/33306, N/33311, N/33303 e N/33308.
*
A Direcção dos Serviços de Economia respondeu à motivação do recurso da recorrente, nos termos constantes a fls. 330 a 334 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso ora interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. Em 9 de Janeiro de 2008, a Recorrente requereu o registo das marcas nominativas que consistem em C e que tomou os n.ºs N/33303 (para a classe 35.ª), N/33304 (para a classe 39.ª) , N/33305 (para a classe 41.ª), N/33306 (para a classe 43.ª), N/33307 (para a classe 45ª), e D e que tomou os N/33308 (para a classe 35.ª), N/33309 (para a classe 39.ª), N/33310 (para a classe 41.ª), N/33311 (para a classe 43.ª), N/33312 (para a classe 45.ª), requerendo a reivindicação da sua prioridade a partir de 21 de Dezembro de 2007.
2. As duas marcas acima referidas destinam-se a assinalar serviços integrados nas classes 35.ª (promover a venda de contas de cartões de crédito com gestão de programas de pontos de incentivo para clientes; concursos e prémios e outros incentivos para promover a venda de produtos e serviços de terceiras pessoas; serviços de fidelidade e de clube, para clientes e com fins comerciais, promocionais e/ou publicitários; serviços de loja de venda a retalho localizadas dentro de arcadas comerciais ou não, compreendendo uma variedade de produtos como artigos de comércio, lembranças, novidades, prendas, vestuário, acessórios de vestuário, jóias, brinquedos, produtos desportivos, artigos de papelaria, livros, fragrâncias, produtos de higiene pessoal, produtos para a casa, arte, alimentos e bebidas; serviços de loja de venda a retalho de florista); 39.ª (serviços de transporte e entrega, incluindo recolha, transporte e entrega de volumes e cartas, por diversas formas de transporte; mediação de serviços de viagens para indivíduos e para grupos; organização de excursões, passeios turísticos, férias, visitas guiadas e viagens; organização, reserva e preparação de excursões, viagens curtas e passeios turísticos; serviços de agência de viagens, nomeadamente de marcação e reserva de excursões; transporte de passageiros; transporte por carro; transporte por carro alugado; serviços de motorista; serviços de limusina; serviços de transporte por autocarro; serviços de parqueamento; serviços de estacionamento, feito por um encarregado (valet parking); serviços de check-in de bagagem para aeroporto; viagens de barco; entrega de cestos de presentes com artigos seleccionados para uma ocasião especial ou subordinados a uma determinada temática; entrega de flores); 41.ª (serviços de casino e de jogo; providenciar facilidade (serviços e espaços) para casino e jogo; entretenimento, incluindo actuações musicais ao vivo, produções teatrais e de comédia; espaços para fazer exercício e com outros serviços tendentes ao cuidado do corpo e bem-estar do mesmo (vulgarmente designados por health-club); arcadas e centros de diversão; 43.ª (hotéis; serviços de hotel; serviços de bar; serviços de fornecimento de comida (vulgarmente, catering); disponibilização de serviços próprios de banquetes e outros eventos sociais para ocasiões especiais) e 45.ª (serviços de casamento; serviços de guarda de segurança; serviços de portaria de hotel).
3. Os pedidos de registo foram publicados no BORAEM, n.º 19 – II Série, de 07/05/2008.
4. A 07/07/2008, a B Entertainment (Macau) Limited apresentou reclamações.
5. A 30/07/2008, a recorrente apresentou a sua contestação.
6. A reclamação foi publicada no BORAEM, n.º 32 – II Série, de 06/08/2008.
7. A contestação foi publicada no BORAEM, n.º 36 – II Série, de 03/09/2008.
8. O termo Plaza é usado por diversos operadores económicos na área de serviços, tais como as seguintes marcas mistas, já registadas:
H I G
9. A marca G foi requerida o seu registo em 30 de Maio de 2005 para assinalar os produtos e serviços de classe 35ª (entre elas, os serviços de retalho de supermercado, a reunião, ... serviços de retalho, grossista e de distribuiçào e de lojas de retalho; organização de exibições; serviços de publicidade, marketing e promocional; serviços de gestão de negóciso, serviços de gestão de negócios e operações, etc) que tomou o nº N/17105.
10. Por despacho de em 9 de Setembro de 2005 e publico no B.O. nº 40/2005, II Série, de 5 de Outubro de 2005, foi concedido o registo da marca N/17105.
11. A marca H foi requerida o seu registo em 21 de Março de 2006 para assinalar os produtos e serviços de classe 42ª (entre eles, os serviços de hoteis, serviços de estalagens, providenciar alojamento) e que tomou o N/21598.
12. Por despacho de em 25 de Fevereiro de 2008 e publico no B.O. nº 14/2008, II Série, de 2 de Abril de 2008, foi concedido o registo da marca N/21598.
13. Em 17 de Fevereiro de 2007 foi proferido pela Exª Srª Chefe de Departamento da Propriedade Industrais nos processos N/33303, N/33304, N/33305, N/33306 e N/33307 o seguinte despacho:
“Concordo com a presente informação, pelo que, no uso de competência delegada, nos termos do Despacho n° 08/DIR/2006, publicado no n° 31 do B.O. da RAEM de 02/08/2006, e recuso os pedidos de registo de marcas n°s N/33303 a N/33307, nos termos do disposto na alínea c) do n° 1 do artigo 9°, aplicável ex vi da alínea a) do n° 1 do artigo 214° e ao abrigo do disposto no artigo 197° e a alínea c) do n° 1 do artigo 199°, todos do RJPI, aprovado pelo DL. 97/99/M de 13 de Dezembro” .
14. A informação a que se refere o despacho acima referido conclui que devem as reclamações serem consideradas procedentes e os presentes pedidos de registos das marcas n.ºs N/33303 a N/33307, serem recusados, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artº 9º, aplicável ex vi da al. a) do n.º 1 do art.º 214º e ao abrigo do disposto no art.º 197º e a al. c) do n.º 1 do art.º 199º, todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 97/99/M, de 13 de Dezembro.
15. Em 17 de Fevereiro de 2007 foi proferido pela Exª Srª Chefe de Departamento da Propriedade Industrais nos processos N/33308, N/33309, N/33310, N/33311 e N/33312 o seguinte despacho:
“Concordo com a presente informação, pelo que, no uso de competência delegada, nos termos do Despacho n° 08/DIR/2006, publicado no n° 31 do B.O. da RAEM de 02/08/2006, e recuso os pedidos de registo de marcas n°s N/33308 a N/33312, nos termos do disposto na alínea c) do n°1 do artigo 9°, aplicável ex vi da alínea a) do n° 1 do artigo 214° e ao abrigo do disposto no artigo 197° e a alínea c) do n° 1 do artigo 199°, todos do RJPI, aprovado pelo DL. 97/99/M de 13 de Dezembro” .
16. A informação a que se refere o despacho acima referido conclui que devem as reclamações serem consideradas procedentes e os presentes pedidos de registos das marcas n.ºs N/33308 a N/33312, serem recusados, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artº 9º, aplicável ex vi da al. a) do n.º 1 do art.º 214º e ao abrigo do disposto no art.º 197º e a al. c) do n.º 1 do art.º 199º, todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 97/99/M, de 13 de Dezembro.
*
III – Fundamentos
1. Da violação do princípio dispositivo:
Na óptica da recorrente, uma vez que o seu recurso judicial tinha como objecto a apreciação da existência de capacidade distintiva das marcas nominativas C e D, e o Tribunal a quo, não obstante ter reconhecido a existência de capacidade distintiva das mesmas, ao recusar o registo com fundamento na imitação de outras marcas previamente registadas, conheceu de matéria de facto que lhe era vedado conhecer, violando assim o princípio dispositivo.
Quid iuris?
O princípio dispositivo tem as suas raízes no antigo Direito Romano, “ius utendi, fruendi et abutenti” (direito de usar, fruir e de abusar)1.
São consequências deste princípio:
* o processo só se inicia mediante impulso da parte que apresenta a petição inicial (“nemo judex sine actore”);
* as partes é que decidem sobre objecto do processo, ou seja, da matéria a decidir pelo tribunal;
* o desenvolvimento do processo tem de ser continuamente estimulado pelas partes; e
* as partes podem pôr termo ao processo (desistência do pedido ou da instância) e determinar até o conteúdo da sentença de mérito (confissão, transacção e desistência do pedido).
Como fundamentos deste princípio:
* Se a relação jurídica material é disponível parece certo que nada obsterá à disponibilidade da própria relação processual;
* Sendo as partes as pessoas mais directamente interessadas na resolução do litígio, parece que a dinâmica que elas podem dar ao processo redundará na sua brevidade; e
* Considerar o processo como assunto das partes, em que não há interesses públicos a tutelar (concepção privatística do processo), pelo que as partes dispõem dele livremente.
O princípio dispositivo vigorava em absoluto no Código de Processo Civil de 1876, mas foi evoluindo com o tempo.
Com a Reforma de 1926 - 1932, a figura de arbítro passivo neutro do juíz foi alterada, concedendo-lhe novos poderes, nomeadamente:
* o de indeferir liminarmente a petição inicial;
* o de proferir o despacho regulador onde conhecesse das nulidades, ilegitimidade e quaisquer questões que pudessem obstar à apreciação do mérito da causa; e
* o de inquirir ele próprio as testemunhas, até então ouvidas pelos advogados.
Com este alargamento do poder do juíz, pretendia-se:
a) assegurar um contacto directo e constante entre o juíz e as partes, peritos e testemunhas;
b) desembaracar o processo, o mais cedo possível, de tudo quanto possa impedir a apreciação do mérito da causa; e
c) permitir ao juíz cortar toda a “chicana” e encaminhar rapidamente o litígio para uma solução consciensiosa2
Com o Código de Processo Civil de 1939, foi introduzido o princípio inquisitório, como contrapolo do princípio dispositivo.3
Segundo este princípio, o processo não está apenas à disposição da vontade das partes, mas sim da vontade do juíz.
Assim, na sua pura e absoluta raíz, o juíz tem toda a liberdade de fazer as diligências necessárias para a descoberta da verdade, bem como condenar em mais do que foi pedido ou em objecto diverso.
A sua razão de ser é justamente considerar o processo como uma forma de realização da boa administração da justiça e da paz social.
O novo Código de Processo Civil de 1939 assentou num sistema de colaboração entre as partes e o tribunal, tendo este lugar predominante já que é órgão da justiça – e as partes, gozando é certo da iniciativa processual, apenas cooperam na preparação dos elementos úteis à decisão4.
Conferiu assim ao juíz os poderes de:
a) remover os obstáculos que se oponham ao andamento regular da causa, quer recusando o que for impertinente ou meramente dilatório, quer ordenando o que, sem prejuízo da iniciativa e do impulso processual das partes, se mostre necessário para o seguimento do processo; e
b) realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Além disso, estabelece-se que o juíz não está sujeito à vontade das partes quanto às soluções de direito e às questões de índole processual.
Neste campo, o juíz só é limitado pela lei, não pela vontade das partes.
As partes não podem, nem de comum acordo, alterar o esquema ou a marcha normal do processo.
Por outro lado, quando a conduta das partes ou quaisquer circunstâncias da causa que produzam a convicção segura de que as partes se serviram do processo para praticar um acto simulado ou para conseguir um fim proibido por lei, o juíz deve decidir no sentido de obstar ao objectivo anormal prosseguido pelas partes.
Este é o sistema geral que se seguiu no Código de Processo Civil de 1961, até à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil de Macau de 1999.
Hoje, apesar de o objecto do processo civil continuar a ser um litígio de interesses privados, a sua finalidade mediata é uma realização da justiça. Tende, assim, a tornar-se predominante na doutrina e na legislação uma concepção publicística, e não privatística, do processo5.
Razão pela qual o actual Código de Processo Civil de Macau (CPCM) vem acentuar a ideia de inquisitoriedade, conferindo mais poderes ao juíz para tornar pronta a justiça.
Assim, no campo da atendibilidade dos factos, o juíz pode fundar a decisão não apenas nos factos alegados pelas partes.
O artº 5º do CPCM dispõe que:
   “1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.
   2. O juíz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434º e 568º e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
   3. São ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que seja dada à parte interessada a possibilidade de sobre eles se pronunciar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.”
No caso em apreço, a DSE, nas informações que serviram à base da recusa de registo das marcas em causa, referiu a existência das marcas H, G e I (v. os documentos nºs 1 a 10 juntos à p.i.).
Por outro lado, quando foi citada para o recurso judicial nos termos do nº 1 do artº 278º do RJPI, a DSE vem dizer que “... as marcas registandas são iguais na sua configuração: uma com marca “H” e outra à “I”, o que deixaria os consumidores um pouco confusos se deparassem com os sinais que se pretendem registar” (fls. 82, artº 6º da resposta ao recurso judicial).
Pelo exposto, se conclui facilmente que o Tribunal a quo não violou o princípio dispositivo, pois, fundou a sua decisão de recusa nos factos essenciais alegados (a existência do perigo de reprodução e confusão com outras marcas já registadas) pela DSE, que é parte do processo, bem como nos instrumentais resultantes da instrução (a data do registo das mesmas e os serviços assinalados pelas mesmas).
O recurso não deixar de se julgar improcedente nesta parte.
2. Da falta de fundamentação de facto:
Entende a recorrente que a sentença recorrida é nula porque dela não consta qualquer remissão para o meio de prova que terá sustentado a verificação do registo das marcas G (N/17105) e H (N/21598), o que viola os nºs 2 e 3 do artº 562º do CPCM.
Não lhe assiste razão.
A sentença recorrida indicou de forma expressa que os factos dados como provados se baseavam nos documentos juntos aos autos.
Por despacho de 11/10/2011, o Tribunal a quo solicitou à DSE para “fornecer as informações sobre quais são as datas do requerimento das marcas H, G e I, datas de concessão de registo, as eventuais datas de prioridade, bem como os serviços a que as marcas em causa de destinam a assinalar” (fls. 236).
Em resposta, a DSE forneceu os elementos constantes de fls. 240 a 257 dos autos, dos quais resulta inequivocamente a verificação do registo das marcas em referência.
A resposta oficial da DSE, enquanto entidade competente para proceder ao registo das propriedades industriais, faz prova plena nos termos do artº 365º do CCM.
Improcede assim o recurso nesta parte.
3. Da questão do mérito:
Para a recorrente, as suas marcas nominativas C com os nºs N/33303 (para classe 35ª) e N/33306 (para classe 43ª) e “PLAZA” com os nºs N/33308 (para a classe 35ª) e N/33311 (para classe 43ª), não são reproduções ou imitações das marcas H e G, porque existem diferenças claras e evidentes entre as marcas em confronto.
Quid iuris?
Dispõe o artº 215º do RJPI que:
1. A marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
2. Considera-se reprodução ou imitação parcial de marca, a utilização de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada, ou somente do aspecto exterior do pacote ou invólucro com as respectivas cores e disposição de dizeres, medalhas e recompensas, de modo que pessoas analfabetas os não possam distinguir de outras adoptadas por possuidor de marcas legitimamente utilizadas.
No caso em apreço, o registo das marcas H e G são anteriores.
A primeira destina-se à classe 42ª e a última à classe 35ª.
A classe 42ª abrange os seguintes serviços:
   Serviços de hotéis, serviços de estalagens, providenciar alojamento; serviços de alojamento temporário; serviços de reservas para hotéis e para outros alojamentos; informação e planeamento de férias relacionados com alojamento; serviços de bar; serviços de clubes nocturnos e salas de “cocktail”; serviços de café, serviços de restaurante e “snack-bar”; serviços de “catering” para providenciar alimentação e bebidas; providenciar instalações para confêrencias, reuniões e exposições; serviços de “check-in” e “check-out” em hotéis; serviços de informação electrónica relacionados com hotéis; serviços de consultadoria e aconselhamento relacionados com os serviços acima mecionados.
A classe 43º compreende nos seguintes serviços:
   Hoteís; serviços de hotel; serviços de bar; serviços de fornecimento de comida (vulgo, catering); disponibilização de serviços próprios de banquetes e outros eventos sociais para ocasiões especiais.
Como se deve notar que os serviços da classe 42º e da classe 43ª são algo idênticos ou afins.
Vamos agora analisar se se verifica também o pressuposto da al. c) do nº 1 do artº 215º do RJPI.
Comparadas as marcas em referência sob o ponto de vista global, não nos parece que um consumidor médio possa distinguir facilmente a marca da ora recorrente com as da recorrida sem recorrer a um exame ou confronto atento.
Veja-se:
O que salta desde logo à vista é justamente que as marcas em causa têm um elemento essencial e caracterizador comum, que é justamente a palavra “Plaza”.
Apesar de existir alguma diferença sob o ponto de vista visual, o certo é que se nos colocarmos na posição de um consumidor médio que visse um estabelecimento com o nome de “Plaza” e um outro com o nome de H ou de G, e que ambos se destinam aos mesmos serviços e produtos, não se pode afastar o perigo da confusão e da associação dos mesmos.
Ficam assim verificados todos os requisitos previstos no nº 1 do citado artº 215º do RJPI, concluindo-se desta forma que as marcas da ora recorrente reproduzem parcialmente as marcas mistas H e G, susceptíveis de induzir o consumidor médio em error ou confusão, bem como gerar o risco de associação, pelo que o registo das mesmas deve ser recusado nos termos do artº 214º, nº 2, al. b) do RJPI.
*
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pela recorrente.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 21 de Junho de 2012.


_________________________
Ho Wai Neng
(Relator)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 DOS PRINCÍPIOS BÁSICOS EM PROCESSO CIVIL, Helder Martins Leitão e Manuela Neto, Editora ELCLA, 1994, pág. 25
2 PROCESSO CIVIL DE DECLARAÇÃO, Fernando Luso Soares, Editora Livraria Almedina-Coimbra, 1985
3 PROCESSO CIVIL I, José João Baptista, Editora Universidade Lusíada, 1993, pág. 38
4 Fernando Luso Soares, obra citada.
5 DIREITO PROCESSUAL CIVIL, 1º VOLUME, João de Castro Mendes, Edição da Associação Académica, pág. 183 e 193.
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