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Processo nº 627/2011
(Recurso Cível)

Data: 21/Junho/2012

   
   Assuntos:

- Pressupostos da responsabilidade civil
- Actividade perigosa; presunção de culpa
- Artigo 159º do Dec.-Lei n.º 44/91/M, 19/7
- Artigo 477º, n.º 1 e 486º, n.º 2 do C. Civil
    - Cumulação de indemnização por acidente de trabalho e por responsabilidade por acto ilícito
    
    SUMÁRIO :
    1. Se uma senhora vai a passar junto de um estaleiro e inesperadamente lhe cai um objecto em cima da cabeça, provindo de uma obra que se desenvolvia em altura, vindo a provocar-lhe morte quase imediata, ainda que não se tenha identificado essa coisa, não é difícil configurar uma situação de presunção de culpa na omissão dos deveres de quem desenvolva aquela obra que são muito expressivos no sentido de este empreendedor garantir que não caiam objectos da obra.
   
2. Não é cumulável a indemnização destinada a reparar os mesmos danos recebida a título de acidente de trabalho, no caso in itinere, com a decorrente da responsabilidade civil por acto ilícito.
    


O Relator,

               
                (João Gil de Oliveira)

Processo n.º 627/2011
(Recurso Cível)
Data: 21/Junho/2012

RECORRENTES :

Recurso Final
(1ª interveniente) Asia Insurance Company Limited (亞洲保險有限公司)
(2ª interveniente) Companhia de Seguros da China (Macau), S.A. (中國保險(澳門)股份有限公司

Recurso Interlocutório
(1ª ré) Hotel Starworld Companhia Limitada (星際酒店有限公司)
(2ª ré) Galaxy Casino, S.A. (銀河娛樂股份有限公司)


RECORRIDOS :

A
B
C
D

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. "HOTEL STARWORLD COMPANHIA LIMITADA" e "GALAXY CASINO, S.A.", Rés nos autos à margem referenciados, notificadas do douto despacho de fls. 795 que admitiu o recurso interlocutoriamente por si interposto a fls. 791, relativamente a despacho que indeferiu o pedido de depoimento de parte da 3ª Ré, vêm ao abrigo do artigo 613.° do Código de Processo Civil, apresentar as suas ALEGAÇÕES, o que fazem, dizendo em síntese conclusiva:
    1. Vem o presente recurso interposto do despacho de fls. 779 que, entre outros, indeferiu o depoimento de parte da 3.ª Ré "Companhia de Construção e Engenharia E, Limitada" requerido pelas Recorrentes à matéria do quesito 46.°, por considerar que este quesito não correspondia a um facto desfavorável à 3.ª Ré
    2. Ao contrário do que é preconizado pelo Tribunal a quo afigura-se às Recorrentes que a matéria do quesito 46.° contém um facto que, por um lado, é inequivocamente desfavorável à 3.ª Ré contribuindo para, vingando a tese dos Autores, assacar a esta a responsabilidade única pelo incidente objecto dos autos e que, por outro, beneficia de modo definitivo as Recorrentes, conduzindo à sua absolvição do pedido.
    3. Da tese dos Autores parece resultar a defesa de uma responsabilidade solidária das Recorrentes e da 3.ª Ré motivada, no que às primeiras diz respeito, pelo facto de também serem responsáveis por um alegado incumprimento das normas de segurança aplicáveis.
    4. Ora, a este tese responderam as Recorrentes dizendo que, na hipótese académica de se dar como assente que na construção do edifício do Hotel Starworld houve uma violação das normas de higiene e segurança e a concluir-se que, em última análise, tal violação constituiu a causa do incidente objecto dos autos nunca a responsabilidade por tais fados poderia ser assacada às ora Recorrentes que não tiveram qualquer interferência, nem obrigação legal, ou poder de direcção sobre a forma como os trabalhos de construção e a implementação das respectivas medidas de segurança foram assegurados.
    5. Ao invés, e a verificar-se situação hipotética a que se vem fazendo menção, a responsabilidade pela mesma teria de ser atribuída por inteiro à 3.ª Ré que, como empreiteira da obra, era a única responsável pelo estabelecimento e cumprimento das aludidas normas de segurança, tanto mais que, repita-se, não recebeu das ora Recorrentes quaisquer instruções nessa matéria.
    6. É, portanto, nesta medida que dúvidas não podem existir que o facto constante do artigo 46.° da base instrutória constitui um facto desfavorável à 3.ª Ré pois o mesmo permite afastar qualquer responsabilidade solidária ou concorrencial das ora Recorrentes fazendo, simultaneamente, recair por inteiro naquela a responsabilidade pelo evento que vitimou a Sra. XX.
    7. Está-se pois em crer que, a interpretação que o Tribunal a quo expressou sobre o teor e natureza do artigo 46.° da base instrutória e que, na sua óptica, justificou o indeferimento da pretensão das Recorrentes foi, salvo o devido respeito, errada, desembocando numa violação dos artigos 477.° a 479.° do Código de Processo Civil.
    8. Assim sendo, deverá a decisão recorrida ser substituída por outra que, em sentido inverso ao que aquela determinou, admita a prestação, para efeitos de confissão, do depoimento da 3.ª Ré à matéria do referido quesito.
    Termos em que, deverá o despacho recorrido ser revogado e proferida nova decisão que, dando provimento ao presente recurso, admita a prestação, para efeitos de confissão, do depoimento da 3.ª Ré à matéria do quesito 46.º da base instrutória
    2. Este recurso não foi contra alegado.
    3. "ASIA INSURANCE COMPANY LIMITED" e "COMPANHIA DE SEGUROS DA CHINA (MACAU), S.A.", Rés Intervenientes nos autos à margem referenciados, notificadas do douto despacho de fls. 1060 que admitiu o recurso por si interposto da sentença proferida a final, em que se decidiu condenar as seguradoras intervenientes em indemnização por lesões causadas por queda de um objecto de uma dada obra, vêm apresentar as suas ALEGAÇÕES, o que fazem, em síntese:
    1. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 1030 e seguintes que condenou as ora Recorrentes “pagar, cada uma delas em metade da indemnização" no montante global de MOP$2.681.819,60.
    2. Conforme resulta da fundamentação da sentença recorrida, a decisão de condenação das ora Recorrentes assenta no entendimento preconizado pelo Tribunal a quo de que “estando provado que o objecto que atingiu a mulher/mãe dos Autores tinha caído das obras” ser “manifesto que se deve imputar objectivamente essa queda à falta de cumprimento do dever de vigilância por parte da 3ª Ré”, enquadrando a responsabilidade da 3.ª Ré empreiteira no n.º 1 do artigo 486.° do Código Civil afirmando que nada foi alegado para excluir a culpa desta.
    3. O referido artigo estabelece uma modalidade especial de responsabilidade delitual, ou seja, fundada na culpa, mediante uma inversão do ónus da prova ou presunção de culpa a recair sobre quem exerça ou beneficie de' determinadas actividades, em regra também com especial aptidão para causar danos.
    4. No entanto, o que cabe na previsão da mencionada norma são apenas os danos causados pelas coisas, ou seja danos que “danos hão-de estar intimamente ligados com a coisa em si ou com os elementos que a integram, ou seja, que foram directamente provocados por qualquer elemento estruturante ou componente dessa coisa” e não os danos causados pelas pessoas com o emprego de coisas, designadamente intervindo fisicamente sobre elas. Neste caso, porque responsável será este agente, vigorará o regime geral da responsabilidade civil.
    5. Acresce que, ainda “que no domínio do estatuído neste preceito estejamos perante uma presunção legal de culpa e, como tal, se presuma a culpa do obrigado à vigilância do imóvel relativamente aos danos por ele causados, sempre incumbe à parte, beneficiada com tal presunção, alegar e provar o facto que serve de base à presunção" ou seja, que os danos foram causados por um elemento integrante ou componente da coisa.
    6. Assim, por força do referido normativo, a fim de que a responsabilidade pelos danos pudesse ser imputada à 3.ª Ré (e, por força do contrato de seguro, às ora Recorrentes) com base na presunção de culpa prevista no n.º 1 do artigo 486.°, como o faz a sentença recorrida, os Autores teriam de ter alegado e provado que o objecto que atingiu a Sra. XX era parte integrante ou componente da obra e que na origem esteve o prédio em si.
    7. Sucede que nada disso se verificou, tendo apenas ficado provado que no dia 21 de Dezembro de 2005, cerca das 17h10, quando a Sra. F passava na zona adjacente ao Hotel Starworld foi violentamente embatida por um objecto caído da obra (vide resposta ao quesito 11.° da base instrutória), sem que se tenha provado ou dito alguma coisa quanto à natureza desse objecto ou à origem da respectiva queda.
    8. Mais, ficou assente que não foi encontrado nenhum objecto que poderia ter causado as lesões que a Sra. F sofreu na cabeça (vide alínea H) dos factos assentes).
    9. Ao referir, sem que nada tenha ficado provado quanto à natureza ou espécie de objecto que tingiu a mulher/mãe dos Autores e origem dessa queda, que "é manifesto que se deve imputar objectivamente essa queda à falta de cumprimento do dever de vigilância por parte da 3.ª Ré", a sentença recorrida viola o artigo 486.°, n.º 1 do Código Civil e acaba por estabelecer uma verdadeira responsabilidade objectiva a cargo do empreiteiro a quem incumbe o dever de vigilância da obra pois para o aresto posto em crise o facto de se ter dado como assente que o objecto que atingiu a vítima caiu a obra basta para fazer recair sobre aquele a responsabilidade pelos danos em apreço.
    10. Por outro lado, ao dizer "que, nada nos autos permite afirmar que a queda do objecto foi causada por factos totalmente alheios à 3.ª Ré", o Meritíssimo Juiz a quo volta, salvo o devido respeito, a demonstrar não entender o significado e alcance, do citado artigo 486.°, n.º 1.
    11. Com efeito, não poderá nunca entender-se, conforme transparece da citação feita no parágrafo antecedente, que a presunção de culpa prevista no citado artigo da lei, exime os Autores de provarem o facto que subjaz a essa presunção, o de que os danos se ficaram a dever ou foram causados pelo prédio em construção, por um elemento integrante ou componente deste imóvel.
    12. Na ausência de qualquer facto que demonstre a natureza ou a espécie do objecto que caiu da obra e a origem dessa queda é pura a afirmação do Meritíssimo Juiz a quo (vide fls. 1039) de que ficou assente que a 3.ª Ré deixou de cumprir o dever de manter o empreendimento isento de perigos para terceiros, ficção que faz incorrer a sentença recorrida na nulidade a que alude o artigo 571.°, n.º 1 alínea d).
    13. Por conseguinte, não tendo sido feita prova do facto de que depende a presunção de culpa das Rés está afastada, à partida, qualquer obrigação das mesmas em indemnizarem os Autores., uma vez que não ficaram provados os restantes pressupostos de depende essa obrigação.
    14. Por outro lado, não obstante a presunção de culpa a que se tem vindo a fazer menção, os Autores não estavam, como decorre da fundamentação da sentença recorrida, dispensados de fazer prova dos restantes pressupostos a que está condicionada a obrigação de indemnização, o que não fizeram.
    15. Efectivamente, além de não terem feito prova do facto que subjaz à presunção de culpa a que se vem fazendo menção, os Autores também não lograram provar qualquer ilicitude no comportamento das Rés, ilicitude que, ao invés do refere a sentença recorrida, assume a segunda das suas modalidades - violação de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios - pois tratando-se de uma obra de construção civil o que está em equação é a segunda das suas modalidades - violação de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios - ou seja saber se os deveres impostos por lei a quem exerce esta actividade mormente em questões de segurança e protecção de terceiros foram ou não cumpridos.
    16. Apesar de alegado, os Autores não provaram que as Rés e entre elas a empreiteira incumpriram as suas obrigações ao nível da rede de protecção que deveria cobrir o edifício e também a sua cobertura horizontal as quais se destinavam a proteger as pessoas em geral (vide quesitos 15.°, 16.° 17.° e 18.°) e, concomitantemente, não provaram qualquer violação dos correspectivos artigos da lei que lhes impunham estas obrigações.
    17. Doutro passo, o entendimento perfilhado pelo Meritíssimo Juiz a quo de que a morte da Sra. F é, por si só, a demonstração da ilicitude uma vez traduzida na violação do direito à vida é inaceitável tanto mais quando é a própria sentença que fala em omissão de um dever e assenta a responsabilidade da 3.ª Ré (transferida para as ora Recorrentes por via de contrato de seguro) num artigo da lei (artigo 486.°, n.º 1) que pressupõe a violação de um dever legal por força da natureza da coisa.
    18. Também quanto à culpa, a presunção que recairia sobre a 3.ª Ré está à partida afastada uma vez que os seus beneficiários, os Autores, não lograram sequer fazer prova do facto que lhe serve de base, acrescentando-se que sempre se terá de entender que as Rés, mormente a 3.ª Ré, lograram efectivamente provar não ter incumprido qualquer dever de segurança na obra o que resulta evidente da circunstância de não se ter dado como assente qualquer infracção por parte da empreiteira ao Regulamento de Higiene e Segurança no Trabalho e também do facto de nada ter ficado provado quanto à natureza do objecto ou a origem da sua queda.
    19. Estando afastados os pressupostos de que depende a obrigação das Rés ora Recorrentes em indemnizarem os Autores a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que declare a presente acção improcedente por não provada,
    20. À cautela e sem prescindir, para o caso de assim não se entender sempre se dirá que a sentença recorrida fez uma errada interpretação da matéria de facto resultante dos quesitos 35.°, 38.°, 39.°, 40.° e 42.°, dos quais resulta claramente a existência de culpa da Sra. F na produção do acidente.
    21. Efectivamente, ao optar de forma consciente por circular numa rua onde não existiam passeios ou sequer bermas e onde existia uma obra de construção de grande envergadura a Sra. F acabou por dar causa ou pelo menos contribuir decisivamente para o dano pelo que, face à relevância da sua culpa, traduzida num comportamento altamente negligente; mais não restará a este Tribunal, no caso de concluir pela existência de culpa de alguma das Rés - o que apenas se concebe por cautela - do que decidir-se pela exclusão da indemnização nos termos do artigo 564.º do Código Civil ou, pelo menos, na sua diminuição em percentagem não inferior a 50 % …
    22. Ainda à cautela e sem prescindir, diga-se também que a ser reconhecido aos Autores o direito a serem indemnizados pelas ora Recorrentes (hipótese que, uma vez mais, apenas se aceita por dever de patrocínio) o montante arbitrado na sentença recorrida é manifestamente exagerado.
    23. Desde logo quanto ao dano morte da mulher/mãe dos Autores em que foi arbitrada uma indemnização no valor de MüP$1.000.0000,00 constata-se que o Tribunal a quo, ao contrário do que tem sido prática corrente na jurisprudência local, não valorou a condição socio-económica da vitima que era modesta e violou uma das regras básicas a que uma indemnização desta natureza está sujeita, que é a de evitar enriquecimentos injustificados.
    24. No caso em apreço, é preciso salientar que, como os Autores expressamente reconhecem, a Sra. F era uma pessoa de modestos recursos económicos, com uma qualidade de vida que se crê reduzida, oriunda que seria de um meio sócio económico pobre e sem grandes perspectivas de vir ainda a realizar qualquer projecto pessoal de relevo na sua vida, pelo que se afigura adequado o montante de MüP$500.000,00 a titulo de indemnização pela perda do direito à vida.
    25. Exagerados são também os valores arbitrados a titulo de danos morais sofridos pelos Autores pela perda da sua mulher/mãe, mormente no que diz respeito ao valor de MüP$400.000,00 arbitrado pelo ressarcimento dos danos morais do 1.° Autor., como diz a sentença recorrida, nos autos não vem especificada nenhuma relação especial entre os diversos Autores e a vítima, baseando-se a atribuição do referido valor ao 1.° Autor numa mera presunção do Tribunal a quo.
    26. Assim, no silêncio da matéria de facto quanto a qualquer circunstância que permita diferenciar o quantum indemnizatório a arbitrar para o 1.° Autor em relação aos restantes . Autores, há que concluir que deve ser fixado o montante de MOP$200.000,00 para cada um dos Recorridos, diminuindo-se assim para este valor o montante atribuído ao 1.° Autor.
    27. Por último quanto aos lucros cessantes, o montante de MOP$370.944,00 já recebido pelos Autores no âmbito do processo de trabalho instaurado pela morte da sua mulher/mãe deveria ter sido tomado em consideração no montante agora atribuído a este título uma vez que ambas as indemnizações terem a mesma natureza, ou seja, trata-se de indemnizar o mesmo dano, originado com base no mesmo facto.
    28. Vigorando o princípio de que ninguém pode ser indemnizado pelos mesmos danos, gerados pelo mesmo facto, duas vezes, não restava ao Tribunal a quo outra alternativa do que descontar, nas proporções previstas na sentença recorrida para cada uma dos Recorridos, o montante de MOP$370.944,00 por estes já recebido no âmbito do aludido processo de trabalho ao montante global de MOP$651.019,60 ora arbitrado aos Autores a título de lucros cessantes.
    Termos em que, concluem, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra decisão que declare a presente acção improcedente por não provada, assim se absolvendo as Rés ora Recorridas do pagamento aos Autores de qualquer indemnização.
    À cautela e sem prescindir, a titulo subsidiário, para o caso de se entender que recai sobre as Rés ora Recorrentes a obrigação em indemnizarem os Autores pelos danos em apreço nos autos, deverá ser fixada a culpa exclusiva da vítima na produção do acidente ou, pelo menos, ser a percentagem de culpa atribuída à 3.ª Ré empreiteira fixada em 50%, com os restantes 50% a recaírem sobre a vítima, com a consequente redução do montante indemnizatório.
    Ainda à cautela, sem prescindir e subsidiariamente, para o caso de se entender que recai sobre as Rés, ora Recorrentes, a obrigação em indemnizarem os Autores pelos danos em apreço nos autos, deverá a doutra sentença ser revogada e substituída por outra que:
    a) fixe em MOP$500.000,00 o quantum indemnizatório pelo dano morte da mulher/mãe dos Autores ao invés das actuais MOP$1.000.000,00;
    b) fixe em MOP$200.000,00 o quantum indemnizatório pelos danos morais sofridos pelo 1.° Autor, ao invés do actual montante de MOP$400.000,00;
    c) desconte, nas proporções previstas na sentença recorrida para cada um dos Recorridos, o montante de MOP$370.944,00 por estes já recebido no âmbito do aludido processo de trabalho por estes já recebido no âmbito do aludido processo de trabalho no montante global de MOP$651.019,60 ora arbitrado aos Autores a título de lucros cessantes, o que implicará que a redução da indemnização nesta parte para MOP$280.075,60,
    
    4. A e outros, AA. nos autos à margem referenciados, notificados das alegações de recurso apresentados pela 3° R., Companhia de Construção e Engenharia E Limitada e pelas Rés Intervenientes, Asia Insurance Company Limited e Companhia de Seguros da China (Macau), S.A., vêm, nos termos do art° 613° n° 2 do CPC, apresentar a sua RESPOSTA, dizendo, em suma:
    Ao contrário do que afirmam, o Tribunal "a quo" não refere que os danos foram causados ''por alguém com o emprego de coisas, nomeadamente intervindo fisicamente sobre aquelas", mas que os danos foram causados pela coisa, em si - no caso, um bem imóvel - sobre a qual a 3° R. tinha o dever de vigilância.
    Este dever de vigilância, segundo a sentença recorrida, resulta exactamente do ''poder'' (da "guarda") que a 3° R detinha sobre o empreendimento e não das obras que no imóvel eram levadas a efeito.
    O ''poder'' sobre o empreendimento (ou a "guarda" sobre o imóvel) deriva da realização que lhe estava exclusivamente confiada e não das obras em curso (na expressão das recorrentes, "com o emprego da coisa").
    Os danos provocados estão, por conseguinte, "ligados à coisa em si" - o bem imóvel sobre o qual a 3ª R detinha o dever de vigilância, que foi descurado. Não é por se não ter provado - em face das respostas aos quesitos 15° e 17° da base instrutória - que o objecto que caíu da obra e atingiu a F e passou pelo buraco existente na rede, que se poderá afirmar, como o fazem as recorrentes, que o dano não foi provocado ''por qualquer anomalia no equipamento de segurança do imóvel".
    Não passou o objecto - pelo menos não se deu como provado - pelo tal buraco referido no quesito 15°.
    Mas caíu da obra, facto indesmentível, e passou forçosamente por onde não deveria ter passado, não tendo sido barrado pela cobertura vertical - que devia cobrir integralmente a fachada do edifício em construção (resposta ao quesito 16°) - nem pela cobertura horizontal da obra.
    O imóvel estava sob a vigilância da 3ª R; esta descurou este seu dever; logo, é responsável pela danos que o imóvel causou.
    Na expressão da sentença recorrida, não foi mantido o imóvel que estava à sua quarda "isento de perigos".
    Não se conseguiu apurar qual o objecto caído da obra, mas apurou-se que caíu da obra e foi esta queda o facto causador dos danos provocados na F.
    Por outro lado, não colhe a argumentação das recorrentes de que a sentença incorre em erro de raciocínio e de interpretação porquanto, não obstante presumir a culpa do 3ª R., não deveria eximir " ... os Autores de provarem o facto que subjaz a essa presunção".
    Os a AA., ora recorridos, provaram o facto subjacente àquela presunção de culpa: a queda do objecto da obra.
    Não, qual o objecto. Mas, de onde proveio o objecto.
    O dever de vigililância da 3º R. recaía sobre o imóvel; e foi do imóvel que proveio o objecto.
    Não concordarão as recorrentes, com o facto dado como assente, de que o objecto que atingiu a malograda F caíu da obra.
    Mas isso, convenhamos, não compete às recorrentes apreciar, tanto mais que não impugnam, pelo presente recurso, a matéria de facto assente.
    Não colhe a argumentação das recorrentes de que ficou por demonstrar a ilicitude da 3ª R.
    Expressamente, refere a sentença recorrida que "a 3ª R. omitiu o dever jurídico de tomar as medidas necessárias para evitar a queda do objecto que atingiu a mulher/mãe dos Autores".
    A ilicitude, deriva, assim, do incumprimento do dever de vigilância ou na violação do dever de manter o "empreendimento isento de perigos para terceiros",
    Estão, pois, preenchidos, no caso em apreço, os pressupostos de que a lei faz depender a obrigação de indemnizar:
    O facto - a queda do objecto da obra; a ilicitude - a violação do dever de vigilância por parte da 3ª R; a culpa da 3ª R que, aliás, se presume; o dano - a morte da F; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
    Pretendem, aqui, as recorrentes, como aliás, o faz a 3ª R. imputar culpa à F na produção do acidente.
    Não estava vedada à malograda F utilização da via onde ocorreu o acidente (resposta ao quesito 34°); no local, não obstante a inexistência de passeios, pistas, passagem para peões e bermas, era possível trânsitar com um mínimo de condições de segurança (resposta ao quesíto 36°); o trânsito no local era livre e não apenas destinado aos veículos em serviço nas obras (resposta ao quesito 37°); e a malograda F não tinha à sua disposição, para onde quer que fosse, várias vias alternativas (resposta ao quesito 41°).
    Parece óbvio que, se a F não estivesse no local, nada lhe teria acontecido.
    Mas também, se não tivesse saído de casa nesse dia ou se tivesse apanhado o autocarro numa outra paragem diferente daquela para onde se dirigia, poderia não ter tido o azar que, segundo parece, nem se apercebeu que tenha tido.
    Insurgem-se as recorrentes quanto aos montantes indemnizatórios arbitrados pela sentença recorrida.
    Para aquelas, o montante arbitrado de MOP$1,000.000.00, pela perda da vida por parte da mulher/mãe dos AA., é exagerado.
    Ao ponto de afirmar que tal indemnização, a concretizar-se por aquele montante, terá como consequência um "enriquecimento injustificado" dos AA .. Nada mais descabido, salvo o devido respeito.
    O direito à vida é igual para todos.
    Nada se deverá considerar - nomeadamente, os recursos económicos da falecida, o meio sócio-económico de onde é oriunda, os projectos pessoais de vida ... - que não apenas, e simplesmente, um prejuízo que é igual para todas as pessoas.
    Mas mesmo que assim não fosse, mas é, deu a sentença recorrida como assente que "a vítima tinha 42 anos e boa saúde, era amada pelos Autores e vivia em perfeita harmonia com os mesmos. Desse dados vê-se que se tratava de uma pessoa saudável e bem integrada no seu seio familiar com perspectiva de viver mais algumas dezenas de anos"
    Será preciso mais?
    O valor arbitrado é, pois, adequado ao caso concreto e está dentro dos limites actuais da jurisprudência na RAEM.
    O mesmo se diga no tocante aos valores arbitrados a título de danos morais sofridos pelos AA.
    O Tribunal "a quo", no geral, nada presumiu.
    Baseou-se nas respostas aos quesitos 30°, 31° e 32°.
    Apenas presumiu - mas, neste aspecto, as recorrentes não terão legitimidade para impugnar o decidido - que o marido da falecida, o 1° A., mantinha com esta "uma relação afectiva mais intensa" do que aquela dos restantes autores. Daí a diferença nos valores arbitrados, por um lado, ao A. marido (MOP$400,000.00) e, por outro lado, a cada um dos AA. filhos (MOP$200,000.00).
    No que aos lucros cessantes diz respeito, insurgem-se as recorrentes quanto a uma alegada "dupla indemnização" recebida pelos AA .
     Não teria a sentença recorrida, assim, tido em conta, na óptica das recorrentes, na a indemnização por lucros cessantes arbitrada, o montante recebido pelos AA. no ambito do processo de trabalho.
    A entidade patronal da falecida F (ou a seguradora que pagou aquele montante) poderiam intervir nos presentes autos contra os causadores do acidente, para exigir o pagamento que efectuaram.
    Não o fizeram, contudo.
    Assim sendo, o que as recorrentes pretendem é não pagar aos recorridos aquilo que a entidade patronal (ou a seguradora) pagou pelos danos emergentes de acidente de trabalho.
    Por outras palavras, pretendem substituir-se a quem pagou, não pagando.
    Ora, tal não resulta da lei, mais concretamente do disposto no art° 56º na 1 e 2 do Regime Jurídico aprovado pelo D.L. n.º 40/95/M, de 14.08.
    Não têm, por isso, as recorrentes legitimidade para exigir algo que só pode ser exigido por quem pagou naquele processo de trabalho.
    Os valores arbitrados pela sentença - que as recorrentes, aliás, não contestam - sempre terão que ser pagos pelos causadores do acidente ou por a quem foi transferida a sua responsabilidade.
    A eventual restituição da quantia paga no processo de trabalho é um facto que não diz respeito às recorrentes.
    Como diz, e bem, a sentença recorrida, é uma questão que não tem "relevância para determinação da indemnização devida nesta processo".
    Termos em que, pedem, deverá o recurso da recorrente Companhia de Construção e Engenharia E Limitada:
    - Não ser admitido, por falta de legitimidade; ou, quando assim se não entenda;
    - Ser julgado improcedente; e
    O recurso das recorrentes Asia Insurance Company Limited e Companhia de Seguros da China (Macau), S.A. ser julgado improcedente, mantendo-se, em ambos os casos, na íntegra, a decisão recorrida.
    
    5. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS

Vêm provados os factos seguintes:
    
   “Da Matéria de Facto Assente:
   - A F faleceu em 21 de Dezembro de 2005 quando tinha 42 anos (alínea A) dos factos assentes).
   - Os AA. são, respectivamente, viúvo e filhos de F (alínea B) dos factos assentes).
   - A 1ª R. é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada cujo objecto é “investimento em projectos de construção e exploração de estabelecimento ligados à indústria hoteleira” (alínea C) dos factos assentes).
   - A 2ª R. é uma sociedade anónima cujo objecto é a exploração de jogos de fortuna e azar ou outros jogos em casinos (alínea D) dos factos assentes).
   - A 3ª R. é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada cujo objecto é “actividades de construção de obras públicas e a prestação de serviços a empresas” (alínea E) dos factos assentes).
   - Através de contrato de seguro titulo pela apólice n.º AMC/ECA/04-80000064, celebrado com a interveniente, Asia Insurance Company Limited, a 2ª R. transferiu para esta a responsabilidade civil pelos danos sofridos por terceiros em consequência de eventuais acidentes causados pelas obras de construção do Casino e Hotel Starworld (alínea F) dos factos assentes).
   - A 3ª R. é o empreiteiro geral do empreendimento “Galaxy Starworld Hotel” (alínea G) dos factos assentes).
   - Não foi encontrado nenhum objecto que poderia ter causado as lesões que a F sofreu na cabeça (alínea H) dos factos assentes).
   - No âmbito do processo especial de trabalho que correu termos no Tribunal Judicial de Base sob o n.º CV2-06-0003-LAE, a morte F foi considerada resultante de acidente de trabalho (alínea I) dos factos assentes).
   - A entidade empregadora, Fábrica de Vestuário G Limitada (G製衣廠有限公司) foi condenada a pagar aos AA. A quantia de MOP$320.944,00, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação até integral e efectivo pagamento (alínea J) dos factos assentes).
   - Para o cálculo desse valor partiu-se de um salário diário de MOP$128,80, resultando um montante total de MOP$370.944,00 (128,80 x 30 x 96), do qual se retirou MOP$50.000,00 que tinha sido adiantada pela entidade empregadora aos AA. (alínea K) dos factos assentes).
   ***
   Da Base Instrutória:
   - A 1ª R. é concessionária do terreno constituído pelos Lotes “A1”, “A2”, “A3”, “B1” e “B2” junto à Rua Cidade de Sintra, Avenida 24 de Junho, Rua Cidade de Santarém e Avenida Sir Anders Ljungstedt, com a área total de 6864 m2 (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
   - A 1ª R. efectuou o projecto e investimento feito nesse terreno que constitui o empreendimento “Galaxy Starworld Hotel” (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
   - A 1ª R. é uma subsidiária da 2ª R. a qual detém indirectamente a totalidade do capital social da primeira (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
   - A 2ª R. efectuou indirectamente o projecto, investimento e suportou as custos do empreendimento “Galaxy Starworld Hotel” (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
   - A 2ª R. explora a actividade de jogos de fortuna ou azar no “Galaxy Starworld Hotel” (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
   - Em 21 de Dezembro de 2005, as obras do referido empreendimento estavam em curso (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
   - Os segurados do contrato de seguro referido em F) dos factos assentes são a 2ª R. e a chamada, H Engineering Management Company Limited, esta enquanto construction manager das obras (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
   - Esse contrato cobre também os casos em que a responsabilidade civil viesse a recair sobre o dono da obra (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
   - Através da apólice n.º PGH-04-000084-4, a chamada, China insurance (Macau) Company limited, assumiu 50% da responsabilidade civil a que se refere esse contrato de seguro (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
   - Nos termos desse contrato de seguro, cabe à interveniente, Asia Insurance company Limited, responder perante terceiros no que concerne aos pedidos de indemnização (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
   - No dia 21 de Dezembro de 2005, cerca das 17h10, quando a F passava no zona adjacente a esse empreendimento, foi violentamente embatida na cabeça por um objecto caído da obra (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
   - A F foi conduzida ao C.H.C.S.J. (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
   - A morte de F foi devida a traumatismo do cérebro por fractura do crâneo provocada pela queda de um objecto (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
   - O objecto que atingiu a F caíu das obras (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
   - A rede de protecção devia cobrir integralmente a fachada do edifício em construção (resposta ao quesito da 16º da base instrutória).
   - Essa estrutura de madeira destinava-se a proteger as pessoas em geral (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).
   - Os trabalhadores da 3ª R. constataram que a F ficou estatelada no solo (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).
   - Não havia outras obras nos arredores (resposta ao quesito da 21º da base instrutória).
   - Com as despesas de funeral da F, os AA. Despenderam a quantia de MOP$30.800,00 (resposta ao quesito da 24º da base instrutória).
   - À data da morte, a F auferia a quantia mensal de MOP$3.864,00 (resposta ao quesito da 25º da base instrutória).
   - Era com o referido vencimento que a F suportava, juntamente com o vencimento do Autor A, as despesas do agregado familiar (resposta ao quesito da 26º da base instrutória).
   - Este salário era indispensável à satisfação das necessidades do agregado familiar, nomeadamente, habitação, saúde, alimentação e educação (resposta ao quesito da 27º da base instrutória).
   - A F trabalharia por mais 23 anos (resposta ao quesito da 28º da base instrutória).
   - A F gozava de boa saúde (resposta ao quesito da 29º da base instrutória).
   - Os AA. perderam respectivamente a mulher e a mãe que amavam e com quem viviam em perfeita harmonia e união familiar (resposta ao quesito da 30º da base instrutória).
   - Os AA. tiveram momentos de sofrimento pela inesperada, horrível e violenta morte de sua mulher e mãe (resposta ao quesito da 31º da base instrutória).
   - É previsível que tal dor acompanhe os AA. por muitos anos (resposta ao quesito da 32º da base instrutória).
   - A F foi encontrada no cruzamento entre a Rua Cidade de Santarém e a Avenida Sir Anders Ljungstedt, a uma distância de 10,5m contados da parede do Casino e Hotel Starworld sita na Rua Cidade de Santarém e de 8,5m contados da parede do mesmo edifício sita na Avenida Sir Anders Ljungstedt (resposta aos quesitos das 33º e 51º da base instrutória).
   - Na Rua Cidade de Santarém, na parte que se situava próximo do Casino e Hotel Starworld, não existiam quaisquer passeios, pistas, passagens ou passadeiras destinados aos peões ou sequer bermas (resposta aos quesitos das 35º e 38º da base instrutória).
   - A Avenida Sir Anders Ljungstedt, via perpendicular à Rua Cidade Santarém e que a intersecta, encontrava-se dotada de passeios destinados ao trânsito de peões (resposta ao quesito da 39º da base instrutória).
   - O mesmo sucedia com as vias públicas sitas paralelamente à Rua Cidade de Santarém (resposta ao quesito da 40º da base instrutória).
   - Se a F tivesse utilizado uma das alternativas jamais teria sido vítima do acidente (resposta ao quesito da 42º da base instrutória).
   - No dia 21 de Dezembro de 2005, foram registados na RAEM ventos fortes de monção cuja intensidade forçou a Direcção dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos a hastear o sinal de bola preta (resposta ao quesito da 43º da base instrutória).
   - O sinal de bola preta é hasteada sempre que são registados ventos de monção excedendo 41km/h (resposta ao quesito da 44º da base instrutória).
   - As fortes e intensas rajadas podiam ter causado a deslocação de um qualquer objecto que tenha vindo a embater na F (resposta ao quesito da 45º da base instrutória) .
   - A 1ª ou a 2ª RR. não interferiram nem deram instruções à 3ª R. ou aos seus trabalhadores relativamente às condições de segurança da obra ou ao cumprimento das normas contidas no Regulamento de Higiene e Segurança no Trabalho (resposta ao quesito da 46º da base instrutória).
   - Os AA. receberam a quantia por que a entidade empregadora tinha sido condenada (resposta ao quesito da56º da base instrutória).”
    
    III - FUNDAMENTOS
    A. Do recurso interlocutório
    Foi interposto recurso do despacho de fls. 779 que, entre outros, indeferiu o depoimento de parte da 3.ª ré "Companhia de Construção e Engenharia E, Limitada" requerido pelas recorrentes à matéria do quesito 46.°.
    O Meritíssimo Juiz a quo justificou o indeferimento do depoimento de parte requerido pelas recorrentes com a circunstância de o quesito 46º não corresponder a um facto desfavorável à 3.ª Ré sendo certo que como se diz no despacho recorrido "o depoimento de parte constitui um meio processual de provocar a confissão judicial, só é admissível quando recai sobre factos desfavoráveis ao depoente e que esta tem uma posição sobre o facto diferente da parte que requereu o seu depoimento".
    O objecto deste recurso interlocutório incide unicamente sobre a natureza do quesito 46.º de modo a apurar se do mesmo, uma vez provado, resultaria um facto desfavorável à 3.ª Ré e, consequentemente, favorável às ora Recorrentes.
    Pretendia-se, pois, o depoimento da 3.ª Ré ao referido quesito , onde se indagava se “A 1ª ou a 2ª RR. não interfiram nem deram instruções à 3ª R. ou aos seus trabalhadores relativamente às condições de segurança da obra ou ao cumprimento das normas contidas no Regulamento de Higiene e Segurança no Trabalho?” deveria ter sido admitida.
    Como está bem de ver a absolvição das rés do pedido, não vindo interposto recurso da sua banda, prejudica, por inútil, a apreciação deste recurso interlocutório, na medida em que só elas estaria interessadas, enquanto requerentes, na produção de tal depoimento.
Nesta conformidade, dele não se conhecerá.
    
    B. Do recurso final
    1. O caso
    Uma senhora, F, vai a passar na rua, junto do estaleiro de uma obra pertencente à 1ª ré, um certo hotel, detido pela 2ª ré, um dado casino, que efectuou o projecto e investimento, desenvolvido pela 3º ré, a empresa construtora e, eis se não quando, azar dos azares, cai-lhe um objecto, caído da obra, em cima da cabeça e a senhora morre quase imediatamente.
    Não se sabe qual o objecto que lhe provocou tais lesões causadoras da morte.
    Os familiares da malograda vítima foram ressarcidos em termos de acidente de trabalho in iitinere e recorreram aos meios comuns cíveis para serem ressarcidos dos danos sofridos.
    
    2. Decisão
    Discutida a causa, vieram as intervenientes seguradoras, por força dos contratos celebrados, condenadas a reparar os danos computado nos termos acima vistos, por assunção contratual da responsabilidade civil que impendesse sobre o dono da obra, nos seguintes termos:
    "a pagar, cada uma delas em metade da indemnização a seguir fixada:
    - Aos Autores a quantia de MOP$1.000.000,00, a título indemnização pelo dano morte sofrida por F e a quantia de MOP$30.800,00 a título de indemnização pelas despesas de funeral da mesma F;
    - Ao 1° Autor, A, a quantia de MOP$400.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais resultantes da morte de F e a quantia de MOP$415.444,40 a título de indemnização pelos lucros cessantes;
    - Ao 2° Autor, B, a quantia de MOP$200.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais resultantes da morte de F e a quantia de MOP$82.496,40 a título de indemnização pelos lucros cessantes;
    - Ao 3° Autor, C, a quantia de MOP$200.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais resultantes da morte de F e a quantia de MOP$104.392,40 a título de indemnização pelos lucros cessantes;
    - Ao 4° Autor, D, a quantia de MOP$200.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais resultantes da morte de F e a quantia de MOP$48.686,40 a título de indemnização pelos lucros cessantes".
    
    3. O objecto da questão a dilucidar
    Estão em causa os pressupostos da responsabilidade civil, defendendo basicamente a seguradora a seguinte tese: Não se tendo identificado o objecto, não se sabendo o quê, que coisa, caiu em cima da senhora, não se pode imputar a responsabilidade ao dono da obra, pela razão simples de que não se sabe se a coisa lhe pertencia, não se observando o pressuposto determinante da responsabilidade decorrente do artigo 486º, n.º 1 do CC.
    Avança-se ainda com a inobservância de outros pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente da ilicitude e montantes dos danos.
    
    4. Atentemos na posição das Rés Seguradoras.
     Na sequência da sua alegação de recurso, dizem:
    “Ora, é aqui que reside o grande vicio da sentença recorrida que, baseando-se num único facto - o que resulta das respostas aos quesitos 11.° e 15.° - e sem que nada se saiba quanto à natureza do objecto que atingiu a Sra. F conclui pela responsabilidade da empreiteira, com base no referido artigo 486.°, n.º 1.
    Com efeito, o facto de se ter dado como provado que o objecto que atingiu a vitima caiu da obra, sem mais, bastou para que a sentença recorrida imputasse ao empreiteiro a responsabilidade pelo acidente com base no preceituado no n.º 1 do artigo 486.° do Código Civil.
    A referida conclusão, significa o .estabelecimento, por parte da sentença recorrida, de uma verdadeira responsabilidade objectiva a cargo do empreiteiro a quem incumbe o dever de vigilância da obra pois para o aresto posto em crise o facto de se ter dado como assente que o objecto que atingiu a vitima caiu a obra - sem que nada se saiba sobre esse objecto ou a origem e circunstâncias da queda - basta para fazer recair sobre aquele a responsabilidade pelos danos em discussão nos autos o que, como acima já se referiu, é negado pela natureza do artigo 486.°, n.º 1 do Código Civil.”
    “... é de notar - como o não fez a sentença recorrida que, como acima se disse, fez uma leitura errada deste preceito - que na previsão do n. ° 1 do artigo 486.° do Código Civil apenas cabem os danos causados pelas coisas e não, como também já se referiu, os danos causados por alguém com o emprego de coisas, nomeadamente intervindo fisicamente sobre aquelas, porque neste caso será este agente o responsável, vigorando o regime geral da responsabilidade civil. “
     “... Ou seja no caso presente, ter-se-ia de ter alegado e provado qual o objecto que atingiu a Sra. F, que tal objecto era parte integrante ou componente da obra e a origem dessa queda e, consequentemente, que os danos sofridos por esta foram produzidos pelo imóvel sob a vigilância da 3.ª Ré, o que manifestamente não sucedeu.
    Do supra exposto resulta o erro de raciocínio e de interpretação em que incorre a sentença recorrida que para além de presumir a culpa da 3.ª Ré, exime os Autores de provarem o facto que subjaz a essa presunção. É isso o que transparece da afirmação do Meritíssimo Juiz a quo ao dizer que "nada dos autos permite afirmar que a queda foi causada por factos totalmente alheios à 3.ª Ré".
    Errado. Em matéria do facto gerador da responsabilidade não funciona qualquer presunção. Ou seja, não é pelo facto de o objecto ter caído da obra que se poderá aplicar sem mais a presunção de culpa prevista no n.º 1 do artigo 486.°: isso equivaleria, como acima se disse, a considerar que a responsabilidade de quem tem a seu cargo o dever de vigiar um imóvel, como uma responsabilidade objectiva, uma responsabilidade que funcionaria sempre que caísse um objectado imóvel, independentemente de se apurar se esse objecto é parte integrante do imóvel ou qual a origem da sua queda.
    Está-se perante o chamado ónus de prova do lesado: a fim de fazer funcionar e beneficiar da presunção de culpa estabelecida no artigo 486.°, n.º 1 do Código Civil o lesado tem de alegar e provar que os danos se ficaram a dever ou foram causados pela coisa sobre que recaía o dever de vigilância.
    (...)”
    5. Sobre esta argumentação contrapõem os autores:
    “Ao contrário do que afirmam, o Tribunal "a quo" não refere que os danos foram causados ''por alguém com o emprego de coisas, nomeadamente intervindo fisicamente sobre aquelas", mas que os danos foram causados pela coisa, em si - no caso, um bem imóvel - sobre a qual a 3° R. tinha o dever de vigilância.
    Este dever de vigilância, segundo a sentença recorrida, resulta exactamente do ''poder'' (da "guarda") que a 3° R detinha sobre o empreendimento e não das obras que no imóvel eram levadas a efeito.
    O ''poder'' sobre o empreendimento (ou a "guarda" sobre o imóvel) deriva da realização que lhe estava exclusivamente confiada e não das obras em curso (na expressão das recorrentes, "com o emprego da coisa").
    Os danos provocados estão, por conseguinte, "ligados à coisa em si" - o bem imóvel sobre o qual a 3ª R detinha o dever de vigilância, que foi descurado. Não é por se não ter provado - em face das respostas aos quesitos 15° e 17° da base instrutória - que o objecto que caíu da obra e atingiu a F e passou pelo buraco existente na rede, que se poderá afirmar, como o fazem as recorrentes, que o dano não foi provocado ''por qualquer anomalia no equipamento de segurança do imóvel".
    Não passou o objecto - pelo menos não se deu como provado - pelo tal buraco referido no quesito 15°.
    (...)
    Na expressão da sentença recorrida, não foi mantido o imóvel que estava à sua quarda "isento de perigos".
    (...)
    Não se conseguiu apurar qual o objecto caído da obra, mas apurou-se que caíu da obra e foi esta queda o facto causador dos danos provocados na F.
    (...)
     Os a AA., ora recorridos, provaram o facto subjacente àquela presunção de culpa: a queda do objecto da obra.
    Não, qual o objecto. Mas, de onde proveio o objecto.
    O dever de vigilância da 3º R. recaía sobre o imóvel; e foi do imóvel que proveio o objecto.
    (...)”
    6. Dos pressupostos da responsabilidade civil
    Nos termos do artº 477º, nº 1, do CC, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”

Para que haja responsabilidade civil é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos em função de uma dada conduta: que o acto seja ilícito, que haja culpa do agente, se verifiquem danos, se observe um nexo causal entre estes e a conduta, autonomizando ainda alguns autores o vinculo da imputação do facto ao agente.1
E não deixa de se observar que há quem reconduza esses pressupostos a dois mais um, este de carácter negativo, qual seja a ausência de causas de isenção de responsabilidade civil, deixando de os considerar atomisticamente, como é o caso do Prof. Pessoa Jorge que ensaia essa recondução apenas ao acto ilícito e prejuízos reparáveis, integrando a culpabilidade naquele primeiro requisito e o nexo causal no segundo.2 O que não deixa de ter alguma relevância no caso “sub judice” como adiante se verá.

É assim que para a responsabilidade civil ser atribuível - e não falamos aqui em imputabilidade - a alguém , axiomático se mostra que a conduta seja praticada por pessoa concretamente identificada, pois que só pode atribuir culpa a uma pessoa devidamente individualizada sendo certo que a pessoa responsável a pode transferir contratualmente para terceiro.

Seria aqui que radicaria a tese das recorrentes baseada na impossibilidade de identificação do autor da conduta. E assim seria se nos fixássemos, como se fixou a sentença, na óptica do artigo 486º, n.º 1 do CC, não se podendo imputar responsabilidade por desconhecimento da coisa letal.

A culpa é um juízo de censura que opera apenas pela acção do homem e se constrói em função dele. Mesmo quando se responsabiliza o homem por causa das coisas, dos veículos, das máquinas, dos animais, é em função de uma qualquer especial relação entre a coisa e o homem, que a detém, possui, titula, encabeça um qualquer direito sobre ela, que se atribui culpa que se visa responsabilizar.3

É por isso que a responsabilidade civil constitui um dos princípios fundamentais do Direito Civil erigido exactamente em função da pessoa humana, quiçá, pessoa jurídica.

A primeira indagação a fazer em termos de responsabilidade civil, ainda antes da verificação dos respectivos pressupostos, é o de identificar o agente, o autor da conduta, ilícita, culposa e causalmente danosa.

Ora, tal conduta é configurada pela lei com diferentes abordagens, seja em termos de acções ou omissões, em termos de voluntariedade ou ausência dela, em termos de actos concretos e específicos ou de actividades desenvolvidas, especial e abstractamente perigosas ou concretamente definidas, para em função dos contornos assumidos por cada uma delas fazer presumir ou não a culpa, se não mesmo responsabilizar independentemente desta (responsabilidade objectiva).

    7. A sentença fez decorrer a responsabilidade das RR do artigo 486º, nº 1, do CC, que
    “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”

Como já acima se disse, não seria preciso elucubrar muito para se concluir que, não se identificando a coisa que bateu na cabeça da vítima, ficaríamos sem saber o sujeito da relação que necessariamente essa coisa há-de ter com a pessoa a quem atribuir responsabilidade.
    Neste artigo presume-se a culpa de quem tem a obrigação de vigiar a coisa susceptível de causar danos, ou seja, de quem possui a coisa por si, ou em nome de outrem, desde que possa exercer sobre ela o controlo físico, podendo ser o proprietário ou não.4
    O que cabe na previsão da referida norma são apenas os danos causados pelas coisas e não os danos causados pelas pessoas com o emprego de coisas, designadamente intervindo fisicamente sobre elas. Neste caso, porque responsável será este agente, vigorará o regime geral da responsabilidade civil.
    Ora, desconhecendo-se o que caiu e bateu na cabeça da vítima, não se sabe a quem dirigir a culpa presumida pela omissão da conduta devida traduzida no dever de a vigiar e evitar que caísse.
    Se nos ficássemos por aqui, acolhendo o enquadramento feito na douta sentença recorrida, não deixariam as recorrentes de ter alguma razão.
    
    8. Nem se diga como se tenta na douta sentença e defendem com brilho os recorridos ao transpor a focagem necessária da coisa que causou o dano para a coisa imóvel por que os réus responderiam e que teriam a obrigação de vigiar.
    Estaríamos aí, eventualmente na previsão do artigo 485º, situação em que o desconhecimento do objecto causador do evento fatídico leva às mesmas conclusões de afastamento da imputação da conduta ao proprietário de edifício ou de obra que ruiu.
    É que nem sequer se fica a saber se foi uma parte do prédio em construção que ruiu, o que deslocaria a sede da responsabilidade para outra fonte ainda que sujeita a idêntico regime, se foi um qualquer objecto ou instrumento pertencente a um trabalhador, a um estranho, sequer se ainda que caída da obra, provinda de outro lugar.
    Os danos hão-de estar intimamente ligados com a coisa em si ou com os elementos que a integram, ou seja, que foram directamente provocados por qualquer elemento estruturante ou componente dessa coisa e incumbe à parte concretizar os elementos de facto que permitam estabelecer a presunção apontada na norma.
    
    9. Não se fundando a responsabilidade no prédio nem na coisa permitimo-nos ensaiar um outro enquadramento a partir da matéria de facto que vem provada e assenta na constatação da queda de um objecto da obra, o que desde logo nos remete para uma eventual omissão por parte do dono da obra que a deve desenvolver de modo a evitar esses acontecimentos.
    É verdade que a presunção de culpa não permite presumir mais do que isso, ou seja não se pode presumir que a coisa, porque caiu da obra, faz parte dela, é sua componente, sua parte integrante ou a ela destinada e o dever de vigilância ou a presunção da sua omissão deixaria de fazer sentido numa situação ainda baseada na culpa para se converter numa qualquer responsabilidade objectiva que a lei não prevê para as situações de danos causados pelas coisas, contemplando apenas as situações que vêm expressamente prevista na lei, como seja a responsabilidade do comitente, danos por animais, veículos, instalações de energia eláctrica ou gás artigos 495º, 496º e 502º do CC.
    Os danos hão-de estar intimamente ligados, se não com a coisa em si ou com os elementos que a integram, pelo menos com uma acção, uma omissão ou uma actividade.
    E é aqui que pensamos poder ainda radicar a responsabilidade civil por facto ilícito, tendo por preenchidos os respectivos pressupostos.
    Tratou-se da queda de um objecto da obra e embora se fique sem saber, conjugando essa afirmação com o alegado nos artigos 7º, 9º 12º da p. i. e se se referem à pertença do objecto ou à sua proveniência, não deixaremos de relevar o lugar donde caiu e a partir daí laborar sobre os deveres que impendem sobre a pessoa que o deve guardar e fiscalizar.
    A coisa caiu de um lugar onde se desenvolvia uma obra e observamos no Regulamento de Higiene e Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 44/91/M, de 19/7, no art. 159º:
    “1. As peças dos andaimes, ferramentas, utensílios e quaisquer materiais devem ser arriados cuidadosamente, não devendo ser arremessados para evitar ferir qualquer pessoa que se encontre perto.
    2. Além do referido no número anterior e no sentido de evitar que as pessoas possam ser atingidas por objectos que caiam dos andaimes ou de outros locais de trabalho, devem ser construídas coberturas tanto horizontais como verticais ou adoptadas quaisquer outras medidas que garantam, pelo menos, idêntica protecção.
    3. As coberturas de protecção podem ser feitas de qualquer material que sirva para o fim a que se destinam, incluindo tecidos, panos e redes.”
    Norma esta reforçada pela Convenção da OIT, n.º 167, em vigor na ordem jurídica de Macau, no artigo 13º:
   “1. Devem ser adoptadas todas as precauções adequadas para garantir que todos os locais de trabalho são seguros e isentos de riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores.
   2. Devem ser providenciados, mantidos em bom estado e, se necessário, sinalizados meios seguros de acesso e de saída dos locais de trabalho.
   3. Devem ser tomadas todas as precauções necessárias para proteger as pessoas que se encontrem num estaleiro da obra ou nas suas imediações de todos os riscos que esse estaleiro seja susceptível de comportar.”
    E no artigo 18º, n.º 1:
    “Sempre que seja necessário para prevenir um risco, ou quando a altura ou a inclinação de uma estrutura excedam os valores determinados pela legislação nacional, devem ser tomadas medidas para evitar a queda de trabalhadores, de ferramentas ou outros materiais ou objectos.”
    Na situação em concreto não é, pois, difícil enquadrarmos a obra em causa, levando até em linha de conta com as presunções naturais e o conhecimento generalizado e comum da perigosidade da construção em Macau, em particular quando se desenvolve em altura, considerando até os acidentes que são do conhecimento público decorrentes da queda de objectos, que a construção de um prédio, em particular com a envergadura daquele em concreto, comporta necessariamente grandes riscos e acarretam uma perigosidade notória.
    E aos promotores, donos e construtores cabe-lhes velar pela segurança e criarem condições para que o acidente não surja. É assim que o legislador faz presumir a culpa de quem desenvolva uma actividade perigosa pelos danos causados nos termos do nº 2 do artigo 486º, ao estabelecer que:
    “2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”
    Não se sabe de que coisa se tratava. Certo, mas tem-se por exigível ao construtor que criasse as condições para que nada pudesse cair dali.
    Nem se diga que os AA. não lograram provar o alegado buraco por onde a coisa terá passado. É que o facto de não o terem provado não significa que aquele ou outro buraco não existissem, pelo menos, não se deixa de presumir a culpa pelas quedas que possam ocorrer das obras que se desenvolvam como aquela sob apreciação.
    
    10. Síntese
    Aqui se acolhe, pois, o entendimento trazido também da Jurisprudência Comparada, enquanto já se considerou como perigosa a actividade da construção civil,5 avaliação esta que depende do circunstancialismo de cada caso 6, fazendo radicar aqui a responsabilidade não só na previsão genérica no princípio geral decorrente do artigo 477º, n.º 1, como na omissão do dever de vigilância do artigo 486º, n.º 2 do CC, dever esse imposto pela norma regulamentar acima citada.7
Cabia, por isso, às recorrentes alegar e provar que empregaram todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, o que não se mostra ter resultado dos autos, não se aceitando a tese das recorrentes para darem como verificado este requisito a não comprovação por banda dos réus que não terão comprovado o alegado buraco existente na rede.
Nem se diga que a presunção de culpa não obsta à comprovação do facto ilícito. Este resulta da comprovada queda de objecto da obra, queda essa que o construtor tinha a obrigação de evitar ou demonstrar que tudo tinha feito para que tal ocorresse.

11. Levantam as recorrentes outras discordâncias nomeadamente em relação à ilicitude. Sustentam as recorrentes que por demonstrar ficou a ilicitude.
A ilicitude está intimamente ligada à culpabilidade, só a culpabilidade jurídica relevando, numa aproximação à posição de Pessoa Jorge e traduz-se numa conduta não só violadora de direitos subjectivos como de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios – artigo 477º, n.º 1.
    Os recorridos dizem que o facto ilícito foi a queda de um objecto da obra que atingiu a vítima. Não, essa foi a consequência do facto ilícito que se traduziu numa omissão de um dever, como acima visto.
    A anti-juricidade só é relevante se tiver por objecto uma conduta que represente a violação de um dever. Violação essa que deve atingir o valor social do comportamento imposto como dever e traduzir-se numa rebelião voluntária contra a ordem jurídica. A omissão do comportamento devido tem a sua origem na vontade e, portanto, na liberdade do agente que podia não ter transgredido e transgrediu. 8
    Isto, que se afirma, para referir que não se acolhe a posição de que, estando-se no campo previsto pelo artigo 486.° só faz sentido falar na segunda das modalidades de ilicitude, o da violação de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios.
    Como se viu, do artigo 477º decorre que a violação de direitos subjectivos também concretiza uma forma de ilicitude. Ambas as vertentes não deixam de dever ser consideradas no art. 486º do CC.
    Com efeito, no caso presente, ali se contempla desde logo a existência de uma conduta ilícita e culposa que não deixa de se presumir no seu todo, não se podendo afirmar que ali se contempla tão somente uma presunção de culpa. Não se deixa de aludir ali a uma conduta que se traduz no dever de vigilância. O dever resulta da posição do agente em relação à coisa e na omissão se concretiza a conduta culposa, por isso merecendo o juízo de censura.
    A questão conexionada com a prova de ilicitude que os recorrentes dizem caber aos autores e que eles terão concretizado ao nível da rede de protecção que deveria cobrir o edifício e também a sua cobertura horizontal, as quais se destinavam a proteger as pessoas em geral e que não lograram provar, não só esgota os deveres do detentor ou possuidor da coisa a quem incumbia o dever de guarda e protecção da coisa a fim de que por acção dela resultasse mal a terceiro, como se entende que a presunção decorrente daquela norma cobre a culpa e a ilicitude no seu todo e conjugação.
    Por outro lado, o que dali decorre é que o agente presumido culpado pela conduta necessariamente ilícita, terá de provar, se quiser afastar a responsabilidade, que não teve culpa e envidou os esforços tidos como os da prudência normal e devida para evitar as consequências danosas causadas.
    
    12. Quanto se vem afirmando, para sublinhar a discordância quanto ao entendimento de que a morte da Sra. F, enquanto consequência de uma conduta ou omissão, não pudesse, também ela, ser demonstrativa da ilicitude, enquanto violação do direito à vida.
    A imputação da conduta ao agente não deixa aqui de operar pela identificação dos réus que desenvolveram uma obra com omissão de deveres que evitassem o facto causador do dano.
    
    13. A título subsidiário colocam-se outras questões que passaremos a apreciar.
    Desde logo as concernentes à concorrência de culpas se não exclusão de culpa do lesante, face ao percurso empreendido pela vítima, e se causal ou concausal a acção da vítima.
    Não temos de forma alguma como causal a conduta da vítima sob pena de cairmos na história da fábula do lobo e cordeiro, fazendo radicar a causalidade do sinistro em qualquer facto que pudesse ter desencadeado que aquela ali não estivesse naquele local e hora sinistramente errados.
    Não estava vedada à malograda F a utilização da via onde ocorreu o acidente (resposta ao quesito 34°); no local, não obstante a inexistência de passeios, pistas, passagem para peões e bermas, era possível transitar com um mínimo de condições de segurança (resposta ao quesito 36°); o trânsito no local era livre e não apenas destinado aos veículos em serviço nas obras (resposta ao quesito 37°); e a Sra F não tinha à sua disposição, para onde quer que fosse, várias vias alternativas (resposta ao quesito 41°).
    Não foi pelo facto de a vítima passar por um local porventura menos apropriado, não se comprovando que sobre esse trajecto impendesse uma qualquer proibição, que se pode sustentar a sua contribuição em termos de relevância jurídica para o acidente.
    
    14. Dos danos
    Insurgem-se as recorrentes quanto aos montantes indemnizatórios arbitrados pela sentença recorrida.
    Para aquelas, o montante arbitrado de MOP$1,000.000.00, pela perda da vida por parte da mulher/mãe dos AA., é exagerado, mas este Tribunal não acolhe esse entendimento.
    Tal montante situa-se dentro dos parâmetros do razoável e ainda que o direito à vida seja igual para todos, o seu ressarcimento não deixa de levar em linha de conta o circunstancialismo de cada caso, sendo que o montante arbitrado não se afasta do entendimento que tem sido adoptado nos nossos tribunais.
    Um milhão por uma pessoa que perde a vida no auge e pujança da sua existência, com 42 anos, com boa saúde, deixando marido e filhos que a amavam e bem integrada no seio familiar e que perde miseravelmente a vida nas condições descritas, não é nada; apenas a aproximação possível.
    O valor arbitrado é, pois, adequado ao caso concreto e está dentro dos limites actuais da jurisprudência na RAEM.
    
    15. O mesmo se diga no tocante aos valores arbitrados a título de danos morais sofridos pelos AA.
    O Tribunal baseou-se nas respostas aos quesitos 30°, 31° e 32°. Como bem dizem os recorridos, apenas terá presumido, como não deixa de ser legítimo presumir, que o marido da falecida, o 1° A., mantinha com esta "uma relação afectiva mais intensa" do que aquela dos restantes autores. Daí a diferença nos valores arbitrados, por um lado, ao A. marido (MOP$400,000.00) e, por outro lado, a cada um dos AA. filhos (MOP$200,000.00).
    
    16. No que aos lucros cessantes diz respeito, insurgem-se as recorrentes quanto a uma alegada "dupla indemnização" recebida pelos AA , não se tendo atendido à indemnização por lucros cessantes arbitrada, o montante recebido pelos AA. no âmbito do processo de trabalho.
    E neste particular afigura-se-nos que com alguma razão.
     O facto de a entidade patronal da falecida F ou a seguradora que pagou aquele montante) poderem ter intervindo nos presentes autos contra os causadores do acidente, para exigir o pagamento que efectuaram no montante de MOP$370.944,00 em sede de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, não dispensa o abate desse montante na reparação devida, sob pena de a indemnização se traduzir numa dupla reparação para os lesados, não sendo esse o espírito nem a natureza da obrigação de indemnizar que deve ser ressarcitória como decorre dos artigos 556º e 558º do CC.
    As indemnizações de acidente de trabalho que sejam simultaneamente decorrentes de acidente não são cumuláveis, mas sim complementares até ao ressarcimento total do prejuízo, como proclamado, aliás, à saciedade na Jurisprudência Comparada.9
    É o que decorre expressamente do artigo 56º do DL 40/95/M, de 14 de Agosto.
    Entende-se assim que aquele valor deve ser deduzida da quantia arbitrada na sentença recorrida.
    Não é, pois verdade que com tal posição as recorrentes pretendam substituir-se a quem pagou, não pagando; o que não se aceita é que os lesados recebam indevidamente pelos mesmos danos duas vezes.
    
    17. Em face do exposto, pelas apontadas razões, o recurso não deixará de proceder, apenas parcialmente, o que implica a revogação da decisão condenatória com absolvição das intervenientes Seguradoras em relação ao montante em que foi condenada a empregadora em virtude do acidente de trabalho.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogando a decisão proferida, apenas na parte relativa à fixação do montante indemnizatório, ao qual deve ser subtraído o montante de MOP$320.944,00 em que foi condenada a empregadora no processo CV2-06-0003-LAE.
    No mais se mantém o decidido.
    Custas do recurso final pelos recorrentes e recorridas na proporção dos decaimentos e sem custas o recurso interlocutório por dele não se ter conhecido.
Macau, 21 de Junho de 2012,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho


1 - A. Varela, Dto das Obrigações em Lições ao 3º ano jurídico de 1967-68, polic., Coimbra, 1968, 347; Gomes da Silva, Coonceito e Estrutura da Obrigação, Lx, 1943, 110; Vaz Serra, Requisitos da Resp. Civil, BMJ, 92,39
2 - Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Resp. Civil, Reimp., 1995, Almedina, 55

3 - Pessoa Jorge, ob. cit., 55
4 - Cfr. Pires de Lima e A. Varela, CCA, anot. ao artigo 493º e Das Obrig. Em Geral, Almedina, 2006, 592
5 - Ac. STJ de 24/3/77, BMJ 265, 233
6 - Ac. STJ, proc. 03B3074, de 15/1/04
7 - Ac. STJ de 8/7/2003, CJ/STJ, 2003, 2º, 126
8 - Pessoa Jorge, ob. cit. 317
9 - Ac. STJ, proc. 3075/05.2TBPBL.C1.S2, de 24/4/12; proc. 98S186, de 18/11/98; proc.041495, de 27/2/91; proc. 067147, de 30/5/78
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