Processo nº 607/2011
Data do Acórdão: 17MAIO2012
Assuntos:
contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal
SUMÁRIO
1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.
2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.
3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 607/2011
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I
A, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.
Citada a Ré, contestou deduzindo excepção de prescrição e pugnando pela improcedência da acção.
Proferido o despacho saneador, pelo qual foi julgada parcialmente procedente a invocada excepção da prescrição.
Continuou a marcha processual na sua tramitação normal, e veio a final a acção julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$2.015,00, acrescida de juros à taxa legal, a contar da data da sentença até integral pagamento.
Inconformado com a decisão final, recorreu o Autor alegando em síntese que
A. Com interesse para a caracterização da parte variável da remuneração como salário do A. ficaram provados os factos indicados nas alíneas B) a G), J) e K) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 2.°, 8.° a 11.º da Base Instrutória.
B. A quase totalidade da remuneração do A. era paga pela Ré a título de rendimento variável (cfr. nas alíneas B) a G), J) e K) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 2.º, 8.º a 11.º da Base Instrutória), o qual integra o salário.
C. Ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, o legislador de Macau recortou o conceito técnico jurídico de salário nos artigos 7.°, b), 25.°, n.º 1 e 2 e 27.°, n.º 2 do RJRL.
D. É o salário tal como se encontra definido nos artigos 7.°, b), 25.°, n.º 1 e 2 e 27.°, n.º 2 do RJRL que serve de base ao cálculo de inúmeros direitos dos trabalhadores, designadamente do acréscimo salarial devido pelo trabalho prestado nos períodos de descanso obrigatório.
E. A interpretação destas normas não deverá conduzir a um resultado que derrogue, por completo, a sua finalidade, a qual consiste em fixar, de forma imperativa, a base de cálculo dos direitos dos trabalhadores.
F. A doutrina invocada na douta sentença recorrida não serve de referência no caso "sub judice" por ter subjacente diplomas (inexistentes em Macau) que estabelecem o salário mínimo, e definem as regras de distribuição pelos empregados das salas de jogos tradicionais dos casinos das gorjetas recebidas dos clientes.
G. Em Portugal quem paga as gorjetas aos trabalhadores dos casinos que a elas têm direito não é a própria Concessionária, que nunca tem a disponibilidade do valor percebido a título de gorjetas, mas as Comissões de distribuição das gratificações (CDG), as quais, sendo distintas e autónomas da empresa concessionária são moldadas como entidades equiparáveis a pessoas colectivas, sujeitas a registo, com sede em cada um dos casinos.1
H. Ao contrário, em Macau, quem paga aos trabalhadores a quota-parte a que eles têm direito sobre o valor das gorjetas é a própria concessionária que o faz seu, e não a comissão responsável pela sua recolha e contabilização.
I. O primitivo carácter de liberalidade das gorjetas diluiu-se no momento e na medida em que as gorjetas dadas pelos clientes não revertiam directamente para os trabalhadores mas, ao invés, eram reunidas, contabilizadas e distribuídas pela Ré, segundo um critério por ela fixado (alínea B) dos Factos Assentes).
J. Distribuição essa, sublinhe-se, que, como ficou provado, era feita por todos os trabalhadores da Ré e não apenas por aqueles que contactavam com os clientes - alíneas B) a G), J) e K) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 2.º, 8.º a 11.º da Base Instrutória.
K. No caso dos autos, as gorjetas que se discutem não pertencem aos trabalhadores a quem são entregues pelos clientes dos casinos (nas alíneas B) a G), J) e K) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 2.º, 8.º a 11.º da Base Instrutória).
L. Estas gorjetas pertencem à Ré que com elas faz o que entende, nomeadamente o especificado alíneas B) a G), J) e K) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 2.º, 8.º a 11.º da Base Instrutória.
M. A Ré tinha o dever jurídico de pagar ao A. quer a parte fixa, quer a parte variável da remuneração do trabalho (alínea B) a G), J) e K) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 2.º, 8.º a 11.º da Base Instrutória).
N. O pagamento da parte variável da retribuição do A. - que corresponde à quase totalidade da contrapartida do seu trabalho - traduziu-se numa prestação regular, periódica, não arbitrária e que sempre concorreu durante todo o período da relação laboral para o orçamento pessoal e familiar do trabalhador (Quesitos 12.° e 19.° da Base Instrutória).
O. Tais gratificações sendo de montante superior à remuneração-base são tidas como parte integrante da retribuição, dada a sua regularidade e o seu carácter de permanência, independentemente de quem as atribua.2
P. Assim, nos termos do disposto nos artigos 7.°, b) e 25.°, n.º 1 e 2 do RJRL, a parte variável da retribuição do A. deverá considerar-se como salário para efeitos do cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de dispensa e descanso obrigatório.
Q. As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos e, em especial as auferidas pelo A. durante todo o período da sua relação laboral com a Ré, em ultima ratio devem ser vistas como «rendimentos do trabalho», porquanto devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não necessariamente como correspectivo dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que, na sua base, é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho.
R. Acaso se entenda que o salário do A. não era composto por duas partes: uma fixa e uma variável, então o mesmo será manifestamente injusto - porque intoleravelmente reduzido ou diminuto - e, em caso algum, preenche ou respeita os condicionalismos mínimos fixados no Regime Jurídico das Relações Laborais da RAEM, designadamente nos artigos 7.°, b), 25.°, n.º 1 e 2 e 27.°, n.º 2 desse diploma.
S. De tudo quanto se expôs resulta que, a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, na parte em que não aceita que a quantia variável auferida pelo A. durante toda a relação de trabalho com a Ré seja considerada como sendo parte variável do salário do A., terá feito uma interpretação incorrecta do disposto nos artigos 5.°; 7.°, n.º 1, al. b); 25.°; 26.° e n.º do art. 27.° todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
T. Nesta parte, a douta sentença deve ser alterada com as legais consequências, designadamente no que respeita à base de cálculo e ao cômputo da indemnização pelo trabalho prestados nos períodos de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
U. Os croupiers dos casinos não são remunerados em função do volume de apostas realizadas na mesa de jogo, nem são eles que fixam o seu período e horário de trabalho, sendo-lhes vedado trabalhar quando e quanto lhes convém, conforme resulta também das alíneas L) e M) dos Factos Assentes e das respostas aos quesitos 12.° a 19.° da Base Instrutória.
V. O salário diário destina-se a remunerar os trabalhadores nas situações em que não é fácil, nem viável, prever, com rigor, o termo do trabalho a realizar, como sucede, e.g., nas actividades sazonais, irregulares, ocasionais e/ou excepcionais, bem como na execução de trabalho determinado, precisamente definido e não duradouro, ou na execução de uma obra, projecto ou outra actividade definida e temporária.
W. O salário diário é, pois, próprio dos contratos de trabalho onde a prestação do trabalho não assume carácter duradouro, o que não sucede com o desempenho da actividade de croupier, que consiste num trabalho continuado e duradouro, a que, automaticamente, corresponde o estatuto de trabalhador permanente no termo do primeiro ano de trabalho consecutivo.
X. O entendimento de que a remuneração dos croupiers da Ré, e o do A. em particular, consiste num salário diário, não ficou provado por se tratar de matéria de direito, nem se coaduna com este tipo de funções, nem com as condições de trabalho, nem com estatuto de trabalhador permanente definido no artigo 2.°, f) do RJRL) , o qual pressupõe o exercício de uma determinada função dentro da empresa, de forma continuada e duradoura no tempo.
Y. Assim, a decisão relativa ao montante da compensação por descanso semanal deverá ser revogada por interpretação incorrecta do disposto nos art.os 7.°, n. ° 1, al. b); 17.°, n.º 6, a), 25.°, n.º 2; e 27.°, n.º 2, todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, fixando-se esse valor em MOP$91.293,62, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 2).
Z. A decisão relativa ao montante da compensação por descanso anual dos anos de 1990 a 1992 deverá ser revogada por violação do disposto quanto ao salário nos art.os 7.°, n.º 1, al. b); 25.°, n.º 2; e 27.°, n.º 2 do RJRL, e do disposto quanto à fórmula de cálculo nos art.os 21.°, n.º 1, 22.°, n.º 2, e 26.°, n.º 1 do mesmo diploma, devendo fixar-se em MOP$14.295,47, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 3).
AA. A decisão relativa ao montante da compensação por descanso anual do ano de 1993 deverá fixar-se em MOP$815.32, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 1).
BB. A decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 2) de cálculo do montante da compensação dos restantes feriados obrigatórios remunerados deverá ser revogada por violação do disposto no art.º 20.°, n.º 1 do RJRL, fixando-se esse valor em MOP$17.659,14, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 3) e, por conseguinte, condenado-se a Ré no pagamento do valor total de MOP$124.063,55.
NESTES TERMOS, e nos demais de direito que V. Exas. se encarregarão de suprir, deverá ser revogada a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, pois só assim se fará a já costumada JUSTIÇA.
Ao que respondeu a Ré pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
A fim de nos habilitar a apreciar as questões levantadas no recurso, passam-se a transcrever infra os factos que ficaram provados na primeira instância:
O A. cessou a relação laboral com a R. em 7 de Abril de 1993. (A)
O A. foi admitido como empregado de casino (樓面、庒荷), recebendo de dez em dez dias da entidade patronal, como contrapartida da sua actividade laboral, desde o início da relação contratual até à sua cessação, duas quantias, uma fixa, e ainda outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casino vulgarmente designado por gorjetas. (B)
As gorjetas eram distribuídas pela entidade patronal segundo um critério por esta fixado. (C)
As gorjetas eram distribuídas por todos os empregados de casino da R., e não apenas aos que têm "contacto directo" com clientes nas salas de jogo. (D)
Os empregados que não trabalhavam directamente nas mesas ou os que não lidavam com clientes tinham também direitos a receber a distribuição das gorjetas. (E)
Os empregados recebiam quantitativo diferente das gorjetas, consoante a respectiva categoria profissional, tempo de serviços e o departamento onde trabalha, fixada previamente pela entidade patronal. (F)
As gorjetas eram provenientes do dinheiro recebido dos clientes dos casinos. (G)
Dependentes, pois, do espírito de generosidade desses mesmos clientes. (H)
Pelo que o rendimento dos trabalhadores da R. tinha um componente quantitativamente incerta. (I)
O A. como empregado de casino (樓面、庒荷), foi expressamente avisada pela R. que era proibido guardar com quaisquer gorjetas entregues pelos clientes de casinos. (J)
As gorjetas oferecidas a cada um dos seus trabalhadores pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas diariamente pelos seguintes indivíduos: um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar, um membro do departamento de tesouraria da R., um "floor manager" (gerente do andar) e trabalhadores das mesas de jogo da R., e depois distribuídas, de dez em dez dias, por todos os trabalhadores dos casinos da R. (K)
O A. prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela R. (L)
A ordem e o horário dos turnos são os seguintes:
1) 1° e 6° turnos: das 07H00 até 11H00, e das 03H00 até 07H00;
2) 3° e 5° turnos: das 15H00 até 19H00, e das 23H00 até 03H00 (dia seguinte);
3) 2° e 4° turnos: das 11H00 até 15H00, e das 19H00 até 23H00. (M)
O A. podia pedir à R. o gozo de dias de descanso, nos quais não auferia qualquer remuneração. (N)
O A. começou a trabalhar para a R. em 1 de Julho de 1987. (1°)
Durante o período em que prestava serviço à R., o A. recebeu nos anos
de 1987 a 1993 (doc. n.º 1 junto com a p.i.), os seguintes rendimentos:
a) 1987 = MOP$22.444,00;
b) 1988 = MOP$50.452,00;
c) 1989 = MOP$73.876,00;
d) 1990 = MOP$122.259,00;
e) 1991 = MOP$120.699,00;
f) 1992 = MOP$134.644,00;
g) 1993 = MOP$39.542,90. (2°)
Durante a vigência contratual, o A. recebeu da R., na parte fixa, no valor de MOP$4,10/dia, desde o início da relação contratual até 30 de Junho de 1989; MOP$10,00/dia, desde 1 de Julho de 1989 até à data de cessação da relação laboral. (3°)
O A. e a R. acordaram verbalmente, quando da sua contratação, que o salário do primeiro fosse conforme descrito em B). (8°)
Nele foi acordado que o A. tem direito a receber as gorjetas conforme o método vigente na sua entidade patronal. (9°)
E foi considerado, do ponto de vista do A., o recebimento das gorjetas uma das suas expectativas da remuneração do próprio trabalhador. (10°)
E o tal modo de pagamento (do rendimento variável) foi sempre regular e periodicamente cumprido pela R., o que se evidencia que, de ponto de vista da R., nunca deixou de considerar, quer a parte fixa, quer a parte variável da remuneração do A., como contrapartida do serviço por este prestado. (11°)
Durante a vigência da relação contratual, o A. nunca gozou os seus descansos semanais. (12°)
Nem a R. não pagou ao A. qualquer compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (13°)
Nem a R. lhe concedeu outro dia de descanso. (14°)
Durante a vigência da relação contratual, o A. nunca gozou os seus descansos anuais. (15°)
Nem a R. pagou ao A. qualquer compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (16°)
Durante a vigência da relação contratual, o A. prestou serviços nos feriados obrigatórios de 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1991 e 1992, bem como 1 de Janeiro e 3 dias do Ano Novo Chinês do ano 1993. (17°)
Nem a R. lhe pagou ao A. qualquer a compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (18°)
Até ao momento, a R. ainda não procedeu ao pagamento das quantias em dívida ao A. referentes aos dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios não gozados. (19°)
O A. era livre de pedir o gozo de dias de descanso sempre que assim o entendesse, desde que tal gozo não pusesse em causa o funcionamento da empresa da R. (24°)
Durante o período que durou a relação laboral, o A. gozou 15 dias de descanso no ano de 1993, com o conhecimento e autorização da R. (26°)
II
De acordo com o alegado nas conclusões do recurso, as questões levantadas que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória são a de saber se as chamadas gorjetas são ou não parte integrante do salário para efeitos de compensações ora reclamadas pelo Autor e os multiplicadores para o cálculo da compensação do trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios remunerados.
Da materialidade fáctica assente resulta que:
* o trabalhador recebia uma quantia fixa (MOP$4,10 e MOP$10,00 por dia), desde o início até à cessação da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM;
* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são contabilizados e distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a categoria dos beneficiários;
1. Natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;
Tanto o Decreto-Lei nº 101/84/M como o Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei impõe que o salário seja justo.
Diz o artº 27º do Decreto-Lei nº 101/84/M que “pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”.
Ao passo que o D. L. nº 24/89/M de 03ABR estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, paga-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.
A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.
A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.
In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.
Se levássemos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, esta quantia “tão diminuta” (MOP$4,10 e MOP$10,00 por dia) ser-nos-ia obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.
Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.
Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa do rendimento que o trabalhadora auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.
Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste nas quantias denominadas “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.
Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa tão diminuta como seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.
Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.
2. Os factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.
Pelo que vimos, fica decidida a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.
a) compensação do trabalho em descansos anuais
Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 101/84/M em 01SET1984, vigorava plenamente o princípio da liberdade contratual e da autonomia privada, sem quaisquer condicionalismos garantísticos legais, não havia lugar a quaisquer compensações senão as contratualmente convencionadas.
Já na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, ou seja, no período compreendido entre 01SET1984 e 02ABR1989, já foram estabelecidas algumas garantias aos trabalhadores, nomeadamente a compensação obrigatória pelo trabalho prestado em dias do descanso anual – artºs 24º/2 e 23º/1 (que são 6 dias).
Acerca do descanso anual, os artºs 23º e 24º prescrevem:
Artigo 23.º (Aquisição do direito a descanso anual)
1. O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios.
2. Nos casos em que a duração da relação de trabalho for inferior a 12 meses, mas superior a 3 meses, o período de descanso anual a que o trabalhador tem direito é o proporcional, na medida de 1/2 dia por cada mês ou fracção de duração da relação de trabalho.
3. Para os efeitos do disposto no número anterior, cada mês considerar-se-á completo às 24 horas do correspondente dia do mês seguinte; mas se no último mês não existir dia correspondente ao inicial, o prazo finda no último dia desse mês.
Artigo 24.º (Marcação do período do descanso anual)
1. O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2. No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual vencidos mas não gozados, a fórmula é:
1 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados.
Nos termos do disposto no artº 21º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada ano civil.
Nos termos do disposto no artº 24º do mesmo diploma, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar.
In casu, não resulta da matéria de facto provada que o trabalhador foi impedido pela entidade patronal de gozar os seus descansos anuais, não se deve aplicar assim a forma de multiplicação a que se refere o citado artº 24º.
E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual mas sem impedimento por parte da entidade patronal, afigura-se-nos correcto aplicar por analogia o regime previsto para a situação análoga no caso de descanso semanal, prevista no artº 17º/5 e 6.
Isto é, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de descanso anual, sem constrangimento da entidade patronal, deve dar analogicamente ao trabalhador o direito de ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, vencidos mas não gozados, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados, caso o trabalhador não tenha sido impedido pela entidade patronal de os gozar.
b) compensação do trabalho em descanso semanal
Como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, não há lugar à compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
Ao passo que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei já regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
Diz o artº 17º deste diploma que:
1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
c) compensação do trabalho em feriado obrigatório
Tal como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, só é de compensar o trabalho prestado naqueles três dias de feriados obrigatórios remunerados (o dia 1 de Janeiro, o dia 1 de Maio e o dia 1 de Outubro), mas apenas nas situações previstas no artº 21º/1-b), já não também na hipótese prevista no artº 21º/1-c), que é justamente a situação dos presentes autos, ou seja, a prestação do trabalho seja indispensável para garantir a continuidade do funcionamento da entidade patronal.
Portanto, in casu, como a entidade patronal, enquanto concessionária da exploração dos jogos, obrigava-se por lei e pelos termos do contrato de concessão a manter em funcionamento contínuo, não há lugar a compensações do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios na vigência da Lei nº 101/84/M.
No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:
1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.
Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).
Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.
Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.
A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.
Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:
3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).
Não impugnou o Autor o número dos dias em relação aos dias não gozados de descansos semanal e anual e de feriado obrigatório apurado na sentença recorrida.
E em face do acima concluído, há que revogar a sentença recorrida na parte que diz respeito aos quantitativos do salário diário médio para efeitos do cálculo da compensação do trabalho prestado pelo Autor nos dias de descansos semanal e anual e de feriado obrigatório remunerado, aplicar os multiplicadores aqui por nós enunciados para o cálculo das compensações do trabalho prestado pelo Autor nos dias de descanso semanal e anual e de feriado obrigatório remunerado em tudo quanto que a sentença fixou aquém dos aqui por nós enunciados, e passar a condenar a Ré no pagamento da compensação ao Autor conforme os mapas infra:
Trabalho em descanso semanal
Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
29/10/1990 - 31/12/1990
MOP339,61
9
339,61 x 9 x 2
MOP6.112,98
1991
MOP335,28
52
335,28 x 52 x 2
MOP34.869,12
1992
MOP374,01
52
374,01 x 52 x 2
MOP38.897,04
01/01/1993 - 07/04/1993
MOP407,66
14
407,66 x 14 x 2
MOP11.414,48
TOTAL:
MOP91.293,62
Trabalho em descansos anuais
Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
29/10/1990 - 31/12/1990
MOP339,61
1,5
339,61 x 1,5 x 3
MOP1.528,25
1991
MOP335,28
6
335,28 x 6 x 3
MOP6.035,04
1992
MOP374,01
6
374,01 x 6 x 3
MOP6.732,18
01/01/1993 - 07/04/1993
MOP407,66
2
407,66 x 2 x 2
MOP1.630,64
TOTAL:
MOP15.926,11
Trabalho em feriado obrigatório
Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
29/10/1990 - 31/12/1990
MOP339,61
0
339,61 x 0 x 3
MOP0,00
1991
MOP335,28
6
335,28 x 6 x 3
MOP6.035,04
1992
MOP374,01
6
374,01 x 6 x 3
MOP6.732,18
01/01/1993 - 07/04/1993
MOP407,66
4
407,66 x 4 x 3
MOP4.891,92
TOTAL:
MOP17.659,14
III
Pelo exposto, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso da sentença final do Autor, passando a condenar a Ré no pagamento ao Autor do somatório das quantias apuradas nos mapas supra, com juros às taxas legais a partir do trânsito em julgado do presente acórdão.
Custas pelas partes na proporção de decaimento em ambas as instâncias no recurso da sentença final.
RAEM, 17MAIO2012
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Choi Mou Pan
(Subscrevo a decisão da parte que não estão em disconformidade com a nova posição assumida após o acórdão proferido no processo nº 780/2007.)
1 Despacho Normativo n.º 24/89 que revogou o Despacho Normativo n.º 82/85, de 28 de Agosto junto à Contestação.
2 Vidé Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa supra citado.
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