Proc. nº 276/2012
Recurso civil e Laboral
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 21 de Junho de 2012
Descritores:
-Obrigação do locador
-Obras de conservação
SUMÁRIO
O dever de conservação quinquenal a que respeita o art. 7º do DL nº 79/85/M, de 21/08 (RGCU) é diferente do dever estabelecido no art. 977º, al. b), do CC.
O primeiro é inerente à qualidade de proprietário; existe propter rem.
O segundo é inerente à qualidade de locador; existe em virtude de uma relação contratual.
Proc. nº 276/2012
(Recurso civil e Laboral)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A, titular do BIRP nº XXXXX (X), com os demais sinais dos autos, intentou no T.J.B. acção declarativa comum sob a forma sumária contra B, pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$ 228.070,00, quantia correspondente aos alegados danos sofridos na fracção que habita como arrendatário, os quais imputa à ré, na qualidade de senhoria.
*
Lavrada a sentença, foi a acção julgada improcedente e a ré absolvida do pedido.
*
É contra tal sentença que o autor se insurge no presente recurso, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
«A. Os trabalhadores contratados pela Ré, esta e a sua filha, disseram (depois de partida a parede e perante a visão dos tubos) que a inundação fora causada pelo tubo da fracção “Z” (da vizinha do lado) e não pelo tubo da fracção “A”.
Contudo,
B. Somente da fracção “A” ficou inundada...Sendo estranho, pois que se o tubo de água era da fracção vizinha esta deveria esta também com água pois que não é crível que o tubo da fracção “Z” estivesse “encostado” à parede da fracção “A”.
C. Sendo inquestionável a livre convicção do julgador, in casu, meramente se questiona o iter do raciocínio judicial: O qual está viciado na sua premissa maior e, assim, afectando inevitavelmente a conclusão do silogismo.
Pois que,
D. “Se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção.” (Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 29 Jun 2011, Processo 233/08)
Sendo certo que,
E. Releva conhecer “os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.” (Tribunal da Relação de Évora, Acórdão de 15 Abr. 2008, Processo 3155/07-1)
F. O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não relevou a obrigação contratual da Ré assumida no contrato de arrendamento, nem o dever do locador dispor a coisa em condições de o locador usar e fruir da coisa locada (art. 977º C.C.), nem o dever de o proprietário zelar pela conservação do imóvel (Dec.-Lei nº.79/85/M de 21 de Agosto, artigo sétimo).
G. O art. 977º C.C. e o art.7º do Dec.-Lei nº.79/85/M de 21 de Agosto devem ser aplicados e interpretados da seguinte maneira: “O locador deve disponibilizar a coisa locada ao locatário de forma a lhe permitir usar e fruir a mesma e o proprietário deve zelar pela conservação da sua edificação quinquenalmente.”
Por fim,
H. E, salvo o devido respeito por opinião diferente, o Tribunal a quo incorreu em error judicandi por ter concluído o seu silogismo jurídico com base em falsa premissa factual já que, a olho nu, não se consegue distinguir qual das tubagens pertence ã fracção “A” ou ã fracção “Z” mas somente confrontando os tubos com o mapa das Obras Públicas.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, se requer a Vossas Excelências se dignem mandar repetir o julgamento a fim de se confrontar os tubos de água com o mapa dos Serviços fazendo, assim, a vossa habitual Justiça!».
*
Não houve contra-alegações.
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«A R. é proprietária da fracção autónoma em Macau na Rua de XX n.º XX, Praça XX - XX, XX XX.º andar fracção “XX”. (A)
Em 18 de Maio de 2006, foi celebrado um contrato de arrendamento entre o A. e R. (B)
Aquando das negociações para a celebração do contrato o A. visitou o arrendado (uma trabalhadora da agência, um irmão do A. e uma tradutora de mandarim) e verificou que este estava em condições de habitabilidade. (C)
O A. mudou da casa onde habitava para ir morar na fracção autónoma supra referida de que a R. é proprietária. (D)
Os meses foram passando e tudo foi decorrendo na normalidade de um contrato de arrendamento. (E)
Descobriram-se que a água estava a sair de uma parede do corredor da fracção supra identificada. (F)
O A. contactou a agência C Limited, afim de saber o contacto telefónico da R. (G)
Tendo o A. informando a R. de que a fracção em causa estava com problemas de inundação e que esta precisava e providenciar no sentido de mandar fazer obras urgentes de reparação. (H)
Em 12 de Agosto de 2007, a R. acompanhada pela mãe, deslocaram-se para a fracção em causa. (I)
A fracção autónoma do 11.º andar da letra “Z” situada também em Macau na Rua de XX n.º XX, Praça XX - XX, XX é da propriedade de D. (J)
Em 5 de Agosto de 2007, quando o A. regressou a casa (à noite) deparou-se com a casa toda inundada. (1.º)
Já dentro de casa, o A. verificou que a água tinha estragado grande parte dos seus bens. (2.º)
O A. contactou de imediato o vizinho do lado a fim de saber se a inundação estava a ser causada pela canalização deste. (3.º)
O A., na companhia dos vizinhos, voltou ao arrendado supra identificado para tentar descobrir as causas da inundação. (5.º)
O A. viu-se na necessidade de continuar o trabalho de bombear a água que continuava a correr. (7.º)
Passadas cerva de duas semanas o A. encontrou uma casa para arrendar e, assim, este passou a habitar a nova casa. (9.º)
Os prejuízos materiais foram os seguintes:
(A - quarto)
- cama;
(B - sala)
- duas almofadas (been bag) de chão (MOP$500,00);
- três quadros antigos de paisagem (MOP$1.350,00);
- dois quadros antigos (MOP$1.500,00);
- doze livros antigos (MOP$3. 600, 00);
- trinta e dois discos (DVD) (MOP$1.920,00);
- nove cassetes pequenos (MOP$900,00);
- doze cassetes grandes (MOP$1.200,00);
(c - corredor)
- duas sapatilhas (MOP$ 620, 00);
- setenta e duas revistas antigas;
- helicóptero telecomandado (MOP$630, 00);
- carro blindado telecomandado (MOP$480,00);
(D - 2º quarto)
- setenta discos antigos (MOP$17.500,00);
- duas colunas da marca Pinnacle -spealers (MOP$8.000,00);
- sete mapas antigos de Macau (MOP$2. 000, 00);
- setenta caixas para lembranças (MOP$2. 100, 00);
- dois telemóveis antigos da marca Motorola (sem valor);
- um telemóvel antigo da marca Nokia (sem valor);
- trinta e oito discos (DVD) (MOP$2.280,00);
- cinco cassetes pequenos (MOP$500,00);
- três cassetes grandes (MOP$300, 00). (10.º)
Provados ainda os seguintes prejuízos:
a) brinquedos relacionados com os bombeiros, modelos de carros de bombeiros antigos e modernos, lembranças;
b) documentos relativos ao corpo de Bombeiros de Macau, mapas, escalas de serviços antigos, oito galhardetes, cinco lembranças oferecidas pelos Bombeiros e Hong Kong, dois manuais de instrução do início do século XIX, ordens de serviço, fotografias e retratos de comandantes, fotografias de colegas da Corporação;
c) diplomas e certificados concedidos ao A. pela Corporação de Macau e por Corporações vizinhas e do Reino Unido. (11.º)
A R. foi avisada atempadamente da inundação da fracção arrendada. (12.º)
O A. viu-se na necessidade de urgentemente procurar uma casa para habitar visto que a fracção arrendada em condições impossíveis de morar. (13.º)
A parede em causa separa a fracção autónoma da letra “AA” de propriedade da ora R. com outra fracção autónoma da letra “Z” de Propriedade de terceiro, ambos do XX.º andar da Praça XX XX, XX. (14.º)
As fracções autónomas da letra “AA” e letra “Z” são contíguas entre si. (15.º)
Junto da sempre referida parede acima identificada, verificaram a saída de água. (16.º)
A R. e sua mãe verificaram a infiltração de água proveniente da parede do corredor e por conseguinte a água correu para a sala de estar da fracção, molhando os soalhos e o rodapé do corredor e da sala de estar. (17.º)
Verificaram ainda que o A. abandonou na varanda junto da sala de estar os soalhos do corredor e da sala de estar, propriedade da ora R. (18.º e 19.º)
Para tal a R. tirou, na mesma data, as respectivas fotografias. (20.º)
Com a infiltração de água a R. sofreu danos sobre soalhos e rodapé da sua pertença existentes na sua pertença existentes na sua fracção autónoma da letra “AA”. (21.º)
A R. até teve o cuidado de dizer ao A. que ele podia procurar outra casa para habitar provisoriamente, deixando as chaves à R. para arranjar a casa e logo que acabe as obras o A. poderia regressar nela. (22º.)
No mesmo dia 12 de Agosto de 2007 a R. para além de ter pedido de imediato a comparência dos operários de canalização de água para verificar o que aconteceu, tirando até fotografias. (23.º)
No dia 15 de Agosto de 2007 (três dias depois de tomar conhecimento da ocorrência) a R. apresentou queixa junto da DSSOPT a fim de arranjar mais provas para poder intentar acção contra o vizinho, que acabava ser o real culpado dos factos. (24.º)
Para além de lhe ter sido avisado, deixou como indivíduo de contacto nessa queixa o próprio A., Sr. A, telefone n.º XXXXX, endereço: Praça XX - XX, XX.º andar “AA”. (25.º)
Os operários partiram a parede e verificaram que a água saía de uma canalização metálica existente no chão, debaixo da parede onde separa a fracção da letra “AA” da R. com a fracção da letra “Z”, de propriedade de C. (27.º)
A referida parede que separa as fracções autónomas, contíguas entre si, do 11.º andar da letra “AA” com a letra “Z”, constitui simultaneamente para cada uma das referidas fracções uma das paredes componentes que lhes divide e de propriedade de ambas. (28.º)
De modo que a referida parede constitui para a fracção autónoma da letra “AA” da R. uma parede de um corredor. (29.º)
Constitui, por outro modo, uma parede de duas casas de banho para a fracção autónoma da letra “Z” e por baixo desta instalada a canalização metálica de água destinada a fornecer água às referidas casas de banho. (30.º)
A canalização de água existente por baixo da parede onde separa o corredor da fracção autónoma da letra “AA” com as casas de banho da fracção autónoma da letra “Z” é da pertença desta última. (31.º)
Tal canalização de água metálica faz parte integrante da fracção autónoma da letra “Z”, da qual tem o uso exclusivo e por conseguinte da propriedade de C. (32.º)
O A. alegou que ele tem muitos haveres nessa casa e recusou também a entrega de chaves que permita prosseguir as obras de reparação. (33.º)
Naquela altura, a R. até teve o cuidado de propor ao A. para que avançasse juntamente uma acção contra o vizinho, proprietário da fracção autónoma da letra “Z”. (35.º)
Conforme as circunstâncias verificadas pela R., sua mãe e outros presentes, o que realmente houve foi uma infiltração de água proveniente de uma canalização de água partida. (36.º)
Só o A. é que tinha as chaves da casa do 11.º andar “AA” objecto do contrato de arrendamento com início ao dia 18 de Maio de 2006 até à presente data. (37.º)
O A. recusou a reparação depois do dia 12 de Agosto de 2007, deixou os seus materiais na casa e mudou de residência sem dar nenhuma comunicação à R. para que possa tomar as medidas no sentido de proteger os seus bens patrimoniais bem como manter a casa em condições de habitabilidade. (38.º)
A R., sua mãe e os operários de reparação de canalização de água verificaram nesse dia que a água saía de uma canalização de água da fracção autónoma contígua, da letra “Z”. (39. º)».
***
III- O Direito
1- O presente recurso circunscreve-se a duas questões, tal como as enumerou o próprio recorrente:
a ) “Impossibilidade material de os trabalhadores contratados pela ré em distinguir a quem pertencia o tubo de água danificado em razão de existirem vários tubos de água”;
b) “Incumprimento do dever do onus vigilandi geral e, em especial, o que consagra o dever de verificação quinquenal do estado dos prédios”.
Vejamos, então.
2 - O “caso” nos presentes autos apresenta-se-nos com os seguintes contornos:
O autor, inquilino numa fracção habitacional de que a ré é proprietária, cerca de 15 meses após a ter tomado de arrendamento, foi surpreendido quando, ao chegar a casa à noite, deparou com uma inundação no seu interior, circunstância que lhe causou estragos, cujo ressarcimento agora reclama da senhoria demandada.
O autor imputava à ré a responsabilidade pelos danos, em face dos arts. 977º do Código Civil (doravante CC) e 7º do DL nº 79/85/M, de 21/08 (RGCU: Regulamento Geral da Construção Urbana). Entendia que era dever da senhoria prover às obras de conservação e reparação na fracção de modo a proporcionar-lhe as melhores condições de utilização e habitabilidade.
Com vista a demonstrar o que afirmava na causa de pedir da acção, trouxe o autor a lume alguns factos (não muitos), que acabariam por integrar a Base instrutória. E nela, outros foram aditados na perspectiva da defesa apresentada pela ré.
Ora, o que se provou - para além do facto objectivo da inundação e de alguns danos (não todos os invocados) - ficou muito aquém do que o exigia o ónus probatório do autor.
Com efeito, a inundação provinha de uma parede que separava a fracção “AA”, onde residia o A., e a fracção “Z”, contígua àquela (resposta aos quesitos 3º, 14º, 15º, 28º). Deslocada ao locado, a senhoria ré pediu de imediato a comparência de técnicos de canalização de água (resposta ao art. 23º da BI) e esses operários, tendo partido a parede em causa, verificaram que a água provinha de um cano metálico existente no chão (resposta ao quesito 27º), que se encontrava fendido (resposta ao quesito 36º).
Provou-se, ainda, que a canalização de água existente por baixo da parede é pertença exclusiva da fracção “Z”, pertencente a C, e se destinava a alimentar de água a casa de banho dessa mesma fracção (resposta aos quesitos 30º, 31º, 32º).
E foi em virtude da prova feita que a sentença absolveu a ré, julgando não provados todos os pressupostos da responsabilidade civil.
Aquele quadro de facto é suficiente para responsabilizar a ré, tal como o defende o autor, ora recorrente?
Claramente, não.
3- O recorrente inicia as suas alegações por fazer uma espécie de censura ao modo como foi respondida alguma matéria de facto quesitada. Em sua opinião, seria impossível aos trabalhadores contratados pela Ré, e que ao local se deslocaram, distinguirem a quem pertencia o tubo da água danificado, face ao emaranhado de tubos existentes na base interna da parede.
A sua intenção, como nos parece evidente, é, contra o que foi decidido na sentença sob censura, reacender a chama da responsabilidade da ré na verificação dos danos. Todavia, um tal raciocínio expõe o recorrente a uma crítica imediata: se o que o recorrente pretendia com esta alegação era demonstrar ser impossível apurar a propriedade do tubo, então a dúvida sobre esse facto do mesmo modo sempre afastaria a responsabilidade da ré.
Com efeito, pesando o ónus da prova deste facto sobre os ombros do autor, se a dúvida final sobre a propriedade do tubo ficasse a pairar após o julgamento da matéria de facto, obviamente que a ré não podia ser responsabilizada por um dano provocado por um elemento construtivo que se não sabia pertencer-lhe. Ou seja, este tipo de alegação trai o alegante no seu propósito.
De qualquer maneira, não podemos destruir a livre convicção do julgador. Foi perante ele que os factos foram expostos; foi perante ele que desfilaram as provas, que as testemunhas depuseram, que a perícia se desenrolou; e foi ele quem teve que sopesar o valor e credibilidade das testemunhas e dos documentos oferecidos.
Daí que se nos afigure que nada do que a este título o recorrente argui é capaz de alimentar a sua tese, nomeadamente a ilógica ou, se se quiser, o atropelo às leis da física que o recorrente traz ao recurso com este raciocínio: “Se o tubo em concreto era da fracção “Z”, por que motivo somente a fracção “AA” ficou inundada?” Raciocínio de que tira a conclusão: “Não é crível que sendo o tubo da fracção “Z” este estivesse mais “encostado” à parede da fracção “A”, bem ao contrário”.
São congeminações provindas de alguém não dotado dos necessários conhecimentos da “legis artis”, e que por isso se não podem sobrepor àquilo que em sede de prova resultou da audiência e da aquisição da realidade material a partir da perícia realizada, do esclarecimento do perito e do testemunho do próprio operário que à fracção se deslocou por causa da inundação.
Portanto, não surte nenhum efeito o apelo à logicidade da física, se os factos se apressam a demonstrar, com a mesma logicidade, a verdade material colhida nos autos.
Ainda assim, não passa sem uma referência nossa a sua alegação acerca do tema. Para nós, com efeito, não é impossível que a água do tubo, mesmo pertencendo este à fracção “Z”, acabasse por invadir o lado da fracção “AA”. Bastaria que a parede do lado desta fracção apresentasse alguma abertura ou orifício que mais rapidamente e com mais facilidade para o locado permitisse escorrer o líquido; ou que fosse menos espessa, ou menos porosa; ou que o reboco não fosse da mesma qualidade. Tudo é possível. Portanto, ao autor cumpriria alegar factos demonstrativos que pudessem impedir a conclusão factual que o tribunal “a quo” extraiu. Isso, porém, não o conseguiu fazer o recorrente.
E já no recurso o autor não satisfez, por outro lado, o dever que sobre si impendia quanto ao ónus plasmado no art. 599º, nº1 e 2, do CPC, ao não concretizar quais os factos erradamente julgados e quais os elementos dos autos que permitiam julgá-los diferentemente, designadamente quais as passagens da gravação da prova em que se funda para a defesa do seu ponto de vista. Logo, por entendermos não haver erro grosseiro na apreciação da prova, nem ilógica ou vício de convicção ostensivo no julgamento da matéria de facto, não podemos senão confirmar a sentença no que a esta parte diz respeito.
4- Na 2ª parte das suas alegações, passou o recorrente a expor a sua discordância relativamente à sentença, tendo por base aquilo que no seu entender se traduziu num erro de apreciação do onus vigilandi por parte da ré da acção, nomeadamente o dever de verificação quinquenal do estado do prédio.
Nesta peleja, estaria agora em causa, portanto, a pretensa violação do art. 7º, nº1, do DL nº 7/9/85/M, de 21/08, segundo o qual «As edificações existentes devem ser objecto de obras de conservação, reparação e beneficiação com uma periodicidade de 5 anos, com a finalidade de as manter sempre em boas condições de utilização».
Ora, se é inquestionável este dever de conservação das obras – dever que, no que respeita à locação, e com as devidas diferenças, encontra eco específico no disposto no art. 977, al. b), do CC –, fora de questão é também que no caso concreto ele em nada se mostra omitido. Ou seja, nada nos autos podemos divisar que se apresente revelador de uma atitude passiva por parte da locadora, consentânea com a ideia de um desinteresse pela sorte do local arrendado, por não ter tido em conta a necessidade aparente de obras de conservação e manutenção de forma a garantir a habitabilidade da fracção. Com efeito, deveria o autor ter preenchido a violação desse dever com a adução de factos que permitissem ao julgador, depois da prova feita, subsumir a situação à previsão da norma do referido art. 7º.
Aliás, apesar de o autor não ter utilizado sequer uma única palavra traduzível factualmente, de onde pudesse ser extraída a prova daquela omissão de dever de conservação quinquenal – e só isso bastaria para o insucesso da sua esgrima – a verdade é que, por outro lado, nem tão pouco esse é um dever do locador. Isto é, o RGCU estabelece um dever a cargo do proprietário (art. 7º, nº2, cit.), não um dever a cargo do locador. O dever firmado no art. 7º é inerente à qualidade de proprietário; existe propter rem. O dever estabelecido no art. 977º, al. b), do CC é inerente à qualidade de locador; existe em virtude de uma relação negocial.
O locador apenas tem que assegurar o gozo proveitoso e útil da coisa locada (art. 977º, al. b), do CC), sem a sujeição temporal mínima que a norma do RGCU impõe ao proprietário. Desta maneira, não tem o locador que esperar pelo decurso do prazo de cinco anos para só então providenciar pela conservação do locado. Terá que diligenciar por actos concretos de conservação a todo o momento e em qualquer altura, sempre que isso se mostre necessário de modo a proporcionar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que ela se destine. Claudica, pois, o recorrente neste passo ao arrimar-se à disposição legal de um diploma que tem por destinatários sujeitos bem diferentes daquele que aqui foi desenhado numa relação contratual de arrendamento.
Mas, mesmo supondo que aquela norma pudesse ter incidência substantiva ao caso, nem por isso a solução que o recorrente defende poderia ser abraçada por nós. E aqui, mais uma vez nos socorreremos de um argumento que no presente aresto não é novo. É que, independentemente da perfeita subsunção dos factos a uma ou outra das previsões normativas, certo é que o próprio recorrente tropeça no seu próprio novelo argumentário, pois, segundo a tese que defende, ele sempre esteve bem na fracção durante todos aqueles meses (mais de um ano) em que «…tudo foi decorrendo na normalidade de um contrato de arrendamento» (al. E), dos factos assentes). Ora, se o tubo está dentro da parede, como poderia a ré (mesmo que o tubo lhe pertencesse, o que não ficou provado) saber do estado em que ele se encontrava? Será legítimo que o proprietário ou o locador façam periodicamente inspecções a todas as paredes do imóvel para apurar do estado de corrosão dos canos condutores de água que pelo seu interior passem? Acha sinceramente o recorrente que o locador deve rebentar paredes em cada período de 5 anos, provocando estragos, porventura escusados, e incómodos inusitados ao próprio locatário, apenas para cumprir o seu dever de verificação do estado da canalização?
A nós parece evidente que não. É por isso que este dever de manutenção do bom estado do locado e de realização de obras de conservação que se pode entrever no art. 977º, al. b), do CC está conexionado com o art. 983º, al. i), do CC. A não ser nos casos urgentes (art. 991º do CC), é sobre o locatário que recai o dever de dar conhecimento ao locador de algum vício da coisa para que este providencie pela sua eliminação. Ora, isto é coisa diferente do dever de realizar obras de conservação ordinária, que não terão que ter lugar se o locado não apresentar danos, defeitos ou vícios de degradação aparentes.
Sendo tudo isto assim, andou bem a sentença ao não dar por provada a matéria consubstanciadora dos pressupostos da responsabilidade civil (art. 477º do CC) e, portanto, ao excluir a ré do dever de indemnizar o autor ao abrigo do art. 556º do mesmo Código.
Razão porque o julgado se tem que confirmar.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
TSI, 21 / 06 / 2012
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José Cândido de Pinho
(Relator)
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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)